segunda-feira, 31 de maio de 2010

Zico à Maradona

Ao assumir o risco de comandar o futebol do Flamengo, Zico mostra ter a coragem de um Maradona ou de um Roberto Dinamite. Maior ídolo da história do Rubro-negro, o ex-jogador tenta retomar sua vida no esporte após passagem apagada como treinador pelo futebol grego justamente no clube onde ele conquistou tudo e se tornou um Deus. Logo, Zico não tem nada a ganhar no Flamengo, embora o Flamengo tenha muito a ganhar com Zico.

Maradona também sempre foi Deus para os argentinos. Com a camisa da seleção ganhou uma Copa do Mundo e carregou o time ao vice-campeonato do Mundial seguinte. Mais do que a mão de Deus foi a genialidade do seu pé esquerdo que o tornou senhor absoluto de uma Igreja que só existe na Argentina.

Mesmo assim, Maradona topou em 2008 assumir o risco de treinar a seleção da Argentina. Saiu do pedestal de ídolo maior para virar vidraça no exigente futebol local. Rei dos campos, virou mortal no banco de reservas e apanhou da imprensa e dos súditos que viam uma talentosa Argentina não jogar bem e sofrer para chegar na Copa do Mundo. Garantida a vaga, o ídolo não teve pudores ao endereçar os seus piores xingamentos aos maiores detratores.

Zico também vai virar vidraça e por mais que tenha sucesso na sua nova empreitada uma hora terá decisões contestadas e poderá ter, inclusive, sua imagem de Deus arranhada. Mas ainda assim preferiu descer do Olimpo para lutar na planície.

Isso é algo que Pelé, por exemplo, nunca fez. E isso não é uma crítica, apenas uma constatação. O rei do futebol sempre manteve a sua majestade justamente por não se arriscar a assumir um cargo no Santos ou na seleção brasileira. Era preferível deixar o Pelé na história e viver a vida do Edson em paz.

O que pode acontecer com Zico, já acontece com Roberto Dinamite. Os campeonatos ruins do Vasco e a objetividade extrema a que se impõe o futebol não perdoam o comandante de agora, por mais que o ex-atacante ainda esteja tentando consertar os erros terríveis deixados pela administração Eurico Miranda. O presidente Dinamite já foi vaiado como um jogador medíocre que o atacante jamais foi.

É a isso que Zico estará exposto agora. Mas a conversa de domingo com a presidente Patrícia Amorim, que definiu sua contratação, parece tê-lo convencido. Em março, o ex-craque afirmara que seria constrangedor para ele e para o torcedor assumir o cargo de treinador do clube. Isso porque, o torcedor poderia querer chamá-lo de burro e não o faria mesmo que estivesse certo porque ele é o Zico.

Mas o projeto rubro-negro o seduziu. O fez mudar de ideia. Não sem antes garantir que receberá o dinheiro dos patrocinadores e não do clube, onde por vezes os meses têm 60 ou 90 dias.

E Zico é uma figura fundamental no futebol brasileiro. Principalmente porque não faz parte da podridão dele. Porque tem valores que os dirigentes que cresceram e enriqueceram as custas dos clubes de futebol jamais tiveram. Porque gosta do futebol bem jogado por ter sido expoente de uma seleção e de um time que sabiam jogar futebol. Para Zico vencer é preciso, mas sempre jogando bem. Dentro e fora do campo.

Como Maradona, Zico vai se expor novamente na arena em que foi rei. Torçamos para que ele dê certo. Até porque as críticas injustas que Patrícia Amorim já começa a ter de colegas rubro-negros do blog crescem a cada resultado ruim do Flamengo dentro do campo. E uma queda de uma dirigente aparentemente honesta que faz parte de uma renovação absolutamente necessária no futebol carioca é uma dupla derrota. Significa o fim de um projeto sério de reconstrução do clube (sim, o Flamengo estava mal, mas sua situação foi maquiada com o título brasileiro) e o retorno das aves de rapina que jogaram o futebol carioca na segunda divisão nacional. Que Zico consiga voltar a marcar os seus golaços na nova função.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sonhos

Gritos medievais
Vitórias incontestes
Desejos imortais
O espelho que não reflete

Realismo fantástico
Cores, luzes
Realizações impossíveis
Clímax orgástico

Numa cama as ilusões
De batalhas campais
Um mundo em realizações
Exageros por demais

Um galã infalível
Uma mulher imprevisível
Num castelo cintilante
E o mar adiante

Futuros previstos,
Passados relidos
Um ciclo se encerra
Quando nada se emperra

E no despertar do guerreiro
A melancólica verdade
A vida se apresenta
Hora de encarar a realidade

sábado, 22 de maio de 2010

De olho na franquia

Às vezes tenho a sensação de que não se faz mais nada em Hollywood hoje em dia quando se pensa em filmar um blockbuster que não seja antes responder à seguinte pergunta: Como será a sequência deste filme?

Estava pronto para esculhambar a visão de Ridley Scott para o cinema do lendário fora da lei que “roubava dos ricos para dar aos pobres” quando lá pelo terço final de “Robin Hood” caiu a ficha exclamativa. Porra, Marcelo! Esse é um filme do gênero “como-o-herói-se-torna-uma-lenda”.

Assim, esqueça pelo menos por 2h20m do Robin Hood vivido há 19 anos por Kevin Costner - e também de Sean Connery, Errol Flynn, entre outros – e concentre-se na história de Robin Longstride (Russel Crowe, vivendo muito bem outro herói de época, embora extremamente parecido com Maximus, o herói de “Gladiador” - 2000, também de Ridley Scott), arqueiro do exército do rei Ricardo Coração de Leão (Danny Huston), nobre, corajoso, capaz de dar a própria vida pelos seus ideais. Ele está neste momento fazendo uma revisão de sua existência enquanto procura juntar os cacos soltos de sua história. E a maneira como montará esse quebra-cabeça é das mais estranhas possíveis. A ponta que ficou solta foi no roteiro.

Floresta de Nottingham, roubar dos ricos, esqueça. Robin aqui ainda está formando seu grupo, composto, entre outros por frei Tuck (Mark Addy), Little John (Kevin Durand) e o seu grande amor, Lady Marion (Cate Blanchett).

Aqui, Robin é um líder de uma região do norte da Inglaterra. Na impossibilidade de Sir Walter Loxley (Max von Sydow) participar, fala por ela nas demandas com o rei John (Oscar Isaac), irmão do morto monarca Coração de Leão, e tenta unificar a Inglaterra em torno de um bem comum: a luta contra a invasão francesa do rei Filipe.

Um herói nobre, quase perfeito, mas fora da lei. Taí a semelhança com o general Maximus, tão brilhantemente vivido por Crowe numa atuação que lhe rendeu um Oscar no início da década.

Isso significa que “Robin Hood”, o filme, é ruim? Não. É um bom filme de aventura. Mas é aqui que retorno ao tema de abertura do texto. O trabalho de Ridley Scott é, de fato, uma mera preparação para uma sequência e prenúncio de uma milionária franquia. Não é a toa que o filme termina com a mensagem: “E a lenda começa”. Parece que ninguém mais consegue contar uma história em 120 minutos. Ou consegue, mas não quer. Uma espécie de efeito Matrix.

Assim, “Robin Hood” é a história de como Robin Longstride se tornou Robin Hood. Agora, aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Escada para os Vingadores

Sim, Robert Downey Jr. continua excelente no papel de Tony Stark/Homem de Ferro. A trilha sonora do novo filme de Jon Favreu também é de primeira, começando com “Shoot to thrill”, do AC/DC, passando por “Should I stay or should I go”, do Clash, e encerrando apoteoticamente com “Highway to hell”, da banda de Angus Young e Bon Scott. E a presença da maravilhosa Scarlett Johansson como a Viúva Negra (como ela ficou espetacular ruiva) e de Mickey Rourke interpretando sempre com paixão, afinco e loucura os seus papéis, dessa vez o russo Ivan Vanko, foram um ganho à série.

Apesar disso, “Homem de Ferro 2” é lamentavelmente inferior à primeira aventura, de 2008, e infelizmente foi feito mais para servir de escada para o filme dos Vingadores que está por vir (especula-se que ele sairá em 2012, depois dos filmes do Thor, previsto para 2011, e do Capitão América, também previsto para 2011), do que como uma sequência da história do playboy dos quadrinhos que vira um herói.

Assim, temas importantes como o problema de alcoolismo de Tony Stark vira uma mera brincadeirinha de uma bebedeira numa festinha. Todas as ações são pensadas, compassadas para um “bem maior” que é esta grande aposta da Marvel. Nada contra, mas acho que isso poderia ter sido feito com mais equilíbrio como no primeiro filme, quando algumas pílulas apareciam escondidas aqui e ali, da mesma forma que aconteceu no filme do Hulk, e no final ganhávamos ainda uma cena extra que dava um aperitivo interessante.

Isso se perdeu um pouco na atual aventura. Ou melhor, houve uma inversão de conceitos, causando a sensação de estar se vendo um trailer de um filme maior que está por vir. E para mim já é aguardadíssimo. Só quero saber como eles vão fazer para começar a história do Capitão América do zero – lembremos que ele é um herói da segunda guerra mundial – e jogá-lo já no século XXI. Afinal, o filme anterior feito em 1990 e estrelado por Matt Salinger, era tão tosco que não dá nem para ficar como referência. Também estou curioso para saber se o Thor será devidamente tratado como o deus do trovão de Asgard com a presença do seu pai Odin, seu meio-irmão Loki etc..., ou vai ser aquela palhaçada de um homem batendo o martelo no chão e saindo voando por aí (lembram da velha série do Hulk com Lou Ferrigno no papel principal?).

Mas de volta ao Homem de Ferro, o filme de Favreu tem outro defeito grave para uma película do gênero. As seqüências de lutas e de ação são bem fraquinhas, mal coreografadas e sem graça. O clímax, que deveria ser uma luta do herói e do coronel James Rhodes (Don Cheadle) contra dezenas de máquinas de Justin Hammer (Sam Rockwell) criadas por Vanko, é na verdade um anticlímax, por ser uma cenazinha bem chinfrim. Decepção total. E num filme blockbuster como esse isso não pode acontecer.

Apesar disso, Downey Jr. tem carisma suficiente para segurar a película até o fim. E a história do herói acaba ganhando uma correção na sua trajetória no final que pode ser melhor desenvolvida no terceiro filme que virá após o trabalho dos Vingadores. Resta-nos aguardar os próximos capítulos dessa história, pois “Homem de Ferro 2” é apenas um médio aperitivo para o melhor que está por vir. E espero que ele seja realmente melhor.

Enquanto o filme dos Vingadores não vem, apreciemos a sempre espetacular trilha sonora do Homem de Ferro. AC/DC e Clash para os amigos.

Shoot to thrill

Highway to hell

"Should I stay or should I go"

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Mais do mesmo (mas é bom)

Um indivíduo neurótico, hipocondríaco e/ou completamente nonsense não é uma novidade na vasta filmografia de Woody Allen. O próprio já o interpretou em trabalhos recentes como “Sonhos de Cassandra” (2007) e “O escorpião de Jade” (2001). Da mesma forma, Nova York não é um cenário absolutamente novo nas lentes da câmera do diretor, por mais que nos últimos anos ele tivesse dado uma “europeizada” nos seus trabalhos filmando em Londres (“Match Point”, de 2005, e “Scoop”, de 2006) e na Espanha (“Vicky Cristina Barcelona”, de 2008).

Assim sendo, o novo filme de Allen pode ser considerado um retorno ao ponto comum de sua zona de conforto? Sim, mas isso não é necessariamente um defeito.

Sinto-me à vontade para falar do diretor, pois estou longe de ser fã do trabalho dele. Acho que ele alterna filmes excelentes com outros que não consigo gostar. Não é que ele não tenha a qualidade abordada por muitos. Quem sou eu para dizer isso? É só uma questão de gosto pessoal.

Por outro lado, confesso que a cada dia gosto mais dos seus filmes. Talvez a idade e a experiência cinematográfica esteja me fazendo enxergar outros ângulos ou apenas tenha aprendido a apreciar seus filmes docemente leves, apesar da profundidade de suas mensagens passadas com sutileza e de forma cirúrgica.

Woody Allen consegue falar de Teoria das Cordas e física quântica como quem frita um ovo ou faz um miojo. E falar sobre o difícil de forma simples e se fazendo entender é uma arte.

Em “Tudo pode dar certo” nos deparamos com a história de Boris (Larry David), um frustrado indicado ao prêmio Nobel que vive num apartamento pequeno e sujo em Nova York e ganha a vida dando aulas de xadrez para crianças que ele considera em um nível de estupidez próximo ao dos protozoários. Um fim melancólico para uma mente considerada por ele mesmo privilegiada e brilhante.

Tão brilhantemente racional, Boris odeia os micróbios humanos e teoriza sobre tudo. Até sobre seus sentimentos por uma jovem que bate à sua porta à procura de comida e vai ficando após dobrar o seu mal humor. Melody (Evan Rachel Wood) é habilidosa na sua ignorância e consegue até criar uma relação com Boris. Relação esta que vai crescendo a partir da convivência entre duas pessoas tão diametralmente opostas. Para mostrar o crescimento da admiração daquele velho turrão conforme o tempo de convivência, Allen usa nada menos do que a matemática e insights filosóficos.

Como uma comédia de costumes, assim, digamos, moderno, Allen usa a história desses dois como linha central para criar um série de situações perpendiculares onde o acaso e o destino se mostram mais senhores da verdade do que qualquer decisão racionalmente tomada sob cálculos pré-medidos.


E nesse contexto, o diretor exercita o que ele tem de melhor: seu texto criativo que faz a plateia rir satisfatoriamente. Por isso, “Tudo pode dar certo” pode até ser mais do mesmo de Allen, mas é uma iguaria a ser apreciada com deleite.