domingo, 14 de julho de 2013

A dimensão entre o épico e o humano

Cavill com o uniforme do Superman/Divulgação
Numa fazenda no Kansas, enquanto conserta o seu carro, Jonathan Kent (Kevin Costner) observa o filho que só ele e a esposa, Martha (Diane Lane), sabem que veio das estrelas brincar com o cachorro da família em meio às roupas penduradas no varal. O sol está se pondo e o jovem Clark parece sonhar com feitos épicos. Capa vermelha nas costas, pose de herói de cinema ou dos quadrinhos, um herói que ele não imagina ter o potencial de ser. A câmera de Zack Snyder passeia com o garoto, passa por um carrinho de brinquedo encravado na grama de um verde intenso. O sol brilha no rosto do garoto ofuscando as suas feições. A fotografia é belíssima e a trilha sonora assinada por Hans Zimmer dá dimensão épica a uma situação prosaica. Todos sabemos quem é Clark. Ou melhor, quem ele será. Mas é impossível não sentir aquela sensação que Jonathan sente de que o filho está destinado a grandes feitos.

Minutos antes, Snyder nos exibe outra cena. Vestígios da fazenda, uma borboleta amarela banhada pelo sol de um fim de tarde. São momentos que não afetam a história de “O homem de aço” na sua essência, mas ao mesmo tempo são duas belas tomadas de um filme com mais pontos altos do que problemas na tentativa de retomada da história do Superman a partir da interpretação do diretor de “300” (2006) e “Watchmen” (2009).

Essas duas cenas têm a assinatura de Snyder, mas me lembraram os filmes de Terrence Malick pela força das imagens, pela ausência de diálogos, por dizerem muito de uma forma minimalista, iconográfica e terem uma intensidade amplificada pela trilha sonora.

“O homem de aço” é a quarta encarnação do Superman no cinema. É a tentativa de Snyder, que é responsável por um dos melhores filmes baseados em quadrinhos já feitos, “Watchmen”, e de Christopher Nolan, o homem que fez a melhor trilogia do Batman e aqui ataca de criador da história e produtor do filme, de fazer o homem de aço ressurgir e transformar Christopher Reeve, o ator que viveu o herói em quatro filmes entre 1978 e 1987, numa doce lembrança dos fãs.

Snyder tem um sucesso parcial na sua empreitada de revigorar o herói praticamente indestrutível e perfeito que veio de Krypton. Certamente “O homem de aço” é melhor do que “Superman returns”, o longa dirigido por Bryan Singer em 2006 e estrelado por um insosso Brandon Routh. O problema é que nem tudo sai exatamente como o planejado e é inevitável bater uma saudade de Reeve em qualquer cena minimamente dramática com a presença de Henry Cavill, ator da vez que agora veste o uniforme do herói, que finalmente aparece sem a cueca vermelha para fora.

Conhecido pelo seu trabalho na série “The Tudors”, Cavill, que viveu o Teseu no dispensável filme “Imortais” (2011), não tem nem carisma e nem demonstra talento para interpretar Clark Kent/Superman. Ok, deve ser realmente difícil interpretar alguém que é quase perfeito, mas Cavill não chega ao mínimo para dar ainda mais veracidade à proposta de Snyder de humanizar esse herói imbatível, de transformá-lo um pouco em gente como a gente com dúvidas, questões, uma busca por um lugar no mundo e a sensação de não pertencimento a um lugar. É o que prejudica um pouco a proposta de Snyder de fazer o homem de aço se expor, tocar o chão e exibir uma alma e um coração que tenham fragilidades enquanto seu corpo é indestrutível pela genética favorável e o sol que o alimenta. O sorriso de propaganda de margarina e a cabeça jogada para o lado esquerdo não ajudam nisso.

Cavill brilha sim nas cenas de ação, as que exigem menos de sua falta de carisma. E só se aproxima do que Snyder planeja quando demonstra sangue nas veias ao ver a mãe ser ameaçada pelo general Zod (um histriônico Michael Shannon, precisando fazer análise e apenas programado para matar).

Se Shannon foi uma escolha equivocada e Cavill é um poste que, por incrível que pareça, eu até vejo potencial para evoluir no segundo filme, Snyder não poderia imaginar que Amy Adams faria a Louis Lane mais sem graça de todas. Quatro vezes indicada ao Oscar, a atriz decepciona com uma atuação no piloto automático que não desperta nem simpatia nem ódio por uma Louis que deixa a sensação de ser apenas desnecessária na história. E isso não poderia acontecer dada a sua importância na vida do Superman.

Apesar dos problemas de elenco, “O homem de aço” tem méritos. Snyder trouxe de “Watchmen” a experiência de dar uma dimensão menos épica aos super-heróis dos quadrinhos. Algo que não é novidade, é claro, e vimos em personagens como o Homem de Ferro de Robert Downey Jr, o Wolverine de Hugh Jackman e até o Hulk de Mark Ruffalo.

Na repaginada do Superman, Clark Kent é um homem tentando entender quem ele é, em busca de suas origens, de alguma origem que ele desconhece e apenas sabe que veio de outro planeta. É alguém que não se ajusta à sociedade em que vive, mas que foi criado com valores muito fortes e demarcados com firmeza pelos Kent. Pegando emprestado uma frase do Tio Ben para Peter Parker, Clark também sabe que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”.

Clark ainda não se sente parte de algo, mas o mundo o vê como um alienígena e o teme. O horror ao desconhecido, o temor daquilo que não segue a mesma doutrina, a mesma fé - “O que o seu Deus diz sobre isso?”, pergunta o padre ao jovem que precisa se entregar ao general Zod para tentar salvar a humanidade – é o pano de fundo inserido pelo diretor para debater a coexistência entre povos diferentes.

Por isso Snyder abandonou a tentação óbvia de criar um primeiro filme com Lex Luthor como antagonista do herói. Foi assim na segunda versão de 1978 com Gene Hackman e na terceira com Kevin Spacey. Aqui, a Lex Corp aparece apenas em um rápido momento e só é perceptível por fãs atentos.

Para um herói atormentado por questões existenciais, era necessário buscar a inspiração interplanetária e aprofundar as suas origens. Entender o que é Krypton, quem é Jor-El (Russell Crowe), o seu pai, e a sua mãe, Lara (Ayelet Zurer). Por isso os primeiros 40 minutos são gastos no espaço. A partir daí, o passado aparece em flashbacks e reminiscências do jovem Clark. Isso é Snyder pavimentando a formação do caráter de Clark, a sua educação e reescrevendo levemente a história de uma forma que não deixe os fãs antigos tão melindrados. Foi uma tentativa louvável e que me arrisco a dizer que dá certo com os fãs que não são radicais.

Todo o recomeço é pensado a passos lentos e com a lógica da trilogia que permeia as adaptações de quadrinhos de hoje em dia. E há quem diga até que vai finalmente sair o filme da Liga da Justiça. Por isso que o "Planeta Diário" é coadjuvante na história e Clark ainda nem virou jornalista. Ele primeiro precisa saber quem ele é, de onde veio e qual o seu papel no mundo para aí sim começar a sua nova vida.

E para isso as figuras paternas são fundamentais. Tanto com Russell Crowe num momento espírita difícil de engolir, quanto com Kevin Costner, responsável pelos melhores momentos do filme. São os dois que ajudam Clark a virar um homem nobre.

É uma pena que Snyder não tenha contado com um Henry Cavill mais inspirado. Mas ao mesmo tempo tanto o diretor quanto o ator me deixam curioso e ansioso pelo segundo filme do homem de aço. Acredito num potencial de crescimento no próximo trabalho de um Superman que embarca numa nova fase. Para o alto, e avante.