segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Manchester cruel

Que roubada que eu me meti
Até pintarem os indicados ao Oscar deste ano, Casey Affleck tinha uma indicação ao careca dourado. Era pelo assassino de Jesse James em "O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford" (2007). Tanto lá como em "Manchester à Beira-Mar" ele fazia um tipo que quase o tempo todo na tela tinha uma cara de cachorro abandonado. Deve ser uma especialidade da casa. 

Fato é que, tal qual o irmão Ben Affleck, Casey não é dotado exatamente de um talento incrível para a interpretação. Mas ele achou um nicho entre os atores que fazem cara de cachorro abandonado. E, de vez em quando, acha um personagem ideal para ele.

Lee Chandler é um deles. Lee é um zelador que vive em Boston tirando a neve do prédio em que trabalha e limpando vasos sanitários. Leva a vida de forma pacata e discreta. Quase grita: não me notem! Uma pessoa bem diferente do seu irmão, Joe Chandler (Kyle Chandler), cidadão que parece ter se dado melhor na vida, mas tem um grave problema de saúde. Um dia Joe bate as botas, vai para o paraíso, desencarna, segura na mão de Deus e vai, e deixa um pepino para Lee. Ele tem que ser o tutor do seu filho, Patrick (Lucas Hedges). 

Lee pensa: "Não quero essa roubada! Adoro meu sobrinho como sobrinho. Não quero meu sobrinho como filho". Aí começa realmente o filme. Antes disso, eu dei até uma bocejada. 

Lee não tem nada contra o jovem adolescente. O que ele não quer é ter que voltar para a pequena cidade de Manchester. Por que, você, leitor da Corneta, perguntaria? Porque essa Manchester tem sido mais cruel com Lee do que a Manchester inglesa com o Guardiola. 

Digamos que o mapa astral da cidade não bate com o de Lee. E isso causou um mercúrio retrógrado feroz na vida do rapaz. Tudo de ruim aconteceu com ele como se todo o período em que viveu na cidade fosse um grande ano de 2016. E vamos descobrindo toda essa história em flashbacks marotos preparados pelo diretor Kenneth Lonergan.

Tipo assim, não dá para ficar nessa cidade. A solução é levar o garoto para morar com ele em Boston. O problema é que Patrick é adolescente. Bate o pé e diz que não dá. Ele tem tudo em Manchester. Leia-se como tudo uma banda de rock ruim e duas namoradas (isso é MUITO ERRADO, Patrick! Ai, ai, ai). Você vê aquilo e só pensa que quando ele tiver 18 anos tudo o que vai querer é sair daquela cidade que não tem nada para fazer para uma faculdade maneira de Boston e conhecer o Tom Brady. Adolescentes...

O filme todo se desenvolve nesse dilema, nesse "vou/não vou" que corrói Lee e amplifica a sua cara de cachorro abandonado. Para piorar, o cara ainda esbarra com a ex. Tudo bem que a cidade é um ovo, mas a Lei de Murphy é implacável. Principalmente com os losers. Pior que a ex fica chorando, dizendo que não é bem assim e pedindo uma segunda chance mesmo estando em outro relacionamento e com um bebê no carrinho. Se fosse o Patrick pegava, mas Lee não quer saber disso. Bom, por causa dessa cena muito boa mais pelo não dito e pela força e a mágoa que os dois passam que Michelle Williams conseguiu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante. Aliás, essa coisa de tentar expressar o que não é dito é uma característica bem interessante do filme.

E assim prossegue "Manchester à beira-mar". Um bom filme (um bom de boca vazia, não um bom de boca cheia de farofa), mas nada que você nunca tenha visto antes. Assim, o filme ganhará uma nota 6,5.

Indicações ao careca dourado: filme, ator (Casey Affleck), ator coadjuvante (Lucas Hedges), atriz coadjuvante (Michelle Williams), direção e roteiro (ambos para Kenneth Lonergan). 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Minas Facts - parte II

O belo cânion de Capitólio, onde as pessoas podem passear de barco e nadar/ Marcelo Alves
Depois da parte I do "Minas Facts", chegou a hora da Corneta Travel and Adventures divulgar a parte II desta viagem pela Minas PROFUNDA. Sem mais delongas, vamos às impressões malemolentes de Capitólio e adjacências

1- Capitólio, vocês sabem, é uma civilização avançada no meio do nada na Minas profunda. Mal comparando, é uma espécie de Atlântida mineira. 

2- É em Capitólio que você melhor aproveita o chamado MAR DE MINAS. Sim, gente, eu não estou bêbado. Minas tem mar. Cortesia do incomensurável (até eu pesquisar o tamanho) lago criado a partir do Rio Grande pela usina hidrelétrica de Furnas. 

3- Aliás, é na região que você tem a chance de ver a imponência e a agressividade de uma hidrelétrica. É simplesmente impressionante. Mas não visite a área se tiver marca-passo. Não me pergunte o motivo. Estava escrito lá. 

4- "É tão lindo, gente. É uma coisa de Deus mesmo", disse uma jovem perto de mim diante da beleza do lago entre as montanhas. Fiquei com vontade de dizer que não era coisa de Deus, mas de uma empresa, mas não quis cortar o barato dela. 

5- Tal qual lugares de praia europeus, Capitólio oferece passeios de barco pelo lago. É quando você tem a oportunidade do conhecer um CÂNION. E nadar naquela água verde cristalina em uma temperatura para lá de agradável. 

6- Como nem tudo são flores, esses passeios podem ser muito mal frequentados por uma geração de jovens farofeiros que ficam ouvindo música alta, fazendo arruaça e rebolando em cima de barcos. Por comportamentos assim que os tucanos se afastaram do vale deles, o vale que era o habitat destes pobres animais. Agora, os únicos tucanos que frequentam a área são os da espécie politicus brasilianis.

7- Mas nada foi mais ostentação, ousadia e alegria do que ter visto um casal tomando champagne na cachoeira do cânion. 

8- Falar em ostentação, é falar de uma descoberta impressionante desta viagem. No trajeto pela Minas profunda, vimos áreas pobres, humildes, de classe média. Tudo normal deste Brasil que conhecemos. Mas não estava preparado para um enorme bairro/condomínio de milionários encravado em Capitólio. Chama-se Escarpas do Lago e tem certamente um dos maiores PIBs do Brasil.  São mansões com até seis carros na garagem (Porsches, Audis, Mercedes, etc...), jet skis e lanchas particulares e até áreas para o pouso de helicópteros! (Quando você já não tem um helicóptero simplesmente estacionado no jardim). Eu nunca pisei num lugar cujos contracheques fossem com tantas fileiras de números. 

9- Como dinheiro não compra classe, eu vi um jardim com uma enorme estátua de um leão rugindo. Óbvio que tem gente brega na área. 

10- Precisamos falar sobre as rádios do interior de Minas. Amigo, elas só tocam sertanejo universitário. O tempo todo é o único ritmo, aquele balanço de dor de corno e rimas épicas como a de um cantor que tinha uma música cujo refrão rimava NÉ com QUER e com É. Outra canção rimava BUMBUM com HUM-HUM. (É sério!)

11- Diante desse monopólio rítmico, fui fazer uma investigação antropológica para entender os motivos do sucesso presenciado nas ruas e estradas do interior mineiro. Fui para uma festa de réveillon com um show de sertanejo universitário que aconteceria na pacata cidade de Pimhui (NOVE minutos de fogos #ChupaCopacabana). Fiquei impactado com este mundo paralelo do Brasil profundo, com um povo que conhece todas as letras dos grupos e LOUVA a sofrência com uma emoção daquelas de jogar as mãos para o alto e declamar com os olhinhos fechados. E eu não sabia sequer da existência da dupla em questão. 

12- Mas o que é o sertanejo universitário? Basicamente um ritmo em que as pessoas dançam flexionando os joelhos em 17 graus em dois tempos para cima e dois tempos para baixo, dois tempos para um lado e dois tempos para o outro. Tem aquela levada pop e um número limitado de acordes. Salvo os momentos em que o guitarrista fazia um solinho que surgia meio fora de esquadro no contexto do show, acho que até eu poderia me arriscar como guitar hero de dupla sertaneja. E parece que isso dá dinheiro. 

13- Linguiça parece ser um negócio que mineiro adora. Em todo lugar na estrada você encontra o pão com linguiça (ou melhor, linguiças), todo restaurante tem linguiça e eu vi até uma oferta de pão de queijo com linguiça! Infelizmente, não experimentei. Afinal, pão de queijo tem muita imprensa. Sempre preferi broinha.

14- McDonald's? Lojas Americanas? São lendas em Capitólio. Assim como edifícios e táxis. Isso só existe em novela da Globo.

15- A região tem uma série de trilhas que levam para cachoeiras. Umas bonitas, outras com gente farofeira. É preciso escolher bem para não cair no conto do povão com churrasquinho e Skol litrão. A "Trilha do Sol", por exemplo, é maravilhosa e tem cachoeiras bonitas que surgem após caminhadas por lugares também bonitos. Segundo melhor lugar de Capitólio.

16- Mas é claro que você paga para entrar nas melhores cachoeiras. Não existe banho grátis, amigo.

17- A região não é muito pedestre friendly. Os passeios são distantes. Juntando isso com a cultura rodoviária do Brasil, que não tem trem, nem serviços de ônibus satisfatórios, torna desafiador visitar a cidade sem carro. O que é uma pena. 

18- Capitólio também mostrou ainda não estar 100% preparada para o turismo. Algumas coisas deixam a desejar, como o quesito hospedagem. Falo não apenas pela experiência própria, como pelas críticas que li (e não acreditava até ver de perto) quando procurava lugar para ficar. 

19- Cotação da Corneta
Voltaria para Capitólio? Com certeza. O lugar é bonito e ainda há algumas cachoeiras a explorar. 
Moraria em Capitólio? Não. Nem se eu tivesse dinheiro para viver na Escarpas do Lago. Até porque, se eu tivesse dinheiro para viver na Escarpas do Lago eu viveria em Mônaco. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Dançando e cantando

Se ela dança, eu danço
Damien Chazelle tem a receita ideal para aqueles que ficam irritados no engarrafamento. Por que não sair dos carros cantando, dançando e fazendo um le parkour básico? Imagine você naquele engarrafamento gostoso indo para Búzios passar o carnaval. Tudo parado. Você vai levar seis horas para chegar naquela casa de praia que alugou para 18 pessoas. Por que não sair do carro e cantar... "Dancing Queen", por exemplo? Ou "Another day of sun", que foi a escolha de Chazelle. Talvez a sua jornada fosse menos estressante. 

Pois "La La Land" começa exatamente dessa maneira surreal. Ou seja, logo de cara, você sabe que é um musical. É como se o diretor desse um recado: fique no cinema ou corra que ainda dá tempo de pegar aquele filme iraniano premiado no festival de não sei onde na outra sala. 

Aqueles que torcem o nariz para musicais (Nunca vou entender alguém que começa a cantar e dançar enquanto lava os pratos ou bebe um cafezinho) são logo impactados por essa cena. Muito bonita, por sinal. E agora? A gente fica ou vai embora para ver no que vai dar? Bom, logo o filme vai engrenar na história. 

E sobre o que é "La La Land"? Sobre sonhos, sobre fazer o que se ama, sobre frustrações, evidentemente, e sobre Hollywood. O filme de Chazelle é uma grande ode à Meca do cinema e à Los Angeles, a cidade que é a capital dessa fábrica de fantasias. "La La Land" é Hollywood homenageando a si mesma e seus filmes dos tempos românticos em que se amarrava cachorro com linguiça. Você pensa que eu não percebi aquela agarradinha no poste estilo "Cantando na chuva", Ryan Gosling? Eu vi! 

São muitas citações aqui e ali a clássicos do cinema. Tem "Casablanca" (1942), "Juventude Transviada" (1955), diversos filmes de Fred Astaire e tem até uma citação aos filmes de Jean-Luc Godard (Não me venham dizer que não se falava dele ao comentarem de um filme que seria rodado em Paris e não teria roteiro. Claramente, foi uma alfinetada). E uma amiga até lembrou que rola uma cota pessoal do Chazelle falando de "The Wonders". 

Dentro dessa máquina de beleza do mundo encantado de Hollywood, o filme conta a história de amor dos jovens sonhadores Sebastian (Ryan Gosling) e Mia (Emma Watson). Entre idas e vindas da vida, primeiro eles se odeiam, depois  eles se aturam, então ela o sacaneia (pedir para tocar "I Ran" na pool party depois de "Take on me" é esculacho), mas aí tem aquele cair de tarde, aquele céu bonito, aquela DANCINHA, aquele SAPATEADO. Rola um clima. 

Seria questão de tempo para Sebastian mandar um "How you doing?" para ela. Foi o que ele fez. E chamou logo para um date para não se arrepender. Afinal, não existem muitas mulheres fofas de língua presa por aí.

Tanto Sebastian quanto Mia são dois jovens batalhando por um lugar ao sol e uma sombra na barraca da praia de Hollywood. Seb é um músico que quer ter o próprio clube de jazz, o ritmo que ele define como sendo conflito e diálogo e pelo qual ele é apaixonado. Seu sonho é devolver o seu amado clube aos bons tempos do jazz. Hoje, o local só quer saber de tocar samba, o que o revolta. Super te entendo, Sebastian. Ninguém merece samba. 

Já Mia quer ser uma atriz famosa feito as grandes musas do cinema. Tipo Scarlett Johansson. Para isso, ela investe pesado em inúmeros testes de elenco. Mas não é fácil, meus amigos. São muitos tiros na água até acertar um navio na batalha naval da vida. 

Por outro lado, o amor está ali, vivo, PULSANTE, atravessando a primavera, o verão, rateando no outono e chegando a mais um inverno. Tem toda essa coisa meio Vivaldi do Chazelle. O amor constrói e ajuda a superar as dificuldades. 

Mas e os números musicais? Peraí, que números? A gente mal percebe. Primeiramente, fora.... não, peraí, o que eu ia dizer é que, primeiramente, o grande mérito desde pequeno notável que começa a nascer em Hollywood é a parcimônia. As musicas estão ali a serviço da história (acredite, nem sempre é assim. Veja "Caminhos da floresta", por exemplo). Por isso, "La La Land" tem apenas cinco números. Sendo que dois deles nem usam daquela ideia que eu tinha de musicais em que você sai cantando enquanto compra queijo minas e pão integral no mercado. Poderiam ser realmente momentos da vida em que você canta. Sabe aquele momento na orla, aquele sunset laranja e "City of stars" lhe vem à mente? Mas também poderia ser "Roots bloody roots". O importante é cantar. 

É claro que o filme é TODO musicado (é um musical, gente. Mas eu estou sobrevivendo). Mas grande parte da trilha sonora é instrumental. E entra junto da história, ajuda a contá-la e flui maravilhosamente bem. Recurso semelhante foi usado pelo diretor no maravilhoso "Whiplash" (2015). Num musical propriamente dito como neste novo trabalho de Chazelle foi o que no golfe se chama de um hole-in-one. Ou seja, uma tacada perfeita. 

Junte tudo isso com as boas canções do filme e temos uma fórmula que o Globo de Ouro considerou imbatível. Tanto que o filme de Chazelle levou sete prêmios. Fará o mesmo no Oscar? Não sei. Mas Hollywood adora falar de si mesma. Ainda mais desse jeito combinando modernidade e nostalgia, usando IPhone e dançando como Ginger Rogers. 

"La La Land", portanto, é um filme gostoso de se ver e quase impossível de se implicar. Eu bem que tentei, fui com extrema má vontade, mas seus defeitos o fizeram perder poucos pontos na avaliação final e soaria como picuinha se todos fossem citados nesse textão. E ainda tem um bom desfecho, um desfecho adulto e zero padrão Disney encantada. Assim, o filme de Chazelle ganhará uma nota 8. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Minas facts - parte I

Uma das belas igrejas de São João/Marcelo Alves
A Corneta Travel and Adventures, divisão de viagens do mega conglomerado da  Corneta Enterprises, está de volta com uma INCURSÃO em solo mineiro. Em uma semana viajando pelos RINCÕES do estado de Aécio Neves e Jota Quest,  vimos muita coisa digna de ser registrada em comentários CARICATURAIS e malemolentes. 

Sem mais delongas vamos ao primeiro textão dessa jornada do pão de queijo. 

SÃO JOÃO DEL REI

1- A primeira impressão não foi das mais positivas. Em uma caminhada pelo calçadão onde homens e mulheres das mais variadas idades fazem cooper, relatos de horror: 

- O que ele ia fazer? O cara estava armado - disse um cidadão. 

- Mas por que alguém iria assaltar aquela farmácia? - comentava outro. 

Um crime acabara de acontecer naquela que acreditávamos ser a pacata São João del Rei. 

2- Achar um mapa da cidade foi um desafio de Hércules. No hotel não tinha, no primeiro lugar que nos indicaram, um CORETO numa pracinha, também não. Aliás, o coreto estava bem bagunçado (tum dum tsssss). Depois de muito caminhar e ver a cidade quase toda, encontramos um mapa. Uma impressão em A4 em preto e branco que confirmava que já tínhamos visto tudo na cidade. 

3- GELAPAPO é o sorvete da cidade. Um Kibon sem grife. E não vale a pena. Também rola na área um tal de Ituzinho, espécie de sacolé turbinado. Não experimentei, visto que era do mesmo fabricante do Gelapapo. 

4- Faz calor em São João del Rei, calor de verão igual a qualquer lugar. Mas ar condicionado é um mito na cidade. Só encontramos numa agência do Itaú, que deve usar dos mesmos padrões para todas as agências deste Brasil. 

5- Os hits de São João del Rei são pastelarias e casas lotéricas. É igual farmácia no Hell de Janeiro. Você esbarra facilmente em uma delas. Fiz até uma fezinha na Mega da Virada. Afinal, esses prêmios sempre saem para o interior do Brasil. Mas infelizmente não rolou para mim e tive que voltar ao trabalho. 

6- Agora, encontrar um restaurante na região é tão desafiador quanto achar um político honesto. 

7- E se a gente comesse uma pizza? Boa ideia. Paramos na primeira e achamos estranho não ter mesa para sentar. Tudo bem, levamos para o hotel. Mas não tinha um forno à vista. Foi quando descobrimos que a pizzaria só fazia a pizza. Assar? Aí já era tarefa do cliente na sua casa. 

8- Netflix deve ser bombante em São João del Rei. Não vi um cinema na área. Mas achei uma LOCADORA. Para os jovens, antigamente nós íamos à locadora alugar filmes ou fitas de videogame para assistir/jogar. Eram tempos selvagens. Não podíamos ter o que queríamos na hora que queríamos como hoje. Mas havia promoções interessantes em feriados como carnaval e Semana Santa. 

O centro histórico é pequeno, mas bonito/Marcelo Alves
10- Até achar o centro histórico estava achando a cidade uma São Gonçalo com grife. Aí a área histórica deu uma nova impressão. Mas quando eu menos esperava, já tinha saído do centro histórico. 

11- As Igrejas são realmente muito bonitas. Aliás, o turismo sacro é o que há na região. 

12- Uma questão tomava a minha alma diante da falta de atrações na região, além da hamburgueria VAGÃO, que serve hambúrguer com milho: o que fazem os jovens da cidade? Como vivem? Como se reproduzem? Diante destes questionamentos fui para a night de São João del Rei e encontrei uma espécie de Baixo Gávea local com incríveis cinco bares/restaurantes (provavelmente 95% do que existe na cidade) onde toda a juventude local se reúne para conversar, AZARAR, e exibir os seus carrões com som potente tocando funk bem alto. Que experiência antropológica. 

13- Esse sotaque mineiro é maravilhoso. Para mim, sempre foi medalha de bronze mundial, só perdendo para o britânico e o gaúcho. Embora eu tenha um carinho especial pelos sotaques de todos os povos do Nordeste. 

14- A noção de distância mineira também é inigualável. Aquela igreja que fica ali a duas quadras é "lá longe e fica em outro bairro". Mas para chegar ao centro histórico você anda "menos de 1km", o que não era verdade. 

15- E a educação e simpatia nos lugares para comer?  Sempre um bom atendimento mesmo quando a comida demora horas para chegar. Tudo só comprovando o quanto o Rio é muito ruim em serviços. 

16-
Cotação da Corneta: 

Voltaria a São João del Rei? Acho que não. A cidade não tem lá muitos atrativos interessantes. Mas até toparia voltar com alguém que estivesse viajando comigo e quisesse conhecer assim mesmo. 

Moraria em São João del Rei? Definitivamente não. Como eu ia viver sem cinema e sem saída para o mar? Dá para ficar sem um destes itens. Sem os dois, é complicado. 
Ruas simpáticas e belas igrejas em Tiradentes/Marcelo Alves


TIRADENTES

1 - Tiradentes, vocês sabem, tem esse nome por conta do Inconfidente mais pop de todos, espécie de Justin Bieber mineiro. Os Inconfidentes eram tipo uma boy band iluminista que queria fazer uma revolução na região lá pelo século XVIII. Mas diferenças musicais no grupo e traições acabaram sufocando o movimento.  

2- Você conhece Tiradentes como aquela imagem clássica parecendo um Jesus Cristo superstar, mas no Largo do Sol há uma estátua dele arrumado para festa com umas vestes meio Saint-Laurent, meio Givenchy, que fará o mito cair. Ou naquele dia ele ia para a festa de réveillon animada em São João del Rei. 

3- Igrejas, Igrejas e mais Igrejas.... mas vamos destacar duas: a da Matriz, que tem um cemitério em anexo e outros corpos enterrados dentro dela (parece que pagava-se caro por isso) e a do Rosário, que foi construída por escravos que não tinham o direito de frequentar as outras igrejas e resolveram então fazer a deles escondidos dos senhores de engenho. 

4- Tiradentes é bonitinha com suas casinhas, suas ladeirinhas, seu comércio fofinho e todos os diminutivos que você puder usar para simpatizar com a cidade. 

A cachoeira do Mangue em Tiradentes/Marcelo Alves
5- E tem cachoeiras. Mas há cachoeiras e cachoeiras. E para vocês terem uma ideia que não podemos julgar ninguém pelo nome aí vai um exemplo. A cachoeira do BOM DESPACHO parece simpática, mas é uma droga. Fica na Estrada Real, mas não rola aquela HARMONIA com a natureza. Tudo fruto do funkão que come solto. Já a cachoeira do MANGUE é tranquila, simpática, na paz e tem aquela água maravilhosa que podemos ouvir batendo nas pedras de forma relaxante, que quase te faz dormir como se estivesse ouvindo um CD da Enya. Mas para chegar nela é preciso caminhar por 40 minutos em uma trilha, o que sempre é divertido.

6- Por falar em Estrada Real, venderam essa área como uma atração bonita e tal. Andei por ela e estou até hoje esperando acontecer algo interessante. 

7- Tiradentes vai ganhar o troféu simpatia deste périplo mineiro. Era o guardador de carro com mais conhecimento do que guia turístico fazendo de tudo para ajudar, era o guia que deu carona até a trilha e foi batendo papo e indicando o melhor lugar da cachoeira... Sempre pessoas simpáticas e gentis estiveram no caminho, transformando Minas numa jornada agradável. 

8-
Cotação da Corneta:

Voltaria a Tiradentes? Sim. É uma cidade fofa. Deve ser legal no Festival de Cinema. 


Moraria em Tiradentes? Aí acho que não. Sabe como é, não vi cinema nem tem saída para o mar.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Romance intergaláctico

Enfim, sós, e para sempre
Tenho a leve impressão que o cinema quer entrar na era dos romances interestelares. Nas salas, o trailer de "O espaço entre nós" deixa isso claro com a história de um garoto que nasce em Marte e se apaixona por uma moça na Terra. Já em cartaz, "Passageiros" é outro filme padrão Meg Ryan a te enganar numa roupagem de ficção científica. 

"Passageiros" se passa num futuro distante em que a humanidade encontrou alguns planetas para colonizar (mas aparentemente a Terra continua muito bem habitável) e, claro, existe uma empresa que explora isso. O problema é que o novo planeta é distante. Tipo, leva 120 anos para chegar lá. Mas para evitar que morram no trajeto as pessoas  ficam em estado de animação suspensa, hibernando até faltarem quatro meses para aterrissarem para uma vida nova e próspera. 

Mas alguma coisa dá errado (se não desse não teria filme). E Jim Preston (Chris Pratt) acorda muito antes do tempo. Mais especificamente, com apenas 30 anos de viagem. Depois que entende a situação, Jim pensa: "Fudeu, estou condenado. Vou morrer aqui sozinho e nem todo o uísque do mundo que o androide boa praça do bar (Michael Sheen) tem para me servir vai afogar minhas mágoas”. 

Não é fácil viver nestas condições e, por um momento, Jim ensaia ser uma espécie de náufrago interestelar. Tenta viver da melhor forma possível, deixa a barba crescer naquele padrão estabelecido por Tom Hanks para filmes de náufragos, tem depressão, alegria com as conquistas, sofre, ri... Mas com o tempo passando, depois de um ano sozinho, o tédio toma conta dele. Até que Jim tem a ideia de não ficar mais sozinho nessa roubada. 

"Tem outras 4.999 almas aqui. Não é possível que isso só aconteça comigo". Então Jim procura a mulher (claro, tem que ser uma mulher né) mais bonita das cápsulas de hibernação e trata de acordar ela. É onde entra Aurora Lane (Jennifer Lawrence, amiga, você já fez escolhas de roteiro melhores). 

Aurora é jornalista. Logo, se acha profunda conhecedora da alma humana. Logo quebra a cara. No início, se desespera como Jim, depois luta menos e, por fim, entra na fase da resignação. 

Só que... humanos são animais. Jim é macho. Aurora é fêmea. Captou? É ÓBVIO que ia rolar algo entre eles. Afinal, só existem eles! E assim, os jovens se apaixonam, vivem uma lua de mel intergaláctica, sentem borboletas no estômago, veem passarinhos... já cansou de tanta coisa melosa? Aí eles brigam, porque até barmens androides são fofoqueiros. Aí eles se reconciliam. E vivem felizes para sempre. Argh!

No meio disso tudo, a nave tem um problema para eles consertarem e salvarem as pessoas que ainda dormem no sono dos inocentes. 

As reflexões que o filme poderia suscitar passam ao largo da história dos pombinhos. "Passageiros" é raso, pouco inspirado e não acrescenta quase nada. Apenas dois rostinhos bonitos tendo uma aventura no espaço profundo. Diante disso, a Corneta dará para o filme uma nota 4.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Daniel Blake nos representa

Fazendo arruaça em Newcastle
Daniel Blake (Dave Johns) me representa. Ou melhor, nos representa. Representa qualquer um que já ficou horas ao telefone ouvindo musiquinha de elevador à espera de um atendimento para uma reclamação qualquer ou a solicitação de algo importante. 

Acompanhar a sua jornada é estafante e desesperante. Viver é dramático demais para aqueles que estão sendo engolidos pela face perversa da globalização, perdendo empregos, rendas e deixando de ser pessoas para tornarem-se números. Pode ser o número do seguro social, da carteira de trabalho, da previdência... Todos nós somos números frios perante o governo e as empresas. 

Para Ken Loach, a vida resultante disso tudo é kafkiana. O adjetivo que remete ao escritor tcheco não poderia ser melhor aplicado dentro do conceito de absurdo que é a jornada de Blake para receber o dinheiro do governo enquanto não pode trabalhar. 

Loach é, em muitos trabalhos, a voz do trabalhador comum inglês que tenta superar um sistema e conta com a solidariedade de algumas pessoas que encontra em sua caminhada. É assim em “Jimmy’s Hall” (2014), “A parte dos anjos” (2012) e até “Ventos de Liberdade” (2006). Apenas para ficar em alguns dos seus filmes mais recentes.

Em "Eu, Daniel Blake", Loach acompanha a Via Crucis de um carpinteiro que é impedido pelos médicos de voltar ao trabalho depois que sofre um duro ataque cardíaco. Blake é excelente num trabalho cada vez mais escasso. Já tem quase 60 anos e começa a sentir o peso de um mundo que está excluindo-o. Ele mal sabe o que é internet numa realidade tomada por formulários on line. 

Como não pode trabalhar, Blake precisa dar entrada num pedido para receber um seguro social para se manter, mas tudo é negado. Afinal, ele pode vestir a camisa e colocar um chapéu na cabeça. Logo, está apto a trabalhar. Nenhum médico o avalia. Apenas uma vaga "profissional de saúde", que determina que ele está bem simplesmente porque fez 12 pontos num questionário. Para ganhar o benefício, ele precisaria de 15. 

A vida é um jogo cruel, mostra o diretor inglês. É nesse meio tempo que ele conhece Katie (Hayley Squires), jovem mãe de duas crianças que é expulsa de Londres por não conseguir se manter numa casa alugada. Consegue um lugar na fria Newcastle, mas não tem dinheiro sequer para pagar a eletricidade que manteria o apartamento aquecido para os jovens Daisy (Briana Shann) e Dylan (Dylan McKiernan).

Katie tem fome. E como é dramática a cena em que ela abre uma lata de molho de macarrão para comer enquanto está colhendo seus alimentos da cesta básica fornecida pelo governo. 

Blake e Katie se ajudam como podem. Cedendo o pouco que têm ao outro para tentarem sobreviver. Até irem no limite da dignidade e tomarem medidas extremas. Irritado, Blake grita para o mundo que é uma pessoa. Um ser humano que merece ser tratado com respeito e não com frieza por uma empresa americana que presta serviços burocraticamente ao governo britânico. 

Loach tem uma visão pessimista do mundo atual. E deixa bem claro o quanto acha a realidade áspera a partir de um microcosmo em Newcastle. Por mais que tente lutar, o trabalhador é sufocado pela burocracia. E o absurdo prevalece numa realidade que todos tentam sobreviver. 


"Eu, Daniel Blake" é mais um bom trabalho do diretor inglês e conta com uma excelente interpretação do comediante Dave Johns no papel principal. A Corneta dará uma nota 8.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Animais Noturnos

Amy Adams está muito bem no filme
Existem diferentes formas de mandar um "Oi, sumida". Mas poucas são mais criativas e trabalhosas do que a de enviar um manuscrito de um livro pronto dedicado à pessoa. É o que Edward Sheffield (Jake Gyllenhall) faz com Susan Morrow (Amy Adams) no início de "Animais Noturnos" dando um pontapé inicial em uma história cheia de contrastes, tristeza, passagens soturnas e uma grande beleza. 

Novo trabalho do estilista Tom Ford, "Animais Noturnos" mantém algumas das mesmas características de "Direito de Amar" (2009). Esteticamente é um filme bonito. Por ser um diretor que vem do mundo da moda, o cuidado com o figurino e a maquiagem é notável. De um lado, o mundo atual da galerista Susan, asséptico, monocromático e simétrico. Escuro como escura é a maquiagem que ressalta seus olhos tristes como os de sua mãe. O mundo real é frio, cheio de retas e frieza entre as relações. 

Do outro, temos a paisagem amarela do Texas, seu calor, sua impulsividade que grita e comete atos extremos, inclusive de violência extrema. É dor, é drama, é vingança e ódio. 

Os dois mundos, o real e o literário, se conectam por passagens da vida de Susan. Afinal, o romance é dedicado a ela. Mas por que Edward a dedicou uma história tão regada de violência e traumas? São questões que passam pela cabeça de Susan enquanto reflete sobre o relacionamento do passado e o atual com o indiferente Hutton (Armie Hammer) e as escolhas que ela fez na vida. 

O livro a intriga, a história a perturba. Edward a chamava de animal noturno pela frequente insônia que sofria. O livro chama-se "Animais Noturnos", homens que cometem uma violência extrema e gratuita apenas porque acham que podem fazer isso sem serem pegos pela polícia. Faltou combinar com Bobby Andes (Michael Shannon), disposto a ir até para além da margem da lei. 

Será o livro uma vingança dele pelo que ele sofreu? Afinal, Edward diz que os escritores sempre escrevem sobre si mesmos. E por isso Gyllenhall vive Edward e o personagem fictício de seu romance, Tony Hastings, homem que vê sua mulher e filha serem estupradas e assassinadas por um bando liderado por Ray Marcus (Aaron Taylor-Johnson).  

Por mais brutal que seja, Susan não consegue largar a história. Finalmente o ex-marido atingiu o talento que ele nunca acreditou para ele e para si mesma como artista. Virou uma galerista famosa, mas poderia ter sido mais?

Tom Ford deixa as questões no ar para o espectador refletir. O que ele entrega de mão beijada é apenas um filme bonito, uma história muito bem contada e um trabalho de muita classe que te prende sem querer levantar da cadeira. Por isso, "Animais Noturnos" ganhará da Corneta uma nota 8.