sábado, 24 de julho de 2010

O amor em quatro estações

John Keats (Ben Wishaw) e Fanny Brawne (Abbie Cornish) viveram um romance curto, mas profundamente intenso. Um amor que perdurou até o fim da vida de Fanny em 1865. Nem um casamento 20 anos após a morte de um dos últimos poetas românticos em 1821 ou mesmo a chegada de filhos fizeram Fanny esquecer aquele que foi o grande amor de sua vida.

Um romance trágico, fugaz, absolutamente lírico e mais idealizado do que consumado foram o que viveram o poeta e Fanny naquelas poucas estações que a vida lhes proporcionou. Do desconfiado encontro invernal, passando pelo despertar do sentimento na primavera e o auge da paixão no verão, o casal viveu encontros e desencontros semeados pelas próprias dúvidas e pela falta de dinheiro de Keats, que por vezes não se considerava o homem certo para Fanny ao mesmo tempo em que a jovem via a sua paixão crescer a uma dimensão como ela jamais sentira.

Esta é a história que Jane Campion tenta transpor para a tela em “Brilho de uma paixão”. O filme da diretora de “O Piano” (1993) tem a beleza desse amor entre Keats e Fanny, que atravessa as estações da mesma forma em que parece ser influenciado por elas. Os dois se conheceram quando ela tinha 18 anos e Keats já estava com 23, dois anos antes, portanto, de sua morte por tuberculose na Itália.

Poeta em busca da fama após a recepção fria de “Endymion” (1818), Keats era um atormentado em busca das palavras ideais para a sua poesia, mas também bastante endividado e vivendo de favores de amigos como Mr. Brown (Paul Schneider). Contudo, Fanny vê alguma beleza no seu texto e deseja conhecê-lo.

A empatia é instantânea e a paixão vai florescendo, só cresce com o beijo no despertar da primavera e atinge seu ponto de maior palpitação justamente num verão em que os dois estão separados e apenas a troca de cartas alimenta o espírito sedento por mais e tão insatisfeito com tão pouco.

Keats, porém, não se achava bom o suficiente para Fanny e por mais que a amasse tentou se separar dela. A jovem era a mulher idealizada, e, portanto, intocável de Keats. A musa inspiradora, amada, desejada, mas pouco tocada. O filme dá a entender que Keats pouco foi além dos meros beijos em Fanny, que também se envolveu na teia subjetiva do poeta romântico.

O poeta, por sua vez, parecia temer estar finalmente diante da sua musa e por vê-la acessível ao contrário de um objeto de pura beleza e onírico que transpirava do seu coração para o papel e os livros.

Pode ter tentado se separar por medo, culpa, por ser e se achar um frágil prendendo uma mulher que não poderia viver presa a um calabouço e precisava flanar como uma borboleta. Só não contava que Fanny também embarcasse neste jogo de sonhos e intensidade que a fez segui-lo até o fim.

“Brilho de uma paixão” pode ser por vezes arrastado - não há muita ação. São apenas diálogos e longos planos contemplativos – ou excessivamente “meloso” (principalmente para quem não está apaixonado), mas é uma bela história de um grande amor que só se encerra no túmulo. E que Jane Campion retrata com a beleza, as cores, os dissabores e as características de cada estação.

Já que estamos falando de estações do ano, um pouco de Vivaldi para encerrar o post.
Primavera
Verão
Outono
Inverno

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um time de primeira

Quando vi “Cruzada” (2005), lembro de ter comentado com um amigo que o filme acabou na primeira meia hora quando um grupo então liderado pelo personagem vivido pelo ator Liam Neeson era simplesmente dizimado. Fiquei com a sensação de que a morte deles estragou o filme protagonizado por Orlando Bloom. E “Cruzada” era realmente bem meia-boca.

Cinco anos depois, entro no cinema para novamente ver Liam Neeson, dessa vez no papel do Coronel John Hannibal Smith, comandando mais uma equipe que promete boas batalhas em duas horas de “Esquadrão Classe A”. E que decisão acertada tem sido a do ator de 58 anos em protagonizar filmes de ação e aventura. Eles são sempre excelentes como “Batman Begins” (2005) ou pelo rendem uma boa diversão, caso de “Busca Implacável” (2008).

Tenho poucas lembranças da série de TV dos anos 80 do século passado que originou o filme dirigido por Joe Carnahan, o mesmo do excelente “Narc” (2002). Lembro que era criança quando isso passava uma vez por semana num horário da TV Globo muito mais bem aproveitado do que hoje, quando passa uma “novelinha jovem”.

Por ser algo bem distante para mim, acompanhar a saga de Hannibal, dos figuraças Templeton “Cara de Pau” Peck (Bradley Cooper), Bosco B. A. Baracus (Quinton “Rampage” Jackson) e do completamente insano Murdock (Sharlto Copley), mercenários que fazem o trabalho sujo dos Estados Unidos quando são chamados, é quase inédito para mim. E esse quarteto toca o terror em cenários que vão desde o deserto no Iraque a Alemanha sempre com ideias mirabolantes e supostamente impossíveis de realizar. Lembro que a série tinha algo semelhante também.

Cada membro desse quarteto tem o seu estilo. Hannibal é o líder cerebral sempre com um plano na cabeça e “subplanos” dentro dos planos para o caso de algo dar errado ou tomar rumos diferentes. Cara de Pau, como o próprio apelido diz é o canalha sedutor do grupo. Sempre disposto a arriscar uma missão por uma bela mulher e o que mais dá a cara a tapa nas missões. Baracus é o brutamontes, pura força bruta, cujo ponto fraco é o medo de voar, o que o coloca sempre em conflito com Murdock, o piloto enlouquecido que faz manobras de revirar o estômago dos mais experientes aeronautas.

Esses quatro já valem uma conferida em “Esquadrão Classe A”, que conta anda com Patrick Wilson como um agente da CIA que conduz a história manipulando-a como, bem, um agente da CIA, ora.

“Esquadrão Classe A” é um blockbuster, mas não é um filme para topeiras ao estilo Rambo (tá, eu gosto de Rambo, mas o filme é ruim). É divertido, tem tiradas bem humoradas e os atores estão bem em cena.

A história, porém, poderia ser melhor explicada. Tem alguns momentos que você se perde nas reviravoltas entre uma explosão aqui e um tiroteio ali. Fica a sensação de que o roteiro de Carnahan e Brian Bloom poderia ser mais bem trabalhado. Mas nada que prejudique seus 120 minutos de pura diversão ou nostalgia para os que pretendem se reencontrar com a série.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um bom filme de Polanski

Encerrada a maratona futebolística da Copa do Mundo, Memórias da Alcova retoma suas atividades normais. Pretendo não sumir mais por muito tempo. A menos que a eleição me pegue da mesma forma que o Mundial da África do Sul. Tentando recuperar o tempo perdido, assisti à três filmes nos últimos dias, sobre os quais falarei com calma neste e nos próximos posts.

O primeiro deles foi o mais recente trabalho do diretor francês Roman Polanski. “O escritor fantasma” está quase saindo de cartaz, mas para quem não viu vale dar uma conferida. O tempo que demorei para assisti-lo, aliás, acabou sendo de certa forma benéfico, pois me afastou de tentar associá-lo à prisão do cineasta na Suíça e à tentativa de extradição para os Estados Unidos que acabou não acontecendo por causa do processo pelo qual ele é acusado de abusar de uma garota de 13 anos em 1977.

Pude me concentrar, portanto, apenas neste trabalho do diretor de “O Pianista” (2002). Inferior ao filme que lhe rendeu o Oscar, “O escritor fantasma”, porém, é um bom trabalho de Polanski. Embora nada na película tenha de diferente de outros filmes de suspense "investigativo/policial" – inclusive ele tem um clima soturno que lembra muito “Ilha do Medo”, recente trabalho de Martin Scorsese que esteve em cartaz antes da Copa -, o desenrolar da trama o prende diante da tela e você fica ali junto com o Ewan McGregor, o tal escritor fantasma do título, querendo juntar as peças do quebra-cabeça e tentando adivinhar esse enigma que começa a se formar a partir de um enredo simples: um ghost writer que tem que escrever a autobiografia do ex-primeiro-ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan, o grande 007).

Lang, aliás, se parece muito com o velho Tony Blair, cuja popularidade despencou desde que apoiou incondicionalmente George Bush nas suas guerras no Oriente Médio. E Polanski e o roteirista Robert Harris criam a partir dessa história simples, “teorias conspiratórias” interessantes para conduzirem o seu filme.

A partir daí, cabe ao sempre talentoso Ewan McGregor, no seu melhor trabalho desde “Peixe Grande” (2003), embora nada profundamente marcante, dar as inflexões necessárias para te deixar com aquela pulga atrás da orelha e aquela frase na cabeça: “Aí tem”.

Tem muito, como mostra o desfecho da película que gera, no mínimo, um ponto de exclamação positivo de quem encontra uma curiosa surpresa. Por isso, “O escritor fantasma” vale o ingresso. Se você ainda conseguir comprá-lo.