domingo, 30 de agosto de 2009

Além de gritos e gemidos

Sasha Grey não é a primeira atriz a atravessar a fronteira dos filmes pornográficos para os filmes, vá lá, sérios. Mas ninguém foi tão longe quanto ela. Aos 21 anos, a jovem atriz mais conhecida por suas, digamos, atuações realistas, ganhou uma chance de ouro do diretor Steven Soderbergh e soube agarrá-la (sem duplo sentido). Ela é a curiosidade que motiva uma conferida no novo filme do diretor americano, “Confissões de uma garota de programa”.

Com nenhuma cena de sexo (só um nuzinho frontal encoberto por um quarto escuro) e muitos diálogos, o filme é completamente diferente do que Grey – nascida Marinna Ann Hantzis e cujo “nome de guerra” é uma combinação do vocalista do KMFDM, Sascha Konietzko, com Dorian Gray, personagem principal de “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde – está acostumada em filmes como o "Sasha Grey's Anatomy", cujo pôster você vê aí embaixo. Mas nem por isso ela se sente intimidada.

Sasha atua com desenvoltura no filme que conta a história de Chelsea, uma garota que faz programas de luxo e vive um relacionamento aberto com o namorado, o personal trainer Chris (Chris Santos).

Em tom documental, Soderbergh coloca sua câmera a disposição de Chelsea, que mostra como administra o seu negócio de forma extremamente profissional e revela suas frustrações e até uma certa solidão com a vida que leva. Algo que fica ainda mais latente quando ao mínimo sinal de algum carinho, ela quase larga tudo em busca de um sonho que talvez seja largar aquela vida. Até porque ela mesma já está começando a ser substituída pelas novas carnes que vão chegando ao açougue.

Suas confissões são reveladas a partir do momento em que o jornalista Phillip (Phillip Eytan) começa a expô-las para uma reportagem que está escrevendo justamente sobre o mundo das garotas de programa de luxo. Algo que Chelsea conhece muito bem na altura dos seus US$ 10 mil por programa, que incluí mais do que sexo, mas um dia de companhia para se fazer o que se quer fazer.

É através dele e para ele que Chelsea lamenta o quão dispendiosa e monocromática é a sua vida, ou melhor, suas muitas vidas. Ao descrever as suas vestimentas e o perfume que ela usa a cada encontro, Chelsea se olha no espelho e percebe a farsa que vive. Mesmo em casa, ela nunca pode ser ela mesma. Chelsea é a mulher que os homens querem que ela seja, pois eles pagam para isso. E até afirma que se ela fosse ela mesma, os homens não pagariam para ficar com ela.

Questionada sobre o porquê disso, pois afinal ela é uma mulher bonita e atraente, Chelsea responde que simplesmente sabe disso. É como se viajasse para dentro de si e soubesse que não passa de uma bonequinha de luxo. Um brinquedo para os homens aliviarem a tensão da crise financeira nos primeiros meses da era Obama.

A interpretação de Sasha tem todas essas nuances sem que seja preciso fazer caras e bocas. É apenas um olhar perdido, uma maneira de falar. Ela usa o mínimo para expor tudo o que sua personagem sente. Bem diferente das sempre "expansivas" atrizes pornôs. Em “Confissões de uma garota de programa”, portanto, ela mostra que pode ir muito além dos gritos e gemidos da indústria da qual veio. E o trabalho acabou sendo bom para a sua própria carreira de filmes adultos, que passaram a vender ainda mais. Nada mal para uma atriz iniciante.

sábado, 22 de agosto de 2009

Uma máquina de propaganda

Em determinados momentos de “G.I. Joe – A Origem do Cobra”, ora em cartaz, tem-se a impressão de que o filme foi encomendado pelo exército americano. Com todo aquele papo de “tragam nossos Joes para casa” e os clichês militares, o filme funciona melhor como peça de propaganda do que propriamente como blockbuster que venha a divertir o espectador.

Enquanto seus ouvidos escutam as explosões, saltos espetaculares e tiros e seus olhos acompanham briguinhas insossas, desfila-se na tela uma miríade de mensagens publicitárias que devem ter feito o Pentágono sorrir de orelha a orelha. Periga até o exército patrocinar a continuação do filme. Ou você acha que hoje em dia algum blockbuster passa incólume sem que a mãe Hollywood gere irmãozinhos? Ninguém mais é filho único na indústria cinematográfica.

Se como publicidade, "G.I. Joe" se credencia a faturar prêmios, como filme ele é um dos piores do ano. Um dos piores a que a indústria americana já se dispôs a fazer em sua longa história.

O trabalho do irregular Stephen Sommers varia entre o pragmático e o sofrível. Ele é pragmático quando usa de recursos absolutamente batidos para ganhar a platéia. Tem um personagem engraçadinho e bobalhão (Marlon Wayans, que faz o Ripcord), sempre pronto a soltar uma piada para aliviar a tensão e uma vilã (nem tão) gostosa (A Baronesa vivida por Sienna Miller). Usa dos opostos que fazem a torcida escolher um lado, como as brigas entre a Baronesa e Scarlet (Rachel Nichols) e entre os meio-irmãos Storm Shadow (Byung-Hun Lee) e Snake Eyes (Ray Park), cuja história e relação talvez seja o que há de mais profundo e interessante na película.

Nada diferente do que ele fez nas duas seqüências da Múmia. Após um primeiro filme divertido e criativo lançado em 1999, “O Retorno da Múmia” (2001) e “A Múmia: Tumba do Imperador Dragão” (2008) – este apenas como roteirista – são um festival de clichês e esquetes insossas.

Combinando isso com as cenas de ação distribuídas a cada cinco minutos de diálogos rasos, cortesia dos roteiristas Stuart Beattie, David Eliott e Paul Lovett, e vilões que riem daquele jeito maquiavélico ha..ha..ha..ha..ha..ha, tem-se um filme dispensável.

É no roteiro juvenil que se vê o exemplo maior de como a película é sofrível. E ainda nas atuações da profundidade de um filme pornô de quinta categoria. Com o diferencial que não há nem sexo para distrair. Ou seja, nada se salva num filme que pode ser bondosamente qualificado como um equívoco.

O retrato de “G.I. Joe” é Duke, seu protagonista vivido por Channing Tatum. Ator sem expressão, Tatum parece querer encarnar exatamente o espírito da linha de bonecos na qual o filme foi inspirado. Nada de emoção, um olhar...bem, enquanto isso Dennis Quaid (o general Hawk) vibra e grita “vamos trazer nossos meninos para casa”. Os soldados até desejam ir para casa, mas aqueles que assistem a “G.I. Joe” anseiam ainda mais do que eles pela tortura a que passam. E ainda pagaram por isso.

O resumo da ópera bufa de “G.I. Joe – A Origem do Cobra” é que era muito mais divertido e criativo brincar com os bonecos do Comandos em Ação.

sábado, 15 de agosto de 2009

Há 40 anos eu queria ter estado lá

Foi tudo meio improvisado, sujo, sem qualquer segurança. Enfim, tinha tudo para dar errado. Mas o festival de Woodstock realizado há 40 anos em uma fazenda em Bethel, Nova York, entrou para a história como um daqueles momentos que mudaram a história da música.

Mais de meio milhão de pessoas assistiram (quando não estavam chapadas) aos 32 shows realizados naqueles três dias de agosto de 1969. As drogas rolaram soltas em cima do palco e na platéia. Sexo não faltou. Teve banho de lama e muito, mas muito boa música.

Algumas imagens de Woodstock se tornaram marcantes como a de Jimi Hendrix tocando o hino americano de forma distorcida e intercalada com sons de bombas explodindo e tiros. Um protesto contra a Guerra do Vietnã, onde os Estados Unidos ainda afundavam.

A apresentação de Jimi Hendrix, que devido aos muitos atrasos só pôde acontecer na segunda-feira de manhã (o festival começara numa sexta), foi a mais longa de sua carreira (o set list durou duas horas) e entrou para a história como um dos grandes momentos do rock. Quem já teve a oportunidade de assistir sabe que foi um concerto espetacular. Dá inveja não ter estado lá. É possível invejar não ter nascido uns 18 anos antes do festival para poder ter estado lá.

O show de Hendrix fechou um festival que teve grandes nomes como Janis Joplin, Crosby, Stills Nash e Young, The Who, Santana, que tocou completamente chapado, Creedance Clearwater Revival, Jefferson Airplane, e Joe Cocker, cuja interpretação visceral de “With a little help from my friends”, dos Beatles, é reproduzida toda vez que Woodstock é lembrado. E o cardápio teria sido ainda mais qualificado se bandas como o The Doors, o Led Zeppelin e Bob Dylan não tivessem desistido de participar do festival por diferentes motivos.

No cômputo final também se registrou duas mortes, sendo uma por overdose de heroína, e dois nascimentos. Os vizinhos ficaram muito incomodados, houve engarrafamentos homéricos, mas foram três dias inesquecíveis para o mundo. Não é a toa que a revista Rolling Stone americana elegeu o festival como um dos 50 momentos que mudaram a história do rock.

Quem quiser ver como foi toda essa loucura é só correr para uma boa locadora e alugar “Woodstock”, documentário de 1970 de Michael Wadleigh que mostra tudo o que de bom e também de ruim aconteceu durante o evento. Uma curiosidade: um dos editores do filme é ninguém menos do que o jovem Martin Scorsese, que aos 28 anos já estava dando seus primeiros passos como diretor de cinema, mas ainda não era um nome conhecido nem tinha filmado qualquer película de destaque.

Woodstock foi um festival único para a música. Outras quatro edições foram realizadas em 1979, 1989, 1994 e 1999, mas sem o mesmo brilho daqueles dias de agosto de 1969. Quem viu e viveu tudo aquilo não deve estar arrependido. Aos desafortunados que estavam na hora errada, no lugar errado ou nasceram no tempo errado, só resta ver os vídeos abaixo para entender o porquê que Woodstock é tão celebrado.
Joe Cocker - "With a little help from my friends"

The Who - "My Generation"
The Who - "Pinball Wizzard"
Jimi Hendrix - hino americano distorcido
Jimi Hendrix - "Hey Joe"
Janis Joplin - "Work me lord"
Crosby, Stills, Nash e Young - "Helplessly Holping" e "Long Time Gone"

Les Paul era o cara

Nesta semana, perdemos Lester William Polsfuss, mais conhecido como Les Paul, o homem que criou a criança que você vê aí na foto, a guitarra Gibson que leva o seu nome. Aos 94 anos, Les Paul foi para o inferno se encontrar com alguns gênios que fizeram muito bom uso de sua criação após complicações causadas por uma pneumonia.

Figura fundamental para o rock and roll, Les Paul não poderia deixar de ser homenageado por Memórias da Alcova. Mas ao invés de palavras, deixemos que quem faz muito bom uso de sua criação fale pelo blog. Abaixo apenas alguns exemplos.

Led Zeppelin - "Black Dog"

Neil Young e Pearl Jam - "Keep on rocking in the free world"

Aerosmith - "Walk this Way"

Guns N'Roses - "Sweet Child O'Mine"

The Who - "Baba O'Riley"

Dire Straits - "Money for nothing"

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O valor da história

Qual é o valor que um vaso ou um quadro podem ter para diferentes gerações? A pergunta faria surgir milhares de respostas a partir da vida e da experiência de cada indivíduo de cada geração. Para Héléne (Edith Scob), a resposta é cristalina em sua mente.

Aos 75 anos, ela sabe que não lhe restam mais muitos anos de vida e tem a certeza que a casa e todos os objetos valiosos – sentimental ou financeiramente falando – ali contidos morrerão junto com ela. Com três filhos vivendo em diferentes culturas, ela tem a exata noção de que cada verão pode ser o último daquela família naquele lugar.

Dirigido pelo francês Olivier Assayas, “Horas de Verão” é um filme sobre o peso que cada indivíduo dá às coisas. Se a morte é inevitável mesmo para uma mulher aparentemente saudável como Héléne, que vem a falecer subitamente após uma semana de muita felicidade, o restante, a sua história, só morre quando aqueles que ficam a desprezam.

A pressão econômica e o destino que os afastam da antiga vida da infância, fazem a designer Adrienne (Juliette Binoche), que vive em Nova York e namora um americano com quem pretende se casar, e o administrador Jérémie (Jérémie Renier), que inicia uma nova vida comandando uma fábrica de tênis na China, serem práticos e objetivos na hora de decidir vender a casa e tudo o que de valor está ali dentro. Afinal, eles não aproveitarão mais aquele espaço. E Héléne sabia que eles ainda voltavam apenas por causa dela. As memórias da infância já haviam ficado para trás como a valiosa escultura aparentemente destruída pelas então crianças num tempo em que havia espaço para o lúdico.

Ao economista Frédéric (Charles Berling), único que vive na França e ainda tem a mesma relação sentimental com aquele espaço, resta a dor de aceitar vender a casa que ele esperava repassar para os filhos dele e dos irmãos, que o repassariam para os netos e assim sucessivamente, mantendo viva a história da família. Algo que não empolgava muito os seus filhos, que diante dos belos e valiosíssimos quadros pendurados na parede não reagem com muita emoção. “É de uma outra época”, diz um deles secamente.

Seus filhos valorizam a cultura americana, com suas músicas dançantes, o hip-hop e o seu modo de vestir. “Todo mundo gosta”, sentencia Jérémie, afirmando a decadência da cultura francesa. Há até espaço para o basquete, esporte que não é o número 1 da França, apaixonada pelo futebol.

Sutilezas que Assayas vai pingando no filme para também mostrar, na sua visão, uma diferença cultural. Uma França que valoriza a sua história contra os Estados Unidos destruidores de gravuras que só visam
o lucro e vão vender os desenhos do pintor Paul Berthier, tio dos três irmãos, separadamente na Christie’s por só pensarem no dinheiro, e uma China desbravadora do mundo a custo de muita poluição e mão de obra barata. Estereótipos ou verdades cristalinas? Fica a cargo do espectador. Assim como a própria interpretação da película.

Além de versar sobre o valor que diferentes culturas dão para si mesmo, Assayas coloca em confronto o peso que a história tem sobre cada um. Para Frédéric, a casa é a manutenção da vida enquanto para Jérémie, ela é a lembrança amarga de uma suspeita de adultério pela mãe sob o olhar de um filho que amava o pai e o via desprezado, sufocado, abandonado. Já Adrienne acredita que tudo aquilo é muito distante e surreal, a infância que não volta e que não vale a pena ficar remoendo, uma vez que se deve olhar para frente, inclusive no aspecto da tecnologia e da modernidade.

Mas no fim a história sempre lhe bate a porta. É quando a filha de Frédéric percebe que não poderá levar a sua filha para contar histórias embaixo da árvore da mesma forma que a sua avó fazia com ela. A tristeza que atinge o seu coração é a de quem percebe que não soube valorizar os prazeres que aqueles momentos lhe causaram. A outra época também era sua e lhe foi tirada por uma decisão que não foi sua e que só lhe resta lamentar, pois agora será preciso escrever uma nova história em outro lugar.

domingo, 9 de agosto de 2009

O gangster de Depp

Em 1933, John Dillinger (Johnny Depp, perfeito como quase sempre) era uma espécie de Robin Hood norte-americano. Roubava dos ricos (os bancos) e era idolatrado pelo povo que sofria o quarto ano da Grande Depressão americana e de quem ele não tirava um centavo. Idolatrado e popular, Dillinger contava com a cumplicidade de muitos para se esconder em meio a multidão em cidades como Indianápolis e Chicago, berço do “gangsterismo” do país e onde Al Capone, digamos, fez história.

Dillinger era também considerado o inimigo público número 1 pelo diretor-geral do FBI, o famoso e ambicioso J. Edgar Hoover (o insosso Billy Crudup), que recruta um dos seus melhores agentes, Melvin Purvis (Christian Bale, numa atuação ok e sem muito esforço), para capturá-lo vivo ou morto.

Assassinado na porta de um cinema após ser traído por uma prostituta amiga, mas ameaçada de deportação para a Romênia por ser imigrante ilegal, Dillinger entrou para a história como tantos outros gangsteres daquela época como o casal Bonnie e Clyde e Ma Barker. Sua vida mais do que conhecida nos Estados Unidos chega mais uma vez às telas do cinema - é o quarto filme já feito sobre ele - sem muitas novidades em relação a outras películas de gangsteres já feitas em "Inimigos Públicos".

O diretor Michael Mann de bons filmes como “Collateral” (2004), “Ali” (2001), “O Informante” (1999), “Fogo Contra Fogo” (1995) e “O Último dos Moicanos” (1992) optou por não inovar ou fazer qualquer leitura revolucionária neste seu novo trabalho. Apenas escalou bons atores e ajudou a construir um roteiro simples para contar a história da atuação de Dillinger e sua quadrilha naqueles anos particularmente terríveis para os Estados Unidos.

E o mérito de Mann está em exatamente não inventar muito. O roteiro também escrito por Ronan Bennett e Ann Biderman deixa que a história fale por si apoiada pelas boas atuações de Depp e da francesa Marion Cotillard, que faz a namorada de Dillinger, Billie Frechette.

No primeiro filme após o sucesso e o Oscar por “Piaf – Um hino ao amor” (2007), a cinebiografia da cantora Edith Piaf, Marion obviamente não precisou se sacrificar tanto para fazer Billie como na construção da cantora francesa, mas ela brilha em cada cena que aparece. É uma daquelas atrizes que mostra ter estrela. Se Depp já não surpreende ninguém pelo talento inigualável, Marion é uma atração a mais para quem gosta de ver o trabalho de bons atores. Vale a pena ver o filme por ela. Assim como “Inimigos Públicos” é um bom filme-pipoca que vale o dinheiro gasto com o ingresso.

Abaixo um documentário interessante de David Flitton dividido em três partes sobre John Dillinger.



quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Pizza da Máfia do Apito vai para o forno

Um dos maiores escândalos da história do futebol mundial, a Máfia do Apito está muito perto de terminar em pizza. Nesta quinta-feira três desembargadores se reuniram no Tribunal de Justiça de São Paulo para definir o futuro do caso. Dos três, dois votaram pelo arquivamento do processo: Fernando Miranda e Francisco Menin. Christiano Kuntz, o terceiro desembargador, pediu o adiamento da audiência para a próxima terça-feira, quando definirá o seu voto.

Mesmo que Kuntz vote pelo prosseguimento do processo, ele será arquivado a menos que Miranda ou Menin mudem os seus votos. O Ministério Público ainda poderia recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), instância imediatamente superior ao TJ de São Paulo.

A pizza da Máfia do Apito começou a ser preparada quando o advogado de Nagib Fayad, o Gibão, entrou com um habeas corpus pedindo a paralisação do caso. A defesa alegava que não foi caracterizado o crime de estelionato no esquema. Gibão, um dos sete denunciados pelo Ministério Público por estelionato e formação de quadrilha, é mostrado nos áudios negociando com Edílson o resultado das partidas.

Na semana passada, Fernando Miranda, o desembargador-relator votou a favor do habeas corpus alegando que havia falhas técnicas na ação e que ela não caracteriza estelionato. Nesta quinta, ele confirmou o seu voto, que foi acompanhado por Francisco Menin.

De acordo com o Código Penal brasileiro, o estelionato é definido como “obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. Ora, se isso não define o que aconteceu no Campeonato Brasileiro de 2005, que crimes ocorreram então durante aquela competição? Ou não houve crime nenhum e foi instituído o vale tudo no esporte brasileiro?

Para quem não lembra, a Máfia do Apito foi denunciada em 2005 pela revista “Veja”, que revelou que o ex-árbitro Edílson Pereira de Carvalho recebia entre R$ 10 mil e R$ 15 mil para participar de jogos arranjados durante o Campeonato Brasileiro daquele ano. As partidas arranjadas eram arquitetadas por empresários que faturavam alto apostando em sites especializados. Estima-se que a quadrilha tenha faturado mais de R$ 1 milhão.

Depois que o escândalo estourou, o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Luís Zveiter, anulou 11 jogos apitados por Edilson Pereira de Carvalho que foram considerados “contaminados”, o que mudou radicalmente o Brasileiro que culminou com o título do Corinthians. Se os 11 jogos não tivessem sido anulados, porém, a taça teria sido conquistada pelo Internacional.

A decisão de Zveiter foi polêmica. Este blog, por exemplo, sempre defendeu que fosse tomada uma medida drástica como o que aconteceu na Itália, que simplesmente anulou o campeonato quando foi descoberto o escândalo conhecido como Calciopoli, envolvendo Juventus, Milan, Lazio, Fiorentina e Reggina. Na ocasião, os títulos de 2005 e 2006 da Juventus, a principal beneficiada pelo esquema, foram cassados e a Velha Senhora foi rebaixada para a segunda divisão. Anular o campeonato era o mínimo que deveria ter sido feito no Brasil, afinal, não há esquema de um homem só, como a Máfia do Apito aparentou ser.

Em entrevista à ESPN, aliás, o delegado Protógenes Queiroz, o mesmo da polêmica Operação Satiagraha, declarou que mais gente poderia ter sido pega se a operação não tivesse vazado para a imprensa.

O escândalo de partidas arranjadas é um câncer no futebol mundial. No ano passado, o jornalista canadense Declan Hill lançou um livro chamado “The Fix – soccer and organized crime”, em que denuncia que houve partidas arranjadas na última Copa do Mundo, entre elas Brasil 3 x 0 Gana, pelas oitavas-de-final da competição. Além disso, o livro mostra que a máfia das apostas esteve presente em todas as principais competições do planeta como as Olimpíadas e a Liga dos Campeões da Europa. Hill também afirma que os mesmos apostadores que vêm atuando no futebol estariam na Copa do Mundo da África do Sul no ano que vem. Um problema sério e que preocupa a Fifa e a Uefa.

Enquanto isso, um processo importante como o da Máfia do Apito, que mostrou provas cabais de jogos arranjados no Campeonato Brasileiro, vai tendo a sua pizza assada no forno. Lamentável.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Contos da viagem II – A Obra

Diz a lenda que ela a tudo observa, não deixando escapar nada, nem os mínimos detalhes num raio de 180 graus. Há quem diga que poderia ser 360 graus se ela não estivesse fadada a viver encostada numa parede. Tamanha atenção gera a dúvida: quem estaria contemplando quem? Quem é a obra que observa e a obra que é observada?

Muitos olhares tentaram desvendá-la. Muitas teorias sobre ela foram escritas. Teses conspiratórias, histórias mirabolantes. É a feia mais bela e admirada do mundo. A admiração por seus traços de genialidade é a vingança sobre uma era em que prevalecem as modelos secas e longilíneas.

Seus fundos opacos e totalmente assexuados – nada me tira da cabeça que são paisagens diferentes à esquerda e à direita e completamente distantes uma da outra – não dão margem para qualquer sensualidade.

Com um vestido escuro absolutamente comportado ela nada revela a não ser um rosto redondo de traços finos. De malícia apenas o singelo sorriso e aquele olhar que te persegue onde você estiver. São os seus pontos fortes, sem dúvida nenhuma. O que lhe dá uma deliciosa aura de mistério e dúvida.

Quando se entra no salão, ela sabe que você chegou. Quando você se aproxima, ela sabe que você está lá. Não importa de onde você venha, sua nacionalidade ou sua profissão. Ela a tudo observa igualmente, seja você um pedreiro ou um agente da CIA. Ela tudo sabe porque tudo vê. É quase um oráculo renascentista.

Há quem diga que vê melhor do que muitos que foram visitá-la. Eu diria que a maioria que atravessa mundos ou esquinas para vê-la na realidade não liga muito para ela. Apenas para o ícone que ela representa. Um ícone de beleza estética, de inteligência, de genialidade. Ela é um dos pontos mais altos de uma carreira. É uma estrela eternamente fincada no panteão da grande arte.

É também um ícone pop e como tal é admirada, reproduzida, parodiada e...fotografada. São muitos os flashes sobre o qual ela é exposta diariamente. Há as pessoas que lhe dão as costas para sorrir para uma objetiva pouco criativa. Há aquelas que apontam para ela e outras que tentam imita-la.

Outros tantos se acotovelam para chegar o mais perto possível sem ultrapassar a linha que a separa da população muito bem vigiada pelos seguranças que a protegem. Afinal, ela é um ídolo e como tal precisa ser observada, ter sua integridade física protegida. E para isso a sua segurança é impecável. Está de olho nos mínimos movimentos, que variam da fanfarronice do italiano à esquerda a concupiscência da alemã à direita.

Tanta admiração e ela não pode ser tocada. Pelo menos não por todos que a amam e a desejam. Para quase todos, ela é uma musa numa redoma de vidro. Apenas pouquíssimos tiveram a chance de tê-la em seus braços. Entre elas seu amante inesquecível que praticamente a moldou, mas cujo tempo se encarregou de afastar. Mas ele sabia que ela era a única fadada à eternidade enquanto o tempo lhe corroeria cruelmente o corpo. Não deve ter sentido remorso ou inveja. Talvez nem suspeitasse que sua musa fosse se tornar o que se tornou. Se pensou em celebrar, não teve tempo para isso.

Minha maior curiosidade é saber o que uma mulher como ela sente quando as luzes se apagam. Uma mulher tão acostumada aos holofotes, que passa pelo menos 15 horas absolutamente vigiada por um batalhão de pessoas de todo o mundo vive durante parte do dia completamente sozinha. Nem tanto, se lembrarmos que câmeras estão ali para vigiar todos os movimentos de outrem, pois elas não captam o sibilar dos seus olhos. Misteriosos olhos que a tudo observam em quase completo silêncio.

Mas há um período do dia em que as luzes se apagam e a ela resta apenas a companhia dos vizinhos tão diferentes dela, com tão menos brilho, e do insuportável barulho do ar condicionado que a mantém com a mesma temperatura desde que se mudou para aquela mansão.

Uma mansão que ela só conhece um cômodo, o que lhe pertence, ali, naquela região central para ser descoberta aos poucos. Ninguém, mesmo desejando, nunca chega diretamente a ela. É preciso passar, no mínimo, por algumas etapas em que é impossível passar despercebido. E o grande admirador nem deseja desperceber a imensidão daquele lugar. Porque aquela mulher é só o prêmio máximo de uma dádiva de estar ali presente conhecendo a mansão.

E quando ele chega finalmente até ela, ali, em meio a confusão que a cerca de flashes, sorrisos e todo o consumismo barato de sua era, ele sente uma maldita lágrima furtiva escorrer pelo seu olho. É naquela conexão direta defletindo o caos em volta que o observador para e suspira:

- Então essa é a sensação que se tem quando se está diante de uma obra-prima?

sábado, 1 de agosto de 2009

Contos da viagem I - A aeromoça

O saguão amplo abafa qualquer som pela sua magnitude. Tudo é gigantesco quando se trata de um aeroporto. A começar pelas máquinas que verdadeiramente te aproximam do mundo globalizado. O computador pode te levar virtualmente para todos os lugares. Mas só estando nestes lugares você sente o sabor, enxerga melhor as cores, respira o ar, entra em contato com o clima e a atmosfera do lugar.

Para Camille, nada disso é novidade. É até uma doce rotina. Será mesmo que ela é doce? Certo é que sua vida é ir e vir com destino certo e incerteza de quando terá a chance de parar. Foi isso que ela escolheu para viver. Sabia das agruras tanto quanto dos prazeres. Não tem, portanto, direito a reclamar.

Mas não é em nada disso que ela pensa quando a porta por trás da fila do check-in se abre e ela cruza o saguão junto com outros companheiros de viagem. No rosto comportadamente maquiado que se destaca com o cabelo preso, um leve sorriso a acompanha. O sorriso de quem aproveitará os poucos momentos de folga naquele país ensolarado como suas madeixas para tomar um café.

O café brasileiro não é como o francês, ela pensa. E nessa comparação há vantagens e desvantagens naturais de um leve choque cultural. Aqui se coloca mais pó ou menos pó do que lá? Quantas colheres de açúcar cabem para que o modelo que ela veste continue sendo prático e confortável.

Ela tergiversa sobre o nada ao mesmo tempo em que o ponteiro do relógio teima em andar, em fazer passar este maldito tempo. O voo é questão de minutos. As bagagens já foram despachadas, mas ainda há tempo para ela se permitir um último prazer: o cigarro.

Enquanto a fumaça serpenteia do cigarro levemente levantando em sua mão esquerda, Camille relaxa. Permite-se até retirar rapidamente os sapatos um tanto apertados. Na mão direita, observa fixamente o anel dourado, presente de quem lhe prometeu o mundo que a companhia que a emprega praticamente já fez o favor de fazê-la conhecer. Resta pouco a ver. E de tanto viajar, sinceramente, ela só pensa em ficar em casa. Se é que depois de cinco anos de trabalho, ela ainda possa considerar algum lugar como casa.

O tempo é realmente cruel com os prazeres da vida. Mesmo os pequenos. O relógio de Camille avisa que é hora de embarcar para mais um dia de trabalho, rumo a mais um destino.

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Quando a aeronave alça voo, Camille já está pronta para servir os passageiros. O que será que passa pela sua cabeça? Será que ela reza para não pegar um mala na sua fileira? Não ter que lidar com nenhum engraçadinho? Ou apenas agradece a Deus por uma decolagem perfeita e reza para que a viagem e a aterrissagem sejam igualmente abençoadas?

Enfim, não deve haver muito tempo para maiores reflexões. As próximas 10 horas serão de movimentos cirúrgicos, compassados e, se tudo der certo, cercados de “mercy” para os íntimos, e “thank you” para os menos letrados.

O ritmo é constante. O trabalho é preciso. Camille entrega as refeições previamente esquentadas para cada fileira. Quando termina a primeira parte, retorna ao início para perguntar o que cada passageiro gostaria de beber. Com todos devidamente atendidos, vai para a fileira seguinte onde repete o processo. Não há falhas. Nem uma gota de bebida escapa das suas mãos. Ela sabe que é boa no que faz. Só não sabe até onde isso é bom para ela.

No ar é preciso esbanjar simpatia. Ser prestativa. Ter soluções práticas e rápidas para a demanda de cada cliente atendido por ela. Neste momento, Camille é a aeromoça precisa e impecável de uma das mais tradicionais companhias aéreas do mundo.
É mais tarde, quando os passageiros já estão alimentados e as luzes se apagam para atender aos que desejam dormir, que ela mostra as marcas do cansaço.

No fundo da aeronave, a única luz que a ajuda a ajeitar o cabelo é a mesma que revela as suas dores e o olhar distante. Quantas noites mal dormidas ela deve acumular em aviões desconfortáveis? Quantas vezes dormiu sentada em cadeiras duras com colchas transparentes e travesseiros do tamanho da sua mão? E o cigarro nem pode acompanhá-la aqui.

Única figura iluminada naquele deserto gelado do céu, no meio de absolutamente nada a não ser o mar ali embaixo a milhares de quilômetros, Camille respira fundo. Joga a parte de cima da sua roupa da esquerda para a direita e tenta alisa-la com as mãos com um único movimento dos seios a cintura. Amarrotara o uniforme, mas o cansaço fora maior do que os cuidados. Ninguém vai reparar, pensa ela.

Outra aeromoça passa e troca algumas palavras amenas com Camille, que esboça um sorriso antes de ser tragada pela luz da cabine.

Em questão de minutos, a cabine deixa de ser o único ponto de luz no avião. É dia. É noite, mas é dia na lógica de uma viagem de 10 horas na prática que vale 15 no relógio, que agora teima em ser mais rápido que o tempo.

Enquanto muitos passageiros ainda estão acordando, se ajeitando em suas poltronas, Camille está pronta com seu carrinho tomado de bandejas de café da manhã. Ela ajeita o sorriso e segue o seu destino.