sábado, 26 de julho de 2008

Por trás e além de um simples blog


Clara Averbuck é uma blogueira que começou a fazer sucesso muito antes da febre dos blogs e do próprio termo “blogueiro” existir. Bem antes da internet rápida também. Com sua conexão discada – com direito aquele barulhinho enjoado que todos que têm mais de 18 anos conhecem muito bem – Clara começou a escrever. Na sua escrita versava sobre suas dores, seus prazeres e se expunha da maneira que achava melhor e sem qualquer censura interna, como você pode mesmo pode conferir nos blogs “Brazileira!Preta”, já extinto, e “Adios Lounge”, sua, digamos, atual casa.

Uma exposição crua, direta, sem delongas ou rodeios. A cada post lançava a sua filosofia de vida rascante que acalentava o sonho secreto de viver de escrever. Neste ponto, porém, entra a ficção, pois a própria Clara já postou em seu blog que escrever “aconteceu” e não foi uma busca obsessiva.

Já adentrando, portanto, no roteiro escrito por Murilo Salles, Melanie Dimantas e Elena Soarez, o blog fundamentou a escrita de Camila e foi o ponto básico para que Clara lançasse dois livros: “Máquina de Pinball” e “Das coisas esquecidas na estante”. Dos livros e do blog, o diretor Murilo Salles cria uma história levemente adaptada em sua vida e a chamou de “Nome Próprio”.

Para o desafio de viver algo próximo do que foi e é Clara, pois a própria já disse que o filme é uma adaptação livre de sua vida, Murilo escalou a atriz Leandra Leal, também uma blogueira que escreve “Alice me persegue”. É sob a inspiração de Clara e a pele de Camila que Leandra vive o que talvez seja o seu mais importante papel no cinema.

Sem medo de se expor e abraçando de corpo e alma essa mulher que faz da intensidade a mola mestra da sua vida, Leandra é, com o perdão do trocadilho, o nome de “Nome Próprio”.

No filme ela é Camila, mulher sem endereço ou amores fixos, de vida cigana e disposta a se arriscar para fazer cada página de sua vida única. Cada marca, cada cicatriz, é valorizada. Cada post do seu blog tem a alegria intensa ou a dor lancinante. Enfadonho é uma palavra que inexiste no seu dicionário.

Mas essa opção por estar sempre no limite gera marcas, feridas profundas, cicatrizes no corpo (algumas) e na alma (milhares). Somando isso à bebida, ao cigarro e às pílulas que ela toma, Camila é uma mulher deliciosamente perigosa.

Como não se apaixonar por esse espírito intenso e livre? Ela certamente não é a nora que toda mãe pede a Deus, mas é um furacão às vezes necessário para bagunçar existências mais pacatas.

Camila reconhece que vive no caos. Pensa em organizar tudo, dar um jeito em si, machucar menos as pessoas. E quando isso aparentemente vai acontecer, quando ela tenta deixar a vida do blog (sem deixar de escrever no blog) para se reescrever, é novamente jogada nas profundezas da dor. Afinal, não há um homem certo para domar essa fera.

Mas há uma mulher para entendê-la a ponto de interpretá-la. “Nome Próprio” nunca será o maior filme da sua vida nem é algo fácil de digerir como um blockbuster, mas a atuação de Leandra Leal vale o ingresso e encobre os erros históricos que só os chatos percebem como a falha no roteiro quando ela diz “garota BBB” ou quando paga uma garrafa de bebida com uma nota de R$ 20. Duas coisas que não existiam no tempo da internet discada.

domingo, 20 de julho de 2008

A piada mortal


Há sete meses uma overdose de remédios tirou do mundo um ator que tinha tudo para se tornar um dos grandes de sua profissão. Elogiado pelo seu trabalho em “O segredo de Brokeback Mountain (2005) e “I´m not there” (2007), o australiano Heath Ledger não viveu para ver a sua maior criação, o seu maior trabalho nas telas do cinema.

Alguns meses atrás eu consideraria uma absoluta heresia falar o que pretendo dizer agora, mas, numa comparação direta entre os dois atores apenas no momento em que viveram o mesmo personagem, Heath superou Jack Nicholson. O ator, que morreu no dia 22 de janeiro aos 28 anos, fez do seu Coringa o maior e mais brilhante vilão da história dos filmes baseados em quadrinhos.

Poucas vezes eu vi um personagem dos quadrinhos transposto para a tela com tamanha perfeição. Heath viveu intensamente e foi o próprio Coringa. A cada vez que ele aparece em “Batman – O Cavaleiro das Trevas” domina a cena e coloca o filme no bolso do seu paletó roxo.

A risada assustadora, o gosto sádico de provocar o caos e inúmeras mortes, a indumentária suja, a maquiagem desbotada, os cabelos desgrenhados. O Coringa sombrio de Heath Ledger é brilhantemente construído e quase a criação viva de Bob Kane.

Confesso que quando vi em “Batman Begins” (2005) a carta do Coringa surgindo na última cena, fiquei com o pé atrás. Achava que ninguém faria este personagem tão bem quanto Jack Nicholson e não me parecia que o diretor Christopher Nolan pretendia escalá-lo novamente no papel do mais famoso vilão dos quadrinhos. Algo que se confirmou quando Nolan escolheu Ledger, então famoso por ter vivido um cowboy gay em “Brokeback Mountain”.

Pronto, achei que tudo estaria perdido. Um “viadinho” vivendo o Coringa só poderia ser piada de mau gosto. Até que no ano passado surgiram suas primeiras e assustadoras imagens. Despertou a minha atenção aquela visão de um lunático psicopata com cara de palhaço. Ao assistir ao trailer do filme, fiquei ainda mais animado. O filme, no entanto, não deixa dúvidas: Ledger está perfeito e é o novo dono da atuação definitiva do Coringa. Maldito dia em que ele apareceu morto. Será difícil encontrar um substituto. Por enquanto, o Coringa terá que ficar muito tempo internado no Asilo Arkham enquanto Batman combaterá outros vilões. Outro Ledger não será fácil de encontrar.

Agora se discute se o ator merece ganhar um Oscar póstumo por sua interpretação, o que só aconteceu uma única vez, em 1976, com Peter Finch por “Rede de intrigas”. É difícil dizer se ele merece, porque daqui até fevereiro, outros grandes trabalhos podem surgir. Pesa contra o ator, o fato da Academia nunca premiar filmes baseados em quadrinhos por mais geniais que eles sejam – e "Batman - O Cavaleiro das Trevas" é. Digamos que estes tipos de filmes não são considerados sérios (por isso Jack Nicholson, que merecia ganhar pelo outro Coringa, sequer foi indicado). No que convém lembrar o Coringa e perguntar: “Why so serious?”.

Por outro lado, sua intensa e perturbadora atuação e a sua própria morte podem garantir ao ator uma indicação e até uma vitória como forma de homenagem. Merecida, aliás. Só não sei dizer se isso faria os filmes baseados em quadrinhos serem vistos com a seriedade que são por estúdios (afinal, estes trabalhos dão muito retorno financeiro e de merchandising), diretores e atores, que têm feito um trabalho cuidadoso e de muito respeito para agradar os fãs xiitas como eu e aqueles que nunca pegaram uma revista para ler.

Mas o Coringa é só o ponto mais alto de um filme de muitos acertos. Nolan tem feito um trabalho brilhante ao reinventar a história do Batman dentro da cinematografia do herói, o único a ter seis filmes. Depois de quatro filmes muito irregulares ou excessivamente carnavalescos feitos por outros diretores, Nolan acertou mais uma vez em “O Cavaleiro das Trevas”. Em suas mãos, Gotham é o que sempre foi nas revistas. Uma cidade-problema, com muita violência, um verdadeiro caos, um Rio de Janeiro de hoje em dia.

Para defendê-la, um justiceiro que tenta limpar essa metrópole e se equilibrar na ética e em regras morais básicas. Mas como seguir regras se seus adversários estão dispostos a quebrá-las? O próprio Batman, portanto, será obrigado a quebrá-las. Tempos difíceis e com terroristas, como a polícia gosta de chamar o Coringa, requerem medidas extremas. Certamente um tema atual que o filme aborda e que deve se pensar. Mas Batman não é perfeito como o Superman e também comete seus erros. Não sem tempo de corrigí-los e se doar por um bem maior. Afinal, ele é o herói.

O conflito interno vivido por Batman/Bruce Wayne (o ótimo Christian Bale, que nasceu para ser o homem-morcego) é diametralmente oposto ao caos impetrado pelo Coringa. Eles são protagonista e antagonista. Um não vive sem o outro, como o próprio Coringa faz questão de lembrar, e isso é a essência das histórias em quadrinhos. É uma oposição ferrenha, com um testando o limite do outro.

Entre os dois, o grande trunfo dos filmes do Batman dirigidos por Nolan que não se encontra em outras adaptações. Grandes atores em papéis-chave que dão um peso e uma importância a cada cena com histórias paralelas que se encontram a todo o momento. Não haveria um filme da qualidade de Batman sem Michael Caine como o mordomo Alfred ou Morgan Freeman como Lucius Fox, o presidente das empresas Wayne, além de Aaron Eckhart, como o promotor Harvey Dent, que viria a se transformar no Duas-Caras.

Acima deles e próximo de Ledger está Gary Oldman, que abraçou o papel do tenente Jim Gordon, que agora se torna finalmente o comissário Gordon que conhecemos. Oldman também tem o filme nas mãos quando está em cena e seus duelos com Ledger são ótimos de assistir.

Com tantos talentos, Bale nem precisa aparecer o tempo todo nas 2h32m de filme. Pelo contrário, há um saudável equilíbrio num trabalho que bem poderia ser do comissário Gordon, por exemplo. Ou do Coringa. Há quem diga que já é. A verdade é que o herói é apenas parte de uma história sobre Gotham City, uma metrópole tomada pela violência e com ataques que aterrorizam a população. Uma cidade que tenta ser salva por um justiceiro e a boa vontade e a coragem de alguns poucos cidadãos honestos infiltrados numa polícia e numa política tomada pela corrupção e os vícios do crime organizado. Poderia ser o Rio de Janeiro. Poderia ser o Brasil. Mas nos falta um herói para nos encorajar. Falta-nos um Batman.


“Batman – O Cavaleiro das Trevas” (em que pese o título nada ter a ver com a história em quadrinhos original de mesmo nome escrita por Frank Miller) é um dos melhores trabalhos sobre quadrinhos que eu já vi. Como há uma deixa para um terceiro filme – eu captei a história do uniforme a prova de gatos e não engoli a “morte” de Rachel Dawson (Maggie Gyllenhaal). Será que ela vai virar a Mulher-Gato? – que ele venha o quanto antes. Já estou ansioso para ver o próximo capítulo dessa história de Gotham e seu justiceiro. Só lamento que Ledger não possa continuar na pele do Coringa. Um triste desfecho para seus fãs e para os fãs do arquiinimigo do Batman.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Rambo volta para casa

Antes de qualquer coisa, devo confessar que quando era criança tinha dois bonecos do Rambo. Um dele normal e outro quando se “transformava” realmente no exército de um homem só com direito aquela faixa vermelha na cabeça. Feita essa ressalva que o fará, nobre leitor, dirimir o que possa vir a ser um elogio mais exagerado, devo dizer que, movido por lembranças da infância, assisti ao velho Sylvester Stallone voltando ao papel de John Rambo e não me decepcionei.

Ao contrário de Rocky Balboa, outro personagem famoso de Sly que teve um retorno abaixo da crítica no ano passado, a volta de Rambo é, no mínimo, digna do personagem criado para lamber as feridas da humilhante derrota norte-americana no Vietnã na década de 60.

Nessa nova aventura, o veterano da guerra vive no sudeste asiático, onde sempre morou desde a segunda aventura de 1985, quando era buscado pelo coronel Trautman (Richard Crenna, morto em 2003, de câncer) para resolver algum problema para o exército americano.

Vinte anos depois da terceira aventura do herói no Afeganistão, com direito a vê-lo em uma cena histórica derrubando um helicóptero com uma metralhadora, Rambo dessa vez tem que se meter no conflito de Mianmar (Birmânia para alguns) para libertar alguns missionários que foram levar a boa nova e só receberam chumbo em troca.

O enredo se resume a isso. Rambo, o herói niilista. Qualidade que ele mantém nas duas expressões usadas por Stallone ou no roteiro fraquinho de frases feitas. Afinal, convenhamos, escrever nunca foi o forte de Stallone, que compôs o roteiro ao lado de Art Monterastelli, mais conhecido por escrever episódios de seriados de TV como “Brothers and Sisters”.

Os vilões são aqueles que bem conhecemos. Assassinos sanguinários que falam línguas que desconhecemos, não têm escrúpulos e não pensam duas vezes se tiverem a chance de matar inocentes ou estuprar mulheres e crianças.

Tudo muito óbvio como sempre foram as aventuras de Rambo, mas que eram uma diversão da Sessão da Tarde. É assim que Rambo parte para mais uma batalha – com direito a muito sangue despejado em cenas para lá de trash - quando perceberá que a paz que tanto buscava no local que muitos americanos caíram não será encontrada.

É aí que a história do herói avança. Antes um parêntesis. Muitos dizem que os filmes de Rambo não passavam de propaganda militarista e isso só se intensificou quando o ex-presidente republicano Ronald Reagan disse que se precisasse de alguma ajuda para definir as atividades militares dos Estados Unidos veria os filmes do herói.

Em parte, é verdade. Mas os três primeiros filmes são também (não riam) uma crítica ao próprio governo americano. Em uma cena de um dos filmes, Rambo, que nunca seguia as ordens de superiores que não fosse Trautman, discute com o próprio coronel e questiona por quê eles, os soldados, foram abandonados naquele atoleiro do Vietnã. “Eu nunca deixei de amar a América. Vocês é que nos abandonaram. Por que vocês nos abandonaram?”, pergunta o herói. Sem contar as inúmeras vezes que Rambo mete a porrada em oficiais americanos.

É por isso que Rambo resolve continuar vivendo no sudeste asiático, no meio da selva que foi sua algoz. Não se sente mais em casa na América, nem parte dela, pois se sente traído. É onde foi sua queda, que ele tenta reconstruir uma vida ou uma meia-vida. As marcas da guerra são muito profundas e ele quer esquecer que foi uma máquina de matar. Apesar dos apelos de Trautman, o herói nunca decidiu voltar para casa e nem sabíamos até agora se ele ainda tinha família.

Em “Rambo IV”, porém, descobrimos que ele tem um pai dono de um rancho no Arizona. Percebendo que o isolamento não curará suas feridas e que estes são fantasmas eternos na sua alma, John Rambo então resolve voltar para casa. Um desfecho dado à história que não contava apenas com um contratempo: o sucesso do filme nos Estados Unidos que já gera especulações sobre mais duas seqüências. Fazer o que se apesar dos clichês e obviedades, Stallone acertou a mão fazendo o simples e sem inventar muito.

Stallone não é um diretor de mão cheia, nem um roteirista de muitas virtudes, mas ao menos me deixou satisfeito com a retomada do personagem. É melhor que continue assim, fazendo o básico. Dizem que agora ele quer se arriscar filmando a biografia do poeta inglês Edgar Alan Poe. Aí o buraco é mais embaixo. Sinceramente, não consigo encontrar nele a delicadeza necessária para fazer um filme sobre um artista. Mas ele pode surpreender. É esperar para ver.

sábado, 12 de julho de 2008

Uma vida sem limitações

Editor da revista "Elle", Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) tinha a vida que muitos desejariam. Mulheres aos seus pés, carro conversível, filhos lindos, um pai que o ama e que ele corresponde com o mesmo amor e o poder que só os jornalistas renomados têm. Num trágico dia de 1995, ele resolve pegar um de seus filhos na casa de sua ex-esposa (a linda Emmanuelle Seigner) para levá-lo para passear no carro novo e acaba sofrendo um AVC.

De uma hora para outra, a vida excitante de outrora era interrompida e Jean-Do, como era mais conhecido, se vê quase que completamente paralisado. Dependente de todos e com limitações eternas, Jean-Do não nega que tenha pensado em morrer, mas resolve deixar os pensamentos ruins de lado e renascer dentro do possível.

Com a ajuda de uma técnica de linguagem desenvolvida pela ortofonista Henriette (Marie-Josée Croze), Jean-Do usa apenas o olho esquerdo para se comunicar com o mundo exterior. Uma piscada é sim. Duas representa não. A isso se resume a sua vida a partir de agora.

Dentro de si, porém, há um mundo de enorme a ser explorado. Locais nunca visitados, comidas saborosas a serem experimentadas. O corpo está limitado, mas é da mente que Jean-Do tira forças para sobreviver e atravessar as dificuldades para ter um final de vida que considere digno e não ser alvo da pena alheia.

É essa história de superação que o diretor Julian Schnabel leva para a tela em “O escafandro e a borboleta”, meu filme francês da vez até o momento (eu sempre tenho um todo ano).

Levar para as telas essa história real foi um desafio e tanto para Schnabel, que ganhou o corpo, a alma e a dedicação de Amalric. Juntos, no entanto, ambos conseguiram contar a história com dignidade e sem cair nos naturais recursos de dramatização para fazer o espectador se debulhar em lágrimas.

Nem nas situações mais agudas se têm pena de Jean-Do. Há momentos em que se lamenta da sua arrogância. Há momentos até em que se ri dele e com ele. Mas nunca há pena. Por outro lado, não há a sensação de que ele mereceu isso.

Schnabel escolhe e transpassa o caminho da neutralidade. Um triste acidente ocorreu. Daí se seguiu uma rica história de vida culminada com um livro todo ditado por Jean-Do contando suas experiências. O livro, que tem o mesmo nome do filme, fala sobre a vida do jornalista, suas limitações e explica como ele as superou. Ele poderia viver num escafandro (roupa hermeticamente fechada e provida de aparelho respiratório, que permite à pessoa trabalhar debaixo d’água), mas sua imaginação, sua riqueza por dentro, era a da viagem da borboleta que não encontra limitações no seu vôo.

É preciso muita força de vontade, muita garra para fazer o que ele fez. Muitos não têm isso. Jean-Do teve (ele morreu em 1997, aos 44 anos, duas semanas depois de ter publicado seu livro) e, tendo que infelizmente cair na raia do clichê, devo dizer que ele é uma lição de vida. E “O escafandro e a borboleta” é uma cinebiografia digna de seu rico personagem.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Ainda o Fluminense...

O futebol retrocedeu séculos no tempo. Vivemos uma era medieval do esporte, onde o clima bélico suplanta qualquer discussão em alto nível do ponto de vista esportivo e faz até amigos cometerem atrocidades.

Um relato tão triste quanto verdadeiro colhido numa lanchonete da cidade na gelada noite de domingo. Com exceção da minha pessoa, os personagens permanecerão anônimos.

- O Fluminense ganhou hoje?

- Não sei (Eu saberia depois que havia perdido de 1 a 0 do Goiás)

- Cara, espero que continue perdendo.

(...)

- Você ficou triste com a derrota na Libertadores?

- Foi uma dor horrível.

- Eu não sou nem um pouco solidária à sua dor.

Só duas vezes na minha vida eu senti uma dor tão grande quanto a que vivi quarta-feira passada. Momentos dramáticos da minha existência que não cabem ser contados neste espaço. Um deles é até infinitamente mais sério e absolutamente irreversível que, para muitos, jamais poderiam ser comparados a um jogo de futebol.

Mas a dor de quem ama é sempre avassaladora. Imagina quando você recebe um “tô nem aí” de personagens que você considere amigos.

A única coisa que eu ganho é pura bile, um discurso figadal. Palavras de ódio das massas que nos últimos dias consumiu até pessoas inteligentes. O clima de nazi-intolerância que atingiu o Rio de Janeiro persegue pessoas inocentes e cria guetos nada esportivos. O esporte prega a união, o olimpismo. A disputa existe, mas a fidalguia deve sempre prevalecer em nome, no mínimo, da boa educação. Mais ou menos o que o tenista Rafael Nadal ensinou após derrotar Roger Federer na decisão de Wimbledon.

Mas o que vejo no meu MSN são mais manifestações de ódio. Assisto calado sem deixar de pensar: onde foi que o futebol foi parar? Onde está a alegria? A gozação sadia? A provocação? Tudo coberto por um manto negro.

Nos últimos dias cheguei a me questionar se estava exagerando. Só eu estou vendo isso. Até que a página “Logo”, do jornal “O Globo”, abordou exatamente o ódio no futebol. Para ilustrar, um jovem torcedor do Feyenoord, da Holanda, que com o tamanho e as feições de quem não tinha mais do que cinco anos mostrava-se possuído e fazendo gestos obscenos na imagem.

Acima, um relato de um jovem tricolor de 11 anos que, além de superar a tristeza por uma derrota que eu sempre vou considerar injusta, teve que enfrentar na longa volta para casa um corredor polonês de xingamentos e humilhações pelas ruas que passava. Ele se perguntava se era para se sentir culpado, se talvez fosse esse o desejo de quem estava ali às 2h da manhã para agredi-lo.

Tive a certeza de que eu não era o único a apontar os exageros de uma noite surreal que revelou a verdadeira face do futebol no Brasil por trás das tão exaltadas letrinhas de música sem xingamentos e da aparente (e só aparente) tranqüilidade das torcidas organizadas.

Certa vez, muito antes de Libertadores, um colega me disse que não gostaria que o seu filho que ainda ia nascer gostasse de futebol. “A gente sofre muito”, ele justificou. Eu brinquei dizendo que é do muito sofrimento e das poucas alegrias que o futebol se alimenta e o faz ser o mais apaixonante de todos os esportes.

Quando eu vejo no que o esporte que eu amo tanto vem se transformando, começo a mudar de opinião. Se um dia eu vier a ter um filho, acho que também desejarei que ele não goste disso. Mas não porque a gente sofre muito, e sim porque eu jamais iria desejar que um filho meu deixasse o Maracanã para ser xingado e humilhado. E jamais iria aceitar que um filho meu xingasse e humilhasse alguém. Isso é comportamento pequeno. De gente mesquinha.

No meu caso, já sou burro relativamente velho. Algumas coisas ainda me emocionam no futebol e é possível encontrar uma rivalidade sadia em outros países. Ou talvez seja o momento de submergir. Ficar um pouco de fora. Só observando o movimento da bola.

PS: Acima, o quadro “O Ódio”, do pintor espanhol José Luis Fuentetaja. A pintura é de 1971. Naquela época, nenhum clube carioca era campeão da Libertadores, o futebol era mais romântico, mais bem jogado e só havia espaço para o ódio nas telas de um artista.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Desabafo

O futebol é o mais cruel de todos os esportes. É o único em que nem sempre o melhor vence, mas isso nem sempre é engraçado. Principalmente quando você vê um time fazendo uma campanha belíssima, superando dificuldades, adversários superiores, jogando com muita garra. O coração na ponta da chuteira e uma disciplina dentro de campo que raras vezes se vê. O Fluminense é um time que não bate e eu, como apreciador do esporte, tenho orgulho disso.

Diante de tantas dificuldades, de tantas dores vividas na última década, eu subverto a lógica das coisas para dizer que ontem eu vi uma das maiores injustiças no futebol nos meus 26 anos de vida.

Não falo dos dois pênaltis não marcados a favor do Flu. Da péssima arbitragem do argentino Hector Baldassi. Da má vontade de Dodô. Eu até poderia citar isso tudo como desculpa para uma derrota.

Uma derrota doída. Mas não é pelo coração em frangalhos, o choro que eu tenho que segurar diante de todo mundo. Pessoas que talvez jamais entendessem esse amor. Não é por isso tudo que eu vi essa injustiça.

Apesar do bom time da LDU e do que eu previra que esta decisão seria o jogo mais difícil de todos, mesmo após passar por São Paulo e Boca Juniors, a sofrida derrota tricolor foi injusta por todas as dores que vivemos, por todas as dificuldades que passamos. Assim mesmo, no plural, pois o torcedor é o que mais sofre quando vê o seu time na pior.

Foi injusta pela alegria das pessoas. Bastava ter coração para se contagiar pela felicidade de um senhor que passava sorrindo pela rua, pelos esperançosos torcedores que arrumavam a bandeira com carinho para levar ao estádio, pela garota na rua com a sua camisa falando ao celular enquanto um carro coberto pela bandeira verde, branco e grená passava na rua.

Bastava ter algum sentimento para se emocionar com a bonita festa que a torcida fez no Maracanã, pela reunião nos bares e no sambódromo. Pessoas felizes.

Uma cidade em que é tão fácil ser assassinado. Basta ir a uma boate ou andar na rua errada e na hora errada, merece momentos de alegria, mesmo que eles só venham neste momento do esporte.

É por isso tudo que eu não consigo entender a cabeça do ser humano. Não entendo como alguém torce pela desgraça alheia. Não entendo como alguém quer cercear a inocente felicidade de outros. Alguns falam que é do esporte. Que é a rivalidade. Não sei quão sadia é essa tal de rivalidade que faz alguém torcer pelo sofrimento do outro. Será que não há limite para ela? Quão sádica uma pessoa pode ser ao gostar de ver outra tendo a alma definhada pela dor? E sem que haja motivo para isso. Não houve confronto. Não houve eliminação direta. É apenas o prazer de ser espírito de porco.

Eu nunca tive pensamento tão mesquinho. Tão pequeno. Posso falar de camarote. Na noite em que eu estava em êxtase pela vitória sobre o Boca, lamentei as eliminações de Botafogo e Vasco da Copa do Brasil. Gostaria muito de ter visto uma final carioca. Lamentei ainda a derrota do Flamengo para o Santo André na decisão da Copa do Brasil de 2004. Eu cobria o clube naquela época e não tinha como torcer contra ao ver tantos torcedores felizes e dando o título como certo. O clima na cidade era da vitória que infelizmente não veio.

Não sei até onde vai minha dor. Exagero ao dizer que nunca mais serei feliz. Sei que um dia eu vou olhar para trás e ter orgulho desse time: Fernando Henrique, Gabriel, Thiago Silva, Luiz Alberto e Júnior César; Ygor, Arouca, Cícero, Conca e Thiago Neves; Washington. Técnico: Renato Gaúcho. E mais Roger, Maurício, Tartá, Allan e outros que jogaram e não me lembro agora. É uma equipe que foi vice-campeã da Libertadores e isso é muita coisa.

Mas hoje eu sofro. Gostaria que essa dor fosse embora junto com o temporal que cai agora como se até os céus se debulhassem em lágrimas por essa derrota. É muito triste ver um sonho interrompido numa disputa de pênaltis. É uma crueldade. A gente não merecia isso.