sábado, 24 de novembro de 2007

Leões comandados por cordeiros

Após seis anos de atoleiro no Iraque e no Afeganistão, o cinema norte-americano resolve reavaliar os fatos e fazer com que os responsáveis pela famigerada guerra ao terror se responsabilizem por seus atos. “Leões e Cordeiros” é um dos muitos filmes sobre as guerras perdidas do governo republicano que estão surgindo e serão produzidos daqui para frente.

E o que dizer sobre o retorno de Robert Redford à direção depois de sete anos, desde “A lenda de Bagger Vance” (2000)? Devo confessar que fiquei um pouco desapontado em relação ao que esperava, mas no cômputo final, pode-se dizer que é um bom filme. Uma película nota 7 se eu tivesse que classificá-la de alguma forma.

O que faz o filme ser bom são as boas atuações de Redford como o professor Stephen Malley, que tenta convencer um jovem e talentoso estudante a não se perder na vida por nada, e de Meryl Streep como a jornalista Janine Roth, que começa a se questionar sobre o papel da imprensa e sua parcela de culpa na guerra contra o terror.

Meryl não está brilhante como em outras oportunidades. “Kramer vs Kramer” (1979) e “O diabo veste Prada” (2006), só para citar dois filmes bem equidistantes. Porém, sua atuação segura é suficiente para gerar simpatia e engolir o atual apático e desconcentrado Tom Cruise (senador Jasper Irving) num duelo digno de aplaudir de pé o roteirista Matthew Michael Carahan.

Desde que a Cientologia tomou Tom Cruise de assalto, aliás, ele não está acertando uma. Vive apenas do sorriso e parece se repetir a cada filme, não importando se o personagem é um senador republicano ou um pai tentando se reconciliar com os filhos enquanto alienígenas invadem a Terra em “Guerra dos Mundos” (2005).

Cruise faz mais filmes bons do que tem atuações elogiáveis. É inegável que ele sabe com quem trabalhar, mas é impressionante que tenha desaprendido o básico de atuar. Devia rever “Colateral” (2004) e Jerry Maguire (1996), que lhe valeu uma indicação ao Oscar, para tentar se recuperar da lavagem cerebral cientológica.

O ator não convence como o senador republicano que defende com unhas e dentes as incursões dos Estados Unidos na Ásia. E aqui surge outro problema do filme de Redford. A “patriotada” por vezes suplanta a história. Talvez o diretor tenha colocado a mão muito pesada no filme. Ou então esta era sua intenção, pois tempos extremos talvez exijam medidas extremas para que os jovens acordem da letargia. É como comparar a sutileza de um “O tempo não pára” de Cazuza e a porrada sem papas na língua de “Vossa Excelência” dos Titãs.

De qualquer forma, dentro do engajamento de Redford, prefiro filmes mais densos como “Quiz Show” (1994), seu primeiro trabalho como diretor e que investiga os bastidores de programas de televisão que testam seu conhecimento, além de “Três dias de Condor” (1975) e o clássico “Todos os homens do presidente” (1976), sobre o caso Watergate que derrubou o ex-presidente Richard Nixon.

Independentemente dos altos e baixos que o filme possa apresentar, “Leões e Cordeiros” é uma obra necessária e atual. As três histórias visceralmente interligadas por um roteiro linear – e não estratificado como os de Guillermo Arriaga – são interessantes e geram reações internas. Nem sempre elas são boas, é verdade. Mas entre a esperança do jovem estudante, a fatalidade das montanhas do Afeganistão e a sensação de impotência da jornalista é impossível não sentir aquela vontade de fazer algo. Se este era o objetivo de Redford, ele acertou na mosca.

domingo, 18 de novembro de 2007

Flagelos opositores

Sou um mal necessário
Justifico a existência do belo
Justifico a existência da felicidade
Sem mim, não haveria Coriolano

Sou um mal necessário
Uma vela faltando no candelabro
O amargo que sublima o doce
O odor que o perfume endeusa

De mim, a paz nasceu
A vida floresceu
A mim os homens voltam
Ao caos eles se jogam

Sexo, violência,
básicos instintos
Dor, clemência,
passaportes para o limbo

Um mal necessário
A síntese do contrário

domingo, 11 de novembro de 2007

O primeiro “benefício” da Copa

Nesta semana o Brasil recebeu o primeiro benefício decorrente da escolha da Fifa como sede da Copa do Mundo de 2014. Foi enterrada a CPI do Corinthians/MSI, que investigaria a lavagem de dinheiro em clubes de futebol do país. Assim, ficaremos impedidos de saber a origem do dinheiro que moveu a parceria entre o clube paulista e um fundo de investimentos que ninguém sabe quem é dono, mas suspeita-se de que o capital venha da máfia russa.

Para que a CPI fosse enterrada, duas classes imbatíveis tiveram que se unir. Trata-se da dos políticos e a dos cartolas de futebol, reino em que ainda procuramos uma espécie confiável.

Num golpe iniciado pela alta cúpula do futebol brasileiro, nada menos do que 111 parlamentares retiraram o apoio à CPI nos últimos dez dias. O argumento para tal debandada? A candidatura do Brasil à Copa de 2014 seria prejudicada. Não sou eu que estou dizendo isso, mas o deputado Jorginho Maluly (DEM-SP) em e-mail enviado ao Blog do jornalista Juca Kfouri. Esse foi um dos argumentos usado pela cartolagem brasileira para enterrar a Comissão.

Maluly respondeu a Kfouri tentando se justificar. A emenda saiu pior do que o soneto. Um deputado que está preocupado com jogos de futebol ao invés de se preocupar com a investigação dos problemas da nação, independentemente das conseqüências externas, é tão irresponsável quanto seus pares que mantiveram sem uma justificativa plausível a idéia de retirar os nomes.

Ricardo Teixeira conseguiu o que Nosso Guia vem tentando há meses. Unir governo e oposição em torno de uma causa. Nos próximos dias, Lula devia solicitar uma reunião com Mr. Teixeira para saber o segredo do cartola, afinal retiraram o nome do requerimento parlamentares do PSDB (16 no total), do PMDB (21), DEM (15), PR (14), PT (13), PSB (7), PTB (7), PP (6), PcdoB (5), PV (4), PPS (2) e PDT (1). Se Nosso Guia conseguisse tamanha mobilização, era capaz da prorrogação da CPMF não apenas ter sido aprovada, como também ter tido a sua alíquota aumentada.

A quem interessar possa. Dos 18 estados candidatos a sediar jogos da Copa do Mundo de 2014, 17 tiveram parlamentares retirando a assinatura da CPI. O único estado que não se mobilizou foi o Mato Grosso do Sul.

São Paulo (9 parlamentares), Bahia (7), Rio (7), Ceará (5), Pará (5), Paraná (5) e Santa Catarina (5) tiveram parlamentares retirando assinaturas. Minas Gerais foi o recordista, com a incrível colaboração de 22 deputados.

Renato Russo escreveu com muita propriedade “nas favelas, no senado/sujeira pra todo lado” na letra de “Que país é esse?” (vídeo abaixo). É o que nos questionamos a cada vez que vemos absurdos como esse. Que país é esse?

Como um serviço à população, “Memórias da Alcova” publica abaixo a lista dos parlamentares que retiraram suas assinaturas da CPI do Corinthians.

Deputados: Afonso Hamm (PP-RS), Airton Roveda (PR-PR), Alexandre Silveira (PPS-MG), Angelo Vanhoni (PT-PR), Anibal Gomes (PMDB-CE), Anselmo de Jesus (PT-RO), Antonio Bulhões (PMDB-SP), Antonio Roberto (PV-MG), Arnon Bezerra (PTB-CE), Asdrubal Bentes (PMDB-PA), Ayrton Xeres (DEM-RJ), B. Sá (PSB-ES), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), Bruno Araújo (PSDB-PE), Camilo Cola (PMDB-ES), Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), Carlos Brandão (PSDB-MA), Cida Diogo (PT-RJ), Ciro Pedrosa (PV-MG), Claudio Cajado (DEM-BA), Cleber Verde (PTB-MA), Colbert Martins (PMDB-BA), Cristiano Matheus (PMDB-AL), Davi Alcolumbre (DEM-AP), Décio Lima (PT-SC), Domingos Dutra (PT-MA), Dr. Pinotti (DEM-SP), Dr. Talmir (PV-SP), Edinho Bez (PMDB-SC), Edmar Moreira (DEM-MG), Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Eugênio Rabelo (PP-CE), Evandro Milhomen (PCdoB-AP), Fátima Pelaes (PT-RN), Fernando de Fabinho (DEM-BA), Fernando Ferro (PT-PE), Flávio Dino (PCdoB-MA), Francisco Rodrigues (DEM-RR), Frank Aguiar (PTB-SP), Gastão Vieira (PMDB-MA), Geraldo Pudim (PMDB-RJ), Gonzaga Patriota (PSB-PE), Homero Pereira (PR-MT), Ilderlei Cordeiro (PPS-AC), Índio da Costa (DEM-RJ), Jaime Martins (PR-MG), Jairo Ataíde (DEM-MG), Jô Moraes (PCdoB-MG), João Magalhães (PMDB-MG), João Pizzolatti (PP-SC), José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG), Jorge Khoury (DEM-BA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Joseph Bandeira (PT-BA), Júlio Delgado (PSB-MG), Jusmari Oliveira (PR-BA), Laerte Bessa (PMDB-DF), Lelo Coimbra (PMDB-ES), Léo Alcantara (PR-CE), Lincoln Portela (PR-MG), Luciana Costa (PR-SP), Luciano Castro (PR-RR), Luiz Couto (PT-PB), Marcio França (PSB-SP), Marcio Reinaldo Moreira (PP-MG), Marcondes Gadelha (PSB-PB), Marcos Montes (DEM-MG), Maria Lúcia Cardoso (PMDB-MG), Maurício Rands (PT-PE), Milton Monti (PR-SP), Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), Neilton Mulin (PR-RJ), Nelson Bornier (PMDB-RJ), Nelson Goetten (PR-SC), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Nelson Meurer (PP-PR), Neucimar Fraga (PR-ES), Osmar Serraglio (PMDB-PR), Pastor Manuel Ferreira (PTB-RJ), Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), Paulo Bornhausen (DEM-SC), Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), Pedro Fernandes (PTB-MA), Pepe Vargas (PT-RS), Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Pinto Itamaraty (PSDB-MA), Prof. Sétimo (PMDB-MA), Rafael Guerra (PSDB-MG), Ribamar Alves (PSB-MA), Roberto Rocha (PSDB-MA), Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Sebastião Madeira (PSDB-MA), Sérgio Moraes (PTB-RS), Urzeni Rocha (PSDB-RR), Valadares Filho (PSB-SE), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Vicentinho Alves (PR-TO), Virgílio Gumarães (PT-MG), Vitor Penido (DEM-MG), Waldir Maranhão (PP-MA), Wladimir Costa (PMDB-PA), Zé Geraldo (PT-PA), Zequinha Marinho (PMDB-PA). Senadores: Cícero Lucena (PSDB-PB), Garibaldi Alves Filho (DEM-RN), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Adelmir Santana (DEM-DF), Almeida Lima (PMDB-SE), João Tenório (PSDB-AL).

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Intermitências do amor

Submeter uma obra ao olhar mordaz e pouco amigo da crítica deve ser um desafio angustiante e doloroso, além de ter resultados imprevisíveis. Cada filme é como um filho que você gosta e vê-lo sendo destroçado por críticos sem alma e de coração gélido deve ser de despedaçar qualquer um. Sem contar que quem analisa o filme nunca leva em conta a maneira heróica que se faz cinema no Brasil. Basta contar as dezenas de patrocinadores de cada película nacional para saber o quanto aquele dinheiro foi suado.

Lina Chamie não é uma diretora estreante. Ela já fizera “Eu sei que você sabe” (1995) e Tônica Dominante (2000). Contudo, nota-se um certo nervosismo em sua voz, que pode ser em parte creditada a uma timidez (não sei, não a conheço) ao apresentar a obra. É natural. Submeter um filho sob avaliação não é fácil e ter um desprendimento de ignorar algo negativo – nunca vi diretores de cinema admitirem que um crítico estava correto – só deve ser fácil para diretores muito cascudos como Cacá Diegues, também presente à pré-estréia de “A Via Láctea” na terça-feira retrasada.

Espero que Lina não tenha visto a minha cara no final da exibição. Odiaria vê-la partindo para cima de mim com argumentos agressivos e pré-conceitos como já li em muitos direitos de resposta em jornais. Uma idéia, aliás, excelente, diga-se de passagem.

O fato é que sem conhecer sua obra pregressa para uma sempre importante comparação, achei a “Via Láctea” um filme ruim. Fraco mesmo. Faltou-lhe algo que se perdeu no roteiro deixando-o confuso.

É claro que cada sorriso de Alice Braga poderia amolecer qualquer coração. Até mesmo o meu. Certamente a interpretação dela e a de Marco Ricca, praticamente os dois únicos atores em cena, é louvável e digna de aplausos.

Mas o filme é confuso, por vezes arrastado. Outras vezes é chato mesmo com aquele vai não vai pseudolírico, a música que introduz ao nada, o silêncio que só leva o olhar para o relógio no pulso.

Antes da sessão, Lina disse que “A Via Láctea” era uma história de amor. É verdade. É uma tragédia urbana e uma reflexão sobre o tempo que perdemos com coisas menores ao invés de cultivarmos o essencial. Permeado a isso, tipos trágicos das ruas de São Paulo vão aparecendo em cena, ensinando o caminho ao personagem de Marco Ricca até o desfecho inicialmente improvável, posteriormente inevitável.

A premissa é boa, o final interessante, mas os caminhos tomados foram, para mim, equivocados. Ou eu não estava no clima e aberto o suficiente para receber a narrativa de Lina. Essas coisas acontecem. Críticos não são deuses. Apenas pensam que são.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Marcas do passado

Diante do mundo, Sofia (Anália Couceyro) e Rímini (Gael García Bernal) formam um casal perfeito. Dentro do apartamento que vivem numa cinzenta Buenos Aires, a realidade é diferente. O divórcio é iminente e a melancolia está marcado no olhar perdido de Rímini da mesma forma que a tristeza é inerente à alma de Sofia.

A decisão de se separar é de comum acordo e Sofia até procura por um novo apartamento para Rímini. Em uma semana ele se muda e em pouco tempo conhece a modelo Vera (Moro Angheleri), mulher fragilizada por uma traição e extremamente ciumenta por isso. É com ela que ele tentará reiniciar a vida de algum ponto perdido no espaço.

Sofia não tem a mesma sorte. Parece ter partido dela a decisão ao mesmo tempo em que não se mostra madura o suficiente para arcar com as conseqüências da separação. Não consegue lidar com os mortos estampados nas fotos de 12 anos de casamento. Pede ajuda a Rímini, que tenta escapar, deixar as coisas no passado.

Lidar com o despedaçamento de uma relação, o momento em que corações estão sensíveis e almas dilaceradas talvez seja o tema principal de “O Passado” ótimo filme de Hector Babenco. Nele, Gael vive um homem a procura de um norte para a vida. Um caminho a seguir e uma maneira de dar novo sentido à sua existência. Mas ele será sempre de alguma forma prejudicado por Sofia.

Ambos não conseguem lidar com a separação. Sofia, sofrendo pela necessidade de separar as fotos do passado, uma metáfora para suas dificuldades em lidar com a morte. Rímini tentando deixar o passado onde deve estar se afastando subitamente de Sofia e refugiando-se no cigarro, na cocaína e, principalmente, em outras mulheres.

Impulsiva e insegura, Vera encerra tragicamente sua história com Rímini após um beijo de Sofia que ele tentou evitar. Mas neste instante, já surgira a paixão por Carmen (Ana Celentano), tradutora como ele, bonita, inteligente e que lhe dará um filho. A mulher perfeita para um homem que ainda sente falta de algo.

As dores, os conflitos internos e a relação mal resolvida causam um bloqueio que o faz esquecer as línguas que traduz. Mas Sofia teima em reaparecer como um fantasma. Mais do que isso, ela se torna um karma que o joga no abismo mais uma vez.

Sofia precisa que Rímini cumpra o que acha ser seu destino. Por isso o destrói a cada vez que ele tenta se reerguer. Na última vez que o tira da sarjeta, Rímini se rende e volta para ela. Só para resolver pendências passadas.

“O Passado” é um drama sobre escolhas e maneiras de seguir em frente após uma dor profunda. Na câmera de Babenco, o olhar, as minúcias da face e o silêncio são valorizados como diálogos do roteiro. E nisso ele tem como aliado o excelente ator que é Gael García Bernal.

O versátil Gael, que já foi um padre que se apaixona e engravida uma jovem em “O Crime do Padre Amaro” (2002), de Carlos Carrera, um homossexual em “A má educação” (2004), de Almodóvar, e o jovem revolucionário Ernesto Che Guevara em “Diários de Motocicleta” (2004), de Walter Salles, dá a Rímini uma alma vazia, perdida em futilidades ao mesmo tempo em que sente a angústia de encontrar uma saída.

Sem dúvida é um de seus melhores trabalhos e “O Passado” é um de seus melhores filmes. Uma película densamente maravilhosa de apreciar graças à confluência de talentos nela mostrada.