segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Só um macaco salva

O macaco de olhos verdes que gosta de cookies
Macacos evoluídos têm olhos verdes. Macacos evoluídos gostam de cookies (e quem não gosta?). Estas foram duas conclusões sacanas que tirei ao assistir à “Planeta dos Macacos: a origem”, a enésima versão da história que nunca será superada por aquela protagonizada por um tal de Charlton Heston em 1968, que verdadeiramente era impactante. Para começo de conversa porque não tinha um “a origem” antes dele. Entendíamos o que tinha acontecido no final do filme como uma daquelas revelações bombásticas.

James Franco e Freida Pinto também formam o casal mais insosso do ano no cinema. Esta é outra conclusão, porém ácida, que tiro do filme. Eu acho que um casal de tartarugas de um documentário da Discovery Channel filmado na Nova Zelândia mostraria mais intimidade, química e talento diante de uma câmera do que o indicado ao Oscar deste ano por “127 horas” e a estrela do mediano “Quem quer ser um milionário?” (2008).

Nunca gostei de Franco. Acho-o fraco desde que o conheci nos filmes do Homem-Aranha no papel de Harry Osbourne, vulgo Duende Verde. Como apresentador do Oscar, ele foi desastroso. E ele ainda não tem a beleza de Anne Hathaway, de quem perdôo tudo só por causa daqueles olhos e daquele sorriso irresistíveis. Também acho Freida fraquíssima. E ela só comprova a minha avaliação com sua atuação constrangedora em “Planeta dos Macacos”.

Com um casal como Franco e Freida, o que sobra no filme de Rupert Wyatt? Em primeiro lugar, a boa atuação de John Litgow, que faz Charles Rodman, o pai de Franco que sofre do mal de Alzheimer. Ele ilumina o filme, mas não é suficiente para pagar o ingresso.

O que vale a pena mesmo é um macaco. E quando um macaco é a estrela do filme, a coisa não pode dar certo. Pelo menos não para mim que não gosto muito de filmes com bichinhos em geral. O macaco em questão é Ceasar, criado com computação gráfica a partir da atuação de Andy Serkis, um ator do qual não conhecemos o rosto, mas aprendemos a gostar. Quem não se lembra do “my preeeeeciousssss” Golum da trilogia do Senhor dos Anéis? Por trás do monstrinho estava Serkis atuando com uma roupa especial e um cenário verde no fundo.

Agora ele é o macaco que vai liderar a pequena revolução contra a opressão humana. Tudo começa com a tentativa de um médico, Will Rodman (James Franco) de tentar encontrar uma cura para o Alzheimer e, consequentemente, curar o seu pai. Apertando um fast foward na fita, tudo dá errado, o remédio que ele desenvolve não encontra a cura, mas faz os macacos desenvolverem uma inteligência acima do normal. E o primeiro filho desta leva de macacos evoluídos é Ceasar, a quem ele cria como filho ou mascote em casa.

Ceasar cresce e começa a desenvolver rapidamente o seu QI, mas o instinto animal sempre esteve presente. É o que o leva a ser confiscado pelo governo após atacar um vizinho que agredia o pai doente de Will. A partir daí ele vai entender que a vida não é fácil para ninguém, mesmo para um macaco evoluído acostumado a comer cookies, e vai iniciar um levante revolucionário depois de dar um pouquinho da droga do Will que deixa todos os macacos evoluídos e com os olhos em tom verde-ariano.

Várias coisas são impressionantes na atuação de Serkis. Ele faz com que a gente tenha medo da evolução de um macaco. Pense na imagem de Ceasar numa postura semelhante ao “O Pensador”, de Rodin, pense nele falando para uma multidão de macacos como um Cristo no alto da montanha e se assuste quando você vê aquele macaco proferindo a sua primeira palavra. Um “não” fruto da agonia, repressão e revolta. É emblemático que “não” seja a primeira palavra da nova civilização que vai tomar primeiro a ponte Golden Gate na melhor cena do filme e posteriormente o mundo. Mas isso é papo para outro filme.

Aqui estes são pontos positivos no filme de Wyatt que tem como mérito ter ainda um roteiro simples escrito por Rick Jaffa e Amanda Silver. O primeiro não tem trabalhos de grande destaque. A segunda escreveu “A mão que balança o berço” (1992). Você entende a história numa boa. O problema é que, em geral, os atores são fracos e deixam o caminho aberto para um macaco brilhar. E Serkis/Ceasar cumpre a sua missão perfeitamente.

Por ser uma tentativa de explicar os acontecimentos do filme de 68 (esqueça a bobagem feita por Tim Burton em 2001), o filme até faz umas ligações interessantes. Em uma cena, é exibida uma imagem de TV mostrando os primeiros astronautas em uma missão tripulada para Marte. Era do espaço que o astronauta Charlton Heston voltava quando se deparou com uma Terra desértica e tomada por macacos evoluídos (mas sem olhos verdes) no “Planeta...” original. Lá houve uma hecatombe nuclear. Aqui, o início do ataque de um vírus criado por Will que deveria curar o Alzheimer, mas faz é muito mal aos humanos.

E com isso “Planeta dos Macacos: a origem” se torna o primeiro filme que vi na minha vida que promete mais por sua continuação do que pelo que expõe em duas horas de cinema. O próximo tem tudo para ser mais interessante se mostrar uns anos a frente na destruição humana e o domínio dos “macacos arianos” na Terra. O atual, embora com alguns bons momentos, se mostrou muito mais vezes enfadonho. E se não fosse o Ceaser teria sido muito pior. Mas sempre é possível confiar em quem gosta de cookies.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mergulho psiquiátrico de Von Trier

Kirsten Dunst nada feliz com o casamento
O dinamarquês Lars Von Trier gosta de uma polêmica. Dois anos depois de provocar vaias e aplausos com o seu “Anticristo” em Cannes, ele voltou ao palco do tradicional festival de cinema francês para virar persona non grata após suas declarações controversas de que entendia Hitler. A piada de mau gosto ofuscou o seu “Melancolia”, bom filme que então fora exibido no festival, mas não impediu a atriz Kirsten Dunst de deixar a premiação com a Palma de melhor atriz.

“Anticristo” e “Melancolia” guardam algumas semelhanças. Primeiro as óbvias: a presença da atriz Charlotte Gainsbourg e uma abertura com uma composição clássica e imagens em câmera lenta. Lá o escolhido era Händel, aqui Von Trier atacou de “Tristão e Isolda”, de Richard Wagner (ouça no vídeo no fim do post). Logo Wagner, o nazista Wagner, e o diretor ainda me elogia Hitler. Queria brincar com fogo.

Uma terceira semelhança é que suas histórias não deixam de ser um certo “drama psiquiátrico”. Se em “Anticristo” Charlotte vive uma mãe em luto eterno e numa dor profunda pela culpa da morte do filho e acaba mergulhando num estado de loucura enquanto o marido psicólogo vivido por Willen Defoe tentava buscar formas de curá-la, em “Melancolia” Kirsten Dunst é a protagonista que navega entre um estado melancólico e a profunda depressão a partir da noite do seu casamento.

Dividido em duas partes, “Justine” e “Claire”, nomes das personagens de Kirsten e Charlotte, “Melancolia” começa com o casamento de Justine, uma noite que teria tudo para ser de muita felicidade numa festa organizada por sua irmã, Claire, com o dinheiro do marido ricaço John (Kiefer Sutherland, cuja imagem não consigo dissociar do Jack Bauer. Sempre acho que ele vai puxar uma arma, torturar alguém em busca de informação ou dizer um dos seus bordões do tipo “Do it, now!!”).

No início Justine parece feliz com Michael (Alexander Skarsgard) e o casal tira de letra e com bom humor um imprevisto com a limusine que não consegue passar por uma rua estreita. Mas é um filme de Von Trier. Não poderíamos esperar que a noite fosse feliz. Aos poucos Justine mostra que sua felicidade é aparente, é para o mundo exterior e o casamento e a vida feliz é algo enfadonho. Justine sofre de depressão. Por isso entendemos a preocupação extrema de Claire com a irmã. A mesma ainda tem que se preocupar com a mala da mãe, Gaby (Charlotte Rampling), mulher que não acredita no casamento e na tal felicidade a dois e faz questão de deixar isso claro no meio da festa. E Rampling está maravilhosa soltando o seu veneno nas poucas cenas que participa.

A verdade é que Justine já não consegue mais disfarçar que o casamento para ela não faz mais qualquer sentido assim como a sua própria vida. Ela tenta manter a capa de felicidade para justificar a festa, mas nada daquilo tem importância e ela mergulha numa profunda depressão após jogar tudo para o alto.

Paralelo ao caso de Justine, “Melancolia” conta a história de um planeta de mesmo nome do título da película que estaria em rota de colisão com a Terra. A possibilidade da morte, que John garante que não acontecerá, paralisa e deixa transtornada Claire, pois ela não consegue entender que seu filho pequeno não terá um futuro por conta dos caprichos da natureza.

Lendo informações sobre o filme, descubro que Trier resolveu filmar essa história após uma sessão de terapia quando ele se tratava de depressão. Na ocasião, o terapeuta lhe informou que uma pessoa depressiva tende a reagir mais calmamente do que as demais diante de uma situação de grande pressão porque ela já tem a expectativa de que coisas ruins vão acontecer.
Kirsten Dunst nua diante de Melancolia

O diretor pegou esse fiapo de informação para fazer o seu muito particular filme-catástrofe. Diante da iminência de o planeta ser atingido pelo Melancolia, Justine e Claire mudam completamente de lado. Justine, que mal conseguia tomar banho sozinha se acalma e até se entrega ao destino inevitável numa bela cena em que Kirsten Dunst aparece nua ao “luar da melancolia” (não podia deixar de destacar isso e postar a foto ai de cima). O fim do planeta representa para ela o fim da dor, o fim de uma vida sem sentido e finalmente a paz que ela nunca teve.

Para Claire, saber que a morte lhe baterá a porta em uma semana é desesperador. Ela “recebe o diagnóstico” de que tem uma semana de vida e não consegue aceitar. Pensa no futuro que o filho não terá e em tudo o que não realizou. As palavras pessimistas de Justine obviamente não a reconfortam e ela passa toda a segunda parte buscando um fiapo de esperança que a mantenha sã. No final, ambas acabarão aceitando o seu inevitável destino.

“Melancolia” é um bom filme, mas me deixou com uma pontinha de decepção por ser exatamente o que se propõe a ser. Esperava algo mais desafiador como “Anticristo” e outros trabalhos anteriores de Von Trier que o forçam a ter mais imaginação.

Mas é impossível assistir ao filme sem celebrar a ótima atuação de Kirsten Dunst. A atriz de 29 anos que até então era conhecida por interpretar a Mary Jane, a namorada de Peter Parker na trilogia do “Homem-Aranha” (entre 2002 e 2007), e a rainha Maria Antonieta no dispensável filme de Sofia Coppola de 2006, tem aqui o seu primeiro grande papel e encara muito bem o desafio. Kirsten é um dos pontos altos do filme e sua atuação é daquelas que valem o ingresso. Ela tem aquele olhar melancólico, derrotado, devastado e depois passa perfeitamente sua serenidade pós-depressiva.


É uma atuação irretocável. Quem vê “Melancolia” entende os motivos que a levaram a ser premiada em Cannes e Kirsten acaba sendo o ponto alto do filme mais óbvio de Von Trier.


domingo, 21 de agosto de 2011

A reflexão existencialista de Malick

A família O'Brien
De uma cidadezinha do Texas, uma família é o ponto de partida para as reflexões de um diretor  sobre a origem da vida, a formação da civilização e tudo o que ela gera de mitos e concepções religiosas. Ela é o microcosmo que representa a natureza e a graça divina na qual o homem se equilibra e contesta suas próprias convicções se jogando numa realidade niilista e devastadora que marca profundamente o ser humano e o faz à poeira voltar. Reflexão existencial, contestação religiosa, muitos caminhos tomam o diretor Terrence Malick na sua obra que usa como mote o conceito de árvore da vida, que aparece na ciência, na religião, na filosofia e na mitologia, entre tantas outras áreas.

“A árvore da vida” é a obra-prima e minha reconciliação com o diretor sobre o qual cuspi abelhas africanas quando me vi diante de “Além da linha vermelha” (1998). Se o filme que usa a batalha do Monte Austin, durante a Segunda Guerra Mundial, para refletir sobre a moral humana e a necessidade da guerra era uma suprema chatice de curar qualquer um que sofra de insônia, apesar de suas sete indicações ao Oscar, a película que faturou a Palma de Ouro de Cannes neste ano me paralisou diante da tela e me conquistou desde os seus primeiros minutos com a câmera de Malick escolhendo planos incomuns com ângulos num campo de girassóis, no movimento do mar ou na explosão de um vulcão, foco em detalhes que vão de uma expressão a um galho de árvore e o brilho do sol sempre a iluminar um determinado ponto que será focado dentro da abordagem a que o diretor se propõe.

Sim, o filme é absolutamente hermético. Sim, ele é de difícil entendimento e um desafio a quem está acostumado com o padrão diálogos/cenas de ação/diálogos/cenas de sexo e por aí vai. Não tem nada disso em “A árvore da vida”. Em suas quase 2h20m, muito do tempo é gasto em reflexões, pensamentos “jogados em voz alta” ou simplesmente imagens que talvez não façam sentido num primeiro momento, mas que casam perfeitamente (acredite!) com o que o diretor se propõe a fazer. Há um longo período só de abstrações na tela que parecem testar o espectador e saber até onde ele pode ir na viagem de Malick da origem do universo até os anos 50 do século passado no Texas.

O filme começa com uma citação do livro de Jó, que diz: “Onde você estava quando eu fundava a Terra... enquanto as estrelas da manhã cantaram juntas e todos os filhos de deus rejubilavam?” Uma imagem disforme é a deixa para sermos introduzidos aos O’Brien, vividos por Brad Pitt e Jessica Chastain, ambos excelentes passando a infelicidade e a frustração de uma vida muito longe daquela que eles sonhavam, mas aturam numa casinha tipicamente americana de um subúrbio tipicamente americano.

O casal tem três filhos criados com disciplina militar pelo pai, um ex-integrante da Marinha, e amor pela mãe, dona de casa. Jessica olha para o céu, observa as folhas das árvores, o cenário bucólico e pensa que a vida é feita de natureza e de graça e que é preciso viver entre uma e outra para atingir a felicidade. Uma felicidade que ela desde sempre aparenta não ter.

A natureza para Malick é tudo aquilo que existe de belo, mas ao mesmo tempo agressivo. É paixão, mas é fúria, é sublime, mas é devastador. É uma dualidade extrema que na sua versão humana é representada por Pitt, um pai que ama os seus filhos, mas não deixa de, ao seu modo, prepará-los para uma vida dura e cruel, pois a sua visão de mundo é pessimista. Pitt é um ser humano frustrado. Sonhava em ser um músico famoso, mas só lhe resta um piano sem plateia. Tem facilidade em criar coisas. Detém 27 patentes, mas seus inventos são rejeitados mundo afora de tão inúteis como inútil é ele para a fábrica que fechará. Seu destino o envergonha e atinge o seu orgulho e sua moral dentro da família.

Jessica é a encarnação da graça divina. É amor acima de tudo e até dela mesma. Sua existência é melancólica, seus prazeres se resumem a sentir a grama do jardim tocar os seus pés e a água a banhá-la limpando mais do que o corpo, mas a sua alma num dos poucos momentos em que ela parece sentir paz. Sua dor é eterna em um casamento infeliz, mas ela nunca deixa faltar aos filhos o beijo e o carinho para que eles tenham o exemplo de que só o amor constrói uma vida sólida.

Cinquenta anos se passam e nos deparamos com Jack (Sean Penn), o filho mais velho, o problemático, o que desafia o pai sendo fruto desse conflito entre os progenitores. Jack tem um olhar declinante, vazio e busca um sentido para a vida em meio a turbulência dos mercados financeiros e aos prédios com seus vidros espelhados que nada refletem. A morte de um dos irmãos quando ele tinha 19 anos (provavelmente em alguma guerra), é uma marca profunda. Havia uma união inquebrantável entre eles. E no seu interior, ele vê o pai e a mãe sempre em conflito como as forças da natureza por vezes entram em choque.
Sean Penn como o Jack adulto e atormentado

A água que escorre da pia não é com a mesma naturalidade com que a que a família O’Brien se banhava no quintal em brincadeiras que ilustravam os raros momentos de felicidade em meio a tensão diária. A casa simples foi transformada num luxuoso, insipiente e vazio apartamento em que ele sequer troca olhares com a mulher que estava na sua cama. O mundo é diferente, embora a ganância seja a mesma. Lá atrás, era o que fazia o pai invejar os donos de grandes propriedades. Hoje é o que derruba os mercados. A natureza não é mais a mesma. A árvore que o jovem Jack (Hunter McCracken) subia ou equilibrava o seu balanço, hoje é, metaforicamente, a sobrevivente solitária de uma selva de pedras de uma metrópole americana.

Me arrisco a escrever que, em Malick, é essa árvore que contém a história da vida. É ela que faz a interconexão dos fatos, que une a explosão solar, os dinossauros que vivem e morrem na Terra, a família O’Brien e, por fim, Jack. Conceitualmente falando, a árvore da vida é uma tentativa de explicar que toda a vida no planeta está interconectada e que uma ação, gera reações e uma cadeia evolutiva que passa das raízes as folhas. Repare no cenário em que dois dinossauros, um maior e outro pequeno se encontram. Repare na forma como o maior segura com a pata a cabeça do menor caído indefeso num riacho e o observa fixamente. Agora compare na forma como Pitt segura seu filho mais velho pelo pescoço, ele tem aquele mesmo olhar firme, às vezes terno, às vezes cruel. É como se a vida no mundo fosse um eterno retorno. E isso é Nietzsche tentando me fazer entender Malick.

A árvore da vida conecta todas as formas de criação. Seu mito é listado desde o Egito Antigo e no Cristianismo ela representa também o amor de Deus. Na Bíblia, a citação no livro das Revelações diz que “o anjo me mostrou o rio da água da vida, claro como cristal, que sai do trono de Deus e do cordeiro no meio da rua principal da cidade. Em cada lado do rio estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês. E as folhas da árvore são para a cura das nações”.

Mas o conceito também aparece na ciência e no “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, que vê nas suas ramificações e interconexões uma forma de as espécies evoluírem porque ela “em algum grau pequeno conecta por suas afinidades dois grandes ramos da vida, e que aparentemente foi salvo da competição fatal por ter uma estação habitada protegida”.

Ao contrário de uma suposta imortalidade que uma fictícia árvore da vida poderia nos oferecer como em “A fonte da vida” (2006), de Darren Aronofsky, aqui Malick concebe a mortalidade como instrumento natural para a sequência dos acontecimentos. E fica claro também o quanto ele questiona esse poder divino que tanto se atribui questionando os motivos pela morte de alguém bom e inocente como um dos irmãos O’Brien. A mãe questiona, Jack questiona e pede ainda a eliminação do próprio pai, com quem no início de sua adolescência entra muitas vezes em conflito, mas acabará percebendo que ele o ama da sua forma bem particular. E o momento é do tiro iconoclasta de Malick sobre esse poder superior.

Não há conclusões em “A árvore da vida”, com seu enredo que tem passagens que lembram “2001, uma odisséia no espaço” (1968), de Stanley Kubrick. É uma reflexão existencialista e talvez aqui Malick tente dizer que está um tanto pessimista quanto à humanidade. Ou talvez eu tenha viajado demais.

Seja como for, “A árvore da vida” é uma obra-prima do diretor. Polêmica, difícil, complexa, desafiadora a quem vai ao cinema, mas fantasticamente bem concebida pelo recluso Malick, um cineasta que, agora sim, começo a achar interessante.