sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Nem tão chatô assim

Marco Ricca brilha como Chatô
"Chatô" levou vinte anos para ser feito. Foi mais tempo que o "Chinese Democracy", do Guns N'Roses. Foi mais tempo do que "Boyhood" (2014), de Richard Linklater, que ao contrário dos exemplos anteriores, propositalmente levou 12 anos para ser finalizado. Foi tanto tempo que dois atores do filme morreram e aparecem nos créditos como "in memorian".

Quando "Chatô" começou a ser feito, o presidente era Fernando Henrique Cardoso, o Real era uma moeda novíssima e o Fluminense nunca tinha sido rebaixado. Naquela época, ainda existia a Iugoslávia (ainda que só Sérvia e Montenegro fizessem parte dela), enquanto iniciávamos nossas conversas no ICQ com a pergunta "quer teclar?". Ah, as madrugadas que passávamos em claro para pagar mais barato pela internet. Nenhuma saudade. Era um outro mundo de um filme que começou a ser produzido em um século e terminou em outro. 

Diante disso, a Corneta esperava que este filme fosse uma daquelas bombas históricas. Mas era uma obrigação moral ver. Eu ouvi o resultado final do "Chinese Democracy". Tinha que ver como "Chatô" nasceu. 

Polêmicas e processos à parte, recadinhos diretos no fim também, "Chatô" decepciona mais pelo personagem em si do que propriamente o filme. Vivido de forma LISÉRGICA por Marco Ricca, Assis Chateaubriand parece um jagunço sem limites, que se acha dono do Brasil (quiçá do mundo) extremamente poderoso, desbocado, misógino (em tempos de #meuamigosecreto ele ia apanhar em pau de arara da mulherada), canalha, entre outras possíveis alcunhas que fariam esse texto ter 4.533.745 parágrafos. 

Mas Chatô também era um louco até certo ponto visionário que comandou um jornal importante na história do Hell de Janeiro, o Diários Associados, e fundou a TV Tupi do zero. Tudo teve relativo sucesso, tudo não existe mais. Pois a mesma ousadia e porra-louquíce que fez Chateaubriand levantar o seu império de comunicação, ajudou a fazer tudo definhar em dívidas. Pelo menos é o que o filme passa. 

O filme de Guilherme Fontes por vezes parece um episódio dos “Trapalhões”. Tem momentos de comédia exagerada padrão Zorra Total. Tudo ali é exagero, tudo é expansivo e às vezes caricato. E a Corneta acha que não funcionou muito bem. 

Por outro lado, a ideia de contar a história de Chatô através de um ensaio quase onírico com um julgamento de sua vida e sua figura tão controversa num show de TV semelhante ao do Chacrinha ficou muito interessante. Pode causar estranhamento em alguns. Outros poderiam achar o filme doido. Eu mesmo demorei a aceitar esta versão pouco ortodoxa da cinebiografia, mas ao fim achei uma boa sacada do Guilherme Fontes. Estrelinha para ele. 

Outro ponto positivo de “Chatô” é a atuação de Ricca como o personagem principal. Apesar de todos os excessos do personagem, ele é o que melhor encarna o seu papel em um filme cheio de ótimos e conhecidos atores com performances, por vezes, abaixo do esperado. O Getúlio Vargas de Paulo Betti talvez seja o maior ponto fora da curva. Prefiro muito mais a versão do Tony Ramos em "Getúlio" (2014). 

Perto do que se esperava (um filme sem pé nem cabeça com uma história montada de qualquer jeito) até que "Chatô" se saiu melhor do que a encomenda. Mas está longe de ser um filmaço, mesmo sendo lançado numa época cheio de filmes brasileiros meia-boca e comédias blergh. Diante de seus pares, Chatô até se sobressai. Mas na análise da Corneta o filme ganhará uma nota 6.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Pearl Jam - Jogo de volta

Eddie Vedder espalha a palavra/Reprodução
Uma semana depois do show de São Paulo, o Maracanã recebeu o jogo de volta do mata-mata com o Pearl Jam. Que coisa maravilhosa. Acho que dessa vez foi 8 ou 9 a 1. Sete a um seria muito pouco para o que vimos. Só o que nos resta neste momento é uma análise malemolente. 

1- A apresentação do Pearl Jam no Maracanã foi mais uma a comprovar a minha tese de que o último show de uma turnê pelo Brasil é sempre o melhor. Comparando com o de São Paulo, que foi o outro que vi, foi melhor. E olha que o do Morumbi tinha sido ótimo. Mas o do Maracanã se alinha muito perto daqueles inesquecíveis como os de 2005 e 2011. 

2- Num ano em que o futebol carioca fez figuração, teve um time na Série B e tem outro quase tragado para a segunda divisão, não é exagero dizer que o maior espetáculo que o Maracanã viu em 2015 foi o de ontem. 

3- Poucos notaram, mas entre tantos fatos relevantes do show havia um que é um retrato do poder da música e do amor de alguém por uma banda. Entre os milhares de espectadores, havia um cego na pista. Ele não podia ver, mas sentiu o show tanto quanto todos os fãs que estiveram no estádio. Ele cantava e dançava em "Black" ou "Even Flow" com a mesma empolgação de quem podia ver a banda no palco. Não sei quem ele é, mas foi emocionante e esse cara é um exemplo. 

4- O Perl Jam começou com "Oceans", a melhor canção do grupo para cidades de praia como o Rio, com seu clipe da galera pegando onda e numa boa. 

5- Ninguém levou mais toco na noite do que os vendedores de batata frita. Todos saiam oferecendo de todo jeito. Alguns disseram até que era "sem colesterol e fazia parte da dieta", mas o preço salgado (R$ 15) assustou as pessoas, que, em tempos de crise, preferiram jejuar. 

6- Certa vez, alguém virou para um Eddie Vedder impressionado com a histeria dos fãs dos Ramones e questionando se um dia tocaria para tanta gente no Brasil e disse: "O lugar do Pearl Jam no Brasil é em estádios". Depois de dois shows na Apoteose, o dia finalmente chegou e o cantor estava satisfeito: "É uma honra encher o Maracanã".

7- Foi um show ainda sob os efeitos de Paris, principalmente porque a banda descobriu que um dos mortos no Bataclan era fã do Pearl Jam. O grupo aproveitou para fazer um cover do Eagles of Death Metal, que tocava na capital francesa quando aconteceu o atentado. 

8- Foram 34 músicas e 3h de um espetáculo mais nostálgico. O disco novo, "Lightning Bolt", contribuiu com apenas três canções, enquanto tivemos sete do "Ten", quatro do "No Code" e outras quatro do Vitalogy", que neste domingo completava 21 anos de lançamento. 

9- Tivemos ainda seis covers. Entre eles, claro, "Rockin' in the free World", do Neil Young, "Imagine", de John Lennon, e "Comfortably Numb", do Pink Floyd. 

10- Como é dura a vida desde o advento da pista VIP/Premium/Coxinha. Mesmo na grade da pista comum eu me vi tão distante do palco... 

11- Carioca é mais animado que paulista e canta tanto e tão alto que em algumas musicas mal dava para ouvir a banda. 

12- Por outro lado, os paulistas deram um banho de tchururu tchutchururu em "Black". Os cariocas foram mais tímidos, mas compensaram e deram um banho nos paulistas nos GEMIDOS de "Jeremy" e "Alive". 

13- O número de camisas de flanela esteve dentro da média atual de 5% das pessoas usando. Mas Eddie Vedder levou uma para manter a tradição. 

14- O cantor, aliás, realizou o sonho máximo de qualquer fã. Deixou que ele cantasse uma música. Inicialmente Vedder disse que só pagaria uma bebida para o fã que garantia que era seu aniversário. Duas músicas depois, o cidadão subiu no palco, bebeu do vinho do cantor (até eu beberia se o Eddie Vedder tivesse me oferecido) e cantou a primeira estrofe de "Porch" para delírio e INVEJINHA dos demais presentes. 

15- A banda estava em casa e bem bagaceira. Eddie Vedder foi pra galera, brincou, fez piada e tomou cachaça. O baixista Jeff Ament fez uma cara de quem não curtiu muito e achou meio azedo. Já Mike McCready ficou até sem camisa no maior clima churrascão de domingo. 

16- Mas nada superou o quesito nonsense do que a pessoa que jogou uma SUNGA VERMELHA no palco num efeito Wando às avessas. Eddie Vedder olhou, riu, foi zoado pelo guitarrista Stone Gossard, esqueceu que tinha que cantar, a colocou na cabeça e, no fim, a vestiu por cima da bermuda, pois se o Superman pode, ele também pode. 

17- "Corduroy", "Do the evolution", "Amongst the waves", "Given to fly", "Jeremy", "Better Man" e "Alive". Foi lindo e puro amor. Se tivesse rolado "I am mine", "Animal" e "State of love and trust" teria sido ainda mais. 

18- O saldo final da minha loucura é 6h de show, 67 músicas e um sentimento: se tivesse outro show amanhã eu iria de novo. 

Cotação final da corneta: 9,5.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A derrapada de Jogos Vorazes

Katniss sabe onde atirar
Imagina a situação. Você passa quatro anos acompanhando uma série e no momento derradeiro, na hora daquele fim apoteótico, ela desvela-se uma novela de Manoel Carlos. Eu poderia estar falando de "Lost", mas na verdade estou é falando de "Jogos Vorazes"

O último filme finalmente chegou até nós após a picaretagem de dividir o último livro em dois filmes. Rolou toda aquela expectativa. O que Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) faria além gritar PEEEEEETAAAA, chorar, as sentir culpada até pela morte das formigas que ela pisa e não se decidir sobre com quem realmente quer dividir o status de relacionamento sério no Facebook e procriar? 

Todas essas questões ainda estão presentes no filme, pois afinal ela é uma jovenzinha em formação cheia de inseguranças e questões e que desde cedo tem a responsabilidade de salvar o mundo em uma guerra. Tudo apenas com o seu arco e flecha de qualidade bem inferior ao do Gavião Arqueiro. 

Mas Katniss estava menos Robin Hood agora e mais com um jeitão da Noiva de Uma Thurman em "Kill Bill" (2003). Ela vira para as câmeras de TV faz cara de conteúdo e diz: "I wanna kill Snow" (o presidente de Panem vivido por Donald Sutherland, não o Jon Snow que torcemos para ressuscitar). 

Com essa missão, ela junta um esquadrão de elite e propaganda para invadir a Capital e executar o seu objetivo. Katniss tem sede de sangue. Ela não quer fazer campanha política com a equipe do Nizan Guanaes que a acompanha. 

Aqui o filme se divide em dois. De um lado e com muito mais foco, temos a saga de Katniss passando de fase neste videogame até o sonhado confronto final com o mestre. Ela enfrenta fogo, tiros, petróleo assassino, pequenas traições, soldados... enfim é preciso ser completa para chegar na fase final. 

Do outro lado a política ferve. Afinal, ninguém quer derrubar um governo para deixar a cadeira vazia, não é presidente Coen (Julianne Moore e seus cabelos grisalho-escorridos). 

Parece óbvio que em algum momento a guerra e a política vão se cruzar. Mas antes disso teremos beijinho no moreninho, beijinho no lourinho, chantagem emocional (você não gosta de mim, você gosta dele, você não me ama mais, verdadeiro ou falso? blá-blá-blá), uma mulher indecisa, algumas mortes e muito chororô. 

Mas ainda assim, o terço final do filme se encaminha de uma forma gloriosa. Reviravoltas, discussões sobre como o poder pode corromper as pessoas, sobre como a propaganda pode ser uma arma assassina, e até visão pessimista da humanidade, sempre disposta a se destruir para conseguir o seu objetivo. "Jogos Vorazes" está muito longe de ser um conto de fadas. 

O problema é que o filme parece ter o fim daquele personagem da “Escolinha do Professor Rainundo”. Na hora de tirar o 10, refuga feito um Baloubet e põe tudo a perder. É quando os distritos viram um Leblon e Manoel Carlos assume o roteiro. Por que, Brasil? Por que Panem? Por que Katniss? Por que Suzanne Collins?

Fui apurar com um especialista em "Jogos Vorazes", dar voz a um fã antes da nota final da Corneta. E descobri que o último filme tem modificações cruciais em relação ao livro e que fazem aquele beirar o ridículo e este me dar até vontade de ler o livro. E aí eu pergunto: por que Suzane Collins? Por que deixar isso acontecer? Estragou a sua obra no cinema. 

"Jogos Vorazes" teve um início muito bom, um segundo filme excelente, mas faltou ousadia e alegria nos capítulos finais. A revolução anunciada levou a uma guinada conservadora de fazer a Branca de Neve puxar um lencinho branco para enxugar as lágrimas. Diante disso, a Corneta terá que dar uma nota 5,5.

domingo, 15 de novembro de 2015

Pearl Jam - Jogo de ida

Vedder, o vocalista-Messias/Site do Pearl Jam
Mata-mata com o Pearl Jam. Jogo de ida no Morumbi. Uma maravilhosa vitória por 7 a 1. Na semana que vem, é a vez do jogo de volta no Maracanã! Enquanto ele não vem, tudo o que podemos dizer estão nos tópicos a seguir:

1- Como uma banda preocupada com o que acontece pelo mundo e os rumos do planeta, o Pearl Jam entrou no palco tocado pelo ataque terrorista em Paris. Logo no início, Eddie Vedder, o nosso Messias, disse naquele português macarrônico que já conhecemos: "Muito obrigado por estarem aqui. Sentimos que precisamos estar com pessoas hoje e estamos felizes por estar com vocês. Nosso amor vai para todos em Paris. Temos ainda muito a superar juntos".

2- Mais a frente, o cantor pediu para as pessoas se abraçarem, preocupou-se frequentemente com a segurança e reconheceu uma certa apreensão com o show de ontem.

3- Para fechar o bloco ‪#‎prayforParis, havia um desenho da Torre Eiffel na bateria de Matt Cameron, enquanto Mike McCready exibiu um desenho estilizado da Torre Eiffel que vem sendo compartilhado nas redes sociais.

4- Talvez por conta dos acontecimentos parisienses o show começou meio soturno com "Long Road" e "Off the girl", o que não aconteceu nem no Chile, nem em Porto Alegre.

5- A coisa começou a animar em "Love Boat captain" e teve uma primeira explosão em "Do the evolution", cuja letra é bem apropriada para esta humanidade em tempos sombrios.

6- O Pearl Jam não tem fãs. Tem fiéis da Igreja de Eddie Vedder. Alguns deles são bastante enfáticos como um cara que estava perto de mim e gritava dois bordões ao fim de cada música: "Vocês são do caralhoooo", "Vocês são maravilhosoooos".

7- Já as mulheres, bem, eu vou resumir o sentimento delas na frase que uma amiga que estava comigo disse (e cujo nome não revelarei para ela não ter problemas em casa): "O Eddie Vedder é a definição de homem perfeito". Aceitemos que dói menos camaradas homens.

8- Foram 3h de show com um intervalo de dez minutos no meio para limpar o palco porque...

9-....choveu, CHOVEU MUITO. Deu para ver raios e não eram efeitos especiais por conta do novo disco: "Lightning Bolt".

10- Foram 33 músicas. Sete delas do "Ten". Teve ainda cinco do "Lightning Bolt", três do "Vitalogy" e três do "Vs". As demais vieram de outros álbuns.

11- Três covers: "Imagine" (John Lennon), "All along the watchtower" (Bob Dylan) tocada numa pegada quase grunge, e, claro, "Rockin' in the free World", do Neil Young quebrando tudo e mais um pouco.

12- As camisas de flanela, marca do grunge, estão praticamente aposentadas. Poucos na galera ainda usam, mas Eddie Vedder estava lá com o seu modelito xadrez.

13- O cantor também bebeu pouco vinho desta vez. Mas entornou um pouco da garrafa no palco. Deve estar deixando para ficar totalmente bêbado no Rio.

14- Mike McCready toca guitarra com a facilidade de quem faz algo banal. O cara é um monstro. O também guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament não ficam muito atrás.

15- Alguns probleminhas no som que foram até "Better man", a 18ª música, deram uma prejudicada no show. Mas foi tão foda que poucos repararam na prática.

16- "Corduroy", "Given to fly", "Jeremy", "I am mine", "State of Love and Trust" e "Alive". Puro amor. Pode repetir todas essas no Rio.

17- Pesquisadores britânicos apuraram que durante "Black" os fãs repetiram 437 vezes a expressão "tchururutchu tchururu". Mas não foi quebrado o recorde mundial de 2005, quando a Apoteose viu pelo menos 12 minutos de "tchururutchu tchururu". Naquele dia, o Eddie Vedder até sentou no palco.

18- Eddie Vedder canta com a alma, amigos. Ele se entrega no palco, baixa um santo e tudo flui. Que cara foda.

Cotação da corneta: nota 9.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

007 contra a Corneta Atômica

Bond se mete numa fria, mas não perde a pose
Eu sempre disse que Daniel Craig nunca serviu para ser James Bond. Nada contra suas eventuais qualidades como ator. Ele apenas não tinha classe para o papel. Quatro filmes depois eu.... Mantenho a minha opinião, é claro, porque eu sou teimoso. Mas não apenas por isso. É difícil esquecer os erros cometidos nos filmes: sair do mar de sunguinha branca numa citação desastrada a Ursula Andress, se apaixonar, chorar, sofrer, onde já se viu isso? O cara é um agente 00 com licença para matar. Não pode se preocupar com romancezinhos. Só faltou casar igual ao George Lazenby. 

Paradoxalmente Craig fez alguns dos melhores filmes da série. Se "Cassino Royale" (2006) era bem mais ou menos (o que é uma pena, pois o livro é ótimo), a coisa melhorava em "Quantum of Solace" (2008) e chegava quase a perfeição em "Skyfall" (2012), quando, além de uma ótima história, percebemos o início da retomada dos valores tradicionais do nosso herói. 

Devemos tudo isso ao diretor Sam Mendes, que assumiu as rédeas da franquia no último filme e começou a consertar os estragos. Veio "Spectre" e atingimos o ápice da retomada, quando tudo se coloca nos eixos exatamente como os fãs gostam. 

- Tem Martinis batidos, não mexidos
- Tem Bond seduzindo as mulheres
- Tem Bond levando toco da Moneypenny
- Tem Bond, James Bond
- Tem um capanga cinco vezes mais forte que o Bond, mas que vai perder a luta no final
- Tem ótimas Bond Girls
- Tem Bond dirigindo um maravilhoso Aston Martin numa excelente perseguição pelas ruas de Roma (o lugar mais lindo para se fazer uma perseguição de carro, um dos lugares mais lindos do universo)
- Tem o herói se livrando de situações perigosas tranquilamente e sem se esquecer de ajeitar a abotoadura ou fechar o paletó (uma marca no estilo de Craig, quase um bordão imagético).
- Tem excelentes vilões
- E tem... Hummm não posso contar. Mas, vocês sabem, os mortos sempre teimam em voltar, como somos avisados no início do filme. 

"Spectre" encerra um ciclo ao mesmo tempo em que inicia outro. Nele, Bond perceberá que até aquele momento estava apenas enxugando gelo e não tratando do verdadeiro problema da humanidade. Um tal de Franz Oberhauser (Christoph Waltz, perfeito toda vida como um vilão clássico da franquia), que comanda uma organização terrorista com tentáculos em todas as partes do mundo e lugares mais improváveis. Talvez tenha um cara da Spectre do seu lado enquanto você lê este post. 

Neste momento, o MI-6 está vivendo um problema sério. Seus métodos tradicionais com o uso de agentes secretos são questionados dentro do governo britânico. Uma fusão com o MI-5 está sendo organizada e seu novo chefe, chamado apenas de C por Bond em referência a um palavrão deselegante na língua inglesa, quer trocar agentes por drones. É um tolinho adepto da espionagem de resultados e contra o romantismo, a espionagem-arte, a espionagem-moleque e a tradição dos agentes 00. 

C é interpretado por Andrew Scott, o Moriarty da série "Sherlock". A interpretação de Scott é fantástica. Ele está o perfeito filho da puta de dar raiva, com ecos na insanidade do Moriarty da série. Benedict Cumberbatch que o diga. 

Enquanto isso, Bond e sua eterna cara de jagunço está sozinho no campo e lutando  contra o relógio em uma investigação feita como último pedido da antiga M de Judi Dench antes do surgimento do novo M de Ralph Fiennes. Ele não tem o apoio de ninguém, a não ser dos amigos Moneypenny (Naomie Harris) e Q (Ben Wishaw), o gênio responsável por suas engenhocas. E, claro, a doutora Madeleine Swann (Léa "Azul é a cor mais quente" Seydoux), a Bond Girl da vez. E ainda tem a Mônica Bellucci de espartilho, amigos. Essa é o Bellucci que deu certo. 

A busca por desvendar os mistérios dessa organização misteriosa leva Bond da Cidade do México em meio aos festejos do Dia dos Mortos, a encantadora Roma, passando por Áustria, Marrocos e Londres, é claro. Bond transita em poucos dias entre um calor de 50 graus mexicano ou marroquino e o frio extremo austríaco. Tudo sem ficar doente. Eu queria ter na minha casa um estoque da vitamina C potente que esse cara toma. 

Desde o início do filme num belo plano-sequência de tirar o fôlego na capital mexicana até o desfecho londrino, tudo acontece no intuito de descobrir o que é e, eventualmente, desmantelar a Spectre. Tolinho, isso jamais acontecerá. A Spectre é como a Hidra nos “Vingadores”. 

Acrônimo em inglês para Executiva Especial de Contra-inteligência, Terrorismo, Vingança e Extorsão, a Spectre é a organização criminosa que trouxe mais dores de cabeça para o 007. Era liderada pelo seu arqui-inimigo, Ernst Stavro Blofeld, que, teoricamente morreu no filme de 1981, "007 somente para seus olhos". Na ocasião, o agente secreto era vivido por Roger Moore. 

Ela volta agora repaginada e com o filme entrando na discussão da vigilância completa de toda a humanidade a partir da proposta de unificação das agências secretas no que eles chamam de Nove Olhos. 

Mas toda essa trama é acessória perto de qual é a grande proposta do filme: a gênese do vilão. Tudo é trabalhado para se chegar no que Oberhausen se transformará para sempre. Mas até lá Bond tem que participar de perseguições mirabolantes e se virar nos 30 para salvar a humanidade, proteger a garota e tomar uns Martinis, porque ninguém é de ferro. 

Em meio a uma era de blockbusters no ritmo veloz de Usain Bolt, "Spectre" é um pouco mais contemplativo e classudo como um bom filme do passado do 007. Talvez alguns o achem chato, mas este fã saiu do cinema querendo ver o filme de novo. Méritos do diretor, dos roteiristas e do trabalho dos atores. Uma pena que a música-tema do Sam Smith com todos os seus 378756578 falsetes (mais do que toda a carreira do A-Ha) seja tão ruim. É um calcanhar de Aquiles do filme maior até do que o Craig, que já está até mais simpático.

"Spectre" abre uma gama de possibilidades para o futuro. Tal qual a sequência de filmes feitas por Sean Connery, o surgimento de um vilão (lá atrás era Blofeld) representa uma nova guinada na franquia. E se Craig não voltar, só espero que o próximo ator seja escolhido com sabedoria. Ser o James Bond é um emprego muito difícil. Não é para qualquer um. Enquanto o futuro não chega, a corneta dará uma nota 8,5 para "Spectre". E ficará os próximos anos aguardando ansiosamente pela chegada do novo filme.
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terça-feira, 3 de novembro de 2015

Na Grécia, um time cujo estádio fica na praia

O estádio do Ergotelis, que fica na beira da praia em Heráclio | Marcelo Alves
O Ergotelis atualmente está na segunda divisão da Grécia, mas pode se orgulhar de uma coisa: tem um dos estádios mais bem localizados do mundo. O estádio Pankritio, onde o time da ilha de Creta manda as suas partidas, fica na praia. É isso mesmo que vocês leram e podem comprovar na foto acima. Ele fica na praia.
O Ergotelis é um clube de Heráclio, capital de Creta. Embora tenha 86 anos de existência, o time grego joga no Pankritio desde 2004, quando o estádio foi oficialmente inaugurado.
O Pankritio foi construído para os Jogos Olímpicos de Atenas. Sua inauguração foi em uma partida entre a Grécia e a Suíça. Nas Olimpíadas, o estádio recebeu 10 jogos, sendo seis do torneio masculino e quatro do feminino. 
Entre as seleções que atuaram no estádio esteve a equipe feminina do Brasil, que goleou o México por 5 a 0 na primeira fase do torneio olímpico daquele ano. A partida mais importante também foi no torneio feminino: a vitória dos Estados Unidos sobre a Alemanha por 2 a 1 na semifinal. Também veio do torneio feminino o recorde de público do estádio naquela olimpíada. Um total de 15.757 pessoas viram a vitória dos Estados Unidos sobre a Grécia por 3 a 0. 
O estádio do Ergotelis de dentro | Marcelo Alves
Com capacidade para 27 mil pessoas, o estádio, na realidade, começou a ser construído no final da década de 80, mas nunca foi concluído. Até que em 2001, o comitê olímpico local resolveu finalizá-lo para aproveitar para a Olimpíada. Após os Jogos, o Ergotelis passou a usá-lo como sua nova casa para a alegria dos seus torcedores, que podem até pegar uma praia antes ou após as partidas. 
E um estádio olímpico não poderia estar em melhores mãos do que o Ergotelis. Fundado em 1929 por um grupo de pessoas que viviam na cidade, entre elas muitos refugiados vindos da Anatólia, região onde hoje está a Turquia, o time tem o nome do corredor olímpico Ergoteles de Himera, campeão de uma antiga corrida de 4.800m nas Olimpíadas da Grécia antiga em 472 e 364 A.C. (bom, pelo menos é o que diz o Wikipedia). Por isso que o seu escudo tem a imagem de um corredor e a coroa de louros.
Hoje, o Ergotelis está mal das pernas. Na temporada passada, o time foi rebaixado para a segunda divisão. Mas está buscando a recuperação imediata na atual temporada. A equipe está em quarto lugar na Série B com 10 pontos. O líder é o Larissa, com 16, seguido do Kerkyra, com 12. Os dois primeiros colocados sobem para a elite.
O estádio onde jogam as divisões de base do clube | Marcelo Alves
TÚMULO DE ESCRITOR
Mas não é apenas por ter um estádio na praia que o Ergotelis se destaca em Creta e no futebol grego. O clube também tem pequeno estádio que fica no alto de um morro na cidade de Heráclio onde jogam as divisões de base da equipe. Até aí nada demais e ainda rende uma bela vista da cidade e do mar.
O curioso é que o estádio fica ao lado do túmulo do escritor Nikos Kazantzakis. Um dos ídolos da literatura grega, Nikos é natural de Creta e autor de livros como "Zorba, o Grego". A história foi para as telas do cinema em 1964 com Anthony Quinn no papel principal e venceu três Oscar, entre eles o de melhor atriz coadjuvante para Lila Kedrova. 
O túmulo do escritor Nikos Kazantzakis | Reprodução
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)