sábado, 26 de junho de 2021

Cantoria, imigração e o sonho americano “Em um bairro de Nova York”

Usnavi e Vanessa rebolando para viver
Trabalho seguinte de Lin-Manuel Miranda depois do estrondoso sucesso de “Hamilton” (2020), “Em um bairro de Nova York” (“In the hights”, no original) já sofreria por si só com a pressão das comparações que teria com o grande sucesso que contava a história dos fundadores dos Estados Unidos com uma trilha sonora de rap, hip-hop e R&B. Até por também ser um musical.

É claro que “Em um bairro de Nova York” não tem a mesma força de “Hamilton”, mas não quer dizer que o filme se saia mal numa análise mais aprofundada. Pelo contrário, o trabalho dirigido por Jon M. Chu e roteirizado por Lin-Manuel Miranda e Quiara Alegria Hudes é muito interessante e trata de temas importantes, que não ficam escondidos mesmo com a alegria, leveza e beleza que este musical traz.

O filme conta a história de um grupo de imigrantes e descendentes de imigrantes que vivem num bairro do subúrbio de Nova York. Em Washington Heights, estão cubanos, mexicanos, porto-riquenhos, dominicanos… todos vivendo uma vida dura, simples, mas feliz e sonhando com uma realidade melhor.

É ali que vive Usnavi (Anthony Ramos), o querido dono de uma bodega que sonha em voltar para a República Dominicana. Usnavi deixou o país aos oito anos de idade, mas tem uma querida lembrança da ilha onde, ao lado do pai, viveu “os melhores anos da sua vida”. Seu objetivo é juntar cada centavo possível para poder voltar ao país junto com a abuela Claudia (Olga Merediz), a sorridente matriarca de todos no bairro.

Usnavi, porém, tem uma queda pela bela Vanessa (Melissa Barrera), que trabalha como manicure no salão de Daniela (Daphne Rubin-Vega), Carla (Stephanie Beatriz) e Cuca (Dascha Polanco), mas deseja mesmo virar uma estilista famosa e sair do bairro em que vive num apartamento ruim de frente para a linha do trem.

Ali perto, também vive Nina (Leslie Grace), espécie de irmã de Usnavi e que sofre com a pressão de ser a única que deixou o bairro para cursar uma universidade em Stanford, na Califórnia. Ela é o orgulho do bairro e do pai, Kevin (Jimmy Smits), que faz tudo por ela. Nina é o interesse romântico de Benny (Corey Hawkins), que trabalha na pequena empresa de Kevin, que vive em dificuldades financeiras.

Junto destes orbitam uma série de personagens que dão todo um colorido particular ao bairro, lidando com os problemas pessoas com muito otimismo e esperança.

“Em um bairro de Nova York” é um filme leve, com algumas belas canções, mas trata de temos muito importantes. Através das imagens bonitas, quase idílicas da Washington Heighrs filmada por Chu, vemos serem levantados temas relevantes em torno da imigração, da sensação de pertencimento a um lugar e da busca e reconhecimento de uma identidade própria. Personagens se questionando sobre suas próprias origens, sobre o que de fato se constitui a sensação de se estar em casa, o peso de não apenas viver a própria vida, mas carregar toda uma bandeira e bagagem cultural consigo quando se atinge uma posição mínima de destaque e as diferenças culturais.

Ao longo de 2h20m, vamos acompanhando como cada um dos personagens lidam com estas questões. Usnavi vive o sonho de uma Porto Rico encantadora pela infância e pelo tempo que passou ao lado de um pai que já faleceu. Para ele, foram os melhores momentos da sua vida, esquecendo-se que nos 20 anos seguintes ele construiu ali em Nova York relações de amizades muito fortes e leais e o respeito de todos num bairro que, por si só, está passando por mudanças causadas pela gentrificação da região. Este é outro tema abordado pelo filme a partir da necessidade do salão de beleza de Daniela, Carla e Cuca ter que deixar a região por causa do aumento dos aluguéis.

Vanessa, por sua vez, vive em negação daquela cultura. Ela quer ser estilista famosa, transpor a barreira da sua origem e se internacionalizar como a cosmopolita Nova York. Vanessa não quer ter problemas para alugar um apartamento por causa da sua origem. Mas só muito a frente ela vai perceber que a sua força está no que a faz ser única, bem como a própria força de Nova York está nas individualidades culturais tão únicas que constroem o dia a dia da cidade.

Já Nina carrega o fardo de ser a destaque do bairro. Enquanto todos pensam que ela vai brilhar e levar para o mundo o nome de Washington Heights, o que ela encontra lá fora, longe do ecossistema que tanto ama e sente saudades, é uma vida dura de xenofobia e desconfiança. Mesmo numa universidade conceituada. Ao contrário de Vanessa que sente a repulsa, mas se encontra dentro da cultura, Nina quer cada vez mais estar com a sua gente enquanto o bairro a “expulsa” para o mundo, dando a ela a dura missão de resolver as frustrações de todos que permanecem e permanecerão ali vivendo. Cabe a Nina ensinar ao pai, e, consequentemente, ao bairro que, por vezes, não há lugar como o próprio lar para renovar as energias e pensar em passos melhores a serem dados no futuro.

Todos no bairro têm questões com as quais lidar, nem sempre os caminhos serão os melhores, mas sim os possíveis. Tal qual a vida. “Em um bairro de Nova York” pode não ser brilhante como “Hamilton”, mas é bonito e divertido, expõe com beleza parte da riqueza cultural latino-americana. Tudo com bonitas e envolventes canções. É daqueles filmes good vibes para levantar um pouco o astral em tempos tão pandemônicos.

Cotação da Corneta: nota 7,5.

terça-feira, 15 de junho de 2021

"Cruella" e as justificativas para um vilão ser mau

Cruella pronta para estourar a boca do balão
Segundo filme da Disney focado em uma vilã do seu universo depois de “Malévola” (2014), “Cruella” não chega a ser uma tristeza completa como os dois filmes estrelados por Angelina Jolie, mas é preciso ligar a suspensão da descrença em modo turbo para justificar a origem das vilanias de Cruella de Vil (Emma Stone).

E esse é um problema de filmes focados em vilões que vimos também no “Coringa” (2019). A tentativa de normalizar o comportamento “psicopata” de alguém a partir de um trauma passado numa busca de encontrar ou criar camadas de profundidades que explorem uma humanidade daquele personagem que sabemos que é ruim. E por causa disso “Cruella” tem que rebolar muito para dar um sentido a uma pessoa que é má.

Não que os vilões não tenham que ter camadas e desenvolvimentos. É necessário e fundamental. Mas o antagonista não vive sem um protagonista. E quando o vilão vem para o foco do protagonismo, é preciso criar um antagonista que puxe ainda mais os limites anteriormente estabelecidos. No caso do Coringa era a sociedade decadente e caótica em uma vida miserável. No caso de Cruella, a figura da Baronesa (Emma Thompson), estilista extremamente cruel e egocêntrica que humilha todos os seus empregados e todos ao seu redor, os trata como lixo e tem uma personalidade absurdamente narcísica. Mais a frente entendemos, inclusive, a dinâmica entre ela e Cruella a partir de um plot twist, que não faz muito sentido e não funcionou muito bem.

A Baronesa, porém, acaba sendo o personagem mais interessante do filme. Mérito total de Emma Thompson. Emma Stone também não está mal, mas no duelo de Emmas, Thompson leva vantagem.

É questionável, porém, se funciona bem a dinâmica de rivalidade entre elas. Duas mulheres que se detestam por motivos que o filme tenta explicar a partir de um passado cujas verdades vão se descortinando com o passar do filme.

No fim, o que há de melhor no filme está na questão estética. Os figurinos e a maquiagem se destacam na produção, especialmente nos momentos em que Cruella está exibindo a sua arte para o mundo. A trilha sonora também é excelente, embora intermitente e sem deixar o filme respirar um pouco. Praticamente não há momentos de silêncio entre diálogos e música em mais de duas horas, jogando o filme numa desnecessária montanha-russa sonora.

Além disso, outro destaque é a carismática presença de Paul Walter Hauser no papel de Horace. O ator tem um ótimo tom cômico e todas as vezes que está em cena são cenas marcantes e divertidas.

Apesar destes destaques positivos, “Cruella” está longe de ser um grande filme. Ficou devendo. Mas talvez vejamos um segundo filme que, passada a fase do filme de origem, vejamos novas camadas sendo exploradas. Uma sequência de “Cruella” pode ser mais interessante e este filme mostrou uma história que tem potencial para crescer e não cair de forma decadente como a história de Malévola.

Cotação da Corneta: nota 5,5.