domingo, 29 de abril de 2012

Avante, Vingadores!

Rogers e Stark resolvem as diferenças
Até sentar a bunda na cadeira para escrever o roteiro de “Os Vingadores”, Joss Whedon tinha feito pouca coisa relevante na indústria cinematográfica. Filho e neto de dois conhecidos roteiristas de TV, Tom e John Whedon, ele seguia pelo mesmo caminho com “Buffy – A caça-vampiros” e outras séries de TV americanas. Mas também ensaiava novos voos ao ser um dos responsáveis pelo roteiro de Toy Story (1995), pelo qual concorreu ao Oscar em 1996.

Mas ai surgiu o projeto dos “Vingadores”, o grupo de heróis superpoderosos, uma espécie de Liga da Justiça da Marvel. E Whedon seria responsável não apenas pelo roteiro, mas pela direção do filme que era uma das grandes apostas para este ano.

Caberia a ele reunir em 2h e pouco alguns dos heróis mais famosos da Marvel para contar a origem do supergrupo após outros diretores filmarem as histórias de quase todos separadamente. Sendo que alguns foram bem sucedidos e outros não. O Homem de Ferro ganhou um bom filme e outro razoável com Robert Downey Jr., mas o Capitão América não teve a mesma sorte, com um trabalho sofrível. Os filmes do Hulk foram bons, mas nem Eric Bana, nem Edward Norton entraram no papel de Bruce Banner, que ficou com Mark Ruffalo. Já o Thor ganhou um filme razoável, com tintas shakespearianas, mas com uma atuação irregular do seu elenco.

Whedon seria responsável, portanto, por juntar todos estes elementos difusos, acrescentar outros personagens e bolar uma história que agradasse aos fãs de quadrinhos e aos não iniciados em um arrasa-quarteirão bom de público e de crítica.

O diretor americano não era um rauli no mundo dos quadrinhos. Já tinha escrito, por exemplo, histórias dos X-Men. Portanto, sabia do que os fãs gostam e não gostam. Faltava apenas dar liga a uma história que fosse palatável a todos os públicos sem ferir os "comic-xiitas".

E eu diria que Whedon conseguiu realizar o seu intento com louvor. “Os Vingadores” saiu da ilha de edição para o cinema como um dos melhores filmes sobre super-heróis dos quadrinhos já feitos desde que isso virou febre em Hollywood. Ao contrário de “Watchmen” e “Batman – Cavaleiro das Trevas”, que eram trabalhos mais focados no drama e em temas como o terrorismo, “Os Vingadores” aposta no humor para conquistar o seu público.

Os diálogos de Whedon são o grande herói do filme. São com eles que Downey Jr. deixa todo o sarcasmo de Tony Stark aflorar com frases como “Shakespeare no parque?” ou “Sua mãe sabe que você usa as cortinas dela?” ao se referir ao Thor ou em meio a uma discussão com o Capitão América, responde com “Gênio, playboy, milionário, filantropo” a uma pergunta sobre o que ele é sem a armadura do Homem de Ferro. Ou ainda “Eu sou fã da maneira como você fica nervoso” no seu primeiro contato com Bruce Banner.

O diretor também cria situações divertidíssimas que fizeram o público na sessão de cinema que eu estava reagir com aplausos. Mas não vou entregar as cenas aqui para não estragar a película para os que ainda não a viram.

Scarlett Johansson e sua Viúva Negra
O roteiro é o grande craque dos “Vingadores”, mas o filme tem outros pontos fundamentais que o fazem ser excelente. Um deles é a parcimônia no uso de efeitos especiais. Eles só entram quando realmente são exigidos, deixando o foco na história que já é por si só riquíssima. Isso, inclusive, torna o 3-D irrelevante. Eu vi numa sessão dessas, mas não perderia quase nada se tivesse visto numa sessão convencional. O 3-D aqui só serve para te tirar mais dinheiro no ingresso.

O segundo ponto está na atuação dos atores. Se Downey Jr. é a grande estrela do filme, até por ser o melhor ator em cena mesmo, Ruffalo se revela o melhor de todos os Bruce Banners/Hulks. Já Scarlett Johansson (Natasha Romanoff/Viúva Negra) parece estar se divertindo no meio daquela brincadeira de meninos enquanto Jeremy Renner (Clint Barton/Gavião Arqueiro) dá mais importância a um personagem que sempre foi coadjuvante nos Vingadores.

As grandes aquisições, porém, são as de Chris Evans e Chris Hemsworth. Depois de ver o desastroso filme do Capitão América e de saber que Evans tinha sido o Tocha Humana em outros desastrosos filmes do Quarteto Fantástico temia pelo pior. Afinal, Steve Rogers é peça fundamental nos Vingadores por ser o líder da equipe. Mas Evans se revelou bem mais à vontade na roupa do Sentinela da Liberdade. Nem parecia a figura patética do seu filme-solo.

Hemsworth, por sua vez, só não viveu o mesmo perrengue porque o filme do Thor era superior ao do Capitão América. Mas em “Os Vingadores” ele é outro que parece ter se sentido um pouco melhor no papel do filho de Asgard. Assim como Tom Hiddlestone, cuja interpretação é digna das vilanias e da vaidade de Loki.

Em “Os Vingadores” tudo dá certo. Por isso tem tudo para ser um dos filmes mais divertidos do ano. Whedon acertou em cheio nas suas escolhas e agora pode se cacifar para uma provável continuação da franquia. Mas enquanto ela não vem, o diretor vai brincar de “Shakespeare no parque” ao levar para as telas o texto do bardo inglês “Much ado about nothing”.

sábado, 21 de abril de 2012

O nome da banda é...

Os Ink Spots, grupo vocal dos anos 30 e 40
The Ink Spots. Confesso que fiquei curioso ao ler a entrevista-ataque de Joaquim Barbosa com uma coisa. Afinal, que diabos é esse tal de The Ink Spots, que fez o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) se diferenciar do seu colega-arquirrival-inimigo-número-1, Cezar Peluso, como se o mundo se dividisse entre os apreciadores do The Ink Spots e o resto.

Para não sofrer "supreme bullying" dos meus colegas, fui pesquisar sobre o tal grupo que na entrevista virou o divisor de águas na rixa do STF. De onde veio, para onde foi e o que ele representa no cenário musical que vemos ai. É isso mesmo. Pensei numa pauta meio "Globo Repórter". Para tirar as minhas conclusões, li algumas coisas e consultei as duas Bíblias modernas. Obrigado, Google, também chamado de Velho Testamento. Obrigado, Wikipédia, também chamada de Novo Testamento. Por fim, encontrei coisas interessantes, ou nem tanto, sobre o tal "Manchas de Tinta".

Os Ink Spots foram fundados em 1931 em Indianápolis. Desde o início até o seu fim, em 1964, o grupo teve mais formações do que qualquer banda que você conheça. Mas originalmente os fundadores foram Orville “Hoppy” Jones (baixo), Ivory “Deek” Watson (vocal, guitarra e trompete), Jerry Daniels (vocal, guitarra e ukelele) e Charlie Fuqua (vocal e guitarra). Deek e Daniels faziam as vezes de tenores enquanto Fuqua era o barítono.

Outros seis músicos fizeram parte do grupo. E todos eles já estão mortos. O último a falecer foi Huey Long, em junho de 2009, aos 105 anos, quando os Ink Spots já tinham entrado para a eternidade no Hall da Fama dos grupos vocais (1999) e no prestigiado Rock and Roll Hall of Fame (1989).

Mas por que eles entraram num espaço que supostamente seria para o rock and roll? Ora, meus caros, porque os Manchas de Tinta são considerados uma importante influência para o bom e velho rock. Mais do que isso, eles são considerados um dos grupos que ajudaram a definir o gênero do Rhythm and blues (R&B), que, por sua vez, desembocaria no Elvis Presley rebolando, no Bill Haley e seus cometas contando as horas e no rock and roll que você passou a escutar desde aqueles mágicos anos 50 até o Jack White (and counting...).

É por isso que o grupo tem todo esse reconhecimento e o respeito do mundo do rock. E por isso que o Megadeth já gravou uma música usando um sample de “I don’t want to set the world on fire” na música “Set the world afire” (veja o vídeo no fim do post), do disco “So far, so good.. so what!” (1988). Quem diria que Dave Mustaine e Joaquim Barbosa tinham algo em comum. Embora eu não consiga imaginar o Mustaine cantando “If I didn’t care”, outro sucesso dos The Ink Spots, nem escondido no chuveiro.

É claro que eu não ouvi todas as canções do grupo para fazer esse post, mas escutei um número suficiente para dizer que as músicas do Ink Spots seguiam sempre um padrão. Um riff de guitarra no início bem tranquilo (afinal, estávamos nos anos 40, né, não dá para acelerar muito a batida), e a entrada de um dos vocalistas soltando a voz sempre estendendo a última sílaba das últimas palavras de cada frase/estrofe. Ali pelo meio, o cantor que fazia a segunda voz entrava quase declamando um texto com os demais tocando seus respectivos instrumentos ao fundo. No fim, repete o refrão, mantém o coro e pronto. Receita de bolo.

O padrão era esse e fez muito sucesso nas décadas de 30 e 40. E o mais importante para quem tentava fazer música nos Estados Unidos daqueles tempos: foi um grupo que fez um som extremamente bem aceito entre os brancos. Se isso não tivesse acontecido, provavelmente eles não tinham durado e Joaquim Barbosa ia ter que citar outra coisa para exemplificar suas adversidades com colegas de tribunal.

Embora tenham existido até a década de 60, o grupo concentrou a maior parte dos seus sucessos nas décadas de 30 e 40. Natural. Depois outros sons começaram a surgir e os Ink Spots passaram a fazer parte dos livros de história.

“If I didn’t care” foi a primeira canção a entrar nas paradas americanas, mas ficou em segundo lugar. Contudo cinco músicas do grupo atingiram o topo. A primeira foi “Adress Unknow", em 1939, mesmo ano de “If I didn’t care”. Também foram campeãs, “Whe Three” (1940), “The Gipsy” (1946) e “To Each his own” (1946) e dois duetos com Ella Fitzgerald: “I’m making believe” e “Into each life some rain must fall”.  

A última a figurar nas paradas americanas, mas numa modesta 23ª posição, foi (That’s just the way of) Forgetting you”, em 1952. Os Ink Spots começavam a sair de cena dando lugar a uma turma um pouco mais barulhenta e agitada.
   
Abaixo, o vídeo do Megadeth com a citação e canções dos Ink Spots.






















sexta-feira, 6 de abril de 2012

Entre muros e tijolos

Waters com o muro-telão ao fundo
Num determinado momento, ali pelo meio do show no Engenhão, uma amiga vira para mim e diz: "Esse cara fez muita análise". No que eu rebato: “Não, ele fez o "The Wall". Essa foi uma das conclusões que tirei ao ver de perto o espetáculo que Roger Waters fez no estádio no Rio de Janeiro.

Cinco anos depois de ter trazido para o Rio, mais especificamente na Apoteose, a íntegra do disco “Darkside of the moon” (1973) – e mais outras tantas canções num show de mais de duas horas -, Waters voltou à cidade desta vez para um projeto ainda mais ambicioso: expor suas vísceras novamente com a ópera-rock “The Wall”, disco igualmente clássico lançado em 1979 que foi idealizado principalmente por Waters, mas também contava com a fundamental participação de David Gilmour nas faixas mais conhecidas e que se eternizaram no coração dos fãs do Pink Floyd.

No Engenhão, Waters não está mais com os parceiros da velha banda Gilmour, Nick Mason e Richard Wright. Compensa a ausência do trio com nove músicos que o acompanham nessa jornada lisérgica que exorciza monstros interiores e aponta para as nossas fraquezas, temores e insignificâncias.

Além dos membros da turnê que passam o show erguendo o muro num espetáculo visual incrível (um dos muitos, aliás), estão ali para compensar a ausência do trio restante do Pink Floyd os vocalistas Robbie Wyckoff, Jon Joyce, Kipp Lennon, Mark Lennon e Pat Lennon, os guitarristas Snowy White e Dave Kilminster, que faz os solos de “Comfortably Numb” e “Another brick in the wall – part II”, o baterista Graham Broad, o guitarrista e baixista G.E. Smith e os tecladistas Jon Carin e Harry Waters, o filho do homem que vê ali do palco, enquanto toca, um pouco da história da sua família e de como papai via os vovôs.

“The Wall” é mais que um espetáculo musical. É uma experiência sensorial. É melhor do que qualquer filme 3-D que você tenha visto no cinema. Em todo lugar há o que ver e ouvir. É o som fantástico do álbum clássico de 81 minutos, é o muro que é construído, o muro que vira um mega telão, aviões que explodem no palco, caixas que se abrem, projeções, bonecos, um porco voador que denuncia o que a humanidade produz de pior e o absurdo som quadrifônico que o faz ouvir uma coisa a sua frente e outro atrás de você ao mesmo tempo criando uma atmosfera única. Com Waters nunca há problemas de acústica ou som ruim. Com Waters tudo é grandioso, perfeito, único.

“The Wall”, o show, assim como o filme de Alan Parker (1982) conta a história de um roqueiro decadente que perde o pai na guerra (o pai de Waters morreu na Segunda Guerra Mundial, quando ele não tinha nem um ano de idade) e cresce sob a superproteção da mãe, retratada na canção “Mother”, a quem ele dá uma alfinetada no show. O menino também não tem boas palavras a dizer aos velhos e opressores professores, que teimam em ensinar uma “no education”, mas não passam de tijolos nas paredes.

O músico cresce, tem uma vida hedonista com groupies enquanto vê a mulher se afastar dele. Até que percebe que ela faz falta e a implora para que volte. Tarde demais. Ele já está envolto num caos, mas precisa se reerguer para um último momento de brilho.

Tudo é perda na obra de Waters. Cada tijolo dessa parede metafórica que se ergue em torno do personagem central da trama é resultante das frustrações da vida do roqueiro que no filme é vivido por Bob Geldof.

Aqui o próprio Waters assume o personagem, que atualiza e potencializa a dor de sua parede com imagens de vítimas de violência, a começar pelo seu próprio pai e dando destaque ao brasileiro Jean Charles de Menezes, assassinado pela polícia britânica num metrô de Londres em 2005. O show é dedicado a ele, mais um tijolo estendido no muro marcado por sangue.

“In the flesh?” abre o show. De óculos escuros, sobretudo preto e uma faixa no braço indicando a “nova ordem” dos martelos cruzados, uma viagem nazista do roqueiro, que representa uma crítica à cegueira que o fã tem diante do artista numa linha meio “A Onda” (1981), Waters recebe o público com homens de bandeiras hasteadas, compasso militar e fogos de artifício. O show avança por “The Thin Ice”, “Another brick in the wall Part I” com as já citadas imagens de pessoas mortas por diversas formas de violência até desembocar em “The happiest days o four lives”.

Agora os “canhões” se voltam contra os professores e suas atitudes despóticas diante dos alunos. No filme, o jovem é humilhado pelo seu professor por estar escrevendo poemas ao invés de prestar atenção na sua aula sacal e insignificante. Na película, os versos que o professor lê são os de “Money”, que estaria no “Darkside of the moon”.

Em “Mother”, um boneco gigante com jeitão de charge surge para interpretar essa mãe que vigia o filho como um “Big Brother” (o de George Orwell, por favor). A palavra é riscada no muro e vemos “Big Mother is watching you” enquanto Waters questiona se ele deve construir o muro, sonhar com a presidência ou confiar no governo. O muro dá a resposta em inglês e em bom português: “Nem fodendo”.

Waters segue em sua jornada com críticas ao consumismo, aos dogmas e o enterro de seu personagem em uma vida tão vazia quanto hedonista. O muro está quase completo em “Don’t leave me now” e é fechado após “Goodbye cruel world”. Vinte minutos de intervalo depois, a banda retoma com “Hey you”, mas só a ouvimos. Eles tocam por trás do sufocante muro, que se transforma num gigantesco telão.

Waters em "Comfortably numb"
O período de isolamento só se encerra em “Comfortably Numb”, um dos momentos mais fantásticos, visualmente falando, do espetáculo quando Waters, cantando sozinho diante do muro gigantesco de repente soca a parede, que é implodida descortinando um novo e colorido mundo a ser explorado.

No fim, Waters veste novamente a capa de líder nazista, roqueiro preconceituoso que despeja o seu ódio em judeus, negros e homossexuais numa visão crítica dos fãs que seguem seus ídolos sem contestá-los. Isso acontece em “In the flesh”.

“The Trial” marca o julgamento do jovem que estava fechado no mundo e é condenado a se expor para a vida. É a senha para que o muro, agora sim, literalmente venha abaixo. “Outside the wall” encerra o espetáculo gigantesco com todos os músicos reunidos a frente do cenário de destruição. A ópera-rock de Waters está concluída deixando, paradoxalmente, felizes os que acompanharam essa jornada de dor e beleza irretocáveis.

Set list do show: “In the flesh?”, “The thin ice”, “Another brick in the wall part 1”, “The happiest days of our lives”, “Another brick in the wall part 2”, “Mother”, “Goodbye blue sky”, “Empty spaces”, “What shall we do now?”, “Young lust”, “One of my turns”, “Don’t leave me now”, “Another brick in the wall part 3”, “The last few bricks”, “Goodbye cruel world”, “Hey You”, “Is there anybody out there?”, “Nobody home”, “Vera”, “Bring the boys back home”, “Comfortably numb”, “The show must go on”, “In the flesh”, “Run like hell”, “Waiting for the worms”, “Stop”, “The trial” e “Outside the wall”.

Alguns momentos marcantes do show:
"Comfortably Numb"
"Another brick in the wall - part I"
"Mother"
"Another brick in the wall - part II"
"In the flesh"
"Young Lust"