quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Um faroeste clássico

Nunca escondi aqui neste espaço minha paixão por faroestes. De John Wayne a Clint Eastwood, passando por produções recentes que revisitam o gênero - até certo ponto “Onde os fracos não têm vez” (2008), dos irmãos Coen, e “Os Imperdoáveis” (1992), de Eastwood -, vão além ou criam quase um “faroeste-pipoca”, caso do recente “Os Indomáveis” (2007), de James Mangold, estrelado por Russel Crowe, eu gosto do bom e velho filme com mocinhos e bandidos, duelos, cavalos, pradarias, índios, paisagens poeirentas, cidadezinhas de uma rua só, sotaque texano, saloon, o silêncio e bolas de feno rolando ao som daquele inconfundível assobio.

Devido ao que credito falta de interesse do público em geral, muito mais afeito a velocidade videoclípica do que a uma, digamos, ação mais estática, e ao estilo único dos westerns, que não se colocam nem entre os blockbusters explosivos, nem entre os filmes mais reflexivos, basicamente como se dividem os filmes hoje em dia, confesso que nunca imaginei que veria um faroeste mais clássico novamente.

Aí veio o ator Ed Harris, que no seu segundo filme como diretor – o primeiro fora “Pollock” (2000) –, “Appaloosa – Uma cidade seu lei” -, resolve apostar num resgate dos velhos westerns e faz um ótimo faroeste, daqueles para se deliciar. Talvez até percebendo que assistiriam a isso, vi tantos idosos no cinema. Afinal, o faroeste é um gênero que despertava a paixão dos mais antigos. Eu mesmo aprendi a gostar deles com o meu avô.

“Appaloosa” conta a história de dois solitários justiceiros, Virgil Cole (Ed Harris) e Everett Hitch (Viggo Mortensen, sempre ótimo), que percorrem cidades do Velho Oeste levando a lei e a ordem. Mais western que isso impossível.

Na cidade que dá nome ao filme, impera a lei do mais forte comandada pelo fazendeiro Randal Bragg (um ótimo Jeremy Irons), responsável pela morte do último xerife do local e que achincalha seus moradores roubando comida, bebendo de graça, estuprando as mulheres e praticando todo o tipo de terrorismo possível.

Assim, Cole e Hitch, os gatilhos mais rápidos da região (claro), são contratados pelo prefeito local para dar um jeito nisso e levar Bragg às garras da Justiça. Claro, que em meio a isso tudo tem os duelos, os personagens característicos, o olho no olho quando é necessário e o olhar desviado que ignora aquele com quem se conversa estão sempre presentes.

E uma mulher frágil, evidentemente. Cabe a Allison French (Renée Zelwegger) viver esse papel. No entanto, ela é o único ponto de diferença entre o filme de Harris e os faroestes tradicionais. Digamos que French não é muito devotada ao seu amor, e está mais para uma “maria-coldre”, versão século XIX das marias-chuteiras, do que por um sentimento legítimo. Como diz Cole, ela “parece dar para qualquer um que não seja um eunuco”. Estar com quem detém o poder é sua única ambição e forma de sobreviver no mundo masculino do Velho Oeste. French é, portanto, o toque de humor no filme de Harris.

O desfecho do filme? Embora seja possível desconfiar, prefiro não dizer. O importante é que “Appaloosa” é diversão garantida para aqueles que apreciam um bom faroeste. Ele certamente não é o melhor filme que qualquer um já viu. Nem o melhor western. Mas é um presente e tanto que Ed Harris deu para os amantes do gênero.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Dúvidas

Com o perdão do trocadilho infame o qual eu não resisto fazer, “Dúvida”, segundo longa-metragem de John Patrick Shanley, deixa uma certeza. Como é difícil haver algum filme em que Meryl Streep ou Philip Seymour Hoffman atuem que seja ruim. Ou pelo menos eu dou sorte e só vejo a nata da dupla, que é responsável pelos melhores momentos da película quando se confrontam cara a cara na pele da irmã Aloysius e do padre Brendan Flynn.

Ela é uma figura amarga e defensora da Igreja mais tradicional, que quer derrubar o padre por discordar de seus métodos na escola e de suas escolhas. Para isso, encontra um suposto caso de pedofilia envolvendo o padre e um dos alunos, Donald Miller (Joseph Foster), justamente o primeiro negro a estudar no colégio. Ele é alguém que quer modernizar a Igreja, coloca-la mais perto da comunidade e, por conseguinte, se afastar do estilo do “dragão”, como chama a irmã Aloysius.

É em torno de provar ou não o suposto crime de pedofilia que “Dúvida” se insere. Ele é a grande questão do filme e durante o tempo você tende a acreditar nos argumentos de um ou de outro. Fica em dúvida. Claro.

Baseado na peça escrita pelo próprio Patrick Shanley, “Dúvida”, porém, é mais atraente pelo confronto entre os dois atores principais do que pela história em si. Tanto é que o filme demora a engrenar. Quando acelera, principalmente a partir do primeiro choque entre Seymour Hoffman e Meryl, torna-se uma deliciosa película. Você sempre espera o próximo embate, a próxima jogada entre o padre Flynn e a irmã Aloysius.

É espetacular a hora em que eles discutem asperamente e em tons cada vez mais altos, justamente minutos depois de ela ter dito à irmã James (Amy Adams) que em Esparta ganhava uma discussão quem falasse mais alto e lembrava: “Ainda bem que não estamos em Esparta”. E os dois, em seguida, fazem o maior barraco. Mas com a classe dos grandes atores.

Não é a toa que das cinco indicações ao Oscar que acontece neste domingo, quatro tenham sido para atores do filme. “Dúvida” é um trabalho em que o brilho dos atores é o fundamental. “Dúvida” não está presente em categorias como melhor filme ou diretor, porque não é uma película em que Patrick Shanley tenha se esforçado para criar uma obra-prima. O que o filme passa é que ele é alguém que levou o roteiro, ligou a câmera e gritou: “Action!” Não há muitas viagens. O trabalho de câmera dele é simples, quase sem aparecer.

Fez o certo. Tinha mesmo que dar o filme a Meryl e Seymour Hoffman, dois ganhadores de Oscar que podem muito bem faturar mais um prêmio, principalmente a atriz, que já ganhou outras premiações pré-Oscar.

Por causa dos dois que o filme é um trabalho imperdível. E quando Aloysius se debulha em lágrimas ao fim do filme dizendo ter “dúvidas”, não consigo pensar em algo diferente do que o ponto de interrogação. Será o padre realmente pedófilo ou apenas um bom homem que queria ajudar um jovem aluno contra o preconceito e ao mesmo tempo aproximar a escola da comunidade? Dúvidas.

Indicações ao Oscar: Melhor atriz para Meryl Streep, melhor ator coadjuvante para Philip Seymour Hoffman, melhor atriz coadjuvante para Amy Adams e Viola Davis e melhor roteiro adaptado para John Patrick Shanley.

PS: Sei que prometi a meus poucos, mas fiéis leitores uma análise das películas que concorrem ao Oscar de melhor filme estrangeiro antes do Oscar. Todavia mudanças nas datas de estréia e um plantão no meio do caminho me impossibilitaram disso. Mas prometo analisar os três trabalhos restantes após a cerimônia de premiação deste domingo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Ressurreição

Se no ano passado, parecia impossível tirar o Oscar de melhor ator de Daniel Day-Lewis por sua atuação em “Sangue Negro” (2007), neste ano a barbada para o prêmio tem um nome e a marca da ressurreição: Mickey Rourke.

É assim que sua atuação em “O Lutador” vem sendo classificada entre a crítica em geral. O momento em que Rourke finalmente ressurge das cinzas. Indubitavelmente, este é o papel de maior destaque do ator americano que aprontou muito na vida, largou uma carreira que tinha tudo para atingir o estrelato para virar boxeador, teve que depender da boa vontade de amigos para sobreviver e deu a volta por cima. Por outro lado, Rourke já dava sinais de ressurgimento em outro trabalho marcante e bastante elogiado na época: o do herói Marv, em “Sin City” (2005).

No entanto, é com o anti-herói Randy “The Ram” Robinson que Rourke ressurge das cinzas. The Ram é um lutador de tele catch, a luta livre americana, que após uma de suas batalhas sofre um infarto. A partir daí, ele é obrigado a se aposentar e viver longe da única coisa que sabe fazer.

Enquanto tenta se ajustar a vida normal, longe dos ringues, Randy procura aplacar a solidão que ele começa a sentir quando se vê distante da loucura em que vivia regada a muito álcool, esteróides anabolizantes e musculação. Mas engatar um romance com Cassidy (a maravilhosa Marisa Tomei) e reatar um relacionamento com a filha que ele mal via, Stephanie (Evan Rachel Wood), são tentativas que vão se revelar fracassadas por incompetência própria e uma rejeição natural do mundo.

A solidão é o sentimento terrível só curado pelos ringues e o grito da platéia, que adora, idolatra até, o personagem The Ram e ignora o Randy Robinson. E para o próprio Randy, a vida fora do mundo dos ringues não tem muita graça. Ela oscila entre a humilhação de ser um mero açougueiro, servindo aos outros, ao total desconforto, que é a maneira como ele lida com as pessoas na “vida real”.

Nesse ponto, ele lembra até o personagem Rocky Balboa, de Sylvester Stallone. Mas apenas lembra. O personagem de Rourke é bem mais complexo e, bem, ele é incomparavelmente mais ator do que o velho Sly.

É curioso que o retorno de forma triunfal de Rourke tenha vindo com um papel que ele conheça tão bem por já tê-lo vivido na pele. Durante o seu período de autodestruição, no início dos anos 90, o ator resolvera largar a carreira para se tornar boxeador (de verdade, ressaltemos, não de luta livre tele catch). Sua carreira foi curta – três anos e quatro meses -, mas não se pode dizer que não foi vitoriosa. Em oito lutas, foram seis vitórias, sendo quatro por nocaute, e dois empates. No entanto, o ator e dublê de atleta nunca enfrentou nenhum boxeador de ponta. Como tinha entre 39 e 41 anos, seu empresário dizia que ele era muito velho para lutar contra boxeadores de primeira linha.

Embora tenha permanecido invicto na sua passagem pelo mundo do esporte, as conseqüências podem ser vistas nas marcas deixadas no rosto do ator, considerado um galã, sex symbol e coisas do gênero no tempo em que estrelou “9 e ½ semanas de amor” (1986).

Estas marcas deixadas por sua vida desregrada, contudo, jamais são escondidas no agora cinqüentão Rourke que até sabe usá-las para dar um tom mais dramático da passagem de um “crazy time”.

Não é apenas a Rourke, contudo, que deve ser creditado a “O Lutador” a adjetivação de um dos melhores filmes do ano. O mérito vai também para o diretor Darren Aronofsky, que sabe contar uma história e construiu o seu primeiro longa de forma mais conservadora e linear. Parece que ele teve que baixar a bola depois do fracasso comercial e de crítica de “A Fonte da Vida” (2006), um bom filme, aliás, mas que poucos compreenderam, o que o levou a ser impiedosamente metralhado.

Fora uma queda brutal depois dos elogiados “Pi” (1998), que versava sobre o tal número matemático e era uma verdadeira loucura, e “Réquiem para um sonho” (2000), um trabalho que incomodava e tinha uma atuação visceral de Jennifer Connelly, a melhor de sua carreira, salvo eu tenha cometido algum engano e esquecido algum trabalho marcante.

“O Lutador”, portanto, não marca apenas a ressurreição de Rourke, mas a do próprio Aronofsky como diretor. Ainda bem. Eles só têm a acrescentar num mundo de matéria-prima bastante escassa.


Indicações ao Oscar: Melhor ator para Mickey Rourke e melhor atriz coadjuvante para Marisa Tomei.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A beleza da literatura cinematográfica

Eu tenho um fraco por filmes que falem sobre a literatura. Não aqueles baseados em obras, sejam elas best-sellers ou contos de esquina, mas as películas que reverenciam o saber literário, a leitura, a escrita, o processo criativo, enfim, toda a sensação que envolve páginas e mais páginas de um livro.

De “Sociedade dos poetas mortos” (1989), de Peter Weir, a “Em busca da terra do nunca” (2004), de Marc Forster, passando por “Encontrando Forrester” (2000), de Gus Van Sant, não consigo me lembrar de nenhum filme que aborde o tema que não seja tocante. Mas o mais marcante para mim sempre foi Fahrenheit 461 (1966), uma obra-prima de François Truffaut que tem uma cena tão dramática quanto bela de uma senhora dando literalmente a vida por sua biblioteca em meio a uma sociedade futurista em que a literatura é um pecado combatido com o incêndio e obras são proibidas. Ali, só a ignorância e a alienação podiam predominar.

Portanto, você pode imaginar como eu me senti ao assistir ao filme “O Leitor”, novo trabalho de Stephen Daldry que ora concorre a cinco estatuetas do Oscar, todas indicações merecidas.

Daldry é alguém que sabe usar as diferentes formas de arte para se adaptarem ao seu cinema. Se em “As Horas” (2002), um dos melhores filmes que já vi, era a trilha sonora o elemento que causava o envolvimento do espectador com o filme – e uma aposta arriscada por ser sempre uma canção intermitente e que perpetuava em todas as duas horas da película – aqui ele deixa que as páginas de clássicos literários, livros de quinta ou histórias em quadrinhos vão te conquistando aos poucos da mesma forma que conquistam Hanna Schmitz (Kate Winslet, cuja atuação embora não seja absolutamente marcante é de uma entrega à personagem digna de Oscar).

Em “O Leitor”, a trilha sonora dá lugar à voz de Michael Berg (David Kross, uma surpreendente revelação), que conhece Hanna, mulher duas décadas mais velha do que ele, por acaso e acaba passando o verão inteiro de 1958 com ela sob dois únicos prazeres: o sexo e a literatura. Há coisa melhor?

Ao mesmo tempo em que o jovem descobre os atalhos do amor com uma paciente e amorosa Hanna, ela também se vê com aquele rapaz diante de um mundo novo. Gosta que ele leia para ela. E como boa ouvinte segue escutando obras como “The lady with the little dog”, “Lady Chatterlay” ou “A Odisséia”.

Berg lê para uma curiosa Hanna, sempre ávida por mais e mais obras. Assim será até o fim daquele verão, quando ela vai embora, promovida que foi pela firma de bondes para a qual trabalhava. De forma triste, portanto, se encerra o verão encantado de Berg.

A vida deve seguir e Berg acaba por entrar na faculdade de Direito. Quis o destino que ao acompanhar seu professor Rohl (Bruno Ganz, o Adolf Hitler de “A Queda” - 2004), Berg reencontrasse Hanna e infelizmente descobrisse todo o seu passado.

Como isto não é segredo para quem já leu a crítica do filme ou fundamental para a história, posso seguir e dizer que Hanna fora na II Guerra Mundial uma oficial da SS nazista. Mandou muitas mulheres para a morte no campo de concentração de Auschwitz. Naquele julgamento, todas as emoções de Berg vêm a tona. A única mulher que ele amara era uma nazista cruel e insensível. A ponto de não abrir as portas de uma igreja em chamas porque as prisioneiras poderiam se espalhar e escapar. A única mulher que não saia do seu coração praticara crimes hediondos com a calma e a tranqüilidade de quem trabalha numa repartição pública.

O mundo de Berg desaba nos seus prantos. A mulher para quem ele tanto leu, que parecia dotada de tamanha sensibilidade, não era quem ele pensava que fosse. Ou era. Afinal, ela poderia ter coração, alma, apesar de tudo.

Mas “O Leitor” não é mais um filme sobre os horrores nazistas. É sobre uma paixão pela literatura e a ferramenta transformadora que ela pode ser na vida de uma pessoa. Qualquer uma.

E antes que alguém possa pensar, Daldry jamais quer redimir os horrores nazistas com uma personagem dúbia e/ou com coração. Apesar do verão luminar, e com o passar do filme e algumas situações/revelações, você percebe que Hanna vive às sombras, sempre escondida, fugindo da responsabilidade que tinha, Hanna é cruelmente condenada por seus atos. E não apenas na mera sentença de um juiz.

O trabalho do diretor inglês usa apenas a história como pano de fundo para algo maior. Contar como uma paixão pode ser transformadora. Como pode impulsionar um ser humano, dar-lhe força de vontade, um norte, um sentido.

E quando algumas revelações impossíveis de serem contadas aqui caem por terra durante o filme, é possível parar e pensar sobre o quão bela é a literatura e que dom maravilhoso têm aqueles capazes de escrever (no qual eu infelizmente não me incluo).

Até o fim Hanna e Berg, já adulto vivido por Ralph Fiennes, estarão ligados de alguma forma. Os livros e Berg lhe deram uma razão para seguir em frente, esquecendo do triste passado. A Berg, ela nada poderá dar, a não ser deixar de ser um obstáculo para que ele finalmente possa também seguir em frente. E é emblemático que até o fim, ela esteja acompanhada dos seus livros. Aqueles que lhe ofereceram todas as portas para que ela pudesse escolher quais abrir.

Não sei se Daldry ganhará o Oscar, uma vez que “Quem quer ser um milionário?” aponta como o grande favorito da noite do dia 22 depois de faturar todos os prêmios possíveis, mas a minha modesta torcida, por enquanto, vai para “O Leitor”, mas um trabalho marcante do diretor inglês.

Indicações ao Oscar: Melhor filme, melhor diretor para Stephen Daldry, melhor atriz para Kate Winslet, melhor roteiro adaptado para David Hare e melhor fotografia para Chris Menges e Roger Deakins.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A inevitabilidade do fim

A partir de hoje, começo a série de análises sobre as películas candidatas a melhor filme do Oscar. Se tudo der certo, analisarei quatro dos candidatos, uma vez que “Slumdog Millionaire” não está previsto para estrear aqui antes da entrega das estatuetas. O primeiro a receber um olhar mais atencioso de “Memórias da Alcova” é “O curioso caso de Benjamin Button”. Vamos lá então:

É relativamente conhecido o ditado que diz que quando somos jovens temos disposição e tempo, mas não temos dinheiro, quando somos adultos, temos dinheiro e disposição, mas não temos tempo e quando somos velhos temos dinheiro e tempo, mas não temos disposição. Ele até poderia ser verdadeiro se houvesse uma fase na vida em que tenhamos verdadeiramente dinheiro para gastar (principalmente em tempos de crise).

No caso de Benjamin Button (Brad Pitt, numa elogiável atuação), personagem principal do conto de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), “O curioso caso de Benjamin Button”, que agora vira filme nas mãos do sempre ótimo diretor David Fincher, ele ganha a chance de juntar essas três “dádivas” por um curto período de vida – e de reboque ainda ganha um amor – o que por si só já causa uma pontinha de inveja a quem assiste ao filme.

Ao adaptar em formato de uma verdadeira saga a fábula de um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo com o passar dos anos, Fincher criou em mim esta pontinha de inveja. Como deve ser fascinante ser experiente e tão vivido aos 30 anos (e eu estou chegando tão perto de lá, embora tenha tanto a aprender) ao mesmo tempo em que se tem a disposição de um jovem. Cinqüenta anos de vida com um corpo verdadeiramente de 30 é algo que não há medicina que resolva.

O problema é que não importa o caminho que você tome aquela senhora de capuz preto e foice na mão um dia sempre há de aparecer. A eternidade não é algo que se atingiu ainda. Por outro lado, como já escreveu Freddie Mercury, “who wants to live forever?”. Viver para sempre não causaria apenas o colapso da Previdência, um dos pontos abordados por José Saramago em “As intermitências da morte” (2005), mas também traria a solidão da perda dos entes queridos que também vão passando até que apenas você restaria.

Uma reflexão sobre o tempo é só uma das reações que tive ao assistir ao filme de Fincher. Ao nascer, com todos os problemas que apenas um octogenário ou um septuagenário possui, Benjamin Button foi dado como morto pelo médico de Queenie (Taraji P. Henson, uma grata indicação surpresa ao Oscar de coadjuvante), dona de um asilo que o acolheu depois de ser abandonado pelo pai, Thomas Button (Jason Flemyng), no dia do seu nascimento, exatamente no fim da I Guerra Mundial, quando o mundo ainda respirava aqueles ares sombrios das trincheiras.

Queenie não se dá por vencida e cria este jovem velho com suas parábolas evangélicas e muita fé enquanto, surpreendentemente, Button vai rejuvenescendo com o passar dos anos.

Logo ela percebe que Button é uma “criança” especial e que vai rejuvenescendo com o tempo. No meio desse caminho, ele conhece a jovem Daisy (que na idade adulta é vivida pela linda Cate Blanchett), por quem seu sexagenário olhar, mas jovem coração se apaixona imediatamente.

A impossibilidade desta paixão é uma questão de tempo (ele, sempre presente). Até mesmo duas retas se encontram, nem que seja no infinito. Interpretado com inspiração por Pitt, que soube tão bem dar um ar jovial ao velho Benjamin, mesmo com as dificuldades da idade, e o tom da solene experiência a um jovem de aparentemente 18 anos no seu último encontro com Daisy antes que uma demência que o faz esquecer tudo o vitime quando ele contava, talvez, seis anos "físicos", Benjamin atravessa a história ao mesmo tempo em que a vive.

É curioso que o roteiro de Eric Roth, que por vezes lembra o de “Forrest Gump – O contador de histórias” (1994), também escrito por ele, tenha feito com que o mundo também ganhasse um ar mais jovial na medida em que Benjamin vai "envelhecendo". Enquanto é velho, ele passa pelos momentos mais difíceis do século XX como a II Guerra Mundial, a Guerra Fria. Mas na medida em que vai rejuvenescendo Benjamin também vive aqueles anos de otimismo e felicidade, a era de ouro dos Estados Unidos, os Beatles, o rock, o estilo easy rider com sua moto, a sensação de liberdade, a conquista da Lua.

Até pelo conto ter sido lançado em 1922, Fitzgerald, não passa por essas questões. “O curioso caso de Benjamin Button”, a história, é, portanto, mais uma inspiração para uma adaptação livre do que uma cópia absolutamente fiel do conto do escritor americano.

Todos eventos que perpassam a história de um Benjamin apaixonado pela vida, mas que começa a se preocupar, vejam só, com a sua própria juventude. Já casado e vivendo uma vida feliz com Daisy, uma bailarina que é obrigada a deixar a dança por causa de um atropelamento, ele tem uma filha e sente que será preciso dar a sua companheira um marido de verdade, que envelheça com ela e com a jovem Caroline (Julia Ormond).

É sutil como o peso da idade, no caso a inevitabilidade de se tornar uma criança, o faz refletir e, mesmo a contragosto, deixar tudo o que ama. Igualmente sabendo que a morte se aproxima, Benjamin vai viver a vida. Visita locais inóspitos, conhece paisagens idílicas, mas não se esquece daqueles que ama. E prepara a sua volta. Fica por perto de sua casa, o velho asilo onde a morte e a senilidade foram companheiros constantes, para voltar ao pó da mesma forma daqueles que tanto enriqueceram a sua vida.

“O curioso caso de Benjamin Button” é uma fábula gostosa de assistir. Em que pese as suas quase três horas – mas uma saga sobre a passagem do tempo deveria requerer no mínimo paciência do espectador -, é um filme que só guarda semelhança em um aspecto com os trabalhos anteriores de Fincher: sua qualidade estética e seu roteiro impecável.

É talvez o ponto mais alto dessa sua “parceria” com Brad Pitt, que já rendeu os ótimos “Seven” (1995) e “Clube da Luta” (1999). E vale a pena ir ao cinema para ver esta dupla trabalhando junta de novo.


Indicações ao Oscar: Melhor filme, melhor diretor para David Fincher, melhor ator para Brad Pitt, melhor atriz coadjuvante para Taraji P. Henson, melhor roteiro adaptado para Eric Roth, melhor trilha sonora para Alexandre Desplat, melhor direção de arte para Donald Graham Burt e Victor J. Zolfo, melhor fotografia para Cláudio Miranda, melhor figurino para Jacqueline West, melhor montagem para Kirk Baxter e Angus Wall, melhor maquiagem, melhor som para David Parker, Michael Semanick, Ren Klyce e Mark Weingarten e melhores efeitos visuais para Eric Barba, Steve Preeg, Burt Dalton e Craig Barron.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Uma Alanis melhor a cada show

Por coincidências do destino, facilidades no tempo-espaço, sorte ou apenas questões de contemporaneidade, a cantora Alanis Morissette é a artista que eu mais vi ao vivo. Foram três shows ao todo nesta minha (acho que já posso dizer) vasta carreira de concertos nos últimos 11 anos.

Dez anos separaram a primeira apresentação da cantora no Brasil no dia 29 de novembro de 1999 durante a turnê do disco “Supposed former infatuation junkie” (1998) até o show do último dia 4, quando Alanis desembarcou para mais uma etapa de sua longa turnê nacional (são 11 shows ao todo) para divulgar seu mais recente trabalho, “Flavors of Entanglement” (2008).

Exatamente por poder comparar os dois shows com o de 27 de setembro de 2003, quando ela esteve no país para divulgar “Under Rug Swept” (2002) – realmente seus discos são de torcer a língua para falar, assim como muitas de suas letras – é que posso dizer que Alanis está melhor a cada show.

Se em 99, ela, então uma jovem de 25 anos, veio para cantar com fúria todas as dores causadas por ex-namorados presentes no disco que divulgava e principalmente no clássico “Jagged Little Pill” (1995) e em 2003, já com 30 anos, já era um cantora mais calma, mas que ainda despejava algum peso nas suas interpretações, o show de 2009 foi marcado por um equilíbrio e um domínio da sua voz, do palco e da situação que são marcas de um amadurecimento como cantora.

Aos 34 anos, Alanis canta cada vez melhor e faz um show cada vez melhor. Em 1h40m (podia ter cantado um pouquinho mais hein), ela balança a cabeça e anda pelo palco de costas e cantando quando tem que fazer, principalmente quando manda algumas das músicas de “Jagged Little Pill” como “All I really want” e a sempre ótima “You oughta know”, parece possuída quando deve parecer (“Uninvited”) ou fica quietinha cantando num ritmo mulher satisfeita como em “Hands Clean”. Houve espaço até para um pequeno set banquinho e violão, mas nada acústico, onde se destacou a bela “So Pure”.

Alanis é dona do pedaço e conta, claro, com uma platéia ávida para cantar junto com ela. Coisa que ela não consegue com as canções do novo disco, embora muito boas. “Versions of Violence”, “Underneath” e “Moratorium” (esta espetacular), têm recepção não mais do que burocrática. Em tempos em que não se fabricam mais hits, pois não se vende mais discos nem se divulga (ou “jabaliza”) canções nas rádios, realmente é difícil surgirem novos versos que fiquem na cabeça da platéia. Além da dificuldade natural de cantar uma letra de Alanis Morissette.

Quem conhece, sabe do que estou falando. Escrever simplesmente love, faith ou hate não faz parte do estilo Alanis de ser. Quem é fã do Pearl Jam também entende muito bem o que estou dizendo.

Ainda assim, quando “Jagged Little Pill” “subia ao palco” – e foi sete vezes no total – a galera se soltava. “Head over feet” e “Hand in my pocket” foram dois momentos emocionantes. Não mais, porém, do que em “You Learn” e “Ironic”, já no bis com a galera pedindo mais e mais.

Conta nesta evolução de Alanis no palco o fato de ela no momento estar acompanhada de uma ótima banda. Se nos seus dois shows anteriores, ela era a estrela absoluta, agora, tem músicos que brilham intensamente ao seu lado. Os guitarristas David Levita e Jason Orne, o baixista Cedric Lemoyne e o baterista Victor Indrizzo formam uma cozinha de respeito, o que os torna coadjuvantes de luxo da estrela da noite. E eles dão essa impressão logo no início da noite no HSBC Arena, quando são tocadas “The Couch” e “Uninvited”. Alanis nunca teve nos outros shows uma banda tão boa quanto agora.

Além disso, Alanis hoje tem um repertório maior do que em outras oportunidades. Já são cinco discos de estúdio – além dos já citados, há o So-Called Chaos (2004) – uma coletânea e dois acústicos. Como o tempo do show dela (infelizmente) não aumentou, ela só canta a nata. Embora deixe de fora músicas que eu gostaria de ouvir de novo, como “Joining You”. Na HSBC Arena, ouve quem lamentasse não ouvir “Perfect”. É natural. Sempre vai faltar alguma coisa, mesmo que a apresentação tivesse três horas de duração.

Por causa de tudo isso, portanto, é extremamente prazeroso voltar a ver Alanis no palco. Não são muitas as cantoras tão capazes quanto ela. Só espero que não demore novamente mais cinco anos para voltarmos a recebê-la no Brasil.

Abaixo, alguns dos melhores momentos do show:
"You Learn"

"You Oughta Know"


"Uninvited"


"Head Over Feet"


"All I Really Want"


"Moratorium"

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

A classe média sem esperança

Sam Mendes é um cineasta que vai se especializando em filmar aquele vazio existencial que não chega a ser filosófico, mas que gera uma tremenda angústia. Em especial da classe média americana e suas frustrações causadas pela vidinha comum e sem graça e suas convenções conservadoras que fazem da vida um estorvo apesar do sorriso público de falsa felicidade.

Em “Beleza Americana” (1999), o diretor já abordava isso ao retratar o casal Lester e Carolyn Burnham (Kevin Spacey e Annete Benning), que vivem sua vidinha perfeita, numa casinha bonitinha e uma vizinhança charmosa. Contudo, por trás do teatro da vida, havia uma realidade de frustrações, desejos contidos - e até censurados - e a necessidade de se rebelar contra toda a infelicidade que transbordava pelos poros do olhar perdido e o sorriso absolutamente neutro de Spacey.

De volta ao tema em “Foi apenas um sonho”, Sam Mendes mergulha na literatura de Richard Yates para voltar a mostrar a vidinha sem graça e cheia “inhos” (a casinha bonitinha, com jardinzinho, a vidinha perfeitinha...) do jovem casal Frank e April Wheeler (Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, retomando uma velha parceria de “Titanic” (1997).

Para a vizinhança, os Wheeler são o exemplo de perfeição. Casal lindo, com dois filhos fofos, uma bela casa branca com um gramado impecável. Frank tem um bom emprego, embora absolutamente sacal. April, atriz fracassada, é uma dona-de-casa exemplar, embora deseje as aventuras que lhe foram prometidas na juventude. Por dentro, portanto, há um vazio que vai corroendo aquele casamento de bela fachada, mas problemas profundos no interior da casa bem arrumada.

É um “vazio sem esperança”, como descreve Frank numa conversa com April e John (Michael Shannon, que rouba todas as cenas que aparece e merecidamente foi indicado ao Oscar de coadjuvante).

Mas April tem um plano de mudar isso. Começar de novo. Retomar o caminho da felicidade interrompido por uma gravidez que, talvez ela não desejasse tanto assim, embora garanta que verdadeiramente ama os filhos.

Paris parece a melhor opção. April trabalharia para sustentar a família enquanto Frank ficaria estudando, procurando a sua verdadeira vocação. Poderia deixar o emprego sem graça, a vida comum. É tentador, ele diz, mas seus olhos, numa das melhores cenas da vida de DiCaprio, sentem o medo do frescor. A brisa que anuncia a novidade é um prazer apreciado por poucos. E Frank trocou o sonho pelo pragmatismo. A vida de aventuras que ele tivera como soldado na II Guerra Mundial, pela tranqüilidade de uma família estabilizada com filhos bonitos e saudáveis e uma esposa bela e jovem.

Frank busca coragem para mudar, mas seu medo é mais forte. Qualquer coisa é desculpa para manter o status quo da infelicidade que traz segurança. Melhor isso do que quebrar a cara no mundo. Algo pequeno para um jovem de 30 anos, pensa April, sonhando em ganhar o mundo a começar pela capital francesa. Quer as viagens, a liberdade. Ser uma família média, de uma classe média num bairro do subúrbio é muito medíocre para ela. Não há nada de revolucionário em viver na Revolutionary Road, nome original do filme e do livro de Yates. E a conseqüência de um vulcão que não se deixa explodir é o dano interno ainda mais grave. A ferida que jamais vai cicatrizar.

“Foi apenas um sonho” merecia mais do que o Oscar lhe deu: uma indicação para ator coadjuvante e outras duas indicações técnicas. Tanto Kate, que só foi indicada como atriz por “O Leitor”, ainda inédito por aqui, quanto DiCaprio mereciam mais atenção neste retrato da frustrada classe média norte-americana. Se foi praticamente ignorado pela Academia, o filme de Mendes, no entanto, entra para a galeria dos bons filmes do gênero, compondo com perfeição a vida fútil e hipócrita da classe média americana.


Indicações ao Oscar: Melhor ator coadjuvante para Michael Shannon, Direção de Arte para Kristi Zea e Debra Schutt e Figurino para Albert Wolsky

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Dois grandes campeões

Você pode levantar uma taça, mas isso não faz necessariamente de você um grande campeão. No momento em que faltam exemplos entre os jogadores de futebol brasileiros, o tênis tem dois ídolos que são dois grandes e verdadeiros campeões. Rafael Nadal, atual número 1 do mundo, e Roger Federer, o número 2, têm feito duelos épicos que, infelizmente para o suíço, não raro tem terminado com vantagem para o espanhol.

Após a decisão do Australian Open neste domingo que durou mais de 4 horas de um tênis espetacular, o suíço que foi por cinco anos número 1 do mundo até perder o posto para Nadal no ano passado, desabafou antes de cair em prantos para surpresa do público e da sua esposa que estava presente na quadra Rod Laver.

- Deus está me matando.

Foi de cortar a alma e constranger até o grande campeão Nadal, que ao subir ao palco para receber o seu troféu, abraçou Federer e trocou algumas palavras com ele. Não sei o que eles falaram, mas o suíço conseguiu juntar forças para as palavras protocolares. Parabenizar o rival, agradecer ao público e as promessas de voltar no ano seguinte.

Muito antes do choro já era visível o desapontamento de Federer, que jogou quatro sets espetaculares, mas ofereceu o seu pior tênis no momento mais decisivo da partida, que acabou em 3 a 2 para o espanhol, com parciais de 7/5, 3/6, 7/6 (7/3), 3/6 e 6/2. Ele e Nadal são dois tenistas excepcionais. Dois gênios. Dois dos maiores da história. Mas neste momento, o espanhol é mentalmente superior. Foi isso que o fez destronar Federer no ano passado em Wimbledon, numa batalha de mais de cinco horas e é isso que impede o suíço de vencer Roland Garros, o Grand Slam que ele não tem e que já perdeu em três oportunidades (2006, 2007 e 2008) para o espanhol.

Das sete finais de Grand Slam que os dois já disputaram entre si, Nadal lidera com larga vantagem, tendo conquistado cinco. Federer, quando era muito superior no circuito e dividia os títulos com Nadal na base do quadra rápida é minha, saibro é seu, ganhou de Nadal em Wimbledon em 2006 e 2007.

Porém, quando o espanhol rompeu essa barreira, não parou mais. Só falta-lhe quebrar a hegemonia de Federer no US Open, onde de 2004 a 2008 ele reinou absoluto.

O choro de Federer e o desabafo, portanto, é de alguém que ama o esporte que pratica, que vem dando o máximo de si, insistindo e mesmo assim não consegue vencer o rival. São os prantos de uma enorme frustração. Como se fosse impossível deixar o incômodo número 2 e superar Nadal como o espanhol o superou.

E o suíço até evoluiu, corrigindo erros que fizeram a festa de Nadal na decisão de Roland Garros do ano passado, quando no terceiro e decisivo set perdeu por 6/0. Mas ainda falta um pouco mais para Federer. Não sei, porém, se ele conseguirá isso.

Após a festa da premiação, Nadal, que estava visivelmente incomodado com a surpreendente reação do normalmente frio Federer, revelou que estava constrangido em celebrar o título diante da reação do, não sei se posso dizer, amigo, mas com certeza, rival. Ele sabia que Federer buscava igualar o recorde de 14 Grand Slams de Pete Sampras e estragara a festa e tentou até confortá-lo dizendo que, em breve, atingirá esta marca. Tal qual o próprio Federer, Nadal mostrou que é também um gentleman. Não é a toa que hoje eles são dois ídolos do esporte e seus confrontos são os mais aguardados do tênis. É quase como se fosse um Barcelona x Real Madrid.

Concordo com Nadal. Embora seja mais difícil hoje do que há duas temporadas, acho uma questão de tempo Federer até ultrapassar Sampras. Mas, como é mais jovem que o suíço, também acho que Nadal vai acabar se igualando ou até ultrapassando Federer com o passar dos anos. Conta a favor do espanhol, a vantagem de ele ser mais jovem. Nadal tem 22 anos e Federer, 27.

Neste ano, Federer terá mais três oportunidades de atingir o recorde. Na prática duas, pois ninguém acredita que Nadal perderá o pentacampeonato de Roland Garros em maio. Mas em junho, haverá Wimbledon e em agosto o US Open. Vou continuar torcendo. Gosto de ver esportistas fazendo história. Mas neste caso, qualquer que seja o resultado, a história está sendo escrita.

Um palco para Jolie (tentar) brilhar

Ainda uma atriz relativamente contestada, embora já tenha um Oscar de coadjuvante na prateleira por "Garota...Interrompida" (1999), Angelina Jolie foi recrutada – e obviamente aceitou sem o menor esforço - por Clint Eastwood para viver em “A Troca” um papel talhado para lhe dar uma nova estatueta. A de mãe sofrida, viúva, que faz de tudo para cuidar do filho e protegê-lo. Acredito que tirando a parte do sofrimento, deve ser mais ou menos o que ela tem em casa ao lado de Brad Pitt e sua ninhada.

Christine Collins trabalhava numa empresa de telefone durante os anos 20 quando seu filho, Walter Collins (Gattlin Griffith) desapareceu num final de semana em que ela teve que fazer uma hora extra. Após meses de aflição e esperança, a polícia de Los Angeles, então com uma péssima imagem pública e acusada pelo reverendo local, Gustav Briegleb (Um ótimo John Malkovich), de ser a mais violenta dos Estados Unidos e de utilizar, digamos, uma tática meio Jack Bauer – atira primeiro e pergunta depois -, encontra um garoto que supostamente seria o seu filho.

Esperançosa, Christine vai até a estação de trem e encontra uma criança completamente diferente. Mas disposta a recuperar a imagem, a polícia faz Christine praticamente engolir a criança. A partir daí começa a dor de Christine, e Angelina Jolie se esforça para mostrá-la, para provar que aquela criança não é seu filho, o que irrita profundamente o departamento de polícia local.

Ao desafiar os policiais, Christine é humilhada, jogada num manicômio, mas insiste em provar que seu filho não era aquela criança e poderia estar vivo em algum lugar.

Walter Collins nunca foi encontrado. Talvez ele tivesse sido assassinado junto com outras 19 crianças durante os crimes praticados por Gordon Northcott (Jason Butler Harner), talvez tenha escapado das mãos dele e desaparecido. Nunca se soube, mas até o fim da vida Christine alimentou a esperança de reencontrar o seu filho.

Essa história real que Clint Eastwood escolheu para a sua aposta da vez no Oscar deste ano não chega ao nível dos seus últimos filmes que disputaram ou ganharam alguma estatueta nos últimos tempos como “Sobre Meninos e Lobos” (2003), “Menina de Ouro” (2004), “A Conquista da Honra” (2006) ou “Cartas de Iwo Jima” (2006), mas guarda alguma semelhança na medida em que todos estes filmes falam sobre dores. E Clint busca dissecar esta dor, sem, evidentemente, parecer piegas, forçação de barra ou coisa do tipo.

Assim como seus últimos filmes, “A Troca” é muito bem dirigido, tem um roteiro elogiável e uma trilha sonora, composta também pelo diretor, excelente. O diferencial, porém, está no elenco.

As escolhas do diretor desta vez não foram muito felizes. Personagens chaves como o detetive Ybarra (Michael Kelly) e o capitão J.J. Jones (Jeffrey Donovan) são canastrões demais. E como John Malkovich pouco aparece, recai sobre as costas de Jolie a tarefa de segurar o filme sozinho.

É possível dizer que ela é bem sucedida em sua árdua tarefa? Até certo ponto sim. Sua atuação pode até ser digna de uma indicação ao Oscar, mas está longe de ser um desempenho de encher os olhos. Embora se esforce, talvez Angelina não seja a pessoa certa para o papel. Ou talvez eu não a veja como uma mãe trabalhadora dos anos 20 e só pense “naquilo” ao ver seus lábios carnudos e o esforço dela para esconder os peitos (afinal, a verdadeira Christine não devia ser um tamanho GG).

Preconceito? Pré-conceito? Talvez. Todavia gosto de Angelina. Acho que ela tem excelentes desempenhos, como em “Gia – Fama e Destruição” (1998), bons trabalhos como em “O Colecionador de Ossos” (1999) ou sabe divertir a plateia como em “60 Segundos” (2000) e “Sr. e Sra. Smith” (2005).

Mas peca pela irregularidade. Não dá para dizer que suas atuações são marcantes em “O Bom Pastor” (2006), “Bewoulf” (2007) ou “O Procurado” (2008).

Por outro lado, talvez ela apenas não seja a pessoa certa para o papel. Assim como em “Alexandre” (2004) não dava para vê-la como mãe de Colin Farrell, não dá para imaginar Angelina Jolie como aquela mãezinha dedicada ao filho naquelas roupas sem graça dos anos 20. É difícil imaginar dada a sua imagem pública. Talvez o papel ficasse melhor nas mãos de uma Nicole Kidman, talhada para este tipo de mulher.

Independentemente destas reflexões, “A Troca” é um bom filme (assim, sem encher muito a boca) e Angelina até consegue segurar a onda. Mas não me parece uma atuação com fôlego de Oscar. E a premiação do Globo de Ouro para Kate Winslet por “Foi Apenas um Sonho”, pode significar que a estante da atriz vai ficar mais uma vez com um espaço vazio.

Indicações ao Oscar: Melhor Atriz para Angelina Jolie, Direção de Arte para James J. Murakami e Fotografia para Tom Stern.