domingo, 30 de março de 2008

Um libelo pela liberdade

Uma vez ao reclamar de quanto tediosa estava a vida, uma amiga, em tom de bronca fraternal, disse que eu reclamava que precisava de coisas novas, mas não fazia o esforço para criá-las. Afinal, ela dizia, as oportunidades somos nós mesmos que devemos criar com muito esforço, a enorme criatividade que temos e o que o dinheiro nos permite fazer.

Ao assistir a “Na natureza selvagem”, com todas as suas belas paisagens dos Estados Unidos, o espírito aventureiro e inconformista, aliado ao desapego das coisas mundanas, de um jovem como Chris McCandless (Emile Hirsch), e a linda trilha sonora composta por um ídolo meu, Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, senti o baque da minha mediocridade. Lamentei meus horários, minhas rotinas e até a previsibilidade dos meus prazeres. E diante da prisão que eu achava que não vivia e da dificuldade de conseguir ao menos um indulto sabático chorei por dentro.

Novo e talvez o melhor filme do diretor e roteirista Sean Penn, já consagrado como ator por diversos trabalhos, entre eles “Sobre meninos e lobos” (2003), de Clint Eastwood, e “21 gramas” (2003), de Alejandro González Iñarritu, “Na natureza selvagem” é um libelo pela liberdade e um chamamento a uma felicidade que está além do dinheiro, além dos bens materiais e daquilo que a sociedade espera que você seja. É uma aventura de um jovem que busca pura e simplesmente viver longe da hipocrisia de seus pais, com suas vidas de fachada, e encontrar a essência de algo tão caro e difícil de chegar e sentir plenamente: a felicidade.

Para personificar esse espírito verdadeiramente livre, Hirsch, que já apareceu em filmes elogiados como “Os reis de Dogtown” (2005) e “Alpha Dog” (2006), vive com competência o grande personagem de sua carreira. Comandado por Penn, ele encontra o tom certo neste “On the road” (1957) ou “Easy Rider” (1969) moderno em que McCandless, sob a identidade de Alexander Supertramp, faz da sua vida a poesia libertária que ele encontra nos seus livros. Tanto o livro de Jack Kerouc, aliás, que trata de dois jovens viajando pelos Estados Unidos com a mochila nas costas, quanto o filme clássico de Dennis Hopper, que ainda contava com Peter Fonda e Jack Nicholson, e trata de dois aventureiros andando de moto pela América sem nenhum destino e que também tinha uma trilha sonora marcante, “Born to be wild”, da banda Steppenwolf, guardam interessantes semelhanças com a obra de Penn.

E é nos livros que Chris/Alex buscará a inspiração eterna para vencer os desafios e romper barreiras burocráticas e atingir o limite final de sua missão. Chegar ao Alasca é o coração de sua trajetória, o ponto literalmente final da sua mágica aventura.

É no Alasca que McCandless encontrará o que procura e dar-se-á por satisfeito e pronto para, revigorado, retomar a sua vida. Não a antiga, feita de mentiras e concessões, mas uma nova existência enriquecida pelas experiências de trabalhos diversos, amizades diversificadas e um espírito revigorado pela troca cultural que sua trajetória o proporcionou.

É uma pena que a sua inexperiência, no entanto, algo tão inversamente proporcionou ao espírito juvenil, tenha lhe sido fatal. O desconhecimento do quão “wild” pode ser a natureza e de que todos têm um limite a atingir acabou por interromper a vida de alguém tão necessário pelo que podia nos ensinar.

Ficaram apenas, o que já é mais do que muitos já contribuíram, o belo filme que retrata uma trajetória tão fugaz e ao mesmo tempo tão intensa. E a lição de que, como descreve o próprio McCandless, “não existe felicidade que não seja compartilhada”. Uma mensagem que, quando deixada diante da certeza da morte, tem um poder, no mínimo, de causar um incômodo interno. Resta agora encontrar uma saída.

Algumas inspirações. Eddie Vedder cantando “Guaranteed”, que venceu o Globo de Ouro de melhor canção, “Society” e “Hard Sun”, todas do filme:






domingo, 23 de março de 2008

O preço cobrado pela guerra

O holandês Paul Verhoeven é um cineasta que gosta de tratar coisas simples da vida com a crueza e naturalidade que elas têm. Em suas mãos, seios aparecendo ou cenas de sexo fazem parte do cinema porque fazem parte da vida e as pessoas estão aí, diariamente, fazendo o que são ou foram retratados em seus filmes. Não dá para dizer que a arte não imite a vida em seus trabalhos.

Com um pouco de fantasia, é verdade. Não estou aqui dizendo que existem escritoras assassinas que matam homens com picadores de gelo após transarem com eles como no avassalador “Instinto Selvagem” (1992). Mas mulheres que fazem de tudo pela fama e uma condição melhor como o mostrado no bom “Showgirls” (1995), inexplicavelmente – ou até compreensivelmente se pensarmos no conservadorismo - um fracasso nos Estados Unidos não são muito diferentes de... bem, deixa para lá, vamos evitar processos.

O que acontece é que nas suas mãos uma mulher pintando a vagina de louro tem a naturalidade de uma mulher pintando a vagina de louro. Nada é gratuito, mas nada é escondido em seus trabalhos. Deve ser a tal da liberdade e modernidade holandesa que agora libera até sexo em praça pública.

E nesta sua volta à terra natal num filme falado na língua nativa, Verhoeven constrói uma história de sacrifício, perdas e marcas irreversíveis deixadas pela II Guerra Mundial em “A espiã”, filme de 2006 que só chegou aos cinemas brasileiros neste ano.

Em meio a ocupação da Holanda pelos alemães já no fim do conflito, Rachel/Ellis de Vries (Carice van Houten) é uma judia que tenta escapar da morte fugindo para a Bélgica. Mas a escapada é delatada e oficiais alemães liderados por Franken (Waldemar Kobus) matam toda a sua família e mais um punhado de judeus que tentavam escapar clandestinamente.

Única sobrevivente, Ellis retorna ao advogado Smaal (Dolf de Vries) sem dinheiro, roubado pelos alemães, e em busca de abrigo. Acaba conhecendo Gerben Kuipers (Derek de Lint) e passa a trabalhar como espiã para a Resistência holandesa, um grupo miliciano que tenta combater os alemães.

Traumatizada pelo barulho de bombas e aviões que a perseguem desde o início da guerra, Ellis terá que fazer uma série de concessões para sobreviver. Uma de suas atribuições é seduzir o capitão Muntze (Sebastian Koch, o escritor perseguido pelo regime comunista em “A vida dos outros” (2006). Perdida e sem muita alternativa, ela se dedica com afinco a ponto de pintar os cabelos de louro (todos eles) para não ser confundida com uma judia.

Seu disfarce não funciona e ela é facilmente desmascarada por Muntze. Mas a realidade que se desenha no momento com a inevitável derrota dos alemães e o fim da ocupação do país acabam favorecendo um surgimento de uma paixão impensável. Ela acaba ganhando um aliado e trabalhando aos dois interesses, o de Muntze e o dos rebeldes, sem que haja um conflito entre ambos que no fim buscam nada além da liberdade e o fim da guerra insana.

Nesse cenário, Muntze negocia com os rebeldes um cessar-fogo enquanto Frankel quer o acirramento do conflito com o assassinato de todos os inimigos capturados.

Enquanto vê todos a sua volta morrerem, inclusive o oficial alemão que ela passou a amar pela solidão que compartilhavam e a perda da família pela guerra, Ellis sobrevive. Viver seria demais para ela, tão marcada pelas chagas da guerra que nem mais de dez anos depois vão se apagar. Não é a toa que Verhoeven encerra o filme com sua imagem num kibutz em Israel envolto em cerca de arames farpados com soldados se preparando para uma batalha. Mesmo na liberdade, ela se encontra presa.

Num enredo cheio de reviravoltas e traições em todos os lados, “A espiã” é um excelente trabalho de Verhoeven. Baseado em fatos reais, o filme nos apresenta um lado raramente visto da história que é envolvimento da Holanda na guerra e as marcas deixadas no país. E nesta história, Ellis encarna alguns dos sacrifícios dos judeus para sobreviverem ao horror nazista e lutarem contra ele.

quarta-feira, 19 de março de 2008

No máximo uma historinha

Estados Unidos, 2009. A cura do câncer é aparentemente descoberta, mas efeitos colaterais fazem com que os humanos se transformem numa espécie de vampiros. O vírus se propaga e três anos depois resta apenas um homem. Robert Neville (Will Smith) é o tenente-coronel do exército e também médico que tenta incessantemente descobrir a cura para o mal.

Enquanto não atinge seu objetivo, Neville vive uma rotina ao lado de sua cadela que se resume basicamente a fazer exercícios pela manhã, caçar à tarde numa Nova York que rapidamente é tomada pela natureza e se esconder das criaturas das trevas à noite. Diariamente ele transmite uma mensagem via rádio na esperança de que alguém o ouça. De que alguém tenha sobrevivido e, como ele, seja imune ao vírus Krippin.

Está é a premissa de “Eu sou a lenda”, novo filme de Will Smith. Um dos atores mais bem pagos da indústria cinematográfica – coisa de US$ 20 milhões por filme – neste trabalho Smith se lança num desafio enfrentando com maestria por Tom Hanks em “Náufrago” (2000): segurar um filme sendo o único em cena por mais de uma hora.

Mostrando um talento dramático já registrado em trabalhos anteriores como “À procura da felicidade” (2006), ele é bem sucedido, embora, diferentemente de Hanks, tenha direito a uns flashbacks que explicam como a terra chegou àquele caos para ajudá-lo.

Seu trabalho é elogiável e quando Alice Braga entra em cena como Ana, uma brasileira que também sobreviveu e está em busca de uma colônia em Maryland onde viveriam os humanos que restaram daquele apocalipse, o filme só ganha em qualidade.

Contudo, assim como naquele no filme citado acima que rendeu a Smith uma merecida indicação ao Oscar de ator, “Eu sou a lenda” não decola. “À procura da felicidade” é um trabalho bonito e uma história emocionante sobre um pai que com muita honestidade e persistência tenta melhorar de vida com estudo e muita garra. Impossível não se emocionar e apenas isso.

Apesar do estilo de “Eu sou a lenda” ser diferente, há um composição de drama e culpa na caminhada de Neville que poderiam ser mais bem exploradas. O diretor Francis Lawrence, no entanto, prefere seguir por outro caminho, o de alguns sustos dados pelos vampiros em recursos típicos de filmes de terror.

Numa comparação entre Lawrence e Robert Zemecks, diretor de “Náufrago”, este último foi mais bem sucedido em explorar o talento de um grande ator (não que Smith já tenha entrado nesta lista, pelo contrário) numa situação inóspita em que o personagem e o próprio ator têm que lidar com a solidão do cenário e do set – apesar das câmeras ali atrás. Entre a conversa com manequins e a bola “Wilson”, fico com a segunda opção.

Até acredito que quem gosta deste estilo de filme – uma coisa entre a ficção científica e o drama - não chegue ao seu fim decepcionado, mas a mim não convenceu. É mais um bom trabalho de Smith num filme que acabou sendo inferior ao seu talento. Uma película que não é tão lendária assim. É no máximo uma historinha.

domingo, 16 de março de 2008

Solidão no placar

É impressão minha ou o futebol anda meio chato (Liga dos Campeões à parte)? Há alguns meses não vejo uma partida verdadeiramente emocionante, com jogadores de talento mostrando realmente que têm qualidade e disputado até o fim. Exceção é claro, para a espetacular apresentação do Fluminense na goleada sobre o Arsenal por 6 a 0 na Libertadores.

É culpa da falta de craques, diriam uns. É culpa dos regulamentos, argumentariam outros. Bem, os primeiros têm uma dose de razão. Craque, craque mesmo na acepção da palavra têm poucos por aí e a maioria já está se arrastando. É o caso do atacante Romário (se é que não já parou) e do zagueiro Maldini, do Milan. Ronaldinho, me perdoem, ainda não é craque. Kaká, que está muito mais perto de atingir isso do que o jogador do Barcelona, também. Ambos são grandes jogadores.

Quanto ao segundo grupo, me parece uma defesa pessoal contra os campeonatos de pontos corridos. Acontece que não é o regulamento que faz a competição e traz de volta a emoção. O Campeonato Holandês da temporada passada foi emocionante. Decidido na última rodada entre três times que tinham chance de ser campeão: PSV, Ajax e Az Alkmaar. O título acabou com o PSV. Ao passo que o Campeonato Carioca, mesmo com semifinal e final, anda absolutamente chato e previsível. Ninguém aguenta mais esperar pelo óbvio: ver os quatro grandes clubes decidirem o título. Culpa, obviamente, da parte do regulamente que prevê que nenhum grande jogue fora dos seus domínios.

No mesmo período que notava que o futebol anda muito chato, assisti nos últimos quatro meses a uma emocionante e inesquecível temporada de futebol americano. Ela culminou com a vitória do New York Giants sobre o New England Patriots por 21 a 17.

Não sei por que a NFL foi de colocar o coração na boca e ficar de pé na frente da TV – não, não é por causa dos playoffs – mas que a ausência de empates, como acontece em todos os esportes americanos, aliás, ajuda, isso ajuda.

Mais do que técnicos retranqueiros e esquemas fechados e junto da violência em campo (parênteses. Até quando carrinhos serão permitidos no futebol? Até quando vamos suportar partidas no Brasil com mais de 60 faltas?), acho que o empate é o maior inimigo do futebol hoje em dia. Ele é o anticlímax. A imagem do empate é o torcedor com cara de bunda sem o sorriso da vitória nem o choro da derrota. É só aquele olhar blasé, atônito e você dizendo: “É...”.

E a pior modalidade de empate é o 0 a 0. O empate sem gols é a completa solidão no placar. É o torcedor pagando por um produto que não recebeu. É conquistar a garota e não dar um beijo. É relaxar... e não gozar como gosta a ministra.

Há algum tempo penso que o 0 a 0 é tão abominável que não devia dar ponto a nenhum time na tabela. Se você não fez gols, a essência do futebol, não merece pontuar no campeonato. Ao passo que times que ganhassem por uma diferença no placar de quatro ou mais gols, marcariam quatro pontos. Acho que isso resolveria parte do problema da violência, pois ninguém ia querer jogar com brucutus se quanto mais gols você fizer mais pontos somará, e das retrancas, uma vez que os treinadores iriam buscar cada vez mais os gols e escalariam mais jogadores de talento para fazê-los.

Um grande amigo que não se encontra mais entre nós contra-argumentava dizendo que o futebol iria ficar muito complicado e o esporte só é o mais popular do planeta porque é simples. Ok. He got a point. Mas ao menos, devia ter um meio de acabar com o empate.

A Copa da Inglaterra e a Copa da Liga Inglesa já exercitam de certa forma uma saída. Como os jogos são em rodada única, geralmente no campo do time de menor expressão, quando há empate ocorre o que eles chamam de replay, ou seja, uma nova partida no campo do adversário.

Tudo bem que esta não é a melhor saída para campeonatos de pontos corridos, por exemplo. Contudo, os ingleses estão tentando e, como sempre, a frente do tempo do futebol no resto do mundo. E principalmente das malas que são os velhinhos da International Board.

Apesar de alguma argumentação contrária, continuo achando que pontuação diferenciada salvaria o futebol dos empates e tornaria o jogo mais belo, dinâmico, imprevisível e, o que é mais importante e o que interessa de fato, com muitos gols. Certamente deixaríamos de ter um time com um futebolzinho chocho como o da Itália como campeão do mundo.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Uma noite com o poeta

Aprendi a gostar de Bob Dylan antes de conhecer Bob Dylan. Apenas através das regravações de outros artistas. Antes de ouvir Jimi Hendrix e U2 (“All along the watchtower”), Guns’n’Roses e Eric Clapton (“Kcnokin’ on heaven’s door”) e os Rolling Stones (“Like a rolling stone”), Dylan era apenas um nome nos créditos de cada canção destes e outros artistas que eu admirava e aparentemente alguém muito admirado por eles.

Com o passar do tempo fui conhecendo aquele que é um dos músicos mais importantes da história e que eu achava que fosse apenas um baixinho fanho que cantava folk, um dos afluentes que desbancam no oceano chamado rock and roll. Não sabia o quão revolucionário ele tinha sido ao empunhar uma guitarra num tempo em que ela era defenestrada pelos seus fãs. Nem que sua canção antibelicista, “Masters of war”, seria tão atual embora tenha sido composta há mais de 40 anos.

Dylan representa a pré-história do rock, embora tenha começando tocando um de seus afluentes, como já disse, e seja posterior a nomes como Jerry Lee Lewis, Chucky Berry, Elvis Presley ou Bill Haley. Mas é antes de Beatles e Stones, da revolução cultural e sexual, que marcou uma guinada diferente no movimento. Meu pai uma vez me disse que quando ele começou a ouvir música com mais atenção, Dylan já era dado como ultrapassado. Acontece. É culpa de uma fase pouco criativa nos anos 70 aliada a um momento histórico em que os três acordes dos Sex Pistols falavam mais alto do que a poesia dele.

Dylan é a pré-história e o início de uma parte importante da história. Ajudou a formar a música contemporânea e a moldá-la. Não é a toa que é influência de muita gente boa que já foi, como Hendrix, ou ainda toca por aí. Não é a toa que os Stones o admiram e que os Beatles conheceram a maconha através dele (isso certamente levou a alguma coisa). Duas das maiores bandas da história beberam diretamente na sua fonte.

A primeira vez que ouvi verdadeiramente Dylan tocando foi num clip da MTV no tempo que ela fazia jus ao nome. Lembro que a canção era “Subterranean homesick blues”. Era um vídeo simples com o cantor deixando cair uns cartazes de cartolina com trechos da canção que tem um ritmo acelerado e é de difícil entendimento mesmo para quem é Ph.D em inglês, o que não é o meu caso. Em seguida, numa rádio, no tempo em que elas existiam, escutei “Mr. Tambourine Man”. Praticamente o oposto de “Subterranean homesick blues”, mas com aquele jeito meio enrolado dele de cantar, comendo as palavras e com um ritmo e sotaque sulistas – Dylan, porém, é de Minnesota -, de um blueseiro, ou coisa parecida. Aprendi a gostar através dos outros, mas já identificava melhor sua genialidade.

Curiosamente, apesar de com o passar do tempo eu ter me aprofundado nos estudos de Dylan, só fui saber que “Blowin’ in the wind” era “A Canção”, o “Satisfaction” dele, quando vi o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pagando o mico de cantá-la na tribuna do Senado. É uma bela música, mas prefiro “Like a rolling stone” e outras já citadas acima.

Sábado passado foi o dia em que estive mais perto daquele que é comumente chamado de poeta. E foi uma honra. O show é hermético como disseram? Sim. Entendê-lo cantar e saber quais letras ele está cantando é um desafio digno para qualquer fã que ostente a discografia completa do cantor composta por mais de 40 álbuns. “Masters of war”, por exemplo, só reconheci lá pelo meio. “Spirits in the water” foi mais fácil. No entanto, Dylan é mestre em mudar as canções. “Blowin’n in the wind” fechou o show, mas só descobri nos últimos acordes. O mesmo aconteceu com “Rainy day women 12 & 35”. “It ain’t me baby” deu para descobrir no refrão.

Seu show não é fácil e não é para agradar a todo mundo. Ele não decora o tradicional “obrigado” e não faz questão de falar com seus fãs. Li muitas reclamações acerca disso sobre o show de São Paulo. Contudo, o cidadão não vai a uma apresentação para bater papo com o artista, ora bolas. O que importa é a música. De qualquer maneira, acho que os cariocas foram mais felizes. Talvez emocionado com tantas manifestações positivas que culminaram com o público abandonando as cadeiras e invadindo a frente do palco num gargarejo improvisado, Dylan, no único momento em que se dirigiu à platéia, disse: “thank you, friends”. Em seguida apresentou a banda.

Dylan pode até ser descrito como frio – prefiro acreditar que ele é mais reservado e sem cerimônias -, mas sua música não. E quem pagou (caro, aliás) para vê-lo saiu satisfeito por ver ainda mais cinco músicos de primeira linha que o acompanham. Com uma banda espetacular formada pelos guitarristas Donnie Herron, Stu Kimball e Denny Freeman, que faz jus ao seu sobrenome, pelo baixista Tomy Garnier e pelo baterista George Receli, tocando num cenário simples, com pouca iluminação, sem telões e num clima de pub, o músico desfilou seus sucessos quase incompreensíveis e suas músicas mais recentes com a maestria que se esperava dele.

Claro que qualquer tentativa de cantar junto esbarrava na interpretação peculiar do cantor. Muitos tentaram em “Like a rolling stone”, a canção que mais empolgou a platéia, mas prevalecia no público a interpretação compassada de Mick Jagger, que fez mais sucesso no Brasil, bem diferente das travas e acelerações que Dylan impunha à sua letra. Sem dúvida foi engraçado.

Com 66 anos, Dylan certamente não tem o mesmo pique do passado. E quem estava presente na Rio Arena, ótima opção de shows pela acústica e péssima pela localização e falta de opções para comer, compreendia perfeitamente isso. Mesmo assim, o cantor americano fez um show de duas horas, incluído o bis, que estava dentro do que qualquer fã esperava. Tanto é que ninguém reclamou quando ele largou a guitarra na terceira música e foi para um teclado que passou a tocar, dizem, por causa de dores nas costas.

Todos ainda acompanhavam com reverência as músicas mais lentas do repertório, mesmo tendo ficado claro que a empolgação vinha mais com suas canções mais roqueiras. Apesar disso, todo o repertório escolhido era excelente, de uma qualidade ímpar, como não se faz mais hoje em dia.

O clima foi o melhor possível e Dylan aparentemente também saiu satisfeito. Ponto mais uma vez para o Rio, a melhor platéia para qualquer artista, que ainda desbancou o esquema frio e burocrático das cadeiras.

Quem estava atrás de simpatia e duas músicas, como muitos que não entendem de Dylan gostariam, devia ter ficado em casa vendo vídeos no Youtube. A passagem de Dylan pelo Rio foi marcante. Não posso dizer se foi melhor ou pior do que os outros três shows em 1990, 1994 e 1998, pois não estava presente neles, mas acredito que foi igualmente marcante para os quase cinco mil presentes. Foi inesquecível ver o poeta tão de perto.

Alguns momentos inesquecíveis, “Like a rolling Stone”, “Rainy day women #12&35” e “Blowin’ in the wind”.






sábado, 8 de março de 2008

Promessas e escolhas

O lado ruim de escrever sobre cinema depois de todo mundo é sofrer para encontrar algo diferente do que as pessoas que você admira já escreveram. No caso de “Senhores do Crime”, um dos melhores filmes deste ano, como fugir da argumentação da minha crítica de cinema favorita e com quem eu sempre tento aprender algo, Isabela Boscov?

Na “Veja” do dia 16 de fevereiro, ao ressaltar o excelente trabalho de Viggo Mortensen, merecidamente indicado ao Oscar de melhor ator, que acabou ficando, também com muita justiça, com Daniel Day-Lewis, ela comparou as duas vigorosas interpretações (ela chama de arrebatadora, mas eu não posso copiar tudo, pois seria plágio) neste filme e no seu trabalho anterior, também uma parceria com o diretor David Cronenberg, “Marcas da Violência” (2005).

Em síntese, a crítica disse que o motorista Nikolai e o comerciante Tom Stall são opostos, mas representam uma retomada da temática da violência sobre um ângulo diametralmente oposto, com o perdão da redundância. Ou seja, Nikolai é um homem bom vivendo num mundo mal. No caso, a cruel máfia russa em Londres. Já Stall é um homem mal tentando se adaptar a uma vida normal no interior dos Estados Unidos, para, talvez, conseguir esquecer o passado, eu acrescento.

E não dá para não traçar um paralelo como o que ela fez, visto que as semelhanças não estão apenas nos nomes nos créditos, mas na temática crua da violência que chega ao seu ápice, se é que é possível dizer isso, na cena em que Mortensen, completamente nu, luta com dois membros da máfia rival numa sauna em “Senhores do Crime”.

“Senhores do Crime” mostra que Nikolai quer fazer mais do que ser um assassino. “Marcas da Violência” tenta seguir um homem que vê o passado lhe bater à porta com a gelada expressão de Ed Harris que causaria medo em qualquer um. Neste novo trabalho de Cronenberg, o medo vem da calma e frieza de Semyon (Armin Mueller-Stahl) que é capaz de ordenar um assassinato com a tranquilidade de quem prepara os enfeites de um bolo de aniversário e dá sempre a impressão que suas perguntas, suas palavras são prólogos da morte da parteira Anna Ivanovna (Naomi Watts), que, motivada por uma chaga passada, resolve se meter onde não devia e acaba tocada pela maldição da Vory V Zakone, a máfia russa.

Nas palavras de Isabela Boscov, “o cineasta e o ator desdobram agora o tema do seu primeiro trabalho”. O tema, interpreto, é a violência e como verdadeiros outsiders, os personagens vividos por Mortensen tentam sobreviver imerso nelas.

Além de retomar a temática, Cronenberg faz de “Senhores do Crime” quase um inventário da máfia russa, talvez uma das mais cruéis do mundo. Para provar isso, ele usa clichês naturais em filmes desse tipo como os diálogos tomados de entrelinhas, os olhares firmes e estudados ou atitudes como cigarros sendo apagados com a língua e métodos cruéis de assassinato e maneiras de se livrar de um corpo.

Nada diferente do que já foi registrado, mas que não significa que não seja bem usado. Em mais de cem anos de cinema, esperar originalidade seria puro pedantismo e levar a vida de uma maneira carrancuda que nem eu me arrisco nos meus piores dias.

O que faz de “Senhores do Crime” ser imperdível, portanto, não é qualquer característica de originalidade, mas seu conjunto de elogiáveis interpretações capitaneada pela magnética atuação de Mortensen e a câmera de Cronenberg, um cineasta diferenciado que pode até usar uma receita pronta para contar uma história, mas sabe fazer isso, aí sim, com seu traço marcante.

quarta-feira, 5 de março de 2008

O que é ser Vip?

Abreviatura em inglês para pessoa muito importante (ou very important person), ser Vip no Brasil virou um samba do crioulo doido. Qualquer ex-BBB, galã de quinta categoria de Malhação, jornalista e indivíduos da categoria “estou com um projeto” são considerados Vips neste país surreal que é o Brasil.

As maiores vítimas dos Vips no momento são os fãs de música. Há dois anos que quem gosta da boa música vêm sendo achincalhado por organizadores tão de quinta categoria quanto os galãs de Malhação citados acima em todo show internacional que passa pelo país.

Foi assim nos Rolling Stones, na praia de Copacabana, quando 2.500 pessoas que nada tinham a ver com aquilo atrapalharam o contato direto entre público e Mick Jagger e cia. Tudo bem que os Stones resolveram parte do problema com um mini-palco que ia para o meio da multidão e tocaram quatro músicas por lá, mas ainda assim foi um acinte o que foi feito com os fãs.

Mesma criatividade não teve o Police em dezembro do ano passado, que teve que aturar milhares de Vips na frente do palco enquanto os verdadeiros fãs tentavam ver alguma coisa que não fosse pelo telão. Várias pessoas com quem eu conversei sobre este que foi um bom show disseram que não gostaram muito da apresentação porque não se empolgaram. Talvez a resposta esteja aí. É possível se empolgar quando no seu lugar está o ator da comédia romântica lançada nos cinemas na sexta-feira? Ou a apresentadora daquele programa de variedades matinal? No total eram uns 4.000.

Agora mais uma vez a história se repete. Ao comprar o ingresso para o show do Bob Dylan, no sábado, vejo uma extensa, enorme e inexplicável área Vip entre os verdadeiros fãs e o artista. Uma barreira invisível tomada pelo amarelo da vergonha na divisão dos setores que a atendente do Ticketmaster me mostra.

E mais uma vez volto à pergunta: o que é ser Vip? Vamos combinar que independentemente de você gostar ou não dos indivíduos, o presidente da República, o governador e o prefeito da cidade onde ocorrem os eventos são Vips. E no mundo político é só isso, salvo exceções com parlamentares que tenham um grande histórico e não estejam envolvidos em corrupção, é claro.

A protagonista da novela das oito, por outro lado não é. A menos que ela seja a Fernanda Montenegro, que tem muitos serviços prestados à arte e em especial à dramaturgia brasileira. Jogadores de futebol também não são. A menos que você seja um craque ou um ex-craque. E por aí vai. É questão de critério. Não existem 2.500, 3.000 ou 4.000 Vips neste Brasil. Não existem no continente. Talvez dê para juntar uns 5.000 Vips no mundo. Afinal, você tem que ser “very important” para adquirir a alcunha.

“Vip” não vai assistir ao show. Ele vai para ser visto. Ele não conhece e muito menos sabe cantar as músicas. Talvez só “Satisfaction”. Ele vai para aparecer na coluna social do jornal no dia seguinte. Não para curtir um show que para o fã é sempre histórico, único, inesquecível, por mais que tecnicamente ele nem tenha sido grande coisa.

É muito cruel o que os organizadores fazem com os fãs e com os artistas também. O gargarejo é o que mais empolga o músico. Se você coloca ali a turma da perfumaria, o show fica frio, sem alma. Daqui a pouco, os únicos shows bons do país serão os de metal. Estes, os Vips ainda não descobriram.

domingo, 2 de março de 2008

O óbvio ululante

Foi óbvio, mas não dá para dizer que foi injusto. Esse é mais ou menos o resumo do Oscar que aconteceu na semana passada que consagrou uma gama de atores europeus e o filme “Onde os fracos não têm vez”. A película dos irmãos Joel e Ethan Coen faturou quatro estatuetas: melhor filme, direção, roteiro adaptado e melhor ator coadjuvante para o espanhol Javier Bardem, que viveu o assassino Anton Chigurgh no filme.

“Onde os fracos não têm vez” é um ótimo filme, como o são os outros quatro que concorriam com ele: “Desejo e Reparação”, “Conduta de Risco”, “Sangue Negro” e “Juno”. Portanto, se os principais prêmios saíssem para algum destes filmes não teria sido injusto também.

Se existe alguma estatueta que foi incontestável, no entanto, ela não foi faturada por nenhum dos cinco trabalhos no páreo do principal prêmio e sim por Marion Cottillard. Com sua interpretação da cantora Edith Piaf, a bela atriz francesa faturou o Oscar de melhor atriz, o mais merecido de todos. Seu trabalho era melhor do que o de Cate Blanchett (“Elizabeth”) e mais desafiador do que o de Ellen Page (“Juno”). Sobre Julie Christie (“Longe dela”) e Laura Linney (“A família Savage”) ainda não posso opinar porque seus filmes não estrearam aqui no Brasil.

Extremamente merecido também foi a segunda estatueta para o inglês Daniel Day-Lewis, que viveu o inescrupuloso prospector de petróleo Daniel Plainview em “Sangue Negro”. Sua impressionante atuação foi a melhor num ano de ótimas interpretações como as de George Clooney em “Conduta de Risco”, Johnny Depp, em “Sweeney Todd – o barbeiro demoníaco da Rua Fleet”, Tommy Lee Jones, em “No vale das sombras” e Viggo Mortensen, em “Senhores do crime”. O trabalho dos cinco era digno de Oscar, mas Day-Lewis esteve um pouco acima dos demais, sem dúvida.

Surpreendeu-me o prêmio de roteiro original para Diablo Cody, por “Juno”. Seu roteiro “era o mais original realmente”, como definiu um amigo meu, mas eu tinha dúvidas de que uma ex-stripper convenceria os velhinhos da academia. Ainda bem que convenceram.

Todo mundo tem seus favoritos quando surgem essas premiações. Os meus eram “Sangue Negro” e “Conduta de Risco”. Mais até o filme de Paul Thomas Anderson, que, na minha opinião, merecia levar os prêmios de filme e direção. Mas é uma questão mais de gosto do que de injustiça. Como disse na abertura, o Oscar foi óbvio, mas não injusto. E olha que é difícil eu concordar com a academia.

Confira abaixo os filmes vencedores dos principais prêmios:
“Onde os fracos não têm vez” – melhor filme, diretor, roteiro adaptado e ator coadjuvante para Javier Bardem
“O ultimato Bourne” – edição de efeitos sonoros, mixagem de som e montagem
“Sangue Negro” – fotografia e melhor ator para Daniel Day-Lewis
“Piaf – um hino ao amor” – melhor maquiagem e atriz para Marion Cotillard
“Conduta de Risco” – melhor atriz coadjuvante para Tilda Swinton
“Desejo e Reparação” – trilha musical
“Juno” – roteiro original
“Elizabeth” – melhor figurino
“Ratatouille” – melhor animação
“A bússola de ouro” – efeitos especiais
“Sweeney Todd – o barbeiro demoníaco da Rua Fleet” – direção de arte
“Once” – canção original“Os falsários” – filme austríaco que faturou o prêmio de melhor filme estrangeiro