sábado, 16 de outubro de 2021

007 apela ao sentimentalismo em despedida de Daniel Craig

Um filme imperfeito, mas um final perfeito para Craig
O que menos se espera de um filme de James Bond é um apelo a emoção e a sentimentos tão humanos. Mas o que os 15 anos de Daniel Craig no papel do mais famoso agente secreto no cinema nos ensinou é que a sua versão para 007 pode ser considerada a mais humana de todas. Em cinco filmes, o James Bond de Craig amou, sofreu, sentiu raiva, entregou-se a um alcoolismo, sentiu-se traído, chorou, errou…Tudo isso, claro, enquanto não falhava em apenas uma coisa: salvar o mundo dos grandes vilões que querem destruí-lo, dominá-lo ou qualquer coisa semelhante a isso. Não seria por acaso, portanto, que “Sem tempo para morrer” (“No time to die”, no original), o filme que marca a sua despedida do papel surgisse como uma revisão do seu legado e uma homenagem ao seu Bond humano.

“Sem tempo para morrer” tem uma série de defeitos. É quebradiço, tem um roteiro que tenta ser complexo e com reviravoltas, mas na maioria das vezes não funciona e é muito mais problemático e confuso. E tem um vilão que prometia mais do que cumpriu. A falta de uma boa história faz com que o filme pareça muito longo em suas 2h43min.

Por outro lado, o filme ganha força quando se coloca expondo o legado de Craig no papel. E apela a um sentimentalismo que talvez arranque algumas lágrima dos fãs de 007. E arrancar lágrimas de um espectador num filme de James Bond é algo que por si só seria raro.

Ao tentar se equilibrar em muitas frentes, porém, “Sem tempo para morrer” fica no meio do caminho de todas elas e entrega justamente um filme longe de ser perfeito. Para começo de conversa, a trama é confusa. Gira em torno de uma tentativa do vilão principal, Lyutsifer Safin (Rami Malek), de adquirir um vírus tecnológico poderoso que o permitirá matar milhões de pessoas ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, a trama lida com a aposentadoria de Bond, agora vivendo recluso na Jamaica, enquanto há uma nova 007 no MI6, Nomi (Lashana Lynch). Ao mesmo tempo, a organização terrorista Spectre continua ativa e misteriosamente comandada da cadeia pelo arqui-inimigo de Bond, Blofeld (Christoph Waltz).

Alguns passos da história, porém, não ficam muito claros. Por exemplo, por que Safin tem interesse em fazer o que fez com a Spectre? Além disso, não entendemos muito bem quais foram as motivações dele para reproduzir um vírus mortal em larga escala para destruir milhões de pessoas se, supostamente, a morte da família dele está vingada. Falta, assim, mais esclarecimento para a trama da ameaça global.

Por outro lado, a história da vida miserável que Blofeld armou pra Bond no início do filme foi pouco explorada. Vimos o ato, o sentimento de traição que ele sentiu de Madeleine (Léa Seydoux) e pulamos imediatamente para a consequência: um Bond sozinho, isolado numa ilha e bebendo cada vez mais, e, por fim, no turbilhão de outros acontecimentos, a resolução desta subtrama no reencontro de 007 com Blofeld na prisão em Londres.

Havia um potencial maior nesta subtrama a ser explorado e faltou uma conexão maior com a história principal que envolvia Safin e suas motivações. Também faltou ao filme explorar um pouco mais do potencial de Paloma, personagem de Ana de Armas que tem uma pequena e interessante participação na parte da história que se passa em Cuba. É igualmente pouco explorado o potencial do vilão vivido por Malek, ainda que o ator esteja defendendo como pode o seu personagem em meio ao roteiro irregular.

O mesmo não acontece com Nomi, que ganha bom destaque na tela e tem boas interações com Bond. Esta é uma personagem que poderia voltar nos futuros filmes, quando for escolhido um novo ator para o papel principal.

Não necessariamente estes problemas ou defeitos atrapalham a experiência de “Sem tempo para morrer”. O filme tem boas cenas de ação, a melhor delas a primeira, na Itália, antes dos créditos de abertura com a música de Billie Eilish. E tem um final emocionante, quando Bond precisa enfrentar Safin e impedir a morte de milhões de pessoas na Europa em meio a uma potencial crise internacional entre Inglaterra, Japão e Rússia. Emocionante e até inesperado para os filmes de 007.

Ao longo de toda a trama, Bond está tentando se reconciliar com o seu passado após as escolhas equivocadas que fez no início do filme. E é nos minutos finais que ele encontra a paz no ponto alto do sentimentalismo que a trama vinha nos conduzindo. Ainda que a missão de Bond nunca esteja concluída, afinal, sempre haverá um vilão megalomaníaco querendo dominar o mundo, a missão de Craig ali se concluiu. E ele soube entregar um grande James Bond. Um grande e humano James Bond que aprendemos a gostar ao longo de uma década e meia. Eu não queria estar na pele de quem terá que substituí-lo.

Cotação da Corneta: nota 7.