domingo, 30 de julho de 2017

Paraty Facts - versão 2017

Uma das mesas da Feira Literária de Paraty/Marcelo Alves
Mais um ano de Flip. Mais um ano em que eu sobrevivi sem torcer fortemente os pés no piso acidentado da cidade histórica de Paraty. Não posso dizer o mesmo sobre pequenas torções. Muita coisa mudou. Outras tantas estão iguais. E aqui está o que só a Corneta viu na versão 2017 do Paraty Facts?

1- Ok, é charmoso, é bonitinho, faz parte da história da cidade, mas já está na hora de colocarem um asfalto decente nesse terreno do centro histórico de Paraty. As pedras irregulares de tons surrealistas não são inclusivas. Imagina o tormento para quem usa cadeira de rodas ou tem problema nas articulações de joelhos e tornozelos para andar nessa cidade.

2- Foi uma Flip com muito mais policiais nas ruas. A segurança piorou. Natural. Paraty não seria uma ilha de excelência num Rio de Janeiro que está abandonado, perdido e jogado na sarjeta.

3- Além de mais policiais e mais cachorros também tinha mais gente dando Bíblia e espalhando a palavra divina nas esquinas. Eles estavam competindo pau a pau em ocupação com os índios, que até onde eu sei, são locais.

4- A rodoviária ganhou um upgrade considerável. Deixou de ser aquela coisa empoeirada roots do interior e ganhou o ISO 9001 de rodoviária de cidade média.

5- Ainda não me decidi se a melhor sorveteria da cidade é o Finlandês ou o Pistache. De fato, tenho uma leve preferência pelo Finlandês, cujo sorvete é mais saboroso, mas experimentei e gostei do sorvete de chocolate com laranja do Pistache. Mas por que decidir isso agora? O importante é continuar experimentando eternamente.

6- Devia ter um código de bom senso antes de guardar lugares em cadeiras nas palestras na Flip. Uma pessoa, ok, a família inteira, cachorro e papagaio, não pode. Ou então paga um salário mínimo para a cidade pela reserva.

7- Teve "Fora, Temer!", teve "Volta, Dilma!", teve "Geraldo Alckmin!" e teve umas coisas sobre hábitos do Aécio que é melhor eu não reproduzir. Teve muito protesto também. De todos os tipos e gêneros. Até pelo fim das carruagens. Eu apoio. Coitado dos cavalos. Não dá para andar com equilíbrio no centro histórico.

A cidade histórica de Paraty/Marcelo Alves
8- Teve também uma galera exaltada. As pessoas estão uma pilha de nervos nesse país! Um cara passou berrando: "Não tem banheiro nessa porra!" (Taí uma verdade). Durante uma mesa, uma galera bateu boca num cantinho. Uma mulher esqueceu que fones com tradutores gabaritados falando no seu ouvidinho são oferecidos de graça e berrou: "Cadê a tradução desta MERDA!". E só porque um poeta mencionou que fez uma poesia inspirado nas manifestações de 2013 um cara atrás de mim levantou exaltado, mandando um "vai se fuder" e esbarrando nas mulheres ao seu lado que não tinham culpa de nada. De que adianta frequentar um festival literário e não ter elegância?

9- Para todos os exaltadinhos fica então a sugestão de rever a palestra de Lázaro Ramos e da jornalista portuguesa Joana Gorjão. Além de ter sido muito boa com duas pessoas inteligentes com bastante coisa a dizer, no fim de tudo Lázaro ainda pediu para as pessoas se amarem e distribuirem afeto (e beijo na boca). Mais amor, gente. É o que também prega o Marcelismo.

10- Foi desta palestra ainda que surgiu Diva, a senhora que iluminou a Flip com a sua história de vida, de resistência e amor à educação. Professora de Curitiba, ela falou verdades sobre a capital paranaense, coisas que não fariam o Sérgio Moro dar likes. E emocionou a todos. Foi uma das personagens da Flip.

11- Eu não sei quem teve a ideia de inventar o pastel doce. Nem deve ser uma invenção paratiense. Mas foi aqui que eu cai de boca sem perdão e sem pensar no dia de amanhã num pastel de prestígio de 30cm que estava supimpa.

12- Pilar del Rio, que personagem fascinante, inteligente, carismática e bem humorada. Foi encantador simplesmente ouvir as suas opiniões sobre tudo. Absolutamente compreensível o Saramago ter sentido a terra tremer quando a viu.

13- Quando eu crescer eu quero ser inteligente, equilibrado, altivo e ter a classe que o Angel Gurria-Quintana tem para mediar as palestras. Ele devia mediar todos os conflitos e debates da sociedade judaico-cristã ocidental.

14- A gente sabe que foi uma Flip com sérias restrições orçamentárias, mas ficou bem legal a festa na praça da Igreja da Matriz.

O belo cenário de Paraty, onde aconteceu a Flip/Marcelo Alves
15- Todo evento literário é um aprendizado para mim. Ouvir pessoas de opiniões diferentes, aprender com elas. Geralmente é gente muito mais sábia do que eu e com muito a me ensinar. E foi o que aconteceu muitas vezes. Porém, dessa vez não vi um único escritor que me arrebatasse de tal maneira que me fizesse cometer a sandice de levantar a bunda da cadeira e comprar os seus livros na livraria oficial da Flip (onde tudo é caro). Foi o que a Svetlana Alexievitch fez comigo no ano passado. Bom, de certa forma, minha conta bancária agradece.

16- Vi dez debates. Destes, 40% envolveram pensadores portugueses. Acho que eu estava meio obsessivo por um discurso sem gerúndios.

17- Sempre tive respeito por tradutores. Mas a conversa entre o português Frederico Lourenço (que traduziu SÓ a Iliada, a Odisseia e a Bíblia direto do grego) me fizeram enxergar o trabalho do tradutor como um processo criativo fascinante ao mesmo tempo em que é um trabalho dispendioso e de muita ourivesaria e paixão pelo texto original.

18- Frederico, aliás, ganhou o prêmio "ousadia e alegria" da Flip ao, dentro de uma igreja, questionar com argumentos sólidos e bastante aceitáveis a virgindade de Maria. Só faltou chamá-la de danadinha, o que uma senhora atrás de mim fez sem pudor.

19- Aliás, profundo respeito pelo Frederico, que começou a estudar grego sozinho e aos 10 anos, sempre acompanhado do seu pinguim de pelúcia chamado Platão.

20- A gente sabe que a Flip inflaciona Paraty tornando uma odisseia encontrar algum restaurante com um preço honesto. Mas por que é tão difícil encontrar um lugar para comer sem a praga da música ao vivo?

21- Duas descobertas na Flip para aprofundar no futuro: a poesia da grega Safo, que cantada pelo Guilherme Gontijo pareceu profundamente bela. E a existência de um movimento punk na Islândia. Preciso ouvir estas bandas cantando raivosamente como vikings chamando para a guerra.

22- Foi um pouco decepcionante a mesa "Por que escrevo". Não rendeu muito. Uma pena. Vai demorar mais uns 20 anos para outro surfista voltar a ocupar um lugar de destaque numa festa literária.

23- Sjón entoando cânticos antigos de lendas nórdicas me transportou para um tempo que não vivi numa floresta mágica com trovadores, elfos, fadas e vários personagens semelhantes tirados do "Senhor dos Anéis".

24- Marlon James e Paul Beatty eram claramente os headliners da festa. O primeiro pareceu totalmente à vontade e desfilou um monte de referências. Citou até o "Led Zeppelin IV". Beatty tem um jeitão de jogador de basquete e uma fala e gestos mais introspectivos. O debate fluiu bem e foi interessante. Só não foi aquela apresentação épica que esperamos de um headliner. Tipo um Bruce Springsteen quebrando tudo e roubando a sua alma direto do palco.

25- É isso. A Flip continua linda. Um dia eu volto. Não sei se nas mesmas condições ou não. Mas eu volto.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Game of Thrones, capítulo 2

Vamos falar de cargos e emendas parlamentares?
Eu passei tanto tempo esperando o inverno chegar (mas eu só quero o inverno da TV. Na vida pode fazer 32 graus), que eu só penso naquilo. Bom, eu também penso por motivos acadêmicos, mas aí é outra história.
Mas o que aprendemos deste episódio 2 de "Game of Thrones"? Isso aqui:
BEWARE! THE CORNETA IS DARK AND FULL OF SPOILERS!
1- É escandalosa a distribuição de cargos e emendas parlamentares que Cersei tem feito para se manter no poder. Parece até o... deixa para lá.
2- Não que Daenerys tenha que ficar muito atrás. Ela firmou tantas alianças que quando sentar no trono de ferro a conta vai ser padrão PMDB de cobrança. Vão pedir oito ministérios, três estatais, 30% dos cargos de segundo escalão... Vai vendo.
3- Jon Snow é o cara que faz sempre as alianças mais improváveis. É o homem que leva o velho lema do merchan da Adidas, "impossible is nothing", para a vida. Só falta mandar um corvo para os sete reinos com a "Carta ao povo de Westeros" prometendo manter as conquistas da economia e cuidar das pessoas.
4- Já Sansa, coitada, é só bola fora. Essa moça não sabe fazer política. E ainda não entende a hora certa de se manifestar. Eu tenho um pé atrás com ela.
5- Samwell Tarly é a personificação do velho conflito entre o mercado de trabalho e a academia. Todo mundo na Cidadela pensa no ritmo da pesquisa, da análise aprofundada sem tempo para acabar, mas o coitado do gordinho quer agir logo e resolver os problemas. É um meistre de mercado e que não quer perder tempo com divagações (e limpando penico cheio de bosta).
6- Nymeria, é você? Oi, sumida.
7- Melisandre! Oi, sumida. Coincidência, você por aqui.
8- Chorem haters. "Game of Thrones" é a série mais inclusiva de todas. Tem até cenas de sexo com eunucos.
9- "Eu quero ver como você é". Missandei curiosa toda a vida.
10- Por falar em eunucos, tudo o que Verme Cinzento fez para dar moral e melhorar a auto-estima da classe, Theon Greyjoy destruiu em dois segundos ao mostrar que sempre será um banana.
11- Vamos combinar que a cena final do episódio 2 foi melhor que os três últimos "Piratas no Caribe" inteiros.
12- Pobres serpentes de areia. Nunca tiveram muito espaço no enredo da série de TV e mal chegaram e duas delas já foram para a vala.
13- Imaginem se o destino do mundo estivesse nas mãos de Olenna Tyrell e Lyanna Mormont. Só as baratas estariam aqui para testemunhar a história do que sobrou do planeta.
14- Placar da partida até aqui: Team Cersei 1 x 0 Team Daenerys. Mas semana que vem tem mais.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Tragam o verdadeiro Homem-Aranha de volta

É dura a vida da aranha
Até a semana passada eu nunca havia visto qualquer trabalho do diretor Jon Watts. Ainda não dá para dizer se ele é bom ou ruim. Só acho lamentável que ele me faça ser obrigado a baixar o Harold Bloom no corpo para defender o cânone aracnídeo. Olha que papel a Corneta é obrigada a se prestar. 

Bateu a a bad da decepção quando me vi diante de "Homem-Aranha: de volta ao lar". Porque os quadrinhos são sagrados. São sagrados para mim como "Madame Bovary", "Os irmãos Karamazov" ou "Hamlet". Logo, não podem ser assim mutilados com um desfile de erros CRASSOS que estamos vendo neste momento nos cinemas do planeta. 

O maior problema do retorno do amigão da vizinhança para a Marvel no cinema (mas com a Sony faturando do lado) é de abordagem. E não dá para aceitar o excesso de liberdades tomadas diante de um filme que sequer é incrível. Se tivesse ficado excelente, a Corneta até as aceitaria (torcendo a cara, mas aceitaria). Mas não é o caso. Vamos ao jogo dos oito erros de "De volta ao lar": 

1- Não dá para aceitar o Homem de Ferro como uma figura paterna do Peter Parker. Não convence ninguém em nenhum momento. Primeiro porque nunca aconteceu na obra de arte materna, os quadrinhos. Segundo, porque um playboy ex-alcoólatra, mulherengo e bilionário não tem moral e nem tempo para adotar um adolescente. 

2- O Homem-Aranha sempre foi um self-made man. Ele é super inteligente e cria a sua própria teia (check), ele cria e costura o próprio traje... ops! Temos um grave problema aí. Não dá para aceitar um traje supermoderno com um drone aranha, um Jarvis feminino falando com você e variantes de teia porque as aranhas não têm granadas de teias e nem teias elétricas! E tudo o que o Peter Parker cria é inspirado nas... aranhas! Vejam só que coincidência. 

3- E aqui precisamos discutir a ONIPRESENÇA das indústrias Stark nos filmes da Marvel. Tudo bem, nos quadrinhos ela é poderosa, mas nos filmes ela virou simplesmente o McDonald's da tecnologia. Está em cada buraco e delimitando TODOS os padrões de uniformes e engenhocas. 

4- É impossível aceitar a obsessão do Homem-Aranha em tornar-se um Vingador. Sua participação nos Vingadores sempre foi discreta e ele sempre foi o herói da vizinhança, o garoto do Queens que combate o crime em Nova York, dá duro no trabalho e na escola e cuida da Tia May. 

5- Donde chegamos a este ponto: Marisa Tomei como Tia May não dá. Onde está a senhorinha que cuida do Peter? A mulher que perdeu o Tio Ben, o homem que ensinou que grandes poderes trazem grandes responsabilidades? 

6- E na escola? Se o problema do Flash Tompson fosse só ele ter virado um clone adolescente do M. Night Shyamalan eu nem ligaria muito. Mas o cara no cinema, além de ser baixinho e raquítico, de repente ganha um cérebro que nunca teve a ponto de participar de um concurso de perguntas e respostas sobre CONHECIMENTOS gerais. Conhecimento, taí uma palavra que nunca fez parte do dicionário do Flash. E os problemas dele com Peter nunca se resumiram a dar tapas na bundinha dele. Não é uma rivalidadezinha. Flash fazia bullying sério com Peter. 

7- E já que é para falar verdades, vamos implicar com tudo. Estamos na escola. Betty Brant loura e insossa não dá. Cadê a Gwen Stacy? Cadê o Harry Osbourne, que era best do Peter? E se a Mary Jane for mesmo a garota estranha que aparece no filme e que não tem nada a ver com a Mary Jane me avisem logo que eu nem vejo mais as sequências. 

8- Michael Keaton nem me incomodou muito como o vilão. Pelo contrário, está até bem. Mas ele precisava mesmo ser o Abutre-Homem de Ferro com aquela armadura padrão Indústrias Stark? E, convenhamos, meter o Abutre no meio das tretas dos Vingadores é muito forçado. 

São muitos problemas neste novo "Homem-Aranha". Mas eu vou ficar nestes oito. Diante disso, continuo preferindo os dois primeiros filmes do herói, de 2002 e 2004. Suas histórias são melhores e mais fiéis à biografia do herói. Por outro lado, há alguns pontos positivos em "De volta ao lar": 

1- De fato, Tom Holland é o melhor dos três atores que encarnou o Aranha. Eu gostava do Tobey Maguire, embora ele sempre fizesse uma cara de "estou sofrendo, minha vida é um 7 a 1 ininterrupto". E eu apenas engoli e fui benevolente com o Andrew Garfield. O Tom Holland consegue retratar bem o Peter Parker na fase adolescente e caiu bem no personagem. 

2- Problemas à parte, "Homem-Aranha: de volta ao lar" não deixa de ter seus momentos divertidos, embora esteja longe de figurar no top-5 dos melhores filmes da Marvel. "Homem-Formiga" (2015), por exemplo, é melhor. Só para ficarmos em filmes de heróis baseados em bichos pequenos. 

Fato é que desde que a Marvel encontrou a fórmula do sucesso (humor + aventuras leves e família x cenas de ação com bons efeitos especiais + bons atores contando boas historias) vai repetir essa equação até cansar. Por enquanto é receita de brownie. Sucesso garantido. 

Todavia, será que esta fórmula não está cansando? "Homem-Aranha: de volta ao lar" é tão xerox de outros filmes da Marvel que não tem absolutamente nada de interessante a mostrar que não tenhamos visto em outros filmes de heróis da Marvel. Não tem uma única cena que seja memorável e que será lembrada no futuro. E as cenas de ação são FRACAS. A melhorzinha é a de Washington, quando ele salva os amigos de uma roubada. 

O filme de Jon Watts só serviu mesmo para despertar em mim uma curiosidade. Primeiro foi em "Deadpool" (2016), agora foi o "Homem-Aranha" que fez uma homenagem a "Curtindo a vida adoidado" (1986). Quem é o cara da Marvel que curte esse filme maravilhoso?

Enquanto não obtemos a resposta, "Homem-Aranha: de volta ao lar" ganhará uma nota 5,5.