quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Bush vai para a galera em Lisboa

O Bush no Coliseu. Belo show/Marcelo Alves
No início dos anos 90, o grunge dava as cartas e Seattle parecia a capital do rock. Já no fim desse movimento, surgia na Inglaterra uma banda calcada no jeito de galã de seu vocalista que tinha uma voz grave e rascante que lembrava alguns dos expoentes cantores da cidade americana. Era o Bush que estourava num cenário pós-grunge com seu álbum de estreia, "Sixteen Stone" (1994). 

Desde então, a banda viveu altos e baixos, lançou quatro discos de estúdio e se separou em 2002. Oito anos depois, o vocalista Gavin Rossdale decidiu reativar o Bush, mas sem o guitarrista Nigel Pulsford e o baixista Dave Parsons, que faziam parte da formação original da banda, a mesma que gravou o clássico primeiro álbum. Vieram o guitarrista Chris Traynor e o baixista Corey Britz. Foi com essa formação e mais o baterista original Robin Goodridge que a banda britânica apresentou o show do novo álbum "Black and White Rainbows" (2017), no Coliseu de Lisboa, em Portugal. 

Primeiro disco lançado após um hiato de três anos, o álbum não ganha muito destaque no show da capital portuguesa. Apenas “Nurse” e “Peace-S” são tocadas. Canções, aliás, que não chegam a figurar entre as melhores já feitas pelo grupo. O novo disco só dá as caras na quarta música do show. Antes disso, Gavin amacia a plateia com sucessos do passado como "Everything Zen" e "The Chemichal Between Us". 

A partir daí, a banda alterna sucessos do passado, mais precisamente da primeira fase do grupo, quando viveu o seu auge de popularidade, com canções dos três discos lançados após a volta. Além do atual, há "The Sea of memories" (2011) e "Man on the run" (2014). Naturalmente, é a primeira fase da banda a que arranca mais reações positivas da plateia. Com canções como "Swallowed", "Machinehead" e a grande balada do Bush, “Glycerine”. 

O Bush atual é claramente calcado no carisma e talento de Gavin Rossdale. Os holofotes são todos voltados para ele, as atenções da plateia são todas para ele. Os demais músicos, apenas cuidam bem da cozinha para que Gavin brilhe. E ele não faz por menos ao se entregar de corpo e alma ao espetáculo ao mesmo tempo em que parece estar se divertindo muito no palco.

Gavin cantando no meio da galera/Marcelo Alves
O ponto alto desta entrega acaba sendo na última música da primeira parte do show. Durante "Little Things", o vocalista anda por todo o Coliseu, no meio da galera na pista e também nas arquibancadas no fundo da casa deixando a plateia em êxtase. Se fosse possível fazer uma comparação, é como se o vocalista andasse por uma Fundição Progresso lotada enquanto canta um dos seus sucessos. 

Depois disso, o Bush volta com um bis arrebatador formado por "Machinehead", "The One I Love", "Glycerine" e "Comedown". Um cover do R.E.M. e três clássicos do "Sixteen Stone" para fechar com chave de ouro sua apresentação de 1h45min.


O Bush não toca no Brasil desde 1997, quando fez shows no Rio, São Paulo e Coritiba. Se o novo álbum levar a banda de volta ao país, os fãs brasileiros não vão se arrepender do show. 

Playlist com o set list do show

terça-feira, 10 de outubro de 2017

O novo Blade Runner

Tá meio vazio aqui, né
Retomar histórias de sucesso do passado ou que tornaram-se cult são sempre um desafio. Mas se a arte contemporânea caracteriza-se muito pela reciclagem, o pastiche, o meme e as citações, o cinema não iria atuar na contramão dessa história. Por isso, as salas vêm sendo enxurradas de franquias de dinheiro fácil ou histórias que apelem para uma memória afetiva do espectador. O recente filme do “Pica-Pau” é uma clara estratégia de reciclar o personagem querido dos desenhos animados num filme que combina animação com atores de carne e osso. “Blade Runner 2049” é a aposta do momento.

Dirigido por Ridley Scott, o filme de 1982, contava a história do policial Rick Deckard (Harrison Ford), um caçador de replicantes que haviam escapado da fábrica Tyrell e precisavam ser eliminados. Neste futuro distópico imaginado pelo conto do escritor Phillip K. Dick, eram discutidos temas como a humanidade e o direito das máquinas de viverem como se humanos fossem, já que elas haviam evoluído de tal forma a terem sentimentos, ou a emularem sentimentos. Enquanto os replicantes viviam à margem da sociedade, Deckard encontrava-se num dilema ao ver-se apaixonado por Rachel (Sean Young), uma evolução criada pela Tyrell. Uma máquina quase humana.

“Blade Runner” passava-se no início do século XXI e a sociedade que vivemos é bastante diferente da versão futurista retratada por Scott. A nova versão dá um salto de 40 anos na história e imagina uma sociedade ainda mais isolada, vazia e pessimista. As novas versões dos Nexos são ainda mais realistas e os próprios Blade Runners são versões criadas e não seres humanos nascidos para caçarem as máquinas.

No mundo imaginado pelo diretor canadense Denis Villeneuve, os lugares são monocromáticos, a sensação de vazio é enorme e um isolamento depressivo grita na tela ao mesmo tempo em que os cenários são magníficos. É nele que vive K (Ryan Gosling), um Blade Runner que recebe uma missão de matar uma série de replicantes antes que a existência deles seja exposta para a sociedade.

Mas se a tenente Joshi (Robin Wright) quer encobrir o segredo da existência de uma replicante grávida, Niander Wallace (Jared Leto, que vai se notabilizando por personagens esquisitos tal qual um neo-Johnny Depp), o dono das empresas que assumiram o espólio da Tyrell, quer obter toda a informação possível desta evolução natural para trabalhar em cima dela numa geração ainda mais evoluída.

K, porém, tem seus próprios planos. Ele mesmo quer saber o quanto tem de humanidade e o quanto de sua memória não passa de implante. Concentra-se em K toda a questão do filme que reflete sobre o que poderíamos definir como o direito dos replicantes à vida e à humanidade.

“Blade Runner 2049” tem um profundo respeito pela obra original e dialoga maravilhosamente bem com o primeiro filme realizado há 35 anos. A forma como são inseridas as referências ao trabalho de 82 saem perfeitamente e a participação de Harrison Ford retomando o papel de Deckard é a cereja no bolo de um filme que funciona muito bem do início ao fim e tem uma beleza que vai da cinematografia à trilha sonora.


Cotação da corneta: Nota 9.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Lisboa facts - semana 2

Uma bela ruas de Lisboa/Marcelo Alves
Duas semanas em Portugal e o semanário da Corneta lusitana tem mais uma série de informações irrelevantes para compartilhar com seus 17 leitores. 

1- Finalmente eu passei pela experiência de ir ao cinema em Lisboa. E descobri que é mais difícil ler legenda de filme em português de Portugal do que ler texto acadêmico na mesma língua. Alguma expressões são ininteligíveis para mim. Por sorte, era um filme americano e aquele passado distante na Cultura Inglesa me salvou. Mas imagina quando eu quiser ver um filme iraniano? 

2- Contudo, nada no cinema português é mais bizarro do que ter intervalo no filme. Intervalo! E é tão curto que mal dá para ir ao banheiro. Também é desnecessário acender as luzes cinco segundos antes do filme acabar. 

3- By the way, "Bade Runner 2049" é maravilhoso. Denis Villeneuve é um puta cineasta. Que belíssimo filme. 

4- No início, eu vi uma pessoa. Depois foram duas. Em seguida, três. Quando eu cheguei a umas 25 pessoas diferentes acho que já posso configurar como tendência na irresponsabilidade que é escrever no Facebook posts com nenhum compromisso com a veracidade dos fatos. Então, como o português curte esse lance de jeans com o joelho rasgado no que chamarei de "raladinho style". Se eu faço isso, o meu joelho congela no inverno. 

5- Por falar em estilo, esbarrei na semana de moda de Lisboa. Entrei meio sem querer no meio daqueles fashionistas e senti a pressão quando um cara me pediu para eu fazer uma foto num grupo que tinha uma suposta modelo. Pelo menos ela fazia carão para a foto. Imagina o meu medo dessa foto dar errado.

6- A língua até aqui não tem sido um grande problema (menos no cinema). Mas aquele à onde brasileiro fala Á e aquele Ó onde brasileiro fala Ô ainda gera interrogações. Aprende, Marcelo, é COMBÓIO e não comboio. É ADUREI ao invés de adorei. E outro dia que quando eu precisei tirar uma xerox e um senhor me disse para ir na Casa das Bandeiras e eu entendi Casa das Madeiras? 😂😂

7- Um jornal aqui disse que o atacante Gabigol podia voltar ao Brasil poucos meses depois de chegar ao Benfica. O motivo? Ele não estaria adaptado a Lisboa. Amigo, eu como arroz de pato no bandejão da faculdade a 2,65 merkels. Imagina você que tem dinheiro e pode gastar inacreditáveis 13 merkels por um prato de bacalhau todo dia. Se não se adaptar a Lisboa, vai se adaptar a onde?

8- Eu aprendi nesta semana que o lisboeta é conhecido como ALFACINHA. Mas não é porque ele é verde, sem graça e coadjuvante em qualquer salada. Tem um componente histórico aí. Vamos a ele. 

9- A etimologia remonta ao século XIX por conta de uma citação do escritor Almeida Garret em "Viagens na minha Terra", mas reza a lenda que a história é mais antiga e vem do hábito de os lisboetas comerem muita alface (o que é uma verdade. A única coisa que eu comi sem alface aqui foi sorvete). As más línguas, porém, dizem que se deve ao hábito que os lisboetas tinham no passado distante de não se movimentarem muito, não saírem de casa, não irem para a night. Parece que eles eram meio paradões e só saíam para ir para a missa. Mas há quem também tenha o argumento militar. Durante a ocupação dos mouros entre 711 e 714, a alface teria sido o único alimento disponível aos habitantes da capital. Difícil acreditar nisso, mas imagina você passar três anos só comendo alface? Aposto que foi a fase mais fit de Lisboa. 

10- E como eu fui buscar toda essa história vegana? Acredite se quiser: tudo graças a Madonna. É porque estava no lide de um jornal local que a minha vizinha um pouco mais famosa não demoraria a virar alfacinha, pois estava perto de conseguir o atestado de residência e o visto de permanência no país. Madonna, inclusive, teve uma audiência com a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Souza, para agilizar a sua autorização. Quem pode, pode né. Eu preciso muito virar amigo da Madonna para também ter acesso a essas facilidades. 

11- Por falar em comida (alface não tem muita graça, mas é comida), Lisboa tem o nome de supermercado mais fofo do universo. Chama-se Pingo Doce. É tão maravilhoso esse nome, que só pode ser um marketing de guerrilha para fazer você consumir mais. "Vou no Pingo Doce. Ahhhhh, esse nome! Compra uma barra de chocolate!". 

12- Pequenas decepções. O kit kat aqui não é tão maravilhoso quanto em outros lugares. É uma versão com mais leite e mais cacau e não tem o mesmo sabor. Falta algo. Mas diante disso, a gente aceita o que tem. Tem também um salame de chocolate que tinha a maior pinta de versão local da palha italiana. É gostosinho, mas não tem a mesma qualidade da palha italiana. Pelo visto, terei que ir até a Itália, onde o doce deve se chamar apenas palha. 

13- Em compensação, o Milka de Óreo.... Jesus and Mary Chain! Vicia mais que droga pesada. 

14- Portugal, vocês sabem, é um país católico. Diante disso, seus doces têm uma pegada e, muitas vezes, sabor divinos. Tem queijinho de Deus, tem toucinho do céu, tem pão de Deus. Tudo tentação para te transformar num gordo dos diabos. 

15- É giro. Essa gíria é mara. Até a minha professora de "Estética dos Media", que é toda classuda e parece uma lady, e dá aulas que são verdadeiras odes a Immanuel Kant, não resistiu e falou que um texto de Baudelaire era giro. Só faltou dizer que Baudelaire era maneiro.

16- Por falar nas aulas, é incrível como os professores aqui falam num tom quase joãogilbertiano. Ninguém fala alto. O aluno que fique em silêncio e preste atenção. Nenhum professor em Portugal deve ter problemas nas cordas vocais. 

17- Estou preocupado com a brasileirização de Lisboa. Eu já vi tapioca e pipoca sendo vendidas no metrô, já vi brigadeiro... Só falta coxinha e cajuzinho. Aí será o caos. 

18- Nas livrarias, a literatura estrangeira é chamada de literatura traduzida. Acho uma expressão mais simpática e acolhedora. 

19- Continua calor. Graças aos deuses. Que fique assim para sempre. #Medodoinverno,#Thewinteriscoming.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Lisboa facts - Semana 1

O por do sol no Rio Tejo
Uma semana de aventura em Lisboa. O suficiente para acumular uma série de informações malemolentes e de pouca ou nenhuma relevância.
1- Para começo de conversa é uma cidade estranha. Tem um monte de pastelaria, mas nenhuma vende pastel e caldo de cana. Só bolinho de bacalhau e empadinha doce.
2- Mas quem liga para estes detalhes quando você sabe a hora que o trem e o metrô vão passar e eles realmente passam? Isso gera uma economia de tempo de chorar de emoção.
3- Por falar nisso, já são sete dias sem engarrafamento.
4- Lisboa, vocês sabem, é a Série B da Europa. Ou seja, é uma cidade cheia de pombos. Infelizmente ainda não consegui evoluir para o momento chique e phyno de morar numa cidade cheia de CORVOS. Um dia, quem sabe.
5- Dom Pedro I tem uma estátua imponente de 27,5 metros de altura, mas não tem muita moral. Aqui, ele sofreu tantos rebaixamentos quanto o Vasco e é Dom Pedro IV.
6- Eu descobri, inclusive, que o Dom Pedro I original, the one and only, viveu no século XIV e era cruel, mau feito pica-pau mesmo. Tinha uma amante galega chamada Inês que foi assassinada a mando do pai, Dom Afonso IV, "O Bravo". E o que ele fez em retaliação? Entrou em guerra contra o próprio pai, saqueando e queimando a região de Entre-Douro-e-Minho, e só parou quando Afonso entregou o poder para Pedro. E ainda organizou um mega banquete para si mesmo em que, enquanto comia, assistia aos assassinos da amante contratados pelo pai tendo os seus corações arrancados pelo peito de forma brutal. Isso é digno dos piores castigos vikings. Pedro também puniu com pena de morte a prática de advocacia, afinal, ele era a lei, e, last, but not least, exumou o corpo da amante para coroá-la rainha obrigando todos os nobres de Portugal a beijarem as mãos do cadáver no processo de coroação pós-vida. Era isso ou o nobre ia para a vala. Ou seja, Pedro I era uma espécie de Ramsay Bolton português.
7- Não é à toa, portanto, que Pedro I tinha as seguintes alcunhas: "O Cruel", "O Justiceiro", "O Vingativo", "O Tartamudo", "O até o fim do mundo apaixonado".
8- Mas apesar de seus pequenos acessos de fúria, Pedro I, era muito bem quisto pelo povo, pois ajudou os mais pobres e trouxe desenvolvimento econômico e paz. Também né? Quem iria desafiá-lo? O rei também gostava de se misturar ao povão nos festejos, onde cantava e dançava. Ou seja, quando não era o cão chupando manga, era um fanfarrão. Como prêmio, Pedro I ganhou uma estátua em Cascais de frente para o mar.
9- A água do Oceano Atlântico é de congelar os ossos mesmo. Negócio de praia é inviável aqui. Só o Night King consegue frequentar de boa.
10- Você sabe que o Brasil é filho de Portugal quando começa a lidar com as burocracias locais. É um tal de precisar de um documento para tirar outro documento, mas só conseguir tirar um documento depois de tirar o primeiro documento.... maior cachorro correndo atrás do rabo o tempo todo.
11- Você também sabe que o Brasil é filho de Portugal ao ver que as pessoas, tal qual no Rio, não te esperam sair de um vagão do metrô para poderem entrar. Elas gostam de tudo ao mesmo tempo. Pelo menos ainda não vi aquela correria feito estouro da boiada que eu via quando pegava o metrô em BotaSoho.
12- Jonas parece que é ídolo mesmo do Benfica. Sempre aparece nos merchans do metrô.
13- O desafio em Lisboa é evitar o vicio no pastel de nata. Por enquanto, estou perdendo essa batalha.
14- Você sai do Brasil, mas fica difícil o Brasil sair de você quando você anda pela cidade e vê Rua Augusta, Avenida da Liberdade, Marquês de Pombal e uma região chamada Caxias. E que tem praia.
15- Ainda não comi bacalhau. Falha grave que precisa ser corrigida.
16- E o mestrado? Puro desespero. Só de leitura obrigatória são 2,5 mil páginas em três meses. Bom, ninguém disse que ia ser fácil.
17- Graças aos deuses ainda está calor. Mas... the winter is coming. #Medo
18- Trilha sonora da semana: "Advice for the young at heart" (Tears for Fears)