quinta-feira, 9 de março de 2023

Comentários e o ranking do Oscar – 2023


A inflação da guerra está galopante, anda sendo mais fácil ganhar na Euromilhões do que encontrar uma casa para morar, MAS o que não pode faltar todo ano é a análise final, definitiva e implacável do Oscar. A cerimônia é no próximo domingo, em Los Angeles. Enquanto não chega o meu pijama de gala encomendado na Versace para acompanhar a festa madrugada adentro, vamos ao que interessa: a análise MINUCIOSA de cada categoria.

Não há nada de novo no front (tum dum tsss) da Academia neste ano. Tem o filme de guerra, tem o filme autobiográfico, tem a homenagem ao cinema, tem o blockbuster para fazer o otário ver a cerimônia mesmo sabendo que o filme não vai ganhar nada, tem os filmes-sacrifício (olha como ele imita bem o Elvis, olha a quantidade de prótese que ele usou para fazer um obeso!), tem a cota índie, tem a crítica social foda, tem um monte de daddy e mommy issues. Talvez a coisa mais nova seja um filme sobre o multiverso, mas que não é da Marvel (por que choras?).

Quando os indicados saíram, houve quem dissesse que era a pior safra dos últimos anos. É coisa de quem não lembra que “Titanic”, “Crash” e “Spotlight” já ganharam um Oscar de melhor filme. É coisa de quem não lembra que AQUELE “Esquadrão Suicida” tem um Oscar e que “Bohemian Rhapsody”, o filme mais mal montado do universo tem um Oscar de MONTAGEM. Todavia, podemos comprovar por dados estatísticos como a safra é semelhante a outros anos. De acordo com o instituto CornetaStats, a nota média dos indicados a melhor filme deste ano é de 7,75. Isso é 0,35 acima da safra 2022, mas, claro, ainda longe dos 8,12 de média da safra 2021. Portanto, o índice “Spotlight” de potencial tragédia mantem-se preocupante, mas estável por mais um ano.

Contudo, deixemos de conversinhas. Vamos aos meus queridinhos e os meus odiados da lista deste ano (Alô Academia, computa os meus votos! Eu vejo mais filmes que muita gente que têm cédula para votar).

FILME – O apoio incontestável da Corneta neste ano é quase um momento de reconciliação. Há muito tempo eu não via um filme tão espetacular e tão bonito de Steven Spielberg quanto “Os Fabelmans”. Ele ainda teve a covardia de me colocar o David Lynch para uma participação especial. Aí é crueldade. Portanto, a sua ficção com tintas autobiográficas é o meu queridinho deste ano.

Claro que não seria nada mal se ganhasse “Os Banshees de Inisherin”, “Nada de novo no front” ou “Tár”. Eu também ia adorar uma certa dose de ousadia, por diferentes motivos, caso o vencedor fosse “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, “Top Gun: Maverick”, “Triângulo da Tristeza” ou “Entre mulheres”. Agora, o que não pode acontecer é o careca dourado parar nas mãos azuis de “Avatar: o caminho da água” ou nos quadris rebolantes de “Elvis”, os candidatos a “Crash” deste ano. Ou seja, o Oscar tem 20% de chance de dar errado.

ATOR – Eu sei que Brendan Fraser (“A Baleia”) é barbada. Para completar, ele tem dois indicadores do bingo do sacrifício que o Oscar adora: seu filme é uma espécie de comeback da sua carreira e ele usou próteses pesadas para mudar a aparência. Fraser merece, mas se eu votasse eu daria o meu careca dourado para Paul Mescal, cujo “Aftersun” merecia estar concorrendo, inclusive, na categoria principal. Colin Farrell (“Os Banshees de Inisherin”) levaria a minha medalha de bronze.

ATRIZ – Minha grande pergunta nesta categoria é: o que faz Ana de Armas aqui? Nada contra ela, mas tudo contra “Blonde” e um trabalho que não é exatamente top. Com exceção dela, todas as outras quatro estão ótimas e é muito difícil escolher. Diz a lenda que Michelle Yeoh (“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”) é favorita e até seria merecido o seu Oscar, mas a minha preferida ainda é Cate Blanchett porque seu trabalho em “Tár” é fenomenal. Minha medalha de bronze aqui vai para Michelle Williams (“Os Fabelmans”).

DIRETOR – Steven Spielberg (“Os Fabelmans”) é disparado o meu favorito, mas ficaria satisfeito se Todd Field (“Tár”) ou Martin McDonagh (“Os Banshees de Inisherin”) levassem o Oscar.

ATRIZ COADJUVANTE – Nesta categoria, pouco se fala de Kerry Condon, mas ela é a minha favorita de todas. A sua personagem é uma das mais interessantes e uma espécie de voz da consciência e que deseja fugir de uma vida em que não se encaixa em nada “Os Banshees de Inisherin”.

ATOR COADJUVANTE – A participação de Judd Hirsch em “Os Fabelmans” é pequena, mas muito boa e marcante. Porém, aqui eu fico com o Brendan Gleeson por “Os Banshees de Inisherin”.

ROTEIRO ADAPTADO – A lista deste ano me pareceu um pouco preguiçosa. “Nada de novo no front”, “Glass Onion”, “Living” e “Top Gun: Maverick” (minha maior estranheza entre os cinco) são basicamente adaptados ou baseados em filmes anteriores. E não trazem exatamente nada de novo ou imperdível. Portanto, para valorizar a literatura o meu voto vai para “Entre mulheres”.

ROTEIRO ORIGINAL – Gosto muito de todos os cinco indicados, mas como não posso ficar em cima do muro vou votar em “Tár” pela forma como ele me enganou me fazendo acreditar que aquilo era uma cinebiografia real. “Os Banshees de Inisherin” e “Os Fabelmans” completaria o meu pódio imaginário.

FILME INTERNACIONAL – Adoro quatro dos cinco indicados: “Nada de novo no front”, “Argentina, 1985”, “Close” e “The Quiet Girl”. Não entendo o hype de “Eo”. Como eu tenho que escolher um, ficaria com o belga “Close”.

ANIMAÇÃO – Nunca vou entender o que se viu tanto no “Pinóquio” do Del Toro, mas parece que é um dos favoritos. Uma pena, porque a melhor animação disparada é “Marcel the Shell with Shoes On”. Logo abaixo, com a minha medalha de prata, fica “Red: Crescer é uma fera”. O resto é esquecível.

DOCUMENTÁRIO – Eu queria que “Navalny” ganhasse porque foi o que mais me surpreendeu entre os cinco indicados. Meu segundo favorito é “All the Beauty and the Bloodshed”, seguido da bela e trágica história de “Vulcões: A tragédia de Katia e Maurice Krafft”.

Agora vamos dar uma de gato-mestre nas categorias técnicas.

FOTOGRAFIA – “Império da Luz”, com “Nada de novo no front” e “Tár” logo atrás na minha lista de preferências.

MONTAGEM – “Tár” é disparada a minha montagem favorita. Foi das coisas que mais me chamou a atenção no filme.

TRILHA SONORA – Entre os cinco indicados, a minha favorita é a de “Nada de novo no front”.

FIGURINO – “Babilônia”, com “Pantera negra: Wakanda para sempre” ali na medalha de prata.

DIREÇÃO DE ARTE – “Nada de novo no front” é o meu favorito aqui, seguido de “Babilônia”.

CANÇÃO ORIGINAL – A minha favorita inicialmente era “Lift me up”, da Rihanna, do filme “Pantera Negra: Wakanda para sempre”. Aí eu fui ouvir de novo as cinco canções. Quando eu cheguei em “Hold my Hand”, da Lady Gaga, eu senti um imediato desejo de pegar óculos escuros Rayban e jaqueta de couro preta, sair de moto por aí sem capacete e com o pôr-do-sol ao fundo e me alistar na marinha americana para pilotar caças. Não é possível ficar contra “Top Gun: Maverick”.

EFEITOS VISUAIS – É provável que “Avatar” ganhe um Oscar aqui, mas eu não vou votar em filme meia-boca. Meu voto aqui é para “Nada de novo no front”, mas ficaria feliz se “Top Gun: Maverick” ganhasse aqui.

MAQUIAGEM E CABELO – “Elvis” e “A Baleia” podem chamar mais atenção, mas eu daria facilmente o meu voto para “Pantera Negra: Wakanda para sempre” nesta categoria.

SOM – “Top Gun: Maverick” e “Nada de novo no front” são os meus favoritos e ficaria satisfeito se um dos dois ganhasse.

Dito isso, assim ficaram distribuídos os carecas dourados da Corneta:

3 carecas – “Tár” e “Nada de novo no front”.

2 carecas – “Os Fabelmans”, “Os Banshees de Inisherin” e “Top Gun: Maverick”.

1 careca – “Aftersun”, “Entre mulheres”, “Close”, “Marcel The Shell with Shoes on”, “Navalny”, “Império da luz”, “Babilônia” e “Pantera Negra: Wakanda para sempre”.

Para finalizar, vamos ao RANKING do Oscar:

1- “Aftersun”

2- “Os Fabelmans”

3- “Tár”

4- “Os Banshees de Inisherin”

(Os filmes acima estão classificados para a Copa Libertadores)

5- “Close”

6- “The Quiet Girl”

7- “Triângulo da Tristeza”

8- “The Batman”

9- “Top Gun: Maverick”

10- “Nada de novo no front”

11- “Navalny”

12- “Entre mulheres”

(Os filmes acima estão classificados para a Copa Sul-Americana)

13- “To Leslie”

14- “Babilônia”

15- “Bardo: falsa crônica de algumas verdades”

16- “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”

17- “Argentina, 1985”

18- “A Baleia”

19- “Império da Luz”

20- “Viver”

21- “Marcel The Shell with Shoes On”

22- “All the Beauty and the Bloodshed”

23- “Red: Crescer é uma fera”

24- “Vulcões: a tragédia de Katia e Maurice Krafft”

25- “RRR: Revolta Rebelião Revolução”

26- “Pantera Negra: Wakanda para sempre”

27- “Sra. Harris vai a Paris”

28- “A house made of splinters”

29- “Glass Onion: um mistério Knives Out”

30- “Avatar: o caminho da água”

31- “Passagem”

32- “Elvis”

33- “Tell it like a Woman”

34- “A fera do mar”

35- “EO”

(Os filmes abaixo foram rebaixados para a segunda divisão)

36- “Pinóquio de Guillermo del Toro”

37- “Gato de Botas 2: o último pedido”

38- “Tudo o que respira”

39- “Blonde”

segunda-feira, 6 de março de 2023

“A Baleia”: o brilho de Fraser num filme de Aronofsky que não sai do lugar comum

A fé tem sido uma reflexão constante na recente filmografia de Darren Aronofsky. Desde o fraco “Noé” (2014), passando por “Mãe!” (2017) e chegando até ao seu mais recente trabalho, “A Baleia”, Aronofsky vem se dedicando a questionar os fundamentos do divino, as contradições da religião e a ideia de redenção até certo ponto também tocada em “A Fonte da Vida” (2006). Se seus dois trabalhos anteriores eram mais diretos em retratar passagens bíblicas, especialmente a forma mordaz e provocadora de “Mãe!”, que tanta controvérsia causou quando do seu lançamento, “A Baleia” busca menos o choque pelo que se vê e mais em desenterrar as contradições do discurso religioso.

Calcado na magistral interpretação de Brendan Fraser, “A Baleia” porém, não vai muito fundo em algumas de suas propostas. Se Fraser merece todos os elogios e prêmios pelo seu trabalho de fato acima da média dentro da sua carreira de altos e baixos, Aronofsky fez um dos filmes menos interessantes de sua rica filmografia formada por ótimos trabalhos como “Pi” (1998), “Réquiem para um sonho” (2000), o já citado “Fonte da vida” (2006), “O Lutador” (2008) e “Cisne Negro” (2010).

Passado quase que integralmente num único cenário, “A Baleia” conta a história de um professor de inglês recluso que vive com obesidade mórbida e, no que parece ser a reta final de sua vida, tenta se reconectar com a sua filha. A ideia de busca de uma redenção quase bíblica está em toda a história de seu protagonista, que deseja que ao menos uma coisa em sua vida, vista por ele como sacrificante, tenha dado certo antes de ele partir.

Charlie (Brendan Fraser) é orbitado por Liz (Hong Chau), a enfermeira que cuida dele e insiste que ele vá para um hospital, pelo jovem religioso Thomas (Ty Simpkins) e pela sua filha, Ellie (Sadie Sink). É curioso aqui traçar um certo paralelo com a tríade católica do pai, filho e espírito santo. Liz faz o papel da cuidadora, que busca o bem de Charlie e acha que a presença de Thomas e Ellie não é boa para ele. Thomas, por sua vez, quer cuidar da redenção espiritual do professor – e mais à frente vamos descobrir também da sua necessidade de redenção particular -, enquanto Ellie vive entre a raiva do pai ausente e o desejo profundo, mas só estabelecido nas nuances da interpretação de Sink, de viver e recuperar os momentos com o pai perdidos na poeira do tempo.

Tudo o que os conecta é um texto diversas vezes repetido ao longo do filme. Uma redação sobre “Moby Dick”, livro publicado por Herman Melville em 1851. Essa redação que tanto acalma Charlie em seus momentos de dor é como um placebo . É a sua Ave Maria, o seu Pai Nosso literário que o mantém vivo e esperançoso naquela que se encaminha para ser a sua última semana de vida.

Aos poucos vamos entendendo a importância daquele texto para Charlie e Ellie e da própria busca por uma luz redentora numa análise que não tem nada de sagrada, mas é rica em autenticidade. E talvez está seja a crítica mais severa e interessante de Aronofsky no filme. Enquanto a fé repete jargões como as falas robóticas de Thomas, a pureza real e o poder, digamos, divino está na autenticidade das palavras ricas em sinceridade.

Apesar dos severos problemas de saúde e a vida sofrida pela perda do namorado, Charlie ainda encontra no fundo da alma espaço para encontrar a bondade nas pequenas coisas da vida. Um otimismo que tanto irrita a sua ex-mulher, mas que faz falta na vida dela, tão focada nos dramas e tristezas da realidade.

O tema de “A Baleia” gira em torno de redenção. E é curioso como para chegar a esta redenção, seu protagonista precisa passar por toda uma via-crucis de dor e angústia. E também trilhar o caminho da abnegação, uma vez que o sacrifício é quase uma fetichização dentro do catolicismo. Não por acaso, em quase todo o filme chove torrencialmente. É curioso como a chuva, especialmente o barulho da chuva, é a trilha sonora para a confusão, caos e tristeza do seu protagonista. E quando surgem a luz e o sol é onde Charlie encontra a paz de espírito, uma pureza divina e única.

O filme, porém, se perde um pouco nos diálogos e nos conflitos entre fé e ceticismo que não saem do lugar comum. Thomas é o católico fervoroso que acredita ter um propósito divino e deseja salvar a alma de Charlie. Todavia, a salvação para Thomas passa pela negação do que Charlie tinha de mais puro: o amor por Alan, o namorado falecido. Liz, Ellie e o próprio Charlie são os contrapontos do discurso de Thomas em diferentes momentos do filme. Não sei se a peça de Samuel D. Hunter, também roteirista do filme, aprofunda mais este tema, mas o roteiro do filme parece navegar em águas por demais rasas em boa parte do seu tempo. O que contrasta com o peso dramático que Fraser impõe ao filme. Peso este muito bem acompanhado pela jovem Sink, que já havia aparecido muito bem na recente temporada de “Stranger Things” e aqui também apresenta um trabalho muito consistente como uma jovem raivosa que foi abandonada pelo pai e convive com uma mãe alcoólatra.

Falta em “A Baleia” um aprofundamento de suas ideias, uma sacada de roteiro que o tirasse da zona de conforto do drama convencional.

É claro que Fraser está excelente e segura todo o interesse que o filme traz. Ele teve toda a inspiração que de alguma forma faltou em Aronofsky ao lapidar a peça de Hunter. Perto de seus outros trabalhos e de sua rica filmografia, “A Baleia” encalhou no meio do caminho. Ainda que mesmo assim seja um filme acima da média.

Nota 7,5.