segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Isolado entre milhões

Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) tem 2,3 milhões de pessoas que o "curtem" no Facebook. A propaganda e o pôster de “A rede social” vende o filme com a frase “Você não tem 500 milhões de amigos sem ter alguns inimigos”. Uma referência ao número de usuários da rede social mais usada e famosa do mundo. O pequeno gênio de 26 anos que construiu um império de US$ 6,9 bilhões de dólares é, portanto, um homem de superlativos.

Foi sobre o jovem eleito personalidade do ano pela revista “Time” que o diretor David Fincher - de “Seven” (1995) “Clube da Luta” (1999) e “O curioso caso de Benjamin Button” (2008) - e o roteirista Aaron Sorkin – de “Jogos de Poder” (2007) – resolveram se debruçar para contar uma história controversa, de hipérboles judiciais, com inveja, acusações de roubo de ideias e traição. Não poderia certamente dar num filme ruim.

Ainda que Zuckerberg tenha se calado quando Bem Mezrich escreveu o livro “Os bilionários acidentais”, que deu origem ao filme, e que a única coisa que se sabe que o jovem tenha comentado sobre a película foi de que não concorda com a tese de que criou o Facebook como uma forma de combater a rejeição feminina que sofria, é possível retirar de “A rede social” algumas conclusões.

Mesmo que uma parte do livro/filme não seja verdadeira como Zuckerberg acredita, são bastante plausíveis as acusações de traição do brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield), jogado para escanteio quando o Facebook começou a crescer e Zuckerberg passou a dar mais ouvidos para Sean Parker (Justin Timberlake), outro geniozinho da computação que já tinha causado terremotos de proporções bíblicas e marcas indeléveis nas gravadoras ao criar o Napster.

A maneira como a pessoa que financiou o início do site foi descartado é coisa de profissional da política de Brasília. O brasileiro hoje é um homem também com os seus bilhões (US$ 2,3 para ser mais exato) e a reparação judicial feita ao ter na rede social o seu nome associado à expressão “co-fundador”, mas jamais falou sobre os problemas ou deu entrevistas para falar sobre o caso. Não se sabe se isso faz parte do acordo ou ele simplesmente ainda se sente um amigo de Zuckerberg. Embora traído.

Aliás, diante de um jovem com tantos números de seis dígitos, Saverin lembra numa das melhores passagens do filme de Fincher que ele “era o seu único amigo”. Pausa para reflexão até mesmo sobre a maneira como usamos o Facebook com nossos 400, 500, incontáveis amigos. Quantos não passam de figurinhas em álbuns sociais eternamente incompletos e sempre crescendo numa frenética acumulação sem sentido? Ou como outro dia disse a Pitty no Twitter: “Quem muito segue, nada lê”.

Saverin era o único amigo de um desajustado freak que se atropelava com as palavras por ter um raciocínio mais rápido do que a velocidade da própria língua e um cérebro multifacetado que tornava quase impossível acompanhá-lo. Que por ser tudo o que um nerd normalmente é, se esforçava para parecer babaca, nas palavras de sua então namorada Erica Albright (Rooney Mara), talvez para entrar nas famosas e inúteis comunidades de Harvard, com seus trotes que vão do ridículo ao absurdo. Nunca conseguiu isso, ao contrário de Saverin, o que provocou um declarado ciúme em Zuckerberg.

Enquanto acompanhamos uma ideia que vai se transformar numa empresa lucrativa, Fincher expõe os argumentos controversos nas duas ações judiciais movidas por Saverin e pelos irmãos Winklevoss, que acusaram Zuckerberg de ter-lhes roubado a ideia da rede social. Se quase com 100% de certeza pode-se concluir que Saverin foi traído pelo seu então amigo, os argumentos dos irmãos atletas de remo de Harvard, por outro lado, gerariam no mínimo um debate.

Sim, eles tinham um projeto de criar uma rede social interna para que estudantes pudessem fazer comentários etc, mas esse insight foi o estopim para algo muito maior pensado por Zuckerberg também a partir do seu infeliz projeto Facemash de comparar as alunas de Harvard num joguinho machista. Ele juntou A com B, mas incluiu todo um alfabeto jamais pensado pelos Winklevoss para criar o seu Facebook. Pelo menos esta é a minha opinião.

Fincher e Sorkin conseguiram fazer com que três histórias caminhassem paralelas ao mesmo tempo em que sempre se cruzam sem que o espectador se perca em nenhum momento, criando um filme que é o melhor do diretor desde “Clube da Luta”. Embora nos últimos 11 anos Fincher tenha feito boas obras como “O quarto do pânico” (2002) e “Zodíaco” (2007). Não é à toa que “A rede social” está cotado para o Oscar não apenas pela qualidade da película como pelas boas atuações de Eisenberg, Garfield e Timberlake. O filme também recebeu seis indicações ao Globo de Ouro de 2011, apenas uma a menos do que o recordista “O discurso do Rei”, que ainda não estreou no Brasil. O que prova que "A rede social" é não apenas um sucesso de público, mas de crítica também.

Com a poeira tendo baixado e depois das ações judiciais, é curioso perceber que mesmo com tantos problemas particulares com o criador do Facebook tanto Saverin quanto Erica têm perfis na rede social. Saverin tem 142 amigos. Erica, 39. Zuckerberg não está entre os amigos de ambos.

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