sábado, 30 de janeiro de 2010

O melhor de Cage em anos

Das mãos de um diretor alemão e em meio a uma Nova Orleans devastada pelo furacão Katrina de 2005, Nicolas Cage resgata seus melhores momentos de personagens lisérgicos para construir o maquiavélico tenente Terence McDonagh, para quem os fins justificam todos os meios e deve-se tirar vantagem de tudo o que cada situação apresenta.

Em 29 anos de carreira, Cage já viveu viciados de todos os tipos. E numa de suas melhores atuações em cinco anos – seu último grande trabalho foi em “O Senhor das Armas” (2005) – McDonagh nos faz relembrar de todos eles desde o alcoólatra Ben Sanderson, de “Despedida em Las Vegas” (1995), que lhe rendeu um Oscar de melhor ator, passando pelo detetive particular Tom Welles de “8MM” (1999), que mergulha no submundo das mais rasteiras produções pornográficas, e chegando ao motorista de ambulância Frank Pierce viciado em remédios e insone de “Vivendo no Limite” (1999), de Martin Scorsese.

Em “Vício Frenético”, os analgésicos se juntam a um coquetel de drogas, cujo poder é crescente como o nível de dependência delas. Administrar esse e outros vícios (como o do jogo, por exemplo), e terríveis dores nas costas é o desafio de McDonaugh enquanto investiga o assassinato de uma família inteira de senegaleses que estava vivendo ilegalmente no país e foi massacrada por Big Fate (Xzibit), traficante que cresceu em meio ao caos daquela cidade praticamente sem lei.

Descobrir o assassino, portanto, não é o segredo no trabalho de Herzog. A questão está em como incriminá-lo diante de comparsas leais ao mesmo tempo em que McDonaugh se envolve com problemas com o pai, um ex-alcoólatra que tenta se livrar do vício, a madrasta, esta sim uma alcoólatra, e a namorada prostituta e viciada Frankie (a maravilhosa Eva Mendes). Problemas que aliados ao vício vão aumentando e o consumindo, devastando como a passagem de um furacão em sua vida.

Releitura de um filme de 1992 dirigido por Abel Ferrara e estrelado por Harvey Keytel, “Vício Frenético” é uma película toda de Cage, que constrói um tipo bizarro que anda todo torto por causa dos problemas na coluna, tem um olhar melancólico e profundo, um ar blasé e mesmo assim é considerado um dos melhores policiais da corporação, a despeito de seus métodos pouco ortodoxos e seus vícios conhecidos por todos.


Estes métodos, aliás, acabam sendo a principal arma para a resolução do crime numa história conduzida por Herzog que parece que vai levar seu personagem ao fundo do poço. Mas do improvável ele consegue emergir dando ao filme um desfecho cínico e cru, onde a esperança, esta sim naufragou na destruição.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Um Holmes nada elementar

Existem algumas formas de se assistir a “Sherlock Holmes” e elas são teoricamente relacionadas à maneira como você se relaciona com o personagem. Se você é um fanático daqueles que têm Holmes como um semideus quase perfeito e sabe de cor trechos de cada livro de Sir Arthur Conan Doyle, a sensação ao se ver diante do trabalho de Guy Ritchie vai variar da decepção a uma raiva cristã de quem profanou uma história. Se você não sabe quem é Conan Doyle, Holmes ou apenas tem uma relação mais distante com estas figuras, periga gostar e sair do cinema satisfeito por ter visto um belo filme de ação.

Estas são duas prováveis sensações que o diretor de “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes” (1998) e “Snatch, porcos e diamantes” (2000) pode causar ao espectador que assiste à sua leitura iconoclasta e “atualizada” do clássico personagem de Conan Doyle.

Não que Holmes, vivido como brilhantismo por Robert Downey Jr., tenha perdido totalmente suas características. O uso do raciocínio lógico para resolver os casos mais escabrosos possíveis ainda está lá. Assim como o seu inseparável amigo, o doutor John Watson, feito por um também ótimo Jude Law. Mas o trabalho de Ritchie e dos roteiristas Michael Robert Johnson, Anthony Peckham e Simon Kinberg injeta uma linguagem mais pop e inegavelmente mais testosterona nos personagens que não abusam apenas do cérebro, mas usam também os músculos para sobreviverem naquela Londres suja, putrefata e tomada por ladrões e tipos sinistros encontrados apenas ao abrir a porta do escritório de Baker Street.

É aliando força e inteligência que Holmes e Watson têm que resolver uma série de crimes cometidos por Lorde Blackwood (Mark Strong) num enredo que envolve conspirações, magia negra e uma sociedade secreta que aos poucos vai sendo dissecada pela brilhante mente de Holmes.

Para desvendar este mistério, a dupla conta ainda com a ajuda (ou nem chega a ser uma ajuda) da ladra Irene Adler (Rachel McAdams), um dos pontos fracos de Holmes dada a sua admiração pela moça que, no entanto, lhe enganou algumas vezes.

Se os meios são ampliados, o desfecho deste novo “Sherlock Holmes” (o 211º filme que envolveu uma gama total de 75 atores no papel principal) não poderia ser mais “sherlokiano” com suas explicações lógicas para tudo. Até para o que parecia inexplicável.

Na minha modesta opinião, o saldo final é positivo. Como a minha relação com o personagem ganhou o benefício do tempo – Conan Doyle foi leitura de infância e infelizmente eu nunca mais o reli – a sensação foi a de estar diante de um filme muito bem feito, com atuações impagáveis e um roteiro extremamente bem encadeado. Nem parece um filme de ação, mas tem a cara de um Sherlock Holmes.


Dos personagens clássicos na literatura de Conan Doyle, ficou praticamente de fora (a não ser por meros vultos em determinadas cenas) o professor Moriarty, arquiinimigo de Holmes. É claro que ele foi devidamente guardado como trunfo para uma inevitável seqüência. Uma devida deixa bem ao estilo dos filmes baseados em histórias em quadrinhos foi providenciada por Ritchie para dar prosseguimento às aventuras de Holmes e Watson. E ela promete ser ainda melhor do que a de “Sherlock Holmes”.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O festival que mudou tudo

Há 25 anos o Brasil e o Rio de Janeiro entravam na rota dos grandes shows internacionais. Parece até brincadeira em se tratando do Rio que hoje sofre para conseguir grandes espetáculos (O AC/DC não veio no ano passado e o Metallica não virá neste mês, por exemplo), mas até 1985, o cenário era de uma aridez ainda maior. Foi aí que o empresário Roberto Medina resolveu fazer o nosso Woodstock e criar o primeiro grande festival de rock local então batizado de Rock in Rio.

Realizado entre os dias 11 e 20 de janeiro daquele ano, o festival reuniu pesos pesados da música mundial que tocavam aqui pela primeira vez como Queen, Iron Maiden, Rod Stewart, AC/DC, Scorpions, Yes e Ozzy Osbourne. Junto deles, algumas atrações do rock brasileiro que já davam as caras e mudaram a história da música nacional como o Paralamas do Sucesso e o Barão Vermelho ainda com Cazuza nos vocais.

Para realizar o evento, foi construído um palco de cinco mil metros quadrados de área, o maior já feito no mundo até então, num terreno entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá que ficaria conhecido como a Cidade do Rock. Por ali passou 1,5 milhão de pessoas, o equivalente a três Woodstocks. O maior público foi no primeiro dia. Duzentas mil pessoas acompanharam os shows de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Erasmo Carlos, Ney Mato Grosso, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Foi a única apresentação do Iron. O Queen ainda voltaria no dia 18 ao lado de The Go-Go’s B-52’s, Lulu Santos, Eduardo Dusek e Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens.

Já o Whitesnake, convocado as pressas para substituir o Def Leppard após o acidente de carro que levou o baterista Rick Allen a ter que amputar um dos braços, retornaria no dia 19 para tocar com AC/DC, Scorpions, Ozzy Osbourne e Baby Consuelo e Pepeu Gomes.

O mesmo Ozzy já havia tocado três dias antes junto com Rod Stewart, Rita Lee, Moraes Moreira e o Paralamas. Já o AC/DC, se apresentara no dia 15 com Scorpions, Barão Vermelho, Eduardo Dusek e Kid Abelha.

Também participaram do festival James Taylor, George Benson, Al Jarreau, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Ivan Lins, Nina Hagen, Blitz e Alceu Valença. Música para todos os gostos, portanto.

Depois daquele ano, o Rio ainda teve outras duas edições do Rock in Rio em 1991, no Maracanã, e em 2001, num festival inesquecível para este blogueiro que praticamente se mudou para a Cidade do Rock naquelas quase duas semanas de muita música. Em seguida a marca viajou para Portugal e Espanha e nunca mais voltou ao seu país de origem. Agora se fala em uma nova edição no segundo semestre de 2011. Tomara que ele volte e ganhe uma constância. O Rio precisava de um festival de rock que acontecesse com mais freqüência.

Abaixo algumas curiosidades da primeira edição do Rock in Rio colhidas no vasto mundo internético:

- Para tocar no festival, o AC/DC exigiu como condição usar um sino de meia tonelada que seria tocado pelo vocalista Brian Johnson durante “Hells Bells”. Como o bicho, que veio ao Brasil de navio, era muito pesado para a estrutura do palco, um dos cenógrafos do festival fez sem que a banda soubesse um sino de gesso para a ocasião.

- Foi nesta edição do Rock in Rio que o Iron Maiden tocou para o maior público de sua história: 200 mil pessoas. No Rock in Rio III, o Iron conseguiu o segundo maior público de sua história: 180 mil pessoas.

- Ao tocar no mesmo dia de AC/DC e Scorpions, o Barão Vermelho poderia ter sofrido com os fãs de metal, mas a banda fez uma apresentação memorável e foi a única que não foi vaiada pelos metaleiros. No mesmo dia, aliás, acontecia a eleição presidencial que escolheu Tancredo Neves como presidente do Brasil após um longo período de ditadura. Durante “Pro Dia Nascer Feliz”, Cazuza disse: “Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Um Brasil novo e com a rapaziada esperta!”.

- Antes do festival, James Taylor pensava em abandonar a carreira. Dependente químico e abalado com o divórcio da cantora Carly Simon, ele veio ao Rio apenas porque já tinha assinado contrato. Comovido, no entanto, com a recepção que teve do público, ganhou nova vida, resolveu retomar a carreira e em homenagem ao Rio compôs a música “Only a Dream in Rio”, que tinha um trecho que dizia “Eu estava lá naquele dia e meu coração voltou a vida”. Taylor ainda voltou ao país para participar do Rock in Rio III, pois considerava ser questão de honra.

- Depois do episódio em que Ozzy Osbourne mordeu um morcego num show três anos antes, os organizadores do Rock in Rio colocaram uma cláusula no contrato que o proibia de comer animais vivos no palco. E o Senhor das Trevas cumpriu tudo dentro do riscado, mesmo depois de uma galinha viva ter sido jogada no palco. Talvez ele preferisse mamíferos.

- “Love of my life” foi a canção do festival. É a mais lembrada até hoje quando alguém fala do primeiro Rock in Rio e o próprio Freddie Mercury havia considerado a execução da música como a melhor já feita pela banda. Quando voltou ao Rio em 2008 para tocar com Paul Rodgers, o guitarrista Brian May disse que até hoje escuta as vozes do público ecoando no seu ouvido.

Chega de escrever. Abaixo, alguns momentos marcantes do Rock in Rio I:
Queen - "Love of my life"
Queen - "Bohemian Rhapsody"
Scorpions - "Rock you like a hurricane"
Scorpions - "Still loving you"
Iron Maiden - "The trooper"
Iron Maiden - "The number of the beast"
Ozzy Osbourne - "Crazy Train"
AC/DC - "Hells Bells"
AC/DC - "For those about the rock"
Whitesnake - "Love ain't no stranger"

Barão Vermelho - "Por que a gente é assim"
Barão Vermelho - "Maior abandonado/Milagres/Subproduto do Rock"

domingo, 10 de janeiro de 2010

Um olhar sobre Lula

É inegável que a história de vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva rende um filme. É inegável também que exatamente por ele ainda ser o presidente da República e estarmos num ano eleitoral, o momento da estréia de “Lula, o filho do Brasil” nos cinemas não foi dos mais propícios.

Eu até acredito (ou quero acreditar) nas declarações do diretor Fábio Barreto de que o objetivo do filme não era fazer política, mas contar a história de um brasileiro e de sua mãe. O problema é que acreditar em Barreto também significa classificá-lo como para lá de ingênuo, pois é óbvio que por mais que essa não fosse a sua intenção, seu filme tem potencial eleitoral.

Certamente “Lula o filho do Brasil” não vai eleger sozinho a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente mais popular da história do país, mas pode muito bem angariar algumas centenas de milhares de votos decisivos numa campanha que promete ser acirrada. Dilma decididamente vai faturar ao ser carregada embaixo dos braços daquele homem de vida sofrida e que teve uma ascensão heróica à Presidência da República. Um homem que venceu apesar de todas as adversidades e é um exemplo a ser seguido por todos aqueles que ainda lutam por um lugar ao sol.

Heróica, aliás, é uma palavra que incomodou muitos críticos do filme, que acusaram o diretor e os roteiristas Fernando Bonassi, Denise Paraná e Daniel Tendler de mitificar o personagem, tornando-o quase uma santidade.

De fato, até a fase adulta de Lula, Barreto mostra um personagem quase perfeito. É o menino de lábia fácil que convence qualquer um a comprar uma laranja, o garoto que defende a mãe contra os arroubos violentos do pai, Aristides (vivido pelo sempre ótimo Milhem Cortaz), como se um moleque falando grosso com o pai bêbado fosse fazê-lo parar. É o trabalhador dedicado, o galanteador que conquista todas as mulheres. Enfim, seus erros são omitidos e suas virtudes são amplificadas exponencialmente. E nada disso era necessário, pois Lula já é um personagem por si só forte e cheio de nuances.

Mas quando Rui Ricardo Diaz assume o papel de Lula na fase adulta, acredito que Barreto consegue um pouco mais de equilíbrio. A oposição ao governo, perdida, que bate sem saber onde, como e de que jeito apressou-se em berrar que o filme era uma glorificação do presidente e esqueceu-se de lembrar de uma passagem interessante da película que mostra como Lula tomou o poder no Sindicato dos Metalúrgicos.

Insatisfeito por ter sido desautorizado pelo então presidente do sindicato, Feitosa (Marcos Cesana), Lula foi cobrar explicações dele. Após uma discussão, da revelação de algumas irregularidades feitas pelo próprio Feitosa, e do discurso que era necessário ter sangue novo no comando do sindicato, veio a proposta, diria eu, indecente: “Tu fica até o fim do teu mandato, depois sai de fininho”. Em seguida, um “companheiro” avisa que é Lula que sairá candidato.

Corta para a reunião do sindicato em que Lula com a sua conhecida capacidade de se comunicar com as massas aproveita para elogiar o tão criticado, odiado, corrupto e vaiado presidente antes de avisar que era preciso de sangue novo e de mudança. “Alguém diferente”, diz o seu irmão num belo slogan de campanha em outra passagem do filme em que ele tenta convencer aquele Lula que reconhecia gostar mais de novela do que de política a entrar no sindicato.

Ora, o que Lula fez ali não é muito diferente do que faz no seu atual mandato eivando de credibilidade figuras no mínimo controversas como os senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Todas aduladas em momentos de crises políticas envolvendo eles ou seus partidos.

Mais do que restrições ideológicas, no entanto, “Lula, o filho do Brasil” poderia ser criticado por outros pontos. Não gosto, por exemplo, da maneira como ele foi montado e editado. O resultado final se pareceu com uma sucessão de esquetes juntadas em duas horas.

É ainda lamentável a omissão no roteiro de uma passagem importante da vida do presidente, o nascimento da filha Lurian que ele teve com a enfermeira Miriam Cordeiro e que causou tanta polêmica na eleição de 89, e a mudança de fatos históricos como o linchamento do dono de uma fábrica que Lula, em suas próprias palavras achava que naquela época “o pessoal estava fazendo justiça”, pois um trabalhador havia sido assassinado pelo mesmo indivíduo. No filme, ele se incomoda com o episódio e acha tudo injusto. É triste porque o próprio Lula sequer evita falar sobre estes episódios. E as omissões só reforçam os argumentos do suposto processo de endeusamento do presidente usados pelos que criticam o filme.

Além disso, há a atuação de Rui Ricardo Diaz, que deixa a desejar na pele do presidente e a partir de determinado momento simplesmente esquece da voz rouca e da língua presa. Isso é primário. Ou faz de um jeito ou de outro. Mudar do nada no meio do filme é que não dá. Causou um estranhamento incrível durante a sessão. Sem contar o português impecável que ele apresenta, bem diferente do “menas laranja” que o próprio Lula já usou em tom de brincadeira para explicar sua evolução lingüística.

A atuação de Rui só não compromete o filme primeiro pela força dramática dessa atriz espetacular que é Glória Pires, um dínamo no papel de dona Lindu, a mãe de Lula, que segura brilhantemente a película a cada vez que aparece em cena. Em segundo lugar, porque o próprio Lula é uma figura tão forte que até o faz esquecer o ator ali presente. É um personagem que suplanta o próprio ator. Mal comparando é como James Bond, que sempre será James Bond independentemente de quem vista o terno (aqui incluído desastres como Daniel Craig e Timothy Dalton).

Entre erros e acertos – refletidos, inclusive, na trilha sonora popularesca, mas com a cara do presidente, que, contudo, tem uma canção instrumental ímpar de Antonio Pinto (compositor de filmes como “O amor nos tempos de cólera” – 2007, “Senhor das Armas” – 2005 e “Cidade de Deus” – 2002) e Jacques Morelembaum -, porém, “Lula, o filho do Brasil” é um bom filme de Barreto. Seguramente o melhor de sua carreira em que se destacava até então “O Quatrilho” (1995). E é um trabalho que será melhor julgado quando Lula estiver distante da presidência e dos embates políticos. Diante da guerra eleitoral que se avizinha, ele será por enquanto arma de combate. Dos dois lados do exército.