quarta-feira, 29 de março de 2017

Shyamalan is back

Quem sou eu? Da onde eu vim? Para onde vou?
Teve uma época em que a Corneta achava absolutamente incrível a Glória Pires fazendo a Rutinha boa e a Raquel má naquela novela cujo nome já esqueci e não vou perder meu tempo procurando no Google porque tenho certeza que vocês vão lembrar. E o que dizer de um ator que faz nada menos do que OITO personagens ao mesmo tempo em apenas duas horas de filme? Esse foi o enorme desafio muito bem cumprido por James "Professor Xavier jovem" McAvoy em "Fragmentado"

Agora é o momento em que vocês dizem: Esse não é o filme novo do M. Night Shyamalan? Fala sério. Ninguém acredita mais no Shyamalan. 

Sim, é verdade que ele andou jogando a reputação na lama em coisas como "Fim dos tempos" (2008), "O último mestre do ar" (2010) e "Depois da Terra" (2013), mas já ensaiava um retorno à boa forma em "A visita" (2015). E o Shyamalan de "Fragmentado" é o dos bons tempos de "O sexto sentido"(1999) e "A vila" (2004). 

Escrito e dirigido pelo cineasta nascido na Índia (e que tradicionalmente faz uma ponta nos seus filmes, pois ele se acha um easter egg vivo), "Fragmentado" conta a história de Kevin (McAvoy praticamente sendo brilhante), um paciente com um transtorno mental que o faz assumir 23 personalidades de tempos em tempos. O ator escocês assume oito delas no filme. Cada uma totalmente diferente da outra, com sotaques, jeitos de falar e de olhar absolutamente únicos, caso da criança Hedwig, do homem com mania de limpeza Dennis, da mulher Patricia e do estilista Barry. De tempos em tempos, uma dessas personalidades fica no comando enquanto Kevin é tratado pela psiquiatra Karen Fletcher (Betty Buckley). 

O problema é que uma 24ª personalidade está para surgir. Uma bestial chamada apenas de "A Fera" e que precisa ser alimentada e etcetera. 

Para executar o plano de alguém que está no comando da chamada "luz" dentro da cabeça de Kevin, Dennis sequestra três garotas após uma festa de aniversário e as mantêm refém. Claire (Haley Lu Richardson), Marcia (Jessica Sula) e Casey (Anya Taylor-Joy) se veem diante do maluco e tentando lidar com as suas diferentes personas. Umas são mais cruéis, outras são mais dóceis, mas aparentemente só Casey sabe lidar com essa figura grotesca por motivos que o filme vai nos mostrando em flashbacks um tanto sonolentos.

E não é só isso. As consultas com a psiquiatra são a única pista que Shyamalan nos dá para tentar entender a personalidade complexa de Kevin. Ou as personalidades tão díspares, mas muito perigosas que ele exibe. 

O objetivo de Kevin é se fazer existir para o mundo. Mostrar que é possível que ele seja muitos. Mas o que para Karen é algo que deve ser tratado com a devida atenção e controle, para Kevin é algo que precisa ser gritado e exposto da forma mais chamativa pelo mundo. A sua Horda quer ser ouvida. Precisa ser ouvida. 

"Fragmentado" podia dar muito errado se não tivesse um ator tão habilidoso para transitar quase que imediatamente pelas diferentes personalidades do personagem. E é incrível como McAvoy consegue realmente fazer isso e até lidar com os conflitos internos das personalidades de Kevin, inclusive quando uma tenta se fazer passar por outra. 

Concebido como a segunda parte de uma trilogia iniciada em "Corpo Fechado" (2000), aquele filme do Shyamalan que dialoga com o mundo dos super-heróis, o filme nos apresenta um vilão psicótico de fazer inveja aos piores vilões dos quadrinhos. O diretor agora trabalha num roteiro que contará com o retorno dos personagens de Bruce Willis e Samuel L.Jackson. Seria o desfecho de sua trilogia prevista para 2019. 

Mas "Fragmentado" também pode ser visto isoladamente sem qualquer prejuízo do seu entendimento. E é um show de McAvoy e um dos melhores filmes de Shyamalan. Assim, "Fragmentado" ganhará da Corneta uma nota 8,5.

terça-feira, 28 de março de 2017

Ah, como era bom aquele tempo...

O importante é que emoções eu vivi
O que você faria se tivesse roubado muita grana dos seus amigos e fugido do país? Eu não voltaria para casa nunca mais. Mas Mark Renton (Ewan McGregor) achou que 20 anos era o suficiente para os velhos fellows esquecerem aquela pequena diferença e voltou para Edimburgo (Edimbrá no sotaque local). 

Renton é um grande filho da puta. Mas seus colegas Sick Boy Simon (Jonny Lee Miller), Spud (Ewen Bremner) e Begbie (Robert Carlyle) não ficam nem um pouco atrás. E karma é uma parada muito séria. Duas décadas depois do primeiro "Trainspotting" (1996), quando o quarteto de degenerados aprontava poucas e boas na capital escocesa e entornava heroína como se fosse água no deserto, a vida não se mostrou solidária com eles. 

"Trainspotting 2" mostra o grupo de mal a pior. Renton, que havia fugido para Amsterdã (e querem que eu acredite que ele se livrou das drogas logo em Amsterdã), ficou com uma mulher por 15 anos, tem um emprego ruim e voltou para a Escócia porque perdeu ambos. Sua única vitória foi sobre as drogas. Spud, coitado, está cada vez mais sequelado e afundando na heroína. Begbie está preso. Aliás, está na cadeia há 20 anos desde que quebrou tudo naquele quarto de hotel em Londres. Já o pobre Simon virou um golpista em uma relação sem sexo com uma prostituta búlgara chamada Verônika (Anjela Nedyalkova). Seu sonho? Abrir um bordel para ela. Ou seja, está claro que Verônika vai dar uma volta nele. 

É neste cenário nada amigável que Danny Boyle nos reapresenta os personagens que aparentemente andavam afastados desde a trairagem de Renton. E tanto Simon quando Begbie mostram que guardaram algum rancor daqueles tempos. Isso só faz mal às pessoas. Não repitam isso na vida, crianças. 

"Trainspotting 2" é um acerto de contas e uma viagem nostálgica aos acontecimentos do primeiro filme. Aquele sotaque esquisito da Escócia está lá, os cabelos são quase os mesmos, a trilha sonora mudou, mas continua ótima.... porém, a vida dessa galera... Quanta diferença!

São muitas as referências ao filme de 1996. Que vão das lembranças daqueles tempos selvagens ao retrato de uma melancolia dos personagens e uma saudade daquele passado. Mas lá dentro cada um tem ainda uma fagulha dos velhos tempos. 

"Trainspotting 2" é uma viagem que será melhor aproveitada se vista logo depois do primeiro filme para refrescar a memória. Como a memória dos quatro personagens é refrescada de tempos em tempos no filme. 

Boyle fez um trabalho que os fãs certamente vão gostar. Ele é esporrento, berrante, cheio de mágoa, mas também uma reconciliação de uns caras que fizeram muita coisa errada na vida, mas de um jeito até certo ponto torto tentam se perdoar pelo passado e seguir em frente à partir de um ponto em que todos juntos voltam a não ter nada. 

Numa era do cinema marcada pela nostalgia, reboots e retomada de velhas histórias, Boyle acerta em equilibrar o passado com o presente e apresentando um olhar para o futuro. "Trainspotting 2" é, acima de tudo, uma ótima viagem com uma trilha de primeira embalando tudo. E nunca é demais ouvir de novo, em nome dos velhos tempos, Iggy Pop e seu "Lust for life". O filme de Boyle, portanto, ganhará da Corneta uma nota 7,5.


segunda-feira, 20 de março de 2017

Um engodo chamado 'A Bela e a Fera'

Aula de dança de salão no castelo da Fera
Todo mundo sabe que a Hermione Granger devia ter ficado com o Harry Potter. Até a J. K. Rowling sabe. Mas por um erro terrível da escritora, isso não aconteceu e ela ficou com o inútil do Rony. O lado bom dessa experiência é que ela deu o EXPERTISE necessário para a Emma Watson se meter em outra roubada: ser obrigada a se apaixonar por um cruzamento genético-mágico de um búfalo com um leão e um lobo que fala. 

Não fosse por seus minutos finais, "A Bela e a Fera" seria a maior história de zoofilia amorosa da humanidade (e do, digamos, mundo animal). Mas como o bicho se transforma em homem no final (fala sério né, não existe spoiler de uma história que já foi filmada pelo menos cinco vezes). Mas como eu dizia, como ele se transforma em homem no final, a história acaba sendo convencional e nenhum pastor famoso poderia implicar com ela. Então, esse famoso pastor resolveu implicar com um personagem gay. Se aquilo, aquelas cenas absolutamente normais o incomodam, imagina se ele estivesse vendo "24 horas: Legacy", onde o principal agente e um dos principais analistas de sistemas da CTU formam um casal em crise e discutindo a relação em meio a atentados terroristas. Ele ia pirar.

A mitologia de "A Bela e a Fera" remonta ao século XVIII, quando Gabrielle-Suzanne Barbot, também conhecida como a dama de Villeneuve, escreveu o conto original dessa historinha de amor. Nos anos 40, um filme francês estrelado por Josette Day (então a Bela) e Jean Marais (então a Fera), foi produzido, mas o cinema ainda era uma arte muito jovem e ninguém que você conhece viu essa versão. Foi quando a Disney pegou a história, modificou, adaptou, simplificou, pasteurizou e a tornou mais palatável em um meloso desenho animado dos anos 90 que "A Bela e a Fera" ganhou corações e mentes pelo mundo. 

Mas um novo século nasceu. Era hora da Disney faturar um qualquer com uma nova versão dessa história. Dessa vez com atores. Dessa vez no chamado "live action". Mas o que dizer de "A Bela e a Fera" versão 2017? É melhor que o desenho? É. Pelo menos parece um pouquinho menos brega. É um bom filme? Hummmm, é adocicado demais. O filme tem mais açúcar que sorvete de doce de leite com beijinho de coco. Enfim, não é recomendado para diabéticos. Além disso, é bobinho né. Esse papo lúdico da Disney não se sustenta nesse mundo selvagem em que vivemos onde não se pode confiar mais nem na carne que comemos. 

"A Bela e a Fera" é um musical. Logo, cada ida à feira é um acontecimento cantado e dançado. Nunca vou me acostumar com isso. Mas é desse jeito que conhecemos a Bela (Emma Watson), jovem inteligente e ávida leitora de romances que vive no pacato vilarejo de Villeneuve onde, basicamente, nenhum homem presta. Naquela época, não havia Tinder, então ninguém podia se oferecer para um date sabendo previamente que o match estava garantido. Eram tempos de romance raiz. Não era como os encontros nutella de hoje. Então o que Gaston (Luke Evans) fez? Chegou junto da Bela cantando e dançando numa roupa cheia de babados e falando: "Bela, how you doing? Quer se casar comigo? Eu sou o melhor partido do vilarejo e só quero você. Só você que me fascina. Só você, que me alucina. Só você que me faz delirar, com o seu jeito de amar". 

Bela não se deixou seduzir pelo latin lover Gaston. O problema é que, além dele ser grosseiro, machista (mas que tem até um amigo gay) e sem noção, a Bela não se sentia atraída por aquilo. Sabe como é. Ela é demisexual. Ela precisa de um envolvimento emocional, conhecer antes a pessoa para gostar dela. 

O tempo vai passando, Bela fica somente com seus livros sem o menor medo de ficar para a titia (aunty em francês de Villeneuve) e virar uma mendiga. Ela quer mais é ganhar o mundo e sair viajando por aí (claramente uma aquariana). 

Mas um dia, seu pai fica preso num castelo mal assombrado onde só é inverno e tem lobos selvagens na floresta. E ainda é habitado por um monstro terrível de chifres enormes. Quase Winterfell. Bela não aceita e troca de lugar com o pai. Promete ficar lá presa para sempre pelo amor ao pai.

A partir daí o filme adota o seu lado "Fica comigo", com um relógio (Ian McKellen) e um candelabro (Ewan McGregor) fazendo as vezes de Fernanda Lima. A Fera (Dan Stevens) precisa conquistar a Bela para quebrar o feitiço de uma bruxa e todos voltarem a ser humanos como em tempos passados. Mas a Fera não tem muito tato né. Não vê uma mulher há tanto tempo. 

Mas com a ajuda de seus empregados acessórios e mobílias a coisa começa a fluir. E todas aquelas fases do amor no cinema (blergh!!) vão acontecendo. A rejeição, a briga, uma certa afeição... E quando a Fera resolve abrir a sua biblioteca enorme e emprestar seus livros para a Bela rola uma palpitação no coração da jovem. Lembremos que ela é uma leitora voraz. Apesar do péssimo gosto de achar que "Romeu e Julieta" é a melhor obra de Shakespeare. Miga, não é nem uma das dez melhores. 

Na tentativa de conquistar a Bela, a Fera faz até o que todo homem rico faria para conquistar uma mulher. Vai com ela para Paris, é claro. Já naquele tempo, a capital francesa encantava as moças de todos os vilarejos. Mesmo sendo mais suja e com mais ratos do que hoje em dia. Mas ele se esforçou. Vamos na Notre Dame, fazer compras na Champs-Èlysee, blá-blá-blá. 

Bela já estava caidinha pela Fera, pelo seu jeito doce e arredio, pela sua forma incomum de jantar sem talheres. O golpe final acontece no baile de duas pessoas, quando ela, em seu vestido amarelo La La Land, dança com ele e suas roupas cheias de babadinhos (era uma tendência naquela época). 

A essa altura do filme, eles já estão praticamente apaixonados e a gente já está cansado de tanta música e tanto açúcar e tomado por um profundo TÉDIO. Meu deus! Vai acontecer alguma coisa minimamente relevante? Cheio de trabalhador ali e ninguém vai subir na mesa e gritar contra a reforma da previdência? 

Não. Nada acontecerá além da mensagem da Disney de que o amor supera todas as barreiras e vence no final (argh!). 

"A Bela e a Fera" é até bem feitinho. A Emma Watson até canta satisfatoriamente e o Luke Evans está caricato como a sua versão desenho animado de 91. Mas, convenhamos, não merece tanto cartaz assim. Tem uns momentos que são absolutamente chatos, beirando o insuportável e outros cheios de fru-frus e guti-gutis e um jeitinho sonhador com os olhinhos virando que dá vontade de sair correndo da sala. E as músicas são chatas demais. Gente, as canções de "La La Land" ainda estão vivas na memória. Não dá para estrear outro musical assim tão perto. Mas até que a experiência foi melhor do que eu imaginava. O filme ganhará da Corneta uma nota 5.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Um Wolverine de primeira

Logan velho de guerra
Nunca achei ruins os filmes já feitos para o Wolverine. Tampouco eles eram espetaculares. Embora o Hugh Jackman desde sempre se mostrasse perfeito para o papel, os filmes não faziam completamente jus ao seu bom trabalho com o personagem. Pelo menos até "Logan" entrar em cartaz. 

Dirigido por James Mangold, mesmo diretor de "Wolverine imortal" (2013), "Logan" é melhor epitáfio para a triste saída de cena de Jackman para o personagem. Esperamos, torcemos DESESPERADAMENTE para que o ator reconsidere. Não deve existir ninguém mais perfeito e poucos captaram melhor a alma de um herói dos quadrinhos quanto Jackman fez com Wolverine. 

"Logan" se passa num futuro não tão distante. É logo ali em 2029. Os Estados Unidos estão um tanto perdidos, acabados, passando do prazo de validade. O que oito anos de governo Trump não fizeram com essa nação? 

Logan também não é mais o mesmo. Depois de 120 anos de vida, seu fator de cura já não age com a mesma velocidade de outrora e ele começa a demonstrar pequenos sinais de velhice como cabelos e barba grisalhos e dificuldades para ler. 

Nosso herói é um homem amargurado como sempre soubemos que ele se tornaria. Seus amigos se foram, vários deles mortos pelo professor Xavier (Patrick Stewart) num acidente de grandes proporções causados pelos seus primeiros sinais de demência. Enfim, é um futuro em que não há mais Jean Grey para ele dar em cima, nem Scott Summers para ele chamar de mauricinho babaca. É um mundo sem Mariko. Como não ser amargurado se não há mais Mariko?

Mas Logan é o melhor no que faz. E atualmente isso se resume a tirar uns bons trocados como motorista de limusine. É o que deu para arranjar em 2029. Mas a sua paz será encerrada quando Laura (Dafne Keen, atriz que rosna que é uma beleza e parece se divertir muito em cada cena de ação do filme) cruza o seu caminho. 

Laura é uma mutante "muito parecida" com Logan, como Charles faz questão de lembrar. E o próprio percebe em suas primeiras demonstrações de fúria. Sem falar nas garrinhas que saem de seus punhos angelicais. 

É claro que Logan vai se meter em roubada, mas o que ele deve fazer? Com mercenários liderados pelo tal de Pierce (Boyd Holbrook) sedentos por sangue no seu encalço depois que a Laura cruzou o seu caminho só o que lhe resta é correr para o Éden dos mutantes antes ele seja tarde demais. 

"Logan" é bem diferente dos filmes anteriores do Wolverine e dos X-Men. É mais violento, por exemplo. A carnificina do Wolverine é bem mais realista. O filme também reflete sobre um futuro sombrio para os mutantes e a humanidade. É a perfeita despedida e o filme que Jackman precisava para o seu talento em interpretar o personagem. Ainda que a Corneta espere que ele reconsidere a decisão. Enquanto isso, Wolverine levará uma nota 8,5