domingo, 29 de abril de 2018

A Marvel e Thanos mostram os seus poderes

Quer um planetinha na cara?
A Corneta sai do exílio do mestrado apenas para falar verdades. E cá estou, tal qual o TRIBUNAL VIVO (entendedores entenderão), para o julgamento final de “Vingadores: Guerra Infinita”. E o veredito, amigos, é que o filme é excelente! Com uma história bem diferente da dos quadrinhos, porém, totalmente excelente.
Parabéns a todos os envolvidos neste processo tortuoso de fazer uma verdadeira orgia de super-heróis dar certo. Os diretores, os roteiristas, os produtores, todos conseguiram misturar doce de leite, chocolate, cocada, leite condensado e brownie e deixar maravilhoso. E pensar que ainda faltou gente no filme!
Eu sempre vou achar muito difícil juntar um monte de personagens de realidades e planetas completamente diferentes e colocar junto e misturado numa história com um nível mínimo de coerência. E nisso o filme é brilhante ao fazer tudo girar em torno de Thanos (e Josh Brolin está ótimo no papel do titã), o grande protagonista de “Guerra Infinita” (como sempre foi). Thanos conduz uma história simples que dá para explicar num tweet dos velhos tempos enquanto todos têm espaço para os seus truques e piruetas sem ficar over.
E a partir de agora, embora não seja bem spoiler uma história que foi publicado há 30 anos, cuidado! Seguem uma penca de SUPOSTOS SPOILERS.
Eu tenho uma professora de cinema que tem um vício de linguagem. Para casa coisa difícil que eu nunca ouvi falar ela usa a expressão: “Como toda a gente sabe”. Vou imitar ela é dizer: Como toda a gente sabe, “Vingadores: Guerra Infinita” é baseada nas trilogias “Desafio Infinito” e “Guerra Infinita”. Este primeiro filme, por sinal, é LEVEMENTE baseado no prelúdio da história publicado para contar os acontecimentos antes da primeira trilogia e no próprio “Desafio Infinito”.
Levemente porque tirando a linha mestra da história, todo o resto foi alterado. Ou seja, permaneceu apenas que Thanos está reunindo as seis joias do infinito para tornar-se onipotente, onipresente, onisciente e dono de tudo o que respira e dizimar metade do universo para reestabelecer através de um super genocídio o que ele chama de equilíbrio.
E as alterações não foram necessariamente ruins. Por que? Vamos a alguns motivos e outros comentários gerais:
1- As motivações de Thanos são muito mais interessantes. Nos quadrinhos ele faz tudo por amor a Senhora Morte, que o despreza até o fim. E os diálogos são bem bregas. Esse lado amorzinho ia ser meio patético no cinema, ainda mais com ele só levando toco e ficando maluco com isso. No filme, Thanos age por ele próprio por acreditar que só o extermínio de metade da vida do universo trará prosperidade e fartura para os sobreviventes. Thanos é um déspota que não teme tomar todas as medidas necessárias para fazer o seu plano acontecer. Para ele, os fins justificam os meios. O que me assusta é que muita gente na rua concordaria com ele.
2- Os heróis obviamente têm muito mais protagonismo no filme. Nos quadrinhos eles são meros joguetes e buchas de canhão para distrair Thanos enquanto entidades celestiais travam a batalha nos bastidores para derrotá-lo. Os únicos heróis que têm algum protagonismo são o Doutor Estranho (no filme, Benedict Cumberbatch) e o Surfista Prateado, grande ausência do filme e figura que, na história original cai na casa de Estranho para avisar da chegada de Thanos. No filme, o Hulk (Mark Ruffalo) fica com esse papel. E não é a mesma coisa. Infelizmente.
3- Mas seria mesmo complicado tirar da batalha toda essa galera de salário baixo e que vem ralando aí desde “Homem de Ferro” (2008). Afinal, o duelo com Thanos era o grande filé que aguardávamos há dez anos.
4- Portanto, parece improvável que os editores e colunistas do universo, Eternidade, Amor, Ódio, Lorde Caos, Ordem e o Tribunal Vivo dêem as caras. Além de Galactus, o devorador de mundos. Ou seja, o confronto com Thanos será menos metafísico e mais físico. O máximo que pode acontecer é o Vigia surgir para testemunhar a batalha, afinal, o Vigia é uma Suíça. Não se mete em nada. Só testemunha a história.
5- Outra mudança importante é que Thanos consegue as joias de pessoas comuns espalhadas pelo universo. E não dos chamados anciões, seres cósmicos e etc...
6- Por falar no nosso vilão protagonista, deram uma baixada de bola. No filme, os heróis até conseguem fazer cosquinha em Thanos. E que cena maravilhosa a do Capitão América (Chris Evans) usando todas as suas forças para segurar a mão do titã. É um retrato do homem comum que faz de tudo para superar as barreiras do impossível e desafiar aquilo que ele não tem a menor possibilidade de vencer. Aquilo é a humanidade falando: “Não desista!”. Praticamente uma cena de auto-ajuda.
7- O Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) também tem seus belos momentos contra Thanos na batalha em Titã. Assim como é reservado ao Thor (Chris Hemsworth) algumas das melhores cenas. A chegada dele na batalha de Wakanda é de levantar da cadeira do cinema e gritar “Yes!”.
8- Diante disso, e das inúmeras mortes que aconteceram no passaralho celestial, fica bem claro quem são os protagonistas da parada: o arco destes dez anos foi desenhado para o retorno aos Vingadores originais, aqueles que aparecem no primeiro filme, de 2012: Thor, Capitão América, Homem de Ferro e Hulk. E talvez a Viúva Negra entre na parada. Depois que a relação ficou meio azeda com a briga de gangues em “Guerra Civil” (2016) e a saída de cena de Thor para cuidar de seus problemas particulares em Asgard, pensei até que os Vingadores iam mudar a formação. O que é algo absolutamente comum nos quadrinhos. Porém, ainda não. Esse quinteto ainda tem uma missão importante a cumprir.
9- Além do Surfista Prateado, senti falta de pelo menos da presença dos X-Men e do Quarteto Fantástico em “Guerra Infinita”. Queiram ou não, esta é uma guerra de todos que não devia ser medida por contratos de Hollywood.
10- Também não contava com a morte do Doutor Estranho. Afinal, ele é uma das peças importantes da história. Como antes de desaparecer no estalar de dedos de Thanos ele vislumbrou 14,6 milhões de possibilidades de futuro e sabia o que estava fazendo ao entregar a joia do Tempo, presumo que ele já sabe o que irá acontecer e outro cara com super-poderes vai vir para cuidar da situação.
11- Donde vem a grande pergunta de “Guerra Infinita”. Onde está Adam Warlock? Ele não dá as caras um segundo sequer no filme. E só ele pode acabar com a guerra. Só ele, esse Churchill intergaláctico, pode inspirar corações e mentes em busca da vitória. Só ele e...
12- ...uma mulher foda podem salvar o universo. Vem, Capitã Marvel. Vem Brie Larson. Vem tirar Thanos de seu trono celestial.
13- Como Warlock não aparece no filme, minha expectativa é que ele surja em algum momento no filme solo da Capitã Marvel previsto apenas para o março de 2019. Ou de repente nas cenas extras de “Homem Formiga e Vespa”, o próximo lançamento da Marvel. Se não, bom, em algum momento ele tem que aparecer. Afinal, não existe “Guerra Infinita” sem Adam Warlock.
E agora vamos aos comentários absolutamente aleatórios:
1- Eu vou para o inferno, mas eu ri vendo o Peter Dinklage fazendo um anão gigante.
2- Incrível com a ditadora da barba atingiu até o Capitão América. Logo ele que rivalizava com o Superman como herói de propaganda da Gillette.
3- Achei meio patético o filme anunciar em dois momentos que Thanos acabará com o universo num estalar de dedos usando duas cenas no meio da história de personagens estalando dedos e anunciando que ele literalmente fará isso.
4- Mas realmente a cena que vale mesmo é de arrepiar. E você vendo todo mundo desaparecendo feito pó é um final DAQUELES.
5- Wakanda é sensacional. Eu quero morar em Wakanda.
6- Menos piada é mais história. Continue neste bom ritmo, Marvel. Chega de gracinhas.
7- Aliás, quando pensamos em criticar a Marvel ele nos entrega dois filmes do nível de “Pantera Negra” e “Guerra Infinita” num intervalo de três meses. A Marvel joga o sarrafo lá em cima e deixa a DC comendo poeira, mesmo quando a DC esboça uma microreação.
8- Tem uma cena do trailer que mostra o Hulk lutando em Wakanda. Só que o Hulk não dá as caras desde a briga com Thanos no início do filme. Não sei quem errou nisso. Ou se a Marvel soltou um trecho da parte dois do filme. Bom, como nos quadrinhos há uma volta ao passado (vocês não achavam que iam matar todo mundo assim, não é?) pode ser que ainda role.
9- A Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) está sensacional no filme. O Visão (Paul Bettany) está um bundão. O Doutor Estranho também está maravilhoso. Cumberbatch é um ótimo Stephen Strange. Não podia ter morrido. Se bem que como ele é um mestre das artes místicas talvez consiga reverter a própria morte.
10- Capitão América, Homem de Ferro, Pantera Negra (Chadwick Boseman) e Thor também foram destaques da partida. Homem-Aranha (Tom Holland) teve uma atuação irregular, mas fez bem o seu papel como um volante de contenção. O Hulk brilha no início, depois cai de produção até à escala da irrelevância.
11- A Viúva Negra está apagadíssima e merecia mais espaço, mas só porque amamos Scarlett Johansson, pois na história ela é mera figurante e nem viaja para enfrentar Thanos. E queremos a Viúva ruiva como sempre foi!
12- Por outro lado, Okoye (Danai Gurira) tem que seguir nesta guerra aí. Adoro a líder do exército de Wakanda.
13- Que pena que o os guardiões da galáxia morreram. Especialmente a Gamora (Zoe Saldana). Mas infelizmente precisava abrir espaço para novos heróis entrarem sem estourar o orçamento.
14- Os demais heróis (Falcão, Soldado Invernal, etc...) cumpriram o seu papel de fazer volume nas mortes para impressionar quem nunca tinha lido os quadrinhos.
15- E o Gavião Arqueiro, hein? E o Homem-Formiga, hein? Não deram nem um oi em “Guerra Infinita”. Quando mais se precisa dos amigos...
16- Olho na Nebulosa (Karen Gillan), pois nos quadrinhos ela tem um protagonismo. É possível que venha a ter na sequência do filme.
17- Cotação da Corneta: nota 9,5.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Aventura nostálgica pela cultura pop

Que viagem, amigo

Steven Spielberg quase conseguiu. Não fosse pelas lições de moral, por um vilão ruim, uma cena no final meio nada a ver e o clichê do nerd genial e solitário, “Jogador nº 1 seria um filme top da filmografia do diretor americano. Mas alguns pequenos percalços fizeram o seu novo trabalho perder alguns pontos. No entanto, podemos dizer que “Jogador nº 1” é o seu melhor filmes desde “Lincoln” (2012). E podemos dizer também que é uma excelente diversão para todas as idades. 

“Jogador nº 1” é uma viagem nostálgica pela cultura pop do século XX. São incontáveis os “Easter eggs” que Spielberg espalha por todo o filme baseado no livro de Ernest Cline. Tem King Kong, Godzilla, heróis dos quadrinhos - incluindo uma rápida aparição do carro do Batman da série de tv dos anos 60 - citações a “De volta para o futuro” (1985-90), “O Iluminado” (1980), “Brinquedo Assassino” (1988), “Nos embalos de sábado à noite” (1975), filmes do diretor John Hughes e aos seriados japoneses como “Jaspion” e “Changeman” (aquela batalha no final do robô com o monstro gigantes é de escorrer uma lágrima de emoção de quem foi criança entre os anos 80 e 90) e, claro, aparições dos mais diferentes videogames possíveis. De “Mortal Kombat” aos clássicos jogos de Atari. Para não falar na trilha sonora com clássicos de Van Halen, Depeche Mode, Twisted Sister e tantos outros. 

Tudo isso e muito mais faz com que “Jogador nº 1” seja um dos filmes mais pops que você vai ver nos últimos tempos.  É um olhar diferente de Spielberg para o passado. Para um diretor que acostumou-se a falar sobre um passado duro - e podemos citar só como exemplos “Munique” (2005), “O resgate do soldado Ryan” (1998), “Amistad” (1997) e “A lista de Schindler” (1993) - seu novo filme é como olhar para o passado com o sorriso terno de quem revê “E.T. - O Extraterrestre” (1982) acompanhado de uma aventura moderna, mas que na essência é nos moldes das clássicas aventuras de Indiana Jones com uma linguagem pop de “Prenda-me se for capaz”. (2002). Ou seja, é um Spielberg em boa forma. O que é ótimo depois da decepção de “The Post” (2017). 

“Jogador nº 1” é de certa forma um um Indiana Jones moderno com toque vintage. No futuro sombrio e pós-apocalíptico de sempre (ninguém imagina um futuro legal. Ninguém na arte acredita mesmo na humanidade), Tye Sheridan vive Wade Watts, um garoto que tem uma vida na Columbia pobre, feia e devastada, mas, como todos os seres humanos, tem uma vida paralela no mundo virtual e paradisíaco do OASIS, onde você pode ser o que e quem você quiser e viver as mais incríveis aventuras. 

Parsifal e Art3mis em seus trajes de gala
Nesse lugar teoricamente paradisíaco, ele vive sob um avatar de nome Parsifal. E não é por acaso que ele têm esse nome. Personagem de um antigo poema alemão, Parsifal é o protagonista da ópera de Richard Wagner de mesmo nome. O significado do seu nome é “inocente casto”. Parsifal é o que atravessa o jardim mágico de Klingsor, destrói o castelo, cura as feridas do rei Amfortas e assume a condição de rei do Graal. A jornada do nosso Parsifal do filme de Spielberg é extremamente semelhante ao da ópera wagneriana. 

Ao seu lado, Parsifal tem a companhia de Art3mis (Samantha, no mundo real), personagem vivida por Olívia Cook. Também não é por acaso que ela tem o nome da deusa da caça, da lua e da magia e que na mitologia grega é descrita como a melhor caçadora entre os deuses e homens. É exatamente isso que Art3mis é no OASIS. E por essa característica ela é admirada por Parsifal. 

Os dois têm a companhia de Aech (Lena Waithe), Dalto (Win Morizaki) e Sho (Philip Zhao na jornada que tem aquele jeitão de RPG. Após a morte de Halliday (Mark Rylance), o criador do OASIS, um desafio é lançado. Quem conseguir encontrar as três chaves que Halliday deixou espalhadas no mundo virtual consegue ter o controle do OASIS. 

É claro que isso desperta a ambição da empresa de Sorrento (Ben Mendelsohn), que deseja obter o controle do jogo para controlar o mundo. E aqui temos o calcanhar de Aquiles do filme. Sorrento é um vilão extremamente caricato e idiota. É um filhinho de papai que quer de qualquer maneira obter o brinquedo mais legal do momento. 

Uma pena, pois um vilão ruim que não se pode odiar ou ao menos admirar por suas vilanias até a forma como ele cai pode estragar um filme. Parsifal merecia um antagonista melhor. 

Da mesma forma que os espectadores mereciam um final mais interessante. Era de se esperar que “Jogador nº 1” tivesse um desfecho feliz bem ao gênero dos filmes tradicionais. Porém, a cena do Sorrento conseguindo abrir caminho no meio de mais de cem pessoas só porque tem uma pistola não dá. Que rebelião é essa que não resiste a um revólver?

E quando ele finalmente chega até Wade/Parsifal não dá um tiro porque fica maravilhado com a vitória dele e com o ovo dourado nas mãos do rival. Por favor, né. É o tipo de lição de moral que Spielberg deveria evitar. Ok, o bem precisa vencer o mal. Mas não vem dar recado por meio de indiretas. Ou diretas, como a mensagem no fim de que é preciso viver mais no mundo real. 

Ainda assim, “Jogador nº 1” é uma agradável diversão. As cenas dentro do OASIS são incríveis e muito bem feitas. Parece um videogame em que você está jogando ali. E mal ou bem, a história te prende ainda que o roteiro tenha a estrutura clássica dos três desafios do herói em sua jornada. As etapas sendo vencidas aos poucos etc... É o de sempre, mas quando bem feito não é ruim. 

Cotação da Corneta: nota 7,5