segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Um Oscar bem maluco

O cartão com o verdadeiro vencedor/Reprodução
O que dizer sobre esse Oscar mais maluco dos últimos tempos? 

1- Ainda estamos todos PERPLEXOS com o mico épico de Warren Beatty e Faye Dunaway, mas não me surpreende. Afinal, eles foram Bonny e Clyde no cinema. Obviamente queriam ROUBAR o Oscar de "Moonlight". 

2- Mas como entregaram o envelope errado para eles? Como eles não perceberam que havia algo de errado, pois ali estava escrito EMMA STONE? Como eles não pararam e disseram: "Peraí, tem alguma coisa estranha aqui". Garotearam muito. 

3- Menos mal que pelo menos o prêmio verdadeiro foi para "Moonlight", mas deve ter sido horrível para o povo de "La La Land" ter que devolver os carecas dourados logo depois de colocar as mãos neles. Foi tipo fazer o gol do título, comemorar muito e logo depois marcarem impedimento no lance. 

4- Mas para quem canta e dança até em engarrafamento, acho que eles vão superar isso. 

5- Acho que eles superaram melhor, inclusive, do que o Denzel Washington, que estava com cara de poucos amigos ao ver que perdeu o careca dourado de ator. Também, se eu perco para o Casey Affleck, o máximo que faço é bater palmas no Nicole Kidman style.

6- Mas se investigarem direitinho, acho que descobrem que o envelope do Casey Affleck também estava errado. Será que ainda dá para ir ao STJD?

7- Como se não bastasse o King Kong no prêmio de Melhor Filme, o Oscar ainda prestou homenagem no bloco in memoriam a uma mulher que ESTÁ VIVA. Colocaram a foto da Jan Chapman junto com o nome da Janet Patterson (que realmente morreu). Mas veja o lado bom disso: quando morrer, Jan será a primeira da história a ser duas vezes homenageada no in memoriam. E quando ela vier a falecer, o Oscar poderá dizer: "Conforme antecipamos em fevereiro de 2017...".

8- Mas nem tudo foi gafe ou erro como o prêmio do Casey Affleck. O Oscar também teve coisas boas. 

9- Gostei da abertura animadinha com o Justin Timberlake colocando todo mundo para dançar logo de cara e se misturando com a galera para começar em alto astral. 

10- O Jimmy Kimmel também foi bem como apresentador. As piadas com o Trump eram previsíveis que iriam acontecer, mas foi ótimo ele ter tuitado para o cara ao vivo. Imagina o trabalho que o Trump terá para responder todas as provocações hoje?

11- Amamos a vitória de Viola Davis e seu discurso que fez todo mundo chorar e a vitória de Asghar Farhadi ("O apartamento" é bem bom) e seu discurso lido no palco pela sua representante. Ele não foi por causa da política do Trump. 

12- Adorei também os doces que voavam o tempo todo para a galera. Muita gente saiu da dieta na cerimônia. 

13- Também foi ótimo o povão entrando na festa sem saber e cumprimentando e tirando fotos dos ídolos. Se isso acontece comigo, eu vou direto na Scarlett Johansson e mando: "How you doing?". E se não dá certo com ela, eu tento com a Amy Adams. 

14- Gente, "Esquadrão Suicida" tem um Oscar. Deixaram isso acontecer. Isso é a versão cinematográfica do Anderson Polga tem Copa do Mundo e o Zico não. 

15- Gente, a família Affleck agora tem três Oscar. Deixaram isso acontecer. Como deixaram isso acontecer????

16- Não deu para engolir "Manchester à beira-mar" ganhando em roteiro original. Muito menos a Emma Stone tirando o Oscar da Isabelle Huppert. 

17- No fim, "La La Land" acabou ficando com seis dos 14 prêmios que disputava, incluindo o do Damien Chazelle, o mais jovem diretor a faturar o Oscar. "Moonlight" ficou com três, incluindo os de Mahershala Ali como ator coadjuvante e o de roteiro adaptado. 

18- Agora o Remy Danton tem um Oscar, mas o Frank Underwood tem dois. 

19- E viva "Moonlight". Merece muito. Vejam, revejam e vejam de novo quando chegar na Netflix em maio. 

20- Que pena que acabou. Mas ano que vem a gente volta para cornetar mais. Mas a lição que fica é: leiam direito o conteúdo dos envelopes que vocês recebem.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Os pré-comentários do Oscar-2017

Hoje é o grande dia. O dia de falarmos mal do Oscar. Enquanto a festinha não chega, vamos aos pré-comentários malemolentes para animar este domingo. Afinal, corneta é vida.
1- A gente sabe que "La La Land" vai passar o rodo na festa como galã de novela dos anos 90. Afinal, o filme é bonito, fofinho, muito bem feito e fala bem de Hollywood. É difícil acreditar que uma propaganda chapa branca de Hollywood não vá colecionar vários carecas dourados na festa de... Hollywood.
2- Logo... chegar na festa com 14 indicações e não faturar nada seria tipo um 7 a 1 cinematográfico. Não acontecerá.
3- Mas, porém, contudo, todavia, se eu tivesse que dar o meu voto para melhor filme seria para "A chegada". Mas se "Moonlight" ou "A qualquer custo" vencerem também está muito bem dado e aplaudiremos de pé. Só espero que os candidatos "Spotlight" da vez não vençam neste ano. Vamos evitar o erro do ano passado, por favor.
4- Sei que "Toni Erdmann" é favoritaço na categoria de filme estrangeiro, mas o meu preferido da leva desse ano foi "Um homem chamado Ove".
5- Aliás, o grande vacilo número 1 desta categoria é deixarem "Elle" de fora. O vacilo número 2 veio do governo brasileiro, que não indicou "Aquarius". Talvez não entrasse, mas ESTETICAMENTE falando, ele tinha bola para jogar nesse time.
6- Vou deixar já protocolada uma reclamação prévia de que a cerimônia é longa demais e passou da hora de cortarem os números musicais.
7- Minha torcida entre os atores vai para Viggo Mortensen ("Capitão Fantástico"), mas se o Denzel Washington ("Um limite entre nós") ganhar tudo bem. Se der Casey Affleck ("Manchester à beira-mar"), Ryan Gosling ("La La Land") ou Andrew Garfield ("Até o último homem") vou bater panela na janela e chamar a Academia de golpista.
8- Aliás, para indicar o Andrew Garfield era melhor ter apostado no seu trabalho em "Silêncio", que era melhor do que o de "Até o último homem". Quiçá, a única coisa relativamente boa deste que é um dos piores filmes do Martin Scorsese.
9- Gente, Isabelle Huppert ("Elle") NÃO PODE perder o careca dourado de atriz. Mas, ao que tudo indica vai. E pior. Para a Emma Stone. A vida é muito injusta. A vida é um bloco de carnaval tocando Los Hermanos.
10- Por falar nessa categoria, Amy Adams ("A chegada") e Annette Bening ("Mulheres do século XX") mereciam entrar nessa disputa. Foi vacilo do Oscar deixá-las de fora.
11- Damien Chazelle ("La La Land") fez um trabalho muito bonito, mas a minha torcida entre os diretores ficará com Dennis Villeneuve ("A chegada") e Barry Jenkins ("Moonlight").
12- A cota vacilão dessa categoria é a ausência de David Mackenzie ("A qualquer custo") na disputa.
13- As reportagens do "Hollywood Reporter" com pessoas que votam no Oscar utilizando argumentos toscos para justificarem seus votos comprovam que qualquer um pode votar nisso e sair impune. Então eu também vou dar os meus votos para as demais categorias.
14- Eu daria meu Oscar de ator coadjuvante para Jeff Bridges ("A qualquer custo"). Já o de atriz coadjuvante iria para Viola Davis ("Um limite entre nós"). Mas ficaria satisfeito se a dupla de "Moonlight" (Mahershala Ali e Naomie Harris) vencesse, pois eles estão muito bem no filme.
15- Em roteiro original, não tenho dúvida de que o de "A qualquer custo" é o mais brilhante dos concorrentes. Não li as obras originais dos candidatos a roteiro adaptado. Mas e dai? Eu duvido que o povo da Academia tenha comparado também. Logo, meu voto vai para "A chegada".
16- Não sei quem vai ganhar em trilha sonora. Mentira, eu sei que só pode ser "La La Land". Eu sei também que "Passageiros" não merece ganhar nem eleição para síndico de prédio.
17- Por falar em música, "City of Stars" é tão bonita que eu nem precisava ouvir o resto para torcer pela música de "La La Land" em canção original.
18- Efeitos visuais? "Doutor Estranho", Fotografia? "Moonlight". Figurino? "Aliados". Maquiagem e cabelo? Não, peraí, aí já é um pouco demais.
19- Graças aos deuses, esse ano não tem nenhum filme sobre jornalismo. Ninguém vai falar em vitória do jornalismo em nenhum momento. Ufa!

sábado, 25 de fevereiro de 2017

O ranking do Oscar 2017

"A Chegada", o melhor filme do Oscar 2017
Foi mais um ano vitorioso no desafio do Oscar. Graças a um esforço de reportagem que precisou acionar até a INTERNET PROFUNDA em oito casos específicos, consegui zerar o álbum de figurinhas antes da festa que adoramos cornetar e que acontecerá amanhã em La La Land.
Agora o que resta à Corneta é divulgar o super ranking anual dos filmes que concorrem a alguma coisa no careca dourado-2017. Lembrando, é claro, que não trabalhamos com animações e documentários que não estejam concorrendo em alguma das 19 categorias importantes e/ou técnicas do Oscar. E que canção original, você procura no Spotify para ouvir. Não precisa ver o filme.
Vamos ao ranking:
1º lugar - "A chegada" - 9,5
2º - "Moonlight" - 9,5
3º - "A qualquer custo" - 9
4º- "Elle" - 8

(Os filmes acima estão classificados para a Libertadores)
5º- "Animais Noturnos" - 8
6º - "Jackie" - 8
7º- "Um limite entre nós" - 8
8º- "Doutor estranho" - 8
9º- "La La Land" - 8
10º- "Ave, César!" - 8
11º- "Um homem chamado Ove" - 7,5
12º- "O apartamento" - 7,5

(Os filma acima estão classificados para a Copa Sul-Americana)
13º- "Rogue One: uma história Star Wars" - 7,5
14º- "O Lagosta" - 7,5
15º- "Terra de Minas" - 7 
16º- "Toni Erdmann" - 7
17º- "Capitão Fantástico" - 6,5
18º- "Mulheres do século XX" - 6,5
19º- "Manchester à beira-mar" - 6,5
20º- "Animais fantásticos e onde habitam" - 6,5 
21º- "Loving" - 6,5
22º- "Florence - quem é essa mulher?" - 6,5
23º- "Sully: o herói do Rio Hudson" - 6,5
24º- "Lion: uma jornada para casa" - 6
25º- "13 horas: os soldados de Benghazi" - 6
26º- "Estrelas além do tempo" - 6
27º- "Aliados" - 6
28º- "Silêncio" - 5,5
29º- "Star Trek: sem fronteiras" - 5
30º- "Até o último homem" - 5 
31º- "Horizonte profundo" - 5
32º- "Mogli - o menino lobo" - 5

(Os filmes abaixo foram rebaixadas para o festival de Tribeca)
33º- "Esquadrão suicida" - 4
34º- "Passageiros" - 4
35º- "Tanna" - 3
36º- "Kubo e as cordas mágicas" - 2,5

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Uma obra de pura poesia

Moonlight é pura beleza
Eu vejo muita porcaria, muito filme mais ou menos. Enfim, eu gosto de cinema mesmo quando ele é ruim. Mas é nas raras vezes em que ele é maravilhoso que o amor por essa arte mais vale a pena. "Moonlight" provocou na Corneta esse prazer único e raro. É um dos filmes mais impactantes, bonitos e poéticos entre os que concorrem ao Oscar. 

Segundo longa do diretor Barry Jenkins, o filme é um lírico estudo de um personagem que enfrenta todas as adversidades possíveis da vida, ao mesmo tempo que vai sendo moldado pela realidade difícil num bairro pobre de Miami. Dificuldades que são ainda maiores quando se trata de um jovem negro e gay. 

"Moonlight" tem uma força que não vem das palavras. Vem dos gestos, dos olhares, dos enquadramentos escolhidos por Jenkins, dos silêncios... Da necessidade de buscar um caminho que está no coração e sentir o aperto sufocante de não conseguir gritar para o mundo o que você deseja ser. Há ainda uma força que oprime o personagem principal além do limite, quando tudo o que ele deseja é, primeiro entender quem é, depois ser aceito pelo que é. E, por fim, ter uma vida próxima do normal realizando os sonhos e os desejos que qualquer um tem. 

Dividido em três partes, ele conta a história de um jovem durante a sua passagem da infância para a idade adulta. Tímido, sem saber o que está sentindo, mas vendo-se diferente da maioria, Chiron (Alex R. Hibbert) é quase sempre monossilábico. Uma característica que levará até a idade adulta. A não ser pela relação com Kevin (Jaden Piner), o melhor amigo, ele nunca se sente muito parte daquela coletividade na escola. E ainda precisa encarar uma vida difícil em casa com uma mãe viciada em drogas (a ótima Naomie Harris). 

É na infância que Chiron conhece o traficante Juan (Mahershala Ali, outro que está muito bem no filme), cubano que vive em Miami e vende drogas para, entre tantas outras pessoas, a sua mãe. Ao lado da namorada Teresa (Janelle Monáe), ele ajudará a cuidar de Chiron e dar algumas lições sobre a vida nos poucos momentos em que convivem juntos. 

Sem pai, Chiron acaba tendo em Juan a representação mais próxima possível da figura paterna. É curioso que venha de um bandido a sensibilidade para não julgá-lo e para orientá-lo. E ele sequer se assusta com as perguntas que martelam desde sempre a cabeça do menino: "O que é bicha?", "Eu sou bicha?". 

Mesmo com uma convivência tão curta, o traficante deixa marcas indeléveis no garoto e no homem que ele se tornará. "Isso não é você. Quem você está querendo ser?", questiona Kevin (André Holland) ao reencontrá-lo depois de uma década de afastamento. 

A primeira parte é a mais poética de todas. Com suas pausas, seus silêncios, seu jogo de imagens, por vezes lembra até filmes do diretor Terrence Malick (que eu amo). Mas o filme jamais perde a sua força nos demais capítulos desse livro audiovisual. 

A segunda parte passa pela adolescência de Chiron (Ashton Sanders). Juan já não está mais por perto. Morreu pelo caminho e deixou a sua vida como outras tantas pessoas que vêm e vão na vida do ser humano. Mas a mãe segue presente e cada vez mais afundada nas drogas. Teresa surge ainda mais forte como uma mãe substituta, que lhe dá o carinho que precisa. 

Mas a vida na adolescência torna-se ainda mais infernal quando o que não passava de provocações de colegas na infância transforma-se em bullying violento. Chiron precisa transformar-se, defender-se de tudo e todos até a hora que inevitavelmente terá que explodir. Tantas coisas estão reprimidas por tanto tempo e a adolescência é o momento em que Chiron arromba as portas e sofre as consequências disso. 

Mas a opressão da sociedade é algo do qual Chiron (na vida adulta vivido por Trevante Rhodes) nunca se libertará. Que se revela em seus gestos econômicos e seus movimentos cuidadosos, como se estivesse sempre pisando em ovos e estudando um ambiente potencialmente hostil. Mas ao mesmo tempo que o mundo lhe é hostil, ainda mais agora que, além de negro e gay, ele se vê envolvido com atividades criminosas, seus olhares para o nada buscam alguém que o enxergue e o entenda. Chiron sobrevive enquanto só quer viver. 

"Moonlight" é um filme duro, mas de uma poesia e uma beleza ímpares. É CINEMA em caixa alta, em letras garrafais. Gigante como os que a gente esbarra de vez em quando na vida. Uma obra-prima que merece ser reverenciada. Por isso, ganhará da Corneta uma nota 9,5. 


Indicações ao careca dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Mahershala Ali), atriz coadjuvante (Naomie Harris), diretor (Barry Jenkins), roteiro adaptado, trilha sonora original, fotografia e montagem.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Alemães riem

Se joga, filha
Uma das grandes descobertas dessa maratona do Oscar que vai chegando ao fim (para mim, só falta um filme!) é que o alemão tem senso de humor. Sim, é verdade. Eu também não sabia. Eles têm até uma expressão para isso: Sinn für Humor. E é isso que presenciamos em "Toni Erdmann". 

O filme de Maren Ade é o indicado alemão e, dizem, o grande favorito ao careca dourado de filme estrangeiro. Mas ao contrário dos tradicionais dramas de guerra ou que refletem sobre a Alemanha dividida pelo muro de Berlim que nos acostumamos a ver, "Toni Erdman" é uma comédia. Isso mesmo. Essa palavra existe também em alemão: Komödie. 

O enredo de "Toni Erdman" pode ser resumido num tweet: pai malucão e amoroso tenta se reconectar com a filha careta que está desperdiçando a vida só trabalhando (Deu 135 caracteres). Dá até para completar com cinco emojis. 

A filha se chama Ines Conradi (Sandra Hüller). Ela vive em Bucareste, na Romênia, onde trabalha numa firma de consultoria especializada em organizar passaralhos em empresas pelo mundo sob a pecha de "modernizar". Enfim, conhecemos esse discurso. 

É uma função ingrata e logo o pai Winfried (Peter Simonischek) percebe que a filha não é realmente feliz ali pendurada no celular e tendo uma vida workaholic e artificial, sem aproveitar as coisas boas da vida. Pior, bajulando potenciais clientes com comprinhas em shoppings só para fechar um negócio. 

É quando ele resolve agir. Vai para Bucareste, se disfarça como o coach picareta Toni Erdmann e começa a bagunçar as estruturas certinhas da filha, mexer com seus amigos, seus colegas de trabalho, seu amante e, o pior de tudo, forçá-la a cantar Whitney Houston na frente de um monte de romenos desconhecidos. Mandar um "Greatest love of all" foi pesado. Pode até ter sido didático, mas foi pesado. Parecia um dos treinamentos duros do senhor Myiagi com o Daniel San em "Karatê Kid". 

Mas o objetivo de Erdmann/Winfried é não apenas se reconectar, mas humanizar a filha. Mostrar que a vida é mais do que o trabalho.  E com isso eles vão vivendo uma série de situações. Algumas engraçadas, outras bizarras e outras meio nada a ver que eu imagino que sejam engraçadas, mas devem ser mais a cara de um humor típico alemão (deutsche stimmung) e aí eu não peguei. Mas nada supera a impagável cena do aniversário de Ines, que acaba sendo uma metáfora para a desconstrução absoluta do seu personagem e ponto de inflexão psicológico para ela. 

"Toni Erdmann" é um pouco longo. São quase três horas, mas não chega a ser cansativo. Para uma comédia alemã (eu não consigo deixar de achar estranho juntar estas duas palavras), até que se sai relativamente bem no teste da Corneta. Ganhará uma nota 7

Indicação ao careca dourado: melhor filme estrangeiro

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Lion não ruge e só sofre

Eu tô voltando pra casa outra vez
O Oscar de melhor filme é como os "Jogos Vorazes". Se na trilogia do cinema cada distrito manda o seu candidato para representá-lo na Copa do Mundo de UFC com armas, o mesmo acontece com a principal categoria do careca dourado. A diferença é que nem todos os gêneros são contemplados como são todos os distritos da série de Katniss Everdeen. Mas até que ficou mais fácil agora que são oito, nove ou dez candidatos. É por isso que todo ano temos o filme cabeça ("A chegada"), temos o filme com jeitão indie/orçamento barato ("Manchester à beira-mar"), temos o filme "Sessão da Tarde ("Estrelas além do tempo"), temos eventualmente a cinebiografia, o drama pesado, o filme de guerra ("Até o último homem"), o filme fofinho, o musical ("La La Land"), o faroeste ("A qualquer custo"), e por aí vai. São muitos distritos/gêneros que vão se digladiando por um lugar na grande final que acontece anualmente em La La Land. Nem todos chegam na decisão. 

Entre todos os gêneros está o chamado "filme para chorar". E essa categoria conseguiu emplacar um representante neste ano. Trata-se de "Lion - uma jornada para casa". 

É preciso ter um coração de pedra, é preciso ser uma Cersei Lannister para não se emocionar com essa história. A Corneta mesmo fez um esforço enorme, mas foi inevitável escorrer uma lagriminha do canto direito do olho esquerdo. Tudo culpa do efeito família + drama + imagens idílicas + pianinho meloso na trilha sonora. 

Ainda bem que jamais nos deixamos tomar pela emoção na hora de fazer a avaliação criteriosa. Logo, vamos falar aqui algumas VERDADES. "Lion" é um filmezinho meia-boca com um protagonista que não me convenceu nem por dois segundos com seu sofrimento e caras de quem está padecendo de dor de barriga e precisando desesperadamente de um Imosec. 

Resumindo, "Lion" conta a história real do jovem Saroo (o garotinho Sunny Pawar na infância, o Jacob Tremblay com IDH mais baixo, e Dev Patel na idade adulta). Ele se perde do irmão quando ambos saiam para trabalhar em algum lugar da Índia, nunca mais encontra a família e acaba adotado por um casal boa praça e com muitos recursos financeiros. 

O trabalho de Garth Davis é dividido em duas partes. A primeira conta a infância de Saroo na Índia. Tem aquela miséria que nos acostumamos a ver toda vez que Hollywood retrata a Índia. Aquelas famílias enormes, a religião, o colorido, a bagunça generalizada, a falta de higiene, enfim, todos os clichês que conhecemos do país. Até que um dia Saroo enche o saco do irmão para ir trabalhar com ele. Chegando lá, porém, o garoto só quer saber de dormir. 

A gente sabe que criança é curiosa e não gosta de ficar parada. Ou seja, para Saroo ir dormir num trem qualquer e parar do outro lado da Índia não custava. Não só não custava, como foi o que aconteceu. O menino foi parar em Calcutá onde nem falava o bengali, o idioma local. O negócio dele era hindi. Não tentem entender, isso é a Índia. Só indo lá para saber como realmente as coisas são. Eu adoraria conhecer. 

A partir daí Saroo começa a correr feito Forrest Gump para escapar de todos os problemas enfrentados por crianças indianas. De mercadores de escravos a pessoas que procuram jovenzinhos pelas ruas para vendê-los. Afinal, ninguém vai te oferecer uma Fanta laranja assim de graça. É o que o menino logo vai perceber. 

Até que um dia a vida sorri para Saroo e ele é adotado pela Nicole Kidman (na verdade, o nome da mulher é Sue). Vai viver na Austrália, mais especificamente na Tasmânia (infelizmente não vemos uma única vez o Diabo da Tasmânia dos desenhos da Warner), e crescer numa vida feliz e velejando para esquecer dos problemas como se fosse um Christian Grey sem quarto vermelho. 

Mas o tempo passa, o tempo voa e a CRISE DOS 30 bate à porta ferozmente como um leão (tum dum tsss) na cabeça de Saroo. Ele está perdido. Vejam bem, ele está perdido e sentindo-se um náufrago no mundo mesmo tendo uma vida nababesca, uma boa educação, um bom emprego e namorando a Lisbeth Salander. Quer dizer, a Lucy (Rooney Mara). 

Na primeira parte, o menino Sunny faz jus ao nome e deixa a sua tela ensolarada (hoje eu estou impossível nos trocadilhos ridiculamente infames). Realmente, o garoto merece os elogios que vem recebendo e consegue conduzir a situação até o momento em que você fica um pouco de saco cheio e pensando se o filme não vai parar em outro lugar ou vai ficar repetindo situações ad eternum. Cansa um pouco. Ok, já entendemos que ele está na merda. 

Até que vem a segunda parte. E aí, amigo, vemos o Dev Patel parecendo aquela hiena depois que finalmente come a iguaria que o irmão Guddu o prometera lá na infância pobre na Índia. Oh céus, oh vida, oh azar. Quem sou eu? De onde eu vim? Para onde eu vou? 

No passado, você mergulharia na religião para responder a estas perguntas. Mas estamos no século XXI. Apesar do esforço do Papa Francisco em fazer a Igreja voltar a ser pop, a tecnologia chegou para ficar. E quem responde todas as suas questões é o Google. No caso de Saroo é o Google Earth. 

É aqui que o filme deixa de contar a história para fazer o merchandising. Sim, ele realmente é incrível, mas se eu ganhasse 100 euros por cada segundo que o Google aparece eu conseguiria passar o fim de semana na Austrália. Mas eu te amo, tá Google? Não vivo sem você. De verdade. Inclusive, você foi usado em pesquisas para a construção desse texto. 

Bom, depois de tanto procurar, Saroo encontra a agulha que tanto desejava no palheiro da Índia. Aí, você tem umas cenas realmente muito bonitas dele redescobrindo a comunidade que morava, refazendo os caminhos da infância (tudo com aquele pianinho meloso). E é isso né? Só faltou mesmo tocarem: Gosto muito de te ver, leãozinho/caminhando sob o sol/Gosto muito de você, leãozinho. 

É claro que a história de Saroo é emocionante. A Corneta não quer desmerecer a busca dele pela família biológica e por resolver seus conflitos internos. Porém, o filme que saiu dali é profundamente irregular. Uma primeira parte de regular para boa e bem interessante e uma segunda parte um tanto ASSÉPTICA e de regular para fraca. Também é difícil entender por que Dev Patel e Nicole Kidman ganharam indicações ao careca dourado de ator e atriz coadjuvantes, respectivamente. Tudo normal, gente. Vemos o que está na tela em qualquer "Malhação". 

Diante disso, a Corneta não se deixará esmorecer por lágrimas derramadas na sala. Sim, teve gente perto de mim fungando o nariz. "Lion" receberá uma nota 6. 


Indicações ao careca dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Dev Patel), atriz coadjuvante (Nicole Kidman), roteiro adaptado, fotografia e trilha sonora.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Ensaio sobre a viuvez do poder

O vestido é bonito, mas ficou manchado
Eu já havia cornetado aqui neste pequeno espaço sobre a pouco inspirada seleção dos homens que estão concorrendo ao careca dourado de melhor ator. No campo diametralmente oposto estão as mulheres. Meryl Streep ("Florence"), Isabelle Huppert ("Elle") e Natalie Portman tornam a disputa deste ano saborosa e com aquela sensação de lamento para quem perder. Principalmente se as três perderem para Emma Stone ("La La Land"). Por favor, isso seria o erro "Spotlight" entre as atrizes. 

Como não amar Natalie Portman quando ela decide se dedicar a um trabalho dramático? Ainda mais na pele desta Jackie Kennedy, cuja viuvez do marido se confunde com a viuvez do poder em "Jackie", de Pablo Larrain. 

O diretor chileno de filmes muito bons como "No" (2012) e "O clube" (2015), e do recente "Neruda" (2016) pegou este ícone de uma Casa Branca pop na década de 60 e fez um ensaio sobre a primeira-dama mais famosa dos EUA (desculpa, Michelle, mas Jackie é Jackie e antiguidade é posto). 

E é um ensaio em que a Jackie da dupla Larrain-Portman se dedica com afinco em deixar um legado de Kennedy na história americana para que ele não seja esquecido. Essa Jackie quer um Kennedy lembrado grandiosamente como Abraham Lincoln (outro presidente assassinado), embora ele não tenha deixado nada tão relevante quanto o fim de uma guerra civil e a libertação dos escravos para ser lembrado pelos historiadores. 

O filme se passa dias após o assassinato do presidente em Dallas. Os americanos estão em choque, Jackie Kennedy também. Mas ela resolve conduzir todo o processo de velório e enterro do marido com o intuito de torná-lo memorável e ÉPICO. Além de um show apoteótico para as massas verem pela TV. Seu objetivo é que o marido não acabe como James Garfield e William McKinley, outros dois presidentes também assassinados. Pois é, eu também não sabia da existência deles. 

Ao mesmo tempo, Jackie recebe um jornalista vivido por Billy Crudup para dar a sua primeira entrevista sobre a morte do marido. Uma entrevista que é, na verdade, uma não entrevista, visto que ela adianta que vetará a publicação de boa parte do que é conversado com o repórter. 

Ou seja, Jackie usa o jornalista como terapeuta gratuito e sem limitação de tempo. Desabafa, fuma à vontade na frente dele (mas ela não fuma! Jamais fumou! Tudo mito!). E no fim ainda vai decidir o que sairá na imprensa. É muito abuso! Censura! Cadê a Justiça que não vê isso?

Tudo é meticulosamente preparado por Jackie para que a sua saída de cena seja condizente com um Kennedy. E dentro da construção de uma mitologia da família. Por isso, enquanto cuida da mudança da Casa Branca, ela decide até onde o marido será enterrado no cemitério de Arlington. Tem que ser um lugar lírico e poético. E numa posição de destaque. Não pode ser um buraco qualquer. 

Neste processo de luto duplo, Jackie tem outro interlocutor. Um padre (John Hurt) com quem se consulta, revela seus temores, questiona a existência de Deus e revela que o casal já nem dormia mais na mesma cama. Vamos lá, galera, Jack não era nenhum santo. Já tinha dado uns pegas na Marilyn Monroe (aquele "Happy Birthday to you" era LASCIVO e transbordando hormônio) e a coisa ia de mal a pior ali na alcova do poder. Jackie nunca foi burra ou cega, mas era a primeira-dama e tinha status. Ela questiona: Quantas mulheres não aguentam algo semelhante e nem têm o gostinho do poder? Pelo menos eu durmo na Casa Branca. 

Na visão de Larrain, Jackie sofre a dor da perda do marido, mas sofre muito mais por perder a vida boa da Casa Branca, os jantares requintados, os concertos musicais privados e as FESTCHINHAS regadas a muita música e bebida. Quem não ia desejar uma vida dessa?

Enquanto isso, o irmão de Jack, Bob Kennedy (Peter Sarsgaard), lamenta que tudo tenha se perdido naqueles tiros. Ele vê a família sem legado e sem chance de seguir a caminhada política (tolinho). A resolução de uma crise dos mísseis lhe parece pouco e o desfecho da Guerra do Vietnã ficará de mãos beijadas para o próximo presidente. 

"Jackie", portanto, não é uma cinebiografia comum de um período histórico. É uma reflexão sobre o legado, sobre o poder e sobre a construção de uma narrativa que poderá permanecer ou não nos livros de história. E Larraín mandou bem no seu objetivo. Ganhará, assim, uma nota 8 da Corneta. 

Indicações ao careca dourado: melhor atriz (Natalie Portman), figurino e trilha sonora.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Uma história que merecia um filme melhor

Eu queria ser tão bom assim em matemática
Se a Corneta tivesse que tirar a nota média dos candidatos a melhor filme do Oscar até aqui, ela seria 7,4. Está bem abaixo do ano passado, quando a nota média da lista de indicados foi de 7,8. Mas ainda há três filmes para ver que podem impulsionar o resultado final. O que "Estrelas além do tempo", obviamente, não conseguiu. 

É até complicado falar mal do filme de Theodore Melfi, mas a Corneta acha que para ser indicado ao prêmio principal um trabalho precisa ser mais do que um filme comum. E é uma pena que "Estrelas além do tempo" não passe de um filme absolutamente comum. Daqueles que a gente vê pelo menos uns 20 iguais por ano. É até simpático, mas simpático por simpático "Os Goonies" (1985) também é, e nem por isso "Os Goonies" foi indicado ao Oscar. 

"Estrelas além do tempo", amigos, é a Sessão da Tarde concorrendo ao Oscar. É o "Spotlight" da vez. E sabemos o quanto foi ERRADO "Spotlight" ter ganhado o prêmio no ano passado (a Corneta não engole isso até hoje). Vocês mesmos já tinham esquecido da existência de "Spotlight" até eu mencioná-lo neste parágrafo. 

É uma pena porque a sua história precisava ser contada. E, por ser tão importante, principalmente para os sombrios tempos atuais, merecia um filme melhor do que apenas uma corretinha e careta estrutura narrativa numa roupagem no gênero "filme para a família". Só faltaram bebês fofos e cachorros para o espectador fazer guti-guti. 

Mas sobre o que é o filme de Melfi? Ele conta a história de três mulheres brilhantes que ajudaram a Nasa a colocar o primeiro americano na órbita da Terra. Katherine Johnson (Taraji P. Henson) era uma matemática extraordinária em um tempo em que os computadores ainda estavam começando a surgir. Lembrem, crianças, estávamos nos anos 60. Tempos selvagens em que não havia Apple, Netflix e Pokémon Go. Mary Jackson (Janelle Monaé) era uma engenheira fantástica que ajudou a construir o protótipo que seria usado por John Glenn (Glenn Powell). E ainda havia Dorothy Vaughan (Octavia Spencer), a líder a frente do seu tempo de grupo de mulheres que trabalhavam na Nasa. 

As três tiveram que comer o pão que o Diabo racista e misógino amassou para vencerem na vida. Lembremos que elas eram mulheres e negras numa Virgínia segregacionista, onde ainda havia separação das pessoas por cor. Além disso, as mulheres eram vistas como seres inferiores. Eram tempos ainda mais bizarros que te fazem refletir se a humanidade realmente tem telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor.

O preconceito fazia com que elas tivessem que passar por dificuldades surreais. Katherine, por exemplo, precisava fazer longas caminhadas só para ir ao banheiro, pois no prédio em que ela trabalhava não havia banheiro para negras. "Eu não faço a menor ideia de onde fica o SEU banheiro", dizia a secretária branca azeda para ela. 

Dorothy trabalhava como supervisora, mas não tinha nem crachá, nem salário de supervisora. A promoção nunca vinha para  mulheres negras como ela. Já Mary nunca conseguia um novo cargo, pois para isso  tinha que frequentar um curso numa universidade somente para homens brancos. Foi obrigada a entrar na Justiça para ter o direito de ter oportunidades iguais e, assim, galgar novas posições na Nasa. 

Coube ao chefão Al Harrison (Kevin Costner) acabar com os problemas urinários de Katherine ao lembrar o óbvio: o mijo de todo mundo na Nasa é amarelo (e, por acaso, no resto do planeta). Já Dorothy teve que dobrar a supervisora racista que nem percebe que é racista, Vivian (Kirsten Dunst), para conseguir a tão aguardada promoção. Mas tudo é assim contado numa linguagem edificante, como se fossem pequenas pedras no caminho. Duvido que as dificuldades delas não tivessem sido maiores do que o mostrado na tela com jeito de propaganda inclusiva de margarina. 

"Estrelas além do tempo" vai assim contando de forma beeeeem leve e de uma forma bem otimista como estas três superaram tudo para vencer e terem o devido reconhecimento em suas carreiras. É pouco para concorrer ao Oscar principal. Mas vai ver "Estrelas além do tempo" é o "Ghost - do outro lado da vida" (1990) da vez (sim, "Ghost" concorreu ao Oscar em 1991). Essa história merecia um filme muito melhor. Mas não deu. A Corneta dará uma nota 6.

Indicações ao careca dourado: melhor filme, atriz coadjuvante (Octavia Spencer) e roteiro adaptado. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Um filmaço

A vida é dura no Texas, brother
A Corneta andava meio desanimada, MACAMBÚZIA, EMBEZERRADA, com os indicados ao careca dourado de melhor filme deste ano.  Afinal, dos cinco filmes já vistos, só um, "A chegada", ela considerava realmente excepcional. Até que o sexto filme riscado da lista veio arrasando quarteirões e conquistando corações como um refrão de um sertanejo universitário diante das massas. Precisamos, portanto, falar sobre o quanto "A qualquer custo" é simplesmente maravilhoso. 

Do mesmo roteirista do ótimo "Sicário" (2015), Taylor Sheridan, "A  qualquer custo" conta a história de dois irmãos que bolam um plano engenhoso para salvar o rancho da família das dívidas. O objetivo de Toby Howard (Chris Pine, o Capitão Kirk em versão barba por fazer e olhar perdido) e Tanner Howard (Ben Foster sem as magias do Medivh, de "Warcraft") é assaltar diferentes agências de um mesmo banco do Texas para arrecadar o dinheiro necessário para pagar as dívidas.

Os dois, porém, não evoluem com tranquilidade como uma escola de samba nota 10 na avenida. Eles são implacavelmente perseguidos pela dupla de policiais formada por Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Gil Birmingham (Alberto Parker).

Enquanto a história se desenvolve, o filme faz uma reflexão sobre a morte de um jeito de viver típico de pequenas cidades daquele estado americano. O que se vê são praticamente cidades-fantasma, muito desemprego, estabelecimentos fechados e ofertas de dinheiro fácil no famoso esquema de agiotagem em um cenário melancólico filmado por David Mackenzie, diretor que conseguiu traduzir em imagens toda a angústia e a desoladora realidade local. 

"Estamos no século XXI e eu ainda tenho que correr de incêndios com o gado. É por isso que meus filhos não farão isso para viver", diz um personagem diante do ranger Marcus, que sabe que tanto este cowboy quanto outros tantos moradores daquela região estão por conta própria. O Estado não vai ajudá-los. Ninguém vai ajudá-los. Isso vale tanto para os criadores de gado, quanto para a população que resolve seus problemas de forma direta e cada um com a sua própria arma no coldre. E ali que a cultura americana da arma é ainda mais presente. 

Marcus, aliás, é uma figura deplorável. Ele humilha e esculacha o parceiro meio índio, meio mexicano, expondo todo o preconceito arraigado naquela região. Um lugar em que Donald Trump não teria dificuldades para construir o muro que quisesse. O policial trata o parceiro como inferior, mas também tem um respeito por ele, que, por vezes, devolve as provocações na mesma moeda, mostrando que não tolerará qualquer agressão gratuita. Os diálogos entre os dois são brilhantes, assim como o roteiro do filme, merecidamente indicado ao Oscar. 

Marcus está se aposentando. Birmingham ainda tem um resto de carreira pela frente. A dupla de policiais é uma metáfora para o que o filme exibe na tela. Os velhos conceitos estão saindo de cena (ou precisam sair de cena). Os novos estão chegando, e eles não são necessariamente caucasianos. Mas essa travessia nunca é fácil. 

É justamente o policial índio-mexicano que vai expor a decadência da região num dos embates com Marcus. É quando ele diz que há 150 anos todas aquelas terras eram dos ancestrais dele, mas os brancos tiraram tudo, massacraram os indígenas e a cultura deles. Agora, Birmingham assiste aos brancos perderem tudo o que conquistaram para os bancos. Os mesmos bancos que Toby e Tanner estão assaltando agora. O filme, portanto, não deixa de ter uma visão de que uma certa justiça está sendo feita pelos irmãos assaltantes. Por mais que a lei precise ser cumprida e eles precisem ser capturados ou mortos. 

"A qualquer custo" é uma espécie de faroeste sobre a crise econômica. É uma reflexão sobre o fim de um estilo de viver, que está sendo substituído por algo que não se sabe muito bem o que é, mas vem corroendo empregos e fazendo as pessoas deixarem suas casas. E tem um Jeff Bridges inspirado e que merecia subverter as regras e levar o Oscar de ator principal, pois estão faltando concorrentes à altura dele no quinteto da estatueta de ator. Mas ele está na disputa de ator coadjuvante e com bons concorrentes. Michael Shannon, de "Animais Noturnos", por exemplo. 

A Corneta se rendeu ao trabalho da dupla Mackenzie-Sheridan e "A qualquer custo" ganhará uma nota 9.

Indicações ao careca dourado: melhor filme, ator coadjuvante (Jeff Bridges), roteiro (Taylor Sheridan) e edição.