sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'Drácula: a história nunca contada'

Que Drácula decepcionante
A corneta não tem poderes místicos, mas farejou o cheiro de bomba assim que viu o trailer de "Drácula - a história nunca contada". O próprio subtítulo um tanto quanto pretensioso, "a história nunca contada", sugeria uma dose de PICARETAGEM. Mas uma das qualidades desta entidade galhofeira da crítica cinematográfica (e musical, e esportiva, e do que mais surgir) é sempre ver os filmes de coração aberto. Mesmo que sejam filmes do Adam Sandler ou do Ben Affleck (Não esqueçam que "Garota Exemplar" é uma das exceções dele).

E assim lá estava eu comprando o meu ingresso para ver uma nova versão do meu vampiro favorito. O número 1, o homem (ou morto-vivo?), o mito que ganhou fama com um romance de Bram Stoker lançado lá no selvagem século XIX.

A intenção do filme do diretor estreante Gary Shore com essa "história nunca contada" me pareceu ser, humm, contar a história do verdadeiro Drácula (no filme vivido por Luke Evans). Mas pelo visto alguém deve ter achado que não tinha um apelo pop necessário numa era cheia de vampiros-coxinha de “Crepúsculo” e resolveu dar um toque: “Chefia, mas ele não vai morder ninguém? Ele não bebe sangue? Ele sai de dia numa boa sem queimar a pele? Que Drácula é esse?” Foi quando Shore resolveu dar à "história real" uma pitada do chupa-cabra style que existia no romance de Bram Stoker.

Parêntese histórico: Drácula realmente existiu, mas não era um vampiro e sim Vlad Dracul, ou Vlad, o Empalador, príncipe que governou a Valáquia por três vezes no século XV, estava sempre em guerra com os turcos e era conhecido por usar métodos cruéis de tortura contra os seus inimigos. Seu favorito era empalar as pessoas. Eram tempos inóspitos na Romênia e adjacências.

Reza a lenda que ele também bebia o sangue dos inimigos. Parece que era nutritivo. E lembrem que naquela época não tinha suco verde, detox, essas coisas. Era complicado ficar em forma.

Enfim, as lendas contam que Vlad voltava dos mortos e bebia sangue. Bram Stoker pegou tudo isso, usou da máxima “eu aumento, mas não invento” e criou o vampiro que conhecemos. Para aumentar o mistério e confundir as linhas que delimitam ficção e realidade, quando o seu túmulo foi escavado por arqueólogos no início do século XX só foram encontrados ossos de... animais. Que medo! Será que ele pode aparecer aqui enquanto escrevo estas linhas? Mais sobre o Drácula aqui (em inglês), aqui (em português) e aqui (em romeno para você se sentir no clima da Valáquia).

De volta ao filme, o problema dessa nova versão é que os roteiristas Matt Sazama e Burk Sharpless e o diretor filmaram 1h30m de película sem definir que Drácula eles queriam mostrar. Então parecia um Vlad insano: de um lado o sujeito mau feito pica-pau que empalava os inimigos. Do outro o pai de família que se sacrifica para salvar a vida do filho e o povo da Transilvânia. Conta outra. Um cara que fez a sua vida com sangue e guerras, que era conhecido pelo sadismo e considerado por muitos como louco não tinha condições de ser um pai amoroso que se doa pela família. Um cara que arrancava os seios das mulheres e ordenava que os maridos os comessem, não podia ser nem 1% bonzinho.

Era respeitado como líder militar, mas não era alguém para você sair e tomar uma cerveja romena. Ou seja, “a história nunca contada” não se define. Drácula joga em todas as posições do campo e parece aqueles partidos políticos que estão sempre orbitando o poder. Não importa quem vença a eleição.

Drácula também parece um filme de origem de super-herói (como se já não tivéssemos muitos e vêm mais 30 por aí). E vocês sabem que quase sempre os filmes de origem não são bons. Se liga na história resumida. Vlad era um rei amado pelo seu povo, apesar do passado monstruoso de Vlad, o empalador. Um dia a situação com os turcos ficou feia, mas ele não tinha exércitos para enfrentar os inimigos. O sujeito vai até a caverna do Dente Quebrado para encontrar Tywin Lannister, ops, para encontrar o vampiro original (Charles Dance), o monstro que todos temem, o capeta que vai lhe dar os poderes necessários para agir. Sim, amigos, Drácula mais parece o Spawn da Idade Média.

Após tomar o suco de sangue do capeta, Vlad ganha uma espécie de sentido de aranha do Homem-Aranha, a visão além do alcance do Superman, a superforça do Hulk, a capacidade de controlar o tempo da Tempestade, e a capacidade de controlar todos os morcegos do planeta que nem o Batman tem. E o próprio se transforma em centenas de morcegos, o que me fez lembrar dos Supergêmeos. Ah, ele também mexe as mãos para invocar os poderes igual ao Magneto. Concluindo, ele ficou por cima da carne seca. O problema é que Drácula nunca mais poderá ir a praia. E nada de usar moedas para comprar pão. Prata não é com ele. Só nota. Também é bom evitar crucifixos.

Como grandes poderes trazem grandes responsabilidades, Vlad vai pagar um preço caro por suas escolhas. Na guerra não há santos e às vezes monstros são necessários, diz ele próprio.

O novo Drácula pode não ser um coxinha sem sal como a turminha do barulho de “Crepúsculo”, mas também está longe, muito longe, dos melhores momentos de Gary Oldman e sua peruca branca em “Drácula de Bram Stoker” (1992). É um Drácula que ao invés de mostrar os caninos ao mundo, só exibe dentes de leite. Mas é um personagem fascinante que sempre vai voltar. Há dezenas de filme sobre ele. E este não será o último.


Mas a corneta não tem medo de criaturas da noite. E confiando que morcegos são mamíferos fofos e não me atacarão pela janela, será obrigada a ser cruel com este novo Drácula. Não tanto quanto Vlad, mas necessariamente cruel. E a avaliação só não será pior, porque os efeitos especiais são maneiros. “Drácula – a história nunca contada” vai ganhar uma nota 4.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'O Juiz'

Que dupla
Receita de bolo de histórias de redenção de Hollywood. Junte uma família. Coloque alguns dos seus membros em conflito. Acrescente uma pitada de relação entre mundos diferentes. Cidade grande x cidade do interior, pessoa honesta x pessoa desonesta, etc... Adicione rusgas do passado. E que precisam de um ajuste de contas. Uma dose de ética. Duas de moral. Americanos adoram o conceito de moral. Chore junto com aquela música no piano ao fundo e voilà! Cá estamos diante do enredo de "O Juiz".

Você já viu o "Juiz" incontáveis vezes. Só que ele tinha outros nomes. "O juiz" já ganhou o Oscar, já passou na “Sessão da Tarde”, já passou no seu canal a cabo favorito e provavelmente você já baixou naquela locadora mágica da internet (sim, essa sueca mesmo. Não se faça de desentendido). Pois o filme de David Dobkin não é muito diferente de diversos filmes que já vimos por aí.

O enredo. Advogado canalha e bem sucedido tem uma vida supimpa e rica, apesar de o casamento com uma mocinha mais jovem com corpo de modelo estar indo para o espaço. Um dia ele recebe uma bomba: sua mãe morreu. E agora? Ele vai ter que voltar para a odiosa cidade do interior da qual saiu há 20 anos para não mais retornar para o enterro de sua querida mãe e um.. bem... ajuste de contas com o seu pai, com quem não fala desde que picou a mula.

O advogado em questão se chama Hank Palmer e é vivido por Robert Downey Tony Stark Iron Man Jr. Ele vivia na possante Carlinville, Indiana, ali no meio do nada (o que tem em Indiana além dos Pacers da NBA, dos Colts da NFL, de uma tradicional prova do automobilismo e plantações de milho? Nada) quando resolveu largar a namorada e a família para cair no mundo.

Para isso ele usou um álibi muito mais perfeito do que "vou ali comprar cigarros e já volto". Hank disse "vou ali no show do Metallica e já volto".

Downey Jr, vocês sabem, é fã do bom e velho rock and roll. É por isso que a corneta é fã dele. Nos filmes do Homem de Ferro ele veste a camisa e escuta AC/DC e Black Sabbath. Aqui, ele escuta Metallica.

E é por causa do Metallica que ele deixa a sua bela namorada na pista. Isso não se faz! Cara, se liga no que ele fez. Ele largou a Vera Farmiga (que faz Samantha Powell no filme) para ver um show do Metallica durante a turnê “Shit Hits The Sheds”, que foi uma espécie de fim de feira da turnê do “Black Album” lançado em 1991. E lá estava ele no dia 2 de julho de 1994 em Noblesville, Indiana, para ver James Hetfield e cia. Depois daquela sequência final de shows, o Metallica se enfurnaria no estúdio para cortar os cabelos e gravar o “Load”, que vocês sabem a repercussão péssima que teve. Mas Hank nunca deixaria de ser fã do Metallica e guardaria a sua camisa velha e surrada por duas décadas.


Mas o tempo passou, o enterro da mãe está aí e é hora de Downey Jr pagar os pecados. Primeiro ele tem que lidar com o pai, o juiz Joseph Palmer (Robert Duvall) que manda prender e manda soltar em Carlinville. O primeiro contato dos dois é de uma frieza de fazer urso polar pedir um casaco para vestir. Mas estamos falando de um filme do gênero redenção plus acerto de contas. Logo o gelo será quebrado, as arestas serão aparadas, quem os roteiristas Nick Schenk e Bill Dubuque pensam que enganam? O artifício usado para isso é o bom e velho golpe da netinha que amolece o coração de qualquer avô. Quando chegar a nossa hora entenderemos essa relação mágica.

É como diz Renato Russo: “Você culpa seus pais por tudo/ Isso é absurdo/São crianças como você”. E assim Hank vai perceber que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã e aceitá-las do jeito que elas são. Mas ele aprenderá isso da forma mais tensa possível. Terá que defender o pai no tribunal de uma acusação de assassinato de um velho inimigo da família. O elemento "fantasmas do passado" sempre surge em filmes assim. Seu adversário de tribunal será Billy Bob Thornton (o advogado Dwight Dickham), um cara que também tem um ajuste de contas com Hank. Será um confronto de peso no tribunal.

Enquanto isso, Samantha estará lá, linda e pronta para reatar um relacionamento de 20 anos atrás. Realmente esse tal de Downey Jr é bom. Que mulher esperaria 20 anos por um homem? (Respostas na caixa de comentários, por favor).

Downey Jr é um cara carismático, Vera Farmiga é belíssima e candidata a musa da corneta 2014 e filmes de tribunal são quase sempre divertidos, mas "O Juiz" derrapa na obviedade, nos clichês, enfim, é mais do mesmo e sem muito tempero. Fazendo o balanço final, o filme ganhará uma nota 6.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'O homem mais procurado'

Seymour Hoffman, perfeito no papel
Certos filmes nos oferecem algumas reflexões. Momentos em que devemos pensar sobre que atitude tomar diante de determinadas situações. A reflexão que “O homem mais procurado” nos oferece é: devemos confiar nos americanos?

Ok, os americanos já salvaram o mundo incontáveis vezes. Seja com exércitos de um homem só como Rambo ou John McClaine, seja com grupos de heróis como os Vingadores. Ou até o presidente dos Estados Unidos! (Ah, “Independence Day”..). Eu só tenho pena do prefeito de Nova York, que gasta toneladas de dinheiro do orçamento para reconstruir a cidade a cada ameaça que surge.

Mas a pergunta que fica é: devemos confiar nos americanos? Principalmente se eles são chefiados por Claire Underwood (Robin Wright)? Quem vê “House of Cards” sabe que por trás daqueles olhos azuis existe uma mulher que vai te devorar vivo. E não será legal. Claire, você está com os cabelos escuros e exibindo o nome de Martha Sullivan no crachá da CIA, mas você não me engana. É com essa questão que o protagonista do filme terá que lidar.

"O homem mais procurado" é a nona adaptação para o cinema de um livro de John Lee Carré. Os livros do escritor inglês quase sempre dão bons filmes. O ultimo deles foi "O espião que sabia demais" (2011), um filmaço com Gary Oldman e Colin Firth.

Lee Carré é um adepto da espionagem roots. Gosta de uma história em que a ação está nos diálogos, no trabalho de formiguinha de agentes secretos que não fazem barulho e atuam nas sombras. Ele traz a espionagem para a vida real. Esqueça os filmes de James Bond, onde o agente secreto é um super-herói que salva o mundo sem amassar o terno. E ainda fica com todas as mulheres. Aqui os personagens são imperfeitos e a ação acontece quase sempre na moita, enquanto você vai na padaria. O jogo sujo é feito por baixo dos panos.

Transposto para as telas, as obras do escritor resultam em filmes intrincados, tensos e com personagens soturnos. Enfim, a vida de espião não é glamorosa e está cheio de gente querendo te dar bola nas costas.

"O homem mais procurado" é uma história de pescador. Gunther Bachmann (Philip Seymour Hoffman em um dos seus últimos trabalhos. Que triste perder um ator espetacular como ele), quer pescar um tubarão do terrorismo internacional. Ele é um empreendedor da espionagem. Faz concessões com peixes menores e limpa as arestas, para focar no que realmente interessa: pegar os grandes financiadores do terrorismo do planeta e tornar o mundo um lugar melhor (risos, por favor).

Com sua voz rouca e olhar desiludido da vida, Bachmann vai gastar três ou quatro bebidas e dúzias de cigarros arquitetando o seu plano de pescar o peixe grande com suas histórias. Mas, enfim, o mundo da espionagem não é uma equação matemática simples. Eu tenho a sensação que Bachmann poderia pensar: "Às vezes eu gostaria de ser James Bond". Não está fácil para ninguém, amigo.

Dirigido por Anton Corbijin (do muito bom “O homem misterioso”, um dos trabalhos em que George Clooney é menos George Clooney), "O homem mais procurado" é mais um prazeroso filme da safra Lee Carré. A corneta deixou o cinema desiludida do mundo e refletindo sobre a pergunta do início do texto. Devemos confiar nos americanos? Veja o filme e tire as suas próprias conclusões. Mas ela também saiu satisfeita com o que viu na tela. Por isso que “O homem mais procurado” vai ganhar uma nota 8.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'Garota exemplar'

Ben Affleck faz um discurso
David Fincher é um cara difícil de cornetar. Eu diria que ele é uma espécie de arqui-inimigo da corneta, a kriptonita dos meus comentários moleques, porque simplesmente ele só faz filme bom. Ok, “Benjamin Button” (2008) é um trabalho um tanto 6,5, mas, convenhamos, 6,5 é aquela nota baixa em física que o aluno espetacular da sua sala de aula tira de vez em quando.

Fincher é daqueles cineastas que já me fez levantar da cadeira no cinema. Falo de "Clube da luta" (1999) e a jornada errática do seu anti-herói vivido por Edward Norton. Quem viu sabe o que é estar diante daquele momento em que você solta um palavrão de felicidade pelo que aconteceu ali na sua frente.

Depois daquele que é um dos meus filmes favoritos para sempre, Fincher fez uma série de bons trabalhos. "O quarto do pânico" (2002), “Zodíaco” (2007), “A rede social” (2010), “Millenium: os homens que não amavam as mulheres” (2011)... Enfim, é uma filmografia de respeito.

Mas o que o diretor fez dessa vez é para superar TODAS as expectativas. “Garota Exemplar” é cinema de altíssima qualidade. É David Fincher subindo o himalaia para encontrar a corneta com um sorriso sarcástico e dizendo: “Me julgue agora, idiota”. Maldita kriptonita.

Entre tantos méritos, um dos mais marcantes de “Garota Exemplar” é fazer o Ben Affleck ter uma atuação em que podemos elogiar. Ok, eu já tinha gostado dele em “Amor Pleno” (este filme é magnífico, me julguem), mas o trabalho de Terrence Malick é, bem, um filme do Malick. Com todas aquelas insanidades que conhecemos.

Aqui, Affleck está... eu vou dizer.... (respira).... perfeito. Um trabalho tão bom que eu prometo para vocês que eu vou observar com o coração aberto o “Batman vs Superman” daqui a dois anos, quando ele assumirá o papel do homem morcego no lugar do eterno Christian Bale.

Na história, Affleck é Nick Dunne, uma espécie de Chico Bento do Missouri que um dia, numa festa despretensiosa em Nova York, a cidade onde tudo acontece, conhece Amy (Rosamund Pike, em uma atuação que eu classificaria como soberba). Amy é aquela mulher cosmopolita, antenada, patricinha, mas cheia de problemas psicológicos causados pelos pais. Freud explica. Ela é também a tal garota exemplar do título, a menina real que inspirou um personagem que é fenômeno literário juvenil. Tipo Harry Potter.

Mas Nick usa todo o seu charme, vira para ela com o seu meio sorriso e “queixo de vilão” e diz: “How you doin?”. E a gente sabe desde Friends que todas as mulheres caem neste papo. Em pouco tempo os dois estavam tomando banho de açúcar numa cena imprópria para diabéticos. Em menos tempo ainda, era cama, mão naquilo e aquilo na mão.

O relacionamento cresce e vira um conto de fadas. Tudo é perfeito. Comemoram bodas de papel (um ano), algodão (dois), couro (três) e flores (quatro), mas aí o casamento chega aos cinco anos, as bodas de madeira. Enfim, não há casal de margarina que passe incólume à crise dos cinco anos. Amy desaparece. E Fincher começa a nos enlouquecer e nos surpreender a partir da investigação em que até o marido surge como suspeito de um possível assassinato.

A corneta para por aqui. Não é possível seguir em frente sem revelar detalhes importantes da história. O que é possível dizer é que "Garota exemplar" é daqueles filmes para se ter na prateleira de casa e rever com freqüência. É um filme que reverbera na mente, e o faz pensar sobre ele mesmo horas depois de você ter assistido.

Pense nos detalhes. Fincher constrói a história, molda os cenários com minuciosos detalhes que dão textura, cor e alma a história. Sujeito sacana. Nada em cada cena é por acaso. Do corte de cabelo de Amy, passando pela roupa que os personagens vestem e chegando até o papel dos figurantes na cena. Tudo tem propósito. E o diretor ainda da simplesmente dois cavalos de pau na história, a revirando do avesso ao seu bel prazer. E a verdade é manipulada ao sabor da imprensa.

Ok, Fincher, você venceu. Não vou temer em chamá-lo de gênio por esse filme e considerar "Garota exemplar" uma obra-prima. Diante desta perfeição, a corneta só pode se render e dizer: Parabéns, este é um filme nota 10.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'Sin City: a dama fatal'

Meu Deus, Eva Green!
Muitos atores ficam conhecidos por repetir um mesmo tipo de personagem. Mas Bruce Willis é um dos poucos, senão o único, que pode bater no peito e dizer que trabalhou em dois filmes nos quais fez o papel de um fantasma sofrido que perdeu a mulher amada.

Infelizmente para ele, em "Sin City - a dama fatal", não tem nenhum garotinho dizendo que vê pessoas mortas para distraí-lo. Aqui, Bruce só fala sozinho, olhando a Jessica Alba rebolar no palco de uma birosca para ganhar a vida. Pois não é fácil a vida em Sin City, o lugar no futuro onde Christopher Lloyd foi parar.

- Mas ele não estava morto? – perguntou um espectador ao colega na cadeira ao lado.

Claro que não, amigo. Está feliz e trabalhando bastante aos 76 anos. Só andava meio sumido do mainstream. Morto mesmo está Hartigan, o personagem de Bruce.

"Sin City" se passa quatro anos depois dos eventos do primeiro filme, quando o detetive Hartigan faz uma plástica no filho do poderoso senador Roark (Powers Boothe) e em seguida tira a própria vida.

Agora novos personagens surgem e velhos conhecidos reaparecem. Mas a trama de ódio e vingança numa cidade fétida tomada pelo pecado, a promiscuidade e a criminalidade é a mesma (calma, Sin City não é inspirado em conhecidas cidades brasileiras). Além daquela clima meio poser de personagens narrando suas histórias com jeitão de Cid Moreira recitando "A sangue frio". É maneiro.

Entre os velhos conhecidos está Marv, o vilão-herói vivido brilhantemente por Mickey Rourke. Sempre pronto para uma boa briga, Marv agora é o bonzinho da parada. E em Sin City isso significa que ele é o menos pior e só está ajudando Nancy, a mocinha vivida por Jessica Alba, a conseguir alguma ação para mexer as velhas juntas e o traseiro gordo. E o que Nancy deseja? Matar Roark, o senador que não pode descer para o play porque não sabe brincar no pôquer.

Esta é a história principal do filme conduzido por Frank Miller, o rapaz responsável pelos quadrinhos que geraram a película, e Robert Rodriguez, o texano doidão que fez aquele projeto “Grindhouse” (2007) com o Tarantino. E "Sin City 2", inclusive, tem muito de “Planeta Terror”, mas sempre naquela estética noir-hipster do primeiro filme.

Mas não esqueçamos que o subtítulo é “a dama fatal". Isso pressupõe que exista essa personagem que enlouqueça a todos dentro e fora da tela, a ponto de você desejar que ela se inspire em “A rosa púrpura do Cairo” (1985) e saia da tela para se declarar para você. Esta mulher tem nome, sobrenome e provavelmente até codinome: Eva Green.

Tudo o que eu posso dizer sobre a participação de Eva Green no filme é: MEU DEUS DO CÉU. Esta Brigitte Bardot do século XXI surge em todo o seu, digamos, esplendor no papel de Ava. Você sabe desde o início que Ava vale menos do que uma nota de R$ 3, mas é impossível resistir a ela. É como Marv diz para Dwight (Josh Brolin): “Por uma mulher dessas, se mata”. Mas é claro que eu estou falando dos hipnotizantes olhos verdes dela.

Ava é uma viúva negra. Semeia a tragédia e suga a alma dos homens que toca. Todos são apenas escadas para a sua chegada ao poder. Só que você está em Sin City e, bem, vocês sabem como essas coisas podem acabar.

É uma pena que com tantos personagens interessantes, “A dama fatal” não seja nem de longe tão legal quanto o primeiro filme. Pode parecer estranho sabendo que quem pilotou o filme foi Frank Miller, mas os diálogos são tão pouco inspirados que nem parecem dele — e com isso a história não decola.

É tudo muito bonito, mas falta um pouco de conteúdo. Parece aqueles filmes de sequência do Jerry Bruckheimer ou do Michael Bay. O primeiro deu certo? Aplique doses cavalares da mesma fórmula no segundo. Aí o bolo ficou todo solado.


Sabendo que não dará uma volta com as mulheres assassinas da cidade velha de Sin City, a corneta será implacável na nota. Pesando os prós e os contras, o fator diversão de uma sexta-feira à noite e apesar da presença marcante de Eva Green, “Sin City: a dama fatal” ganhará uma nota 5,5.