sexta-feira, 31 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'Adeus a linguagem'

Contemplando em 3D
Jean-Luc Godard tem 84 anos e é um dos expoentes da Nouvelle Vague francesa. Poderia versar mais sobre o cineasta, mas isso aqui é internet e você pode saber mais sobre Godard aqui neste link e sobre a Nouvelle Vague aqui neste outro link (Deus salve a Wikipedia). O que a corneta tem de novo para contar para vocês é que o diretor franco-suíço fez um filme em 3D (isso mesmo, em 3D igual qualquer "Avatar" da vida). E que esse 3D vale mais a pena do que o 3D de qualquer blockbuster que você tenha visto até agora. #foimalhollywood.

Sei que você está tendo um curto-circuito na cabeça. Como assim? Godard em 3D? Se eu disser que eu vi o filme num cinema daqueles que só passam blockbusters, animações e filmes pop em geral, totalmente fora, portanto, do circuito do chamado "cinema de arte" ai é que vocês vão pirar mesmo. Foi o que aconteceu, amigos.

Mas fiquem calmos fãs radicais da Nouvelle Vague. Godard não "se vendeu ao sistema". Seus filmes continuam difíceis e exigindo um esforço mental um pouco maior do Tico e Teco que temos na cabeça.

Os filmes de Godard também continuam sendo ecologicamente corretos (#greenpeacecurtiu). Roteiros de cinco páginas, no máximo, para economizar papel. Deve ser desesperador (mas também desafiador) receber das mãos do cineasta aquele maço de papéis escrito coisas assim:

Cena 1: Homem e mulher se olham na cozinha e falam sobre o dia. Improvisem.

Cena 2: Barulho do mar. Citar frases de Sartre, Proust e Rilke.

Cena 3: Casal se olha e reflete sobre a morte. Improvisem.

Cena 4: Imagens da floresta. Estoura as cores tudo. Barulhinho de chuva.

Cena 5: Cachorro passeia pelo mato. O cachorro improvisa.

E pela entrevista que os atores deram ao GLOBO, parece que rola um delicioso incômodo mesmo em trabalhar com Godard.

- Ele não apresentou de maneira nenhuma (o projeto). Não nos deu um roteiro. O filme estava praticamente todo montado por meio de fotos e quase sem nenhum texto - disse Kamel Abdeli.

"Adeus à linguagem" é um ensaio sobre a.... linguagem. É Godard pegando aquela frase (infeliz, eu diria) de Saramago de que o Twitter nos aproxima do grunhido, ampliando e refletindo sobre este ato de se comunicar com palavras articuladas que está na essência do ser humano. É o que nos diferencia dos animais junto com o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor #ilhadasfloreseterno. Mentira, eu não sei se é isso. E em nenhum momento ele cita Saramago. Mas é um filme do Godard. Você pode interpretar do jeito que você quiser, bancar o cara CULT na mesa do bar e ainda impressionar as gatinhas com isso.

No centro da história há um casal. Um casal que pela intimidade sem rodeios e muitas flatulências (#tecuidaPorky's) está junto há algum tempo. Mas eles parecem estar no piloto automático, pois não se comunicam direito, não prestam atenção um no outro, conversam trivialidades e transam.

Para tentar se reconectar o que eles fazem? Não, eles não têm um filho. Ainda que cogitem isso. Eles pegam um cachorro na rua. O vira-lata, portanto, terá o papel de ser o ponto de ligação entre essas duas pessoas. O cachorro de certa forma comunica e tenta unir os dois numa jogada que os defensores dos animais vão curtir.

Tudo gira em torno da linguagem neste trabalho do diretor. E até os momentos em que não há legendas a pedido do próprio Godard são para criar um estranhamento, um impacto de diferentes percepções em diferentes países e esferas de conhecimento.

Me pareceu algo interessante de vivenciar. Assim como a experiência sensorial, que é fundamental no filme. Por isso há o impacto sonoro alternado com momentos de silêncio. Há a explosão de cores e o preto e branco. E, com o 3D, há o embaçado e a tela dupla (há momentos em que você fecha um olho e vê uma cena e quando fecha o outro vê outra cena. É maravilhoso).

O estilo de Godard sempre foi peculiar. Seus filmes nunca tiveram uma linearidade e a impressão que fica é que foram ficando ainda mais ABSTRATOS com o passar dos anos. Mas é muito cool você dizer que adora todos eles. E, principalmente, os entende. Se no seu primeiro filme, "Acossado" (1960) você ainda consegue identificar uma história acontecendo, "Carmen de Godard" (1983) já se apresentava um pouco mais, digamos, complicado, 23 anos depois. E chegamos ao máximo da abstração em "Elogio ao amor" (2001) e "Film Socialism" (2010), quando cores, sons e imagens são intercalados com frases filosóficas e conceitos disparados na tela. Cabe ao espectador o desafio de juntar tudo isso e construir a história na cabeça. É tipo o Godard dizendo: "se vira ai, parceiro".

No caso de "Adeus à linguagem", algumas coisas ficam bem claras. Você entende o recado que ele está passando quando mostra uma pessoa folheando um livro enquanto outros dois digitam freneticamente nos seus smartphones e trocam impressões passando um telefone para o outro. São diferentes experiências de linguagem. Se uma é melhor do que outra (e precisa ser?) ou mais importante do que a outra, cabe ao espectador julgar. É difícil para mim entender se o diretor estava julgando algo ali, mas tendo a achar que é uma crítica.

Da mesma forma que mostrar um homem indiferente a uma ação tensa acontecendo ao seu lado, é outro recado. Para não falar na trama do casal que pouco se conecta, ainda que tenha muita intimidade e está sempre peladão na maison.

Enfim, "Adeus à linguagem" é uma grande viagem de Godard. Certamente não é um filme para todos os gostos e se eu não fosse muito fã do diretor e de obras que parecem quebra-cabeças de mil peças ficaria bem distante do cinema. Como não é o caso e Godard esta facilmente no meu top-20 de melhores diretores (um dia eu revelo esse ranking), a Corneta (ou seria Clairon?) curtiu demais a experiência. Por isso, o filme vai ganhar uma nota 9.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'Homem-Formiga'

Batendo um papo com a amiga
Certa vez, numa conversa um amigo me disse: "Que época maravilhosa para ser nerd". Como discordar? No passado, nós nerds (a corneta pratica um nerdismo pós-moderno) nos contentávamos com "Star Wars", "Star Trek" e filmes em geral que passavam no SBT. Hoje, além de continuarmos de olho no poder da força, lutando contra o "dark side" (leia com voz de vilão) e falando klingon, nós vemos todos os nossos heróis dos quadrinhos no cinema. E muitas vezes em adaptações fiéis que emocionam qualquer fã. Que momento fantástico!

É claro que sempre existirão os haters. Aqueles que sobem na Ágora do Twitter, no palanque do Facebook, para berrar que o cinema acabou. Que não existem mais roteiros criativos. Que só fazem filme de super-heróis. Bem, estes estão procurando muito mal. Semana passada mesmo eu vi dois bons filmes no cinema: um alemão ("Phoenix") e um francês ("Uma nova amiga"). Tudo sem efeitos especiais, explosões, piadinhas e com temáticas sérias. Recomendo. But, haters always gonna hate e nunca entenderão o quanto é legal demais ver heróis como o Capitão América, o Homem-Aranha e o Homem de Ferro no cinema.

De fato (e analisando o outro lado), há um excesso de filmes, ou um boom de produções cinematográficas do gênero. Só neste século 92 filmes baseados em diferentes quadrinhos foram produzidos. Isso só em língua inglesa. “Asterix & Obelix”, por exemplo, não está incluído aqui. Assim como animações e filmes e séries para a TV. A título de comparação, antes de 2001, 51 filmes haviam sido feitos. O primeiro de um herói famoso que se tem notícia é um do Superman de 1951, estrelado por George Reeves e dirigido por Lee Sholen. Há ainda outras 32 produções previstas até 2020. Oito delas só para o ano que vem. São elas (para vocês ficarem com água na boca): “Batman vs Superman: a origem da Justiça”, “Deadpool”, “Capitão América: Guerra Civil”, “X-Men: Apocalypse”, “Esquadrão Suicida”, “Gambit”, “Doutor Estranho” e um novo filme das tartarugas ninja.

Tudo isso pode cansar o espectador comum, é verdade. Mas os números de bilheterias comprovam que isso ainda não atingiu boa parte do público. Quanto ao fã, ele nunca ficará cansado. Palavra de um.

"Homem-Formiga" é um exemplo de um filme muito voltado para este fã. Aquele cidadão que conhece a história de Hank Pym, lembra do herói nos Vingadores e começa a puxar pela memória que, em breve, a Vespa também aparecerá. E ela ainda será interpretada por Evangeline "Lost" Lilly. É muita emoção.

Para os demais, "Homem-Formiga" é mais do mesmo. Com certeza pode divertir. Mas é o de sempre que a Marvel tem nos oferecido. Tem uma história com um vilão insano, o Jaqueta Amarela (Corey Stoll, o Peter Russo de “House of Cards”, configurando que ele só se mete em roubada), que quer iniciar uma nova corrida armamentista, um lance meio família, reconciliações a partir da resolução de problemas do passado, um herói carismático, o núcleo cômico, um romancezinho que começa a engatar, pois ninguém é de ferro, e as já conhecidas citações a outros filmes da Marvel. Além da brincadeira do gênero “Onde está Wally?” para achar o Stan Lee.

O filme já começa com Hank Pym (Michael Douglas) aposentado, mas ainda capaz de acertar uns bons cruzados de direita. Ele sabe da ameaça que um ex-pupilo representa e já está de olho num jovem talentoso para substituí-lo como este pequeno grande herói.

Trata-se de Scott Lang (Paul Rudd), um ladrão com mestrado em engenharia (isso é que é qualificação para assaltar, amigos), que acaba de sair da cadeia e quer ter uma vida correta para ser um herói para a filha saltitante e ainda trocando a dentição de leite. Mas a vida não é fácil para ex-presidiários. Por causa do preconceito, ele não consegue nem manter um emprego numa sorveteria.

A vida não está fácil. Grandes poderes trazem grandes responsabilidades e Lang precisa pagar a pensão da filha, do contrário nunca terá o respeito da ex-mulher. Mas Lang e seus comparsas, entre eles o divertido Luis (Michael Peña), arrumaram o golpe perfeito. Assaltar o cofre de um velhinho. Eles só não sabiam que o velhinho em questão era Hank. Se deu mal, Scott. Ele te colocou numa grande enrascada. Agora é aceitar a proposta de ser o novo Homem-Formiga ou mofar na cadeia.

Óbvio que ele diz sim, ou o filme teria que acabar por aqui. E também porque ficar mexendo com os átomos e brincando de encolher e aumentar é melhor do que ficar parado na cadeia. Então Lang começa a treinar em avançadas técnicas de artes marciais, aprende a mexer em novas tecnologias e estuda a incrível arte do ADESTRAMENTO de formigas. Afinal, serão suas novas amiguinhas que formarão o time que vai lutar contra as vilanias do Jaqueta Amarela e de tudo o mais que vier pela frente.

A partir daí, acompanharemos sensacionais MICROCENAS de luta, incluindo a incrível batalha final num trenzinho de brinquedo. Impossível não rir dessa vibe "Querida, encolhi as crianças" (1989).

Os efeitos especiais são uma das coisas mais legais do "Homem-Formiga". Ficou para mim a impressão de que o filme funciona melhor do que nos quadrinhos, pois é possível brincar com uma série de possibilidades.

A nova franquia, portanto, está estabelecida. Agora aguentem. Em breve, o Homem-Formiga fará parte dos Vingadores (é inevitável) e o filme de Peyton Reed pode ser considerado bem satisfatório. O Homem-formiga é meio que um herói B e diverte como o “Guardiões da Galáxia” (2014) ou o primeiro filme dos “Vingadores” (2012). E eu consegui terminar essa corneta sem citar a frase “Dos pequenos frascos que saem os grandes perfumes”. Afinal, “Dos pequenos heróis saem as grandes aventuras” (Ok, foi péssima). Piada infame à parte, o “Homem-Formiga” vai ganhar uma nota 7,5.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'Samba'

Observando Paris do alto
Depois de comer o pão que o diabo amassou nas mãos de Lars von Trier, Charlotte Gainsbourg sorriu. Foram anos complicados os da atriz entre 2009 e 2013, quando ela fez uma sequência de mulheres que passaram pelas mais diferentes provações: luto, melancolia, culpa, ninfomania, autocomiseração, autoflagelo, depressão, dor psíquica. A tudo Charlotte sobreviveu para olhar para Omar Sy e finalmente sorrir.

Convenhamos, não é spoiler dizer que Alice (Charlotte) vai se envolver com Samba Cissé (Omar Sy) em "Samba". Isso fica claro, brilhando em neón na sua cara, na primeira cena em que os dois se encontram. Tudo óbvio como uma comédia romântica.

Alice é uma executiva que está tirando um forçado período sabático ajudando Manu (Izia Higelin) como voluntária numa ONG que ajuda imigrantes na França. Ela está de licença do trabalho por causa de um pequeno episódio de estresse: quebrou um celular na cabeça e escalpelou um colega de trabalho. Um pequeno surto que é fichinha perto do que Charlotte passa em "Anticristo" (2009), "Melancolia" (2011) e nos dois volumes de "Ninfomaníaca" (2013).

Sy vive mais uma vez um imigrante senegalês em um filme da dupla Olivier Nakache e Eric Toledano. Dessa vez, ele precisa da ajuda de Alice para não ser deportado de volta para o Senegal.

O romance entre os dois é só um detalhe para dar leveza (assim como os momentos de humor) à uma discussão séria proposta pelos dois diretores: a questão da imigração. Enquanto centenas de pessoas morrem a todo momento tentando entrar na Europa sob o olhar enviesado de políticos do Velho Continente e o famoso comigo não está, os diretores resolveram fazer um filme mostrando as condições abjetas que os imigrantes ilegais vivem em Paris.

A proposta é a mesma de "Intocáveis", o belíssimo filme anterior da dupla. A leveza, as situações de humor e um texto bem amarrado para contar uma história que tem uma carga dramática. Se em "Intocáveis", a amizade proporcionou uma união improvável que trouxe lições importantes para os dois protagonistas, em "Samba" é o amor é a vontade de vencer que movem o protagonista a tentar superar as intempéries de uma vida quase indigna (é nesse momento que vocês puxam o lenço para secar a lágrima que escorre pelo olho).

Sy é um ator carismático que fica muito bem sempre que trabalha com Nakache e Toledano. Ele está, por exemplo, em “Jurassic World”, mas poucos reparam porque o papel dele é minúsculo. Com os diretores franceses, ele tem espaço para brilhar. Sabe dar o tom necessário tanto nas cenas de humor quanto quando pe preciso impor uma carga dramática. As cenas de humor, aliás, quase sempre contam com a presença do impagável Wilson (Tahar Rahim), argelino que se faz passar por brasileiro só para pegar mulher (danadinho!).

Por mais que haja toda essa leveza no filme, “Samba” te faz refletir sobre a vida difícil do imigrante, com subempregos, uma vida de incertezas em que é preciso ganhar o dinheiro suficiente para comer a cada dia, fugas da polícia, medo de ser descoberto, preconceito e todas as dificuldades de se viver em um país que não se é desejado, ainda que você seja útil para serviços que nenhum francês almofadinha gosta de fazer.

Nakache e Toledano também colocam em campo um debate sobre uma questão da identidade. Em um momento do filme, Samba Cissé já não sabe mais quem é, tamanho o número de identidades que ele teve que assumir com documentos ilegais.

- Eu não sei mais quem eu sou - questiona ele.

- Mas eu sei. E você pode gritar o seu nome quando precisar lembrar que as pessoas acharão que você quer dançar - retruca Alice, ao lembrar do ritmo musical brasileiro que dá o nome ao protagonista. Bom, seria mais agradável então se ele se chamasse Rock Cissé (ok, essa piada foi péssima).

São, portanto, questões complexas, interessantes e atuais que são abordadas pela dupla de diretores. “Samba” vale a pena e vai ganhar da corneta uma nota 7, 5.

sábado, 11 de julho de 2015

O troco

Tem menor não?
Os ânimos estão exaltados naquele fim de tarde no Hell de Janeiro. O stress do dia inteiro de trabalho deixa os pavios curtos, enquanto a paciência inexiste às 17h45min. Basta uma faísca para incendiar aquele 410.

Passageiro e cobrador se encontram num ponto de BotaSoho. O jovem de camisa branca, calça jeans e barbinha hipster saca da carteira a nota do demônio: R$ 50. A cobradora mantém a calma e faz a pergunta clássica:

Tem menor não?

Diante da negativa, a mulher pede para que o jovem permaneça onde está. Ele não pode atravessar a fronteira que delimita o setor entre os que pagaram e os que ainda não pagaram. É a faixa de Gaza da economia moderna. Outros passageiros seguem o fluxo com trocados generosos ou usando o benefício do Hellcard. É quando a cobradora desabafa.

- Quem facilita, tem troco. Quem não facilita, não posso fazer nada – ironiza ela, repetindo diversas vezes o mantra. – Quem facilita tem troco.

Se sentindo com a honra atingida como um Greyjoy castrado, o jovem reage:

- Como é que eu vou facilitar se eu não tenho trocado? – diz o jovem, já se exaltando.

Ué, eu não falei nada – devolve a cobradora, usando a tática de se fazer de sonsa.

A guerra já havia começado. Os dois pareciam deputados de partidos rivais gritando no Congresso, mas usando termos menos polidos.

- Você está dizendo que eu tenho que facilitar. A empresa que tinha que ter troco!

- Eu não estou falando nada. Só acho que quem facilita tem troco.

O volume começa a aumentar no ônibus. E tudo descamba para questões político-econômicas.

- Tem passageiro que é engraçado. Se todos os problemas do mundo fossem causados por causa de troco... Na hora de gritar pelas coisas importantes, por emprego, saúde, educação, ninguém grita. Tanta palhaçada por causa de um troco.

- Você fala isso porque não é o seu troco! – retruca o rapaz, já PENDURADO na roleta.

A cobradora se irrita e toma uma atitude drástica.

- Vai! Passa! Passa e some! Passa e some daqui que eu não quero te ver!

Por incrível que pareça, o jovem obedeceu a ordem. Talvez com medo do intimidante CORPANZIL da cobradora. Mas não sem antes dizer que ela não era dona do ônibus.

- Se eu fosse dona do ônibus você nem entrava! Ia ficar a pé. E se entrasse, eu ia mandar descer!

O rapaz resmunga pelos cantos, mas não retruca com a veemência necessária para continuar a briga. Vai para o fundo do ônibus e desiste de discutir. Está vencido pela retórica das ruas.

Três minutos depois, um novo ponto. Uma mulher entra e entrega uma nota. Passa, senta na primeira fila e espera o troco. A cobradora berra:

- Você me deu os R$ 10? VOCÊ ME DEU OS R$ 10? – vociferou ela, ainda com o sangue fervendo.

- Dei sim – disse a mulher, quase se sentindo culpada por pagar a passagem.

- Só estou perguntando.

A mulher pega o troco, levanta e vai para o fundo do ônibus sem entender nada.

- Eu hein. Que mulher estressada. Parece que dormiu de calça jeans.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'Exterminador do futuro: Gênesis'

He's back
O primeiro “Exterminador do Futuro” se passa em 2029 e eles viajam para 1984. O segundo se passa em 2029 e eles viajam no tempo para 1995. O terceiro filme acontece, aparentemente, em 2032 e eles viajam para 2004. Já o quarto filme rola em 2018, não tem viagem no tempo, não tem Arnold Schwarzenegger e foi dirigido pelo cara que fez “As Panteras” (2000). Ou seja, um strike de erros. Sua mais recente versão se passa em 2029 (De novo! O que me faz refletir em como será o novo filme quando a humanidade chegar a 2029), eles viajam para 1984 e depois vão parar em 2017. Por sorte, o Ramones é eterno e onde houver um rádio e uma tomada, Joey estará vivo para cantar "I wanna be sedated". Canção esta que foi lançada em 1978, quando Sarah Connor era uma adolescente rebelde.

E ai, eu me pergunto. Com toda essa bagunça cósmica provocada pela Skynet, como saber o que é passado, presente e futuro? Você pode estar numa boa curtindo Los Angeles e, de repente está conversando com o seu pai, que é mais novo que você. Em outro momento, você tem uma vida em São Francisco, e ai o seu filho surge sem que você sequer tenha transado com a mãe dele. Ao mesmo tempo, você conversa com você mesmo mais jovem. É uma franquia puramente filosófico-freudiana, admitam.

E é nessa vibe "Interestelar" que tio Arnold Schwarzenegger, também conhecido como ex-governador da Califórnia, retorna ao seu melhor papel, aquele que ele demonstra todo o seu talento: o do robô T-800. 

"Exterminador do futuro: Gênesis" é legalzinho, é maneirinho (assim mesmo no diminutivo para não valorizar muito) e no mesmo estilo dos anteriores. A guerra entre humanos e máquinas não tem fim no futuro apocalíptico, mas quando John Connor parece ter dado o tiro certeiro, a Skynet, que, vocês sabem, não é um pool de TVs a cabo, mas um conglomerado de robôs Ultron que deu certo, manda um robô para 1984 para matar adivinha quem? Sarah Connor (Emilia Clarke em sua nova versão), é claro. O objetivo é aniquilar Sarinha antes que ela possa gerar o jovem problemático, revoltado e que não aceita as coisas como devem ser John Connor (Jason Clarke na idade adulta de 2029).

Diante disso, Kyle Reese (Jay Courtney) é o escolhido por motivos que vocês entenderão no filme para voltar ao passado e proteger Sarah. Só que o 1984 do passado, não é mais o 1984 de hoje (ou não será, sei lá). Desde a primeira visita do Exterminador lá no filme dos anos 80, Sarah não é mais uma garçonete e, sim, já está por dentro dos acontecimentos futuros dadas as visitas recentes de robôs do futuro nos últimos tempos. 

E aqui precisamos de um parêntese. Vocês não acham que Emilia Clarke é a atriz mais mimada do momento? Em “Game of Thrones”, ela tem DRAGÕES para ajuda-la quando a coisa aperta. Sempre se dá bem. No “Exterminador do Futuro”, ela tem um robô Schwarzenegger para tirá-la de todas as enrascadas. Esta moça nunca anda com as próprias pernas nas produções que participa. Assim é molezinha.

Sarah está em mais uma roubada
Enfim, Daenerys Targaryen em sua versão morena reúne o seu time para abalar a boca do balão no futuro: Schwarzenegger e Kyle para combater um vilão que é o último grito em tecnologia, o cara responsável por fazer a Skynet ser uma versão ainda mais poderosa nesta versão paralela do futuro que tangencia outros futuros. Pois é, este filme é um grande wormhole.

Talvez por ser um pouco confuso para o espectador situar em que momento do tempo-espaço ele se encontra, o filme de Alan Taylor tenta explicar tudo. Ele tem que explicar demais. E isso no cinema é como explicar piada. Não dá certo. É até possível compreender o que eles querem dizer, mas são muitos dados para processar.

Por falar em chistes, o humor é o grande trunfo do filme. Schwarzenegger esta impagável e totalmente sem se levar a sério. É como se o “Exterminador do Futuro” tivesse tomado um banho de “Irmãos Gêmeos” (1988) ou “Um tira no Jardim de Infância” (1990). O jeito robótico de interpretar com frases puramente cartesianas do ator de 67 anos é o que há de mais legal num filme que não chega a ser o último copo d’água no deserto apocalíptico e anda sendo vendido desnecessariamente com um 3D que não serve para nada.

Enquanto acontecem as perseguições e cenas impossíveis de praxe para um filme do gênero, o roteiro de Laeta Kalogridis e Patrick Lussier vai soltando uma série de referências em relação ao primeiro e ao segundo filme da franquia (os outros foram esquecidos). Tem até a frase: “I'll be back" (risadas no cinema). Reunir a formação clássica do Guns N’Roses que é bom, no entanto, não rolou.

No fim, em um 2015 em que se olha para o passado lá no século XX (já tivemos neste ano no cinema os retornos de “Poltergeist” e “Mad Max” e ainda vem aí o novo “Star Wars"), “Exterminador do futuro: Gênesis” optou por um caminho oposto ao de “Jurassic World”, outra franquia que retornou neste ano. Ao invés de ser uma continuação, é um filme com cara de reboot. Mas como nada é simples neste universo passado-futurista, é um reboot com reminiscências do passado. Deu para entender?

Kyle deixa isso claro no fim, quando diz que agora é possível escolher o futuro. E a cena final pós-créditos desenha para os que ainda não haviam entendido. Um novo começo pode ser avistado. A roda gira e Schwarzenegger esta ai disponível para nos divertir com o seu T-800 remodelado, ou melhor, com upgrade.

O novo Exterminador não é um desastre completo e arranca algumas risadas. Se este não era o objetivo, aí paciência. Tudo graças a Schwarzenegger, que poderia muito bem fazer um filme da série a cada dois anos. E se não tiver mais ideias para proteger a família Connor, a corneta sugere que ele vá para momentos históricos. Algumas sugestões: 

1) Exterminador volta para 1865 e impede o assassinato de Abraham Lincoln

2) Exterminador volta para a idade média e duela com Vlad Dracul

3) Exterminador volta para 1945, decide a Segunda Guerra Mundial e vira rei da Alemanha

4) Exterminador volta para 1789 e participa da revolução francesa

5) Exterminador volta para a pré-história e impede um meteoro de cair na terra. Só para ficar numa vibe mucho loka estilo “Jason X” (2001).

Enquanto estas e outras ideias não são implantadas, a corneta deve reconhecer que “Exterminador do futuro: Gênesis” podia ser melhor. Ou pelo menos com uma história menos mirabolante com passagens difíceis de engolir (Como o Schwarzenegger estava esperando os dois no futuro de 2017?). Para coisas complexas e insanas, nós temos Christopher Nolan, não é verdade? Mas o humor do filme, algumas boas cenas e aquela sensação boa de nostalgia da corneta vai lhe garantir uma nota suficiente para passar de ano: 6.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'O cidadão do ano'

Dias difíceis na Noruega
Hans Petter Moland não tem nada em comum com Quentin Tarantino. Um é norueguês, nasceu em Oslo, tem 59 anos e já foi descrito como o Ridley Scott da Noruega (interpretem como vocês quiserem). O outro nasceu a 6.847km de distância da capital do país nórdico, em Knoxville, no Tennessee, tem 52 anos e trabalhou em uma locadora antes de resolver fazer seus próprios filmes. Moland, como vocês podem ver, é mais velho. Mas parece que ele resolveu fazer uma homenagem ao menino Tarantino em seu mais novo filme.

"O cidadão do ano" parece até uma releitura de um dos filmes de Tarantino. Tipo um cruzamento de “Kill Bill” (2003) com “Bastardos Inglórios” (2009) e uma pitada de “Django Livre” (2012). Mas vocês poderiam misturar quaisquer outros ingredientes da filmografia do diretor americano. O trabalho de Moland é o tipo de cinema praticado pelo americano até o último floquinho de neve de uma geladíssima cidade do interior norueguês (fiquei com frio só de ver o filme).

Vejam o que o filme do diretor escandinavo tem em comum com o que Tarantino costuma produzir:

1) Uma história clássica de vingança

2) Personagens no mínimo curiosos

3) Piadas engraçadas e situações nonsense

4) Um vilão excêntrico

5) Sangue, sangue jorrado, sangue esguichando, todo o tipo de água vermelha tingindo a neve

A única diferença é que ele é falado em norueguês. É MA-RA-Vi-LHO-SO, amigos.

O enredo é o seguinte. Stellan Skarsgard, que é o que os críticos gostam de chamar de ator FETICHE do diretor, pois esteve em quatro dos seus sete longas, é um cara do bem e um exemplo para a sociedade norueguesa. Seu personagem, Nils Dickman (uma piada pronta para os versados em língua inglesa), foi eleito recentemente o cidadão do ano pela comunidade local pelos seus serviços prestados em afastar a neve das estradas com seus caminhões maneiros.

Mas ele tem um filho encrenqueiro. Ingvar (Aron Eskeland) se mete com os caras errados por causa de droga e o chefão do tráfico manda apagá-lo. Foi o maior erro da vida de Greven (Pal Sverre Hagen). Ele provocará o desejo “tarantinesco” de vingança em Dickman, que tal qual uma Arya Stark em "Game of Thrones" fará uma lista de todos os que têm a obrigação de mandar ao encontro de Deus mais cedo do que o destino esperava.

Greven, ou melhor Ole Forsby (todos os mafiosos do filme tem um apelido no melhor estilo mafioso clássico), merece um parágrafo a parte. Afinal, quantas vezes vocês viram na história do cinema um vilão vegan obsessivo, que dá frutas e verduras para o filho, o proíbe de comer aqueles cereais matinais e ainda obriga os capangas a tomar suco de cenoura? Crueldade obrigar alguém a tomar suco de cenoura. O cara é uma figura. Essa máfia norueguesa é o orgulho dos programas de saúde, bem estar e beleza das TVs.

Mas acho que a falta de carne não faz bem a Greven, pois ele está sempre muito nervosinho. Participa até de cenas lamentáveis espancando a ex-mulher. No mínimo merecia ser enquadrado na lei Maria da Penha.

A história de Nils abre também uma ferida no acordo de cavalheiros que noruegueses e sérvios têm na exploração do narcotráfico-perfumaria do país nórdico. E uma morte inesperada gerará um problema com o Papa sérvio (Bruno Ganz) e acrescentará um molho báltico nesta situação.

“O cidadão do ano” também tem diálogos impagáveis. Do cara que reclama do frio norueguês e ouve que, ou você tem bem estar social ou tem sol como nos países africanos e sul-americanos, ao trecho em que os cidadãos bem vestidos são relacionados com pessoas de partidos de direita, há momentos de muito bom humor no filme. Além da contagem dos mortos de acordo com a religião de cada um.

O roteiro só vacila em deixar uma pontinha solta e perdida num filme que, obviamente, não terá sequência. Faltou dar um desfecho a um personagem. Mas nada que comprometa a qualidade de um filme que acho que Tarantino assinaria embaixo. E a corneta dará uma nota 7,5.