quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A Copa é nossa. E daí?

Numa paráfrase do velho conceito de Marx, já se disse no Brasil que o futebol é o ópio do povo. Assim sendo, organizar a Copa do Mundo deve ser uma overdose. Ou, numa alusão a frase original – “A religião é o ópio do povo” – a Copa seria como receber a visita do Papa durante um mês. Tá certo, a Copa do Mundo de 2014 é do Brasil e todos os políticos já esfregam as mãos para fazer de seus currais eleitorais uma das sedes do Mundial. Afinal, todos sabem que a escolha das sedes será puramente política e não meritória. Mas a escolha da Fifa foi merecida? Numa resposta curta e grossa: Não.

Sou da opinião que um país deve estar pronto para se candidatar a receber um evento esportivo como uma Copa do Mundo e não prometer se aprontar para organizá-lo. O país terá sete anos para cumprir tudo o que estava escrito no caderno de encargos da Fifa, mas tenho certeza que não o fará.

O Rio também prometeu uma série de coisas para o Pan, como metrô até a Barra e a despoluição da Lagoa e da Baía de Guanabara. O metrô ainda nem chegou em Ipanema e os dois cartões postais da cidade continuam poluídos.

Assim é o Brasil. O que esperar de um país em que políticos discutem maneiras e períodos para melhor tungar o povo. A discussão já deixada bem explícita pelo ministro da Fazenda Guido Mantega é a seguinte: ou a CPMF é prorrogada ou haverá aumento de impostos. Ou seja, nós devemos pagar por algo que supostamente deveria ir integralmente para a Saúde e não vai. Mas se a oposição continuar rejeitando a proposta, novos impostos serão criados ou velhas tungadas serão mais fortes.

Calma ministro, vamos sentar para conversar, diz a oposição. O governo aceita negociar? Claro. Para que servem cargos públicos e emendas no orçamento? O povo é um detalhe. E eu nem citei o acordão que está sendo costurado para livrar Renan Calheiros da cassação. Aliás, negociatas é o que mais se viu no caso dos mensaleiros e sanguessugas.

No Brasil não se questiona se haverá ou não corrupção daqui até a Copa, mas o quanto de corrupção haverá. Isso é mais certo do que apontar que a final da Copa será no Maracanã.

Mas isso não importa. Deve-se bater no peito e ter orgulho de ser brasileiro como disse o técnico da seleção, Dunga, indignado, vejam só, com uma pergunta de uma repórter canadense da AP sobre a violência no país. Como pode? Que absurdo! Logo no Brasil onde quase não há vítimas de violência. Onde não se vê helicópteros mandando bala em favelas. Essa repórter do Canadá é muito mal educada realmente.

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, tinha mesmo que ficar indignado e responder feito criança na coletiva da Fifa em Zurique bem ao estilo você também é feio, bobo e chato. Ninguém avisou a Teixeira que se falava dos problemas do Brasil e não dos países de primeiro mundo, que obviamente existem, mas são infinitamente menores do que os nossos.

A violência assustadora não é o único problema do país. O serviço de transportes é péssimo. Convivemos há meses com um apagão aéreo cuja solução não vejo no horizonte. Há ameaça de apagão energético como o ocorrido no governo FH. Nós somos também o país em que hospitais públicos abrem crânios de pacientes com serras.

Sem falar na corrupção. Se o orçamento do Pan já havia estourado em níveis estratosféricos, pode-se imaginar o que acontecerá daqui até 2014. A julgar pelo trem da alegria que foi a Zurique, muita água vai rolar debaixo dessa ponte. Sempre com a conivência da imprensa amiga e acobertamentos naturais.

Alguns podem argumentar que a África do Sul também tem problemas sérios e vai organizar a Copa de 2010. Sim, é outro erro da Fifa, que em nome da pior política implantou um mordaz e agora extinto esquema de rodízio de continentes para sediar o Mundial.

E não adianta virem com o bobo argumento tipicamente pseudo-esquerdista que eu desejo uma Copa elitista com apenas os países da Europa, da América do Norte e alguns da Ásia organizando o torneio. A questão não é política, mas de capacidade.

O Brasil pode muito bem organizar um mundial assim que resolver os seus problemas e se organizar decentemente como nação. Enquanto houver pessoas analfabetas e morrendo de fome neste país, enquanto houver a corrupção deslavada que há, não vejo um motivo para o Brasil merecer organizar a Copa.


Politicamente, a Fifa decidiu a favor do Brasil, mas ainda dá tempo de corrigir o erro e dar o Mundial para quem merece realmente organizar um torneio desse porte, independente de tradição política ou esportiva.

sábado, 27 de outubro de 2007

O The Police é um assalto

Ainda tento entender a lógica da venda de ingressos para shows no Brasil. Antigamente as coisas eram mais claras. Quanto menor a casa, maior o preço do ingresso. É natural. O preço do artista é único e a casa tem que bancá-lo não importando se a capacidade é para 5 mil ou 50 mil pessoas.

Hoje, diante da lei da meia entrada que só prejudica as pessoas honestas (são poucas, mas elas existem), essa lógica ganha tons de perversidade. O que leva alguém a cobrar de R$ 160 a R$ 500 pelo ingresso do “The Police” num estádio que pode receber facilmente 100 mil pessoas e R$ 180 por shows do Tim Festival em tendas que com boa vontade cabem 4 mil pessoas?

Claro que ambos os preços são abusivos. Verdadeiros assaltos num tempo em que o dólar está na casa do R$ 1,80. Quando a moeda americana custava entre R$ 3 e R$ 4, os shows não passavam de R$ 120 e isso já era considerado um absurdo.

O dólar alto impediu o investimento em artistas. Perdemos turnês de U2, Madonna, entre outros. Com a cotação favorável, diversos músicos têm desembarcado no país para fazer shows. O que é muito bom, mas o ingresso continua batendo recordes astronômicos. A continuar assim, o cidadão terá que desembolsar em breve um salário mínimo para assistir a duas horas de música.

Gostaria que a organização da turnê do The Police viesse a público explicar os números que levaram a esse valor de R$ 160 per capita. Para mim, ele não tem lógica nenhuma. Parece que quem vai tocar é Jimi Hendrix, voltando do inferno com sua guitarra ao som de “Purple Haze”. Por esse preço, se devia esperar pelo menos Jim Morrison saindo das catacumbas de Père-Lachaise com seu vozeirão cantando “Riders on the storm”.

Sempre dei razão a quem organiza shows no Brasil e reclama da lei da meia entrada. Realmente, o que menos tem é estudante de verdade e já escrevi neste blog minha posição a favor da extinção da lei. Contudo, eles estão abusando. Nada justifica R$ 160 como o ingresso mais barato de um concerto, por mais clássica que seja a banda.

Além disso, a julgar pelo posicionamento do público, a apresentação do The Police promete ser fria como a dos Stones na Praia de Copacabana quase foi não fosse a genialidade daquela que considero a maior de todas as bandas. Criaram uma área vip e uma área premium – aquela dos R$ 500 – em frente ao palco matando de maneira absurda o gargarejo. Ora, as fileiras da frente são as que mais animam a banda e onde melhor ocorre a interação artista-público. Ou alguém acredita que o Sting está preocupado com quem estiver na arquibancada lateral – a de R$ 160 – a milhares de metros de distância?

Mas as inteligências superiores entre os organizadores do show criaram um espaço onde quem tem dinheiro vê melhor e quem é fã se fode, com o perdão do palavrão, aqui absolutamente necessário.

Apesar do preço extorsivo tenho a absoluta convicção que o show do The Police terá “sold out” rapidamente. A banda está tocando muito bem como você pode comprovar abaixo em dois vídeos da volta deles que catei no "Youtube" e o show é marcado só por clássicos do Police.

Enfim, quem cobra esse preço sabe que o que faz, sabe que está lidando com fã e fã paga qualquer preço para ver sua banda favorita. Eles sabem que quando se tratam de concertos, não tem como a pirataria roubar a bilheteria como faz com o mercado fonográfico e cinematográfico. Enquanto isso, todos nós que gostamos de assistir a shows passamos pelo papel de otários. Idiotas assaltados pelo The Police.


Veja o The Police tocando “Message in a bottle” e “Roxanne”:




quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Drama sofrível

Richard Gere sempre foi um ator limitado. É preciso pensar muito para descobrir em sua vasta filmografia uma atuação digna de qualquer elogio. Talvez em “O Chacal” (1997). Quem sabe. Boa gente que viu “O vigarista do ano” (2006), ainda em cartaz, diz que ele está perfeito no papel-título. Devia ter assistido a esse filme e não ao insosso “Justiça a qualquer preço”.

Dirigido por Andrew Lau, o cara por trás do roteiro do filme original que gerou o genial “Os Infiltrados”, o filme é incompreensível. Numa atuação perto da sofrível, Gere faz o funcionário público Errol Babbage. Sua missão é monitorar os malucos da sua área que no passado foram pegos em crimes sexuais dos mais diversos e agora tentam se livrar de seus problemas trabalhando enquanto escondem o que fizeram do resto da sociedade e freqüentam grupos de recuperação.

Errol os importuna sempre fazendo as mesmas perguntas e acaba atrapalhando também qualquer chance de recuperação. Mas o faz porque tenta recuperar a si mesmo. Errol se acha um fracassado por não ter feito mais, salvado mais pessoas inocentes, etc...

Nesse meio tempo entra em cena Allyson Laurie (Claire Danes, cuja atuação não merece qualquer comentário). Ela vive a profissional que irá substituir Errol assim que ele se aposentar, ou for aposentado como o próprio define.

O filme até aqui, portanto, se propõe a ser um drama com tintas de regeneração e blá, blá, blá. É quando Lau entra em cena e traz toda a técnico do cinema oriental de terror. Leia-se com isso uma câmera que acelera e pára em determinados pontos, consagrada por John Woo, o som estrategicamente aumentado com o andar lento da câmera e gritos. Claro, sem grito o cinema de horror não teria vez. Algo bem na linha de “Jogos Mortais”, mas bastante pasteurizado pelo estilo americano de fazer cinema. Talvez o paralelo melhor nem seja “Jogos Mortais”, filme de roteiro genial, mas suas sofríveis seqüências.

Por trás desse aparato há uma investigação de uma garota desaparecida, Harriet Wellis (Kristina Sisco). Ela, claro, foi raptada e Babbage acha que Harriet foi vítima de uma das ovelhas negras do seu rebanho, “The Flock”, como no título original em inglês. No final estará certo e descobrirá a verdade até de uma forma bastante óbvia. Um pouco de atenção ao filme o fará descobrir o sequestrador com pouco mais de uma hora, assim mesmo porque ele demora a apresentar todos os personagens. Aliás, a investigação é uma das mais mau executadas da história do cinema.


Sem surpresas e com um roteiro preguiçoso, Andrew Lau não convence com o seu primeiro filme americano. “Justiça a qualquer preço” não passa de uma perda de tempo. Ninguém mandou eu dar uma segunda chance a Richard Gere.

domingo, 21 de outubro de 2007

A velha China em foco

A cinematografia de Zhang Yimou é bastante coesa. Seus filmes quase sempre falam da China do tempo dos imperadores, tratam de disputas marciais envolvendo honra, coragem e glória e abusam das cores vibrantes. As cores, aliás, são instrumentos importantes em seus filmes que remetem a estados de espírito e situações-limite. Foi assim em “O clã das adagas voadores” (2004), um de seus melhores trabalhos, “Herói” (2002) e é assim, em parte, com seu mais recente trabalho, “A maldição da flor dourada”.

A parte exatamente que não entra na descrição dos filmes anteriores é a do confronto envolvendo os valores. Aqui os temas são mais palpáveis, mais humanos. É a traição, o amor incestuoso e a vingança.

Li Gong vive uma imperatriz infeliz na China 600 anos antes de Cristo. Seu marido, o imperador vivido por um Chow Yun-Fat bastante à vontade no papel, casou-se com ela apenas para unir duas famílias e conquistar o poder absoluto. Ela tem um caso com seu filho adotivo, o príncipe Wan (Ye Liu), filho da primeira mulher do imperador, supostamente morta.

No entanto, o monarca sabe da traição e trama matá-la com doses diárias de um veneno vindo da Pérsia colocado em seu remédio. Antes de morrer, porém, ela trama um golpe de estado durante o festival dos crisântemos, a tal flor dourada do título, com seu filho mais velho, o príncipe Jai (Jay Chou).

Com a calma de um genocida, o imperador dizima seus inimigos nas belas cenas de batalha dirigida por Yimou. E o festival que deveria significar a celebração da família termina numa carnificina. Nada que abale a paz do imperador. É como se ele tivesse a total noção do que iria acontecer e até planejasse aquilo.



“A maldição da flor dourada” não é dos mais inebriantes filmes de Yimou nem tem a mesma riqueza dos anteriores. Essa falta é compensada apenas pelas belas cenas de luta bem características do diretor. É uma obra interessante, mas sem a mesma densidade de seus trabalhos anteriores.

domingo, 14 de outubro de 2007

Diário de guerra de um justiceiro

O Rio é um estado em guerra e precisa de alguém para fazer o trabalho sujo. Essa é a missão do Capitão Nascimento (Wagner Moura, em atuação magistral). E ele sabe que, assim como dizem as regras do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope), missão dada é missão cumprida. Fim de papo. End of story.

“Tropa de Elite” é um espelho cruel, mas absolutamente e tristemente fiel do Rio de Janeiro. Estão lá todos os elementos que levaram esse estado à falência moral. É a polícia corrupta, a polícia que tortura, playboys e patricinhas que ajudam a financiar o tráfico, políticos e comandantes de batalhões corruptos, Ongs que fazem acordos com bandidos e propaganda política canalha, traficantes circulando livremente como verdadeiros senhores feudais das favelas...

São tantos os elementos que jogaram esse estado na lona, são tantos os culpados, que chamar o filme de fascista como alguns fizeram é querer justificar o filme com um posicionamento político que ele não tem e não analisar o problema do tamanho que ele é apresentado. Gigantesco.

E no meio disso tudo, como não poderia deixar de ser numa obra de ficção, tem que haver um herói. No caso, ele é mais um anti-herói. Seu nome é Capitão Nascimento. Sua missão é extirpar da cidade o câncer praticado pelo duo corrupção/hipocrisia enquanto ele mesmo vai sendo derrotado pelos anos de dedicação àquela vida sofrível. Muitos dos seus métodos são condenáveis, mas como questioná-los na guerra em que vivemos? Pois se ninguém percebeu ainda que a situação é de guerra, basta ver o filme. Ele não aumenta nem inventa nada. É verdade crua.

Nascimento lembra que numa situação como a que o Rio vive, “ou você se corrompe, ou você se omite, ou vai para a guerra”. Esta foi a opção dele. Sua visão é simples e direta. Bandido bom, é bandido morto. Estudante que fuma maconha financia o tráfico e merece castigo. E que depois de fumar um baseado não venha querer fazer passeata pela paz que ele mesmo ajuda a destruir.

Não é verdade que o filme coloca o Bope num pedestal e a Polícia Militar como apenas corrupta. Do primeiro se acusou o diretor José Padilha de dizer que não há corrupção no Batalhão. Ele nunca diz isso textualmente. Quem diz é Nascimento. E é natural que ele pense isso, uma vez que o Bope é sua vida, a instituição pela qual ele dedicou sua vida com afinco e honestidade. Afinal, como ele mesmo admite, o Bope, por vezes, se assemelha a uma seita. Daí a ser tudo verdadeiro são outros quinhentos. O filme é claramente a visão do capitão. É narrado em primeira pessoa e é o ponto de vista único e exclusivamente dele. Nada mais. Faltou a muitos entenderem isso.

Um segundo ponto. Se o filme coloca o Bope em posição heróica e de bastião da moral e dos bons costumes das duas uma: ou eu não entendo mais o que é um herói ou os conceitos mudaram bastante e eu não percebi. Desde quando uma instituição que tortura (de acordo com o filme, sempre. Não sei até onde vai a verdade nestes atos) qualquer um, mata primeiro e pergunta depois, intimida as pessoas (lembrai a cena em que Matias conversa com o universitário enquanto o agride e diz claramente: “Qual é? Vai reagir? Vai bater em policial?”) e ameaça empalar um jovem jovem morador da favela com um cabo de vassoura pode ser considerada exemplo? Que pedestal divino é esse?

Segunda parte. A corrupção venal da PM é mostrada e não a PM corrupta como um todo. Há exemplos sutis de que nem todos são canalhas. Não viu quem não quis ou tem teto de vidro. Um exemplo: Matias (André Ramiro, excelente) faz um mapa do crime na área do batalhão em que trabalha e é esculachado pelo comandante do Batalhão, que pensa apenas nos seus interesses. Seu superior imediato sai em sua defesa: “Mas é um relatório perfeito sobre tudo o que acontece na cidade”. O relatório continha os erros, as estatísticas desfavoráveis ao capitão e uma solução para agir na melhoria da segurança dos moradores. O comandante o joga no lixo e manda refazer o documento com um pouco mais de amenidades. Conclusão: Nem todos são podres, mas a corrupção atinge muitos e em cargos estratégicos.

Segundo ponto. A corrupção dos PMs de menor escalão é apresentada de uma maneira em que os policiais são bandidos sim, mas também vítimas de um sistema que os massacra, que os faz arriscar vidas por quase nada. É o caso de Fábio (Milhem Cortaz) que diz: “Eu ganho R$ 500 por mês. Você acha que eu vou subir favela? Preciso sobreviver”. Não justifica, mas explica um dos motivos do problema. E como diz o capitão Nascimento: “Policial também tem família e medo de morrer”.

Houve quem chiasse por generalizar o comportamento dos estudantes. Eu diria que vestiram a carapuça. Minha faculdade tinha até maconhódromo. O fato é que muitos jovens fumam adoidado por se acharem transgressores. Esqueceram que Woodstock acabou, drogas não são mais românticas e ajudam sim a financiar o tráfico. Portanto, meu amigo, se você está lendo esse texto fumando um baseadinho legal, num maior barato, saiba que qualquer um, inclusive você, pode ser vitima de violência gerada a partir desse cigarrinho “inocente”. É com esse dinheiro sim que o tráfico compra parte do seu arsenal. Não acredita nisso? Estou exagerando? Veja “Babel” (2006) para você ver como o mundo é interligado e o ácido não te faz perceber.

Num mundo perfeito, uma espécie de cruzamento entre Holanda, Suíça e Noruega, liberar as drogas seria uma solução e eu concordo. Mas para que isso aconteça seria preciso praticamente recomeçar este país, reeducá-lo. Refundar, privatizar, qualquer coisa, porque ele começou errado, continua errado e não vejo o menor esforço para consertá-lo. Os políticos estão mais preocupados com os seus próprios interesses do que com os da população. Enquanto isso, ninguém investe em educação.

Quem disse que as Ongs que trabalham nas favelas são colocadas como corruptas e safadas também não entendeu a mensagem. Na realidade, elas fazem parte de um jogo sujo entre quem as financia de um lado, os políticos canalhas, e quem as deixa trabalhar na favela, os traficantes. Alguns podem se corromper e viverem felizes ou aceitar incomodados aquela situação em nome da boa ação que desejam praticar. Uma única Ong é mostrada através de um cidadão que escolheu a primeira opção. Mas ninguém diz que todas são assim.

Agora, é a mais cristalina verdade quando o filme diz que a Ong só funciona com a anuência do tráfico. Ora, até o Michael Jackson teve que pedir benção aos traficantes para filmar o clipe de “They don´t really care about us” no Dona Marta.

O mais importante é que a obra de Padilha mostra o ser humano com suas nuances. Ninguém é 100% bom, muito menos 100% mau. Ora, não somos assim no dia-a-dia? Acabou há muito tempo essa história de herói perfeito e bandido querendo dominar o mundo. Nem os filmes do 007 mostram mais essa dualidade. O maior exemplo disso atualmente é a série “24 horas”, onde Jack Bauer (Kiefer Sutherland) lida com muitos tipos complexos e ele mesmo não é um mocinho, digamos, convencional.
A obra

Feitas estas considerações passemos ao filme em si. E como filme, “Tropa de Elite” é excelente. Ele acompanha a vida trágica de Nascimento e a busca dele por um substituto no Bope que será o jovem e cerebral estudante de Direito Matias ou o passional e impulsivo Neto (Caio Junqueira, em também ótima performance).

A força de suas atuações e a linguagem direta e sem muitos floreios são o seu forte. Tudo aliado a um roteiro extremamente competente, rico, um dos melhores do cinema brasileiro, escrito pelo próprio Padilha, por Bráulio Mantovani, também roteirista de “Cidade de Deus” (2002), e Rodrigo Pimentel, ex-membro do Bope e autor do livro “Elite da tropa” de onde o filme se baseou.

Numa inevitável comparação com “Cidade de Deus”, aliás, pode-se dizer que os filmes são espelhos, dois lados de uma mesma guerra como o são as obras de Clint Eastwood “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”. Na película de Fernando Meirelles, é mostrada a realidade de dentro da favela, numa linguagem mais pop, videoclípica e edição acelerada. O filme de Padilha mostra o olhar do policial, tem uma direção mais conservadora, mas não direitista ou esquerdista, antagonismos tão ralos, conceitos que para mim jazem mortos há muito tempo. Mas suas cenas de ação são eletrizantes.

Em ambos, porém, cada um a seu estilo, se mostra uma realidade assustadora. Se há cinco anos nada foi feito para melhorar, esperamos que agora, com esse novo filme e um secretário de segurança que parece realmente bem intencionado, algo seja feito. A cada vez que o tempo passa, a sensação é de que o tráfico ganha a batalha.


“Tropa de Elite” é um dos melhores filmes do ano. De todos os que vi, rivaliza apenas com “Diamante de Sangue” e “A Rainha”. Ele é, contudo, tão perfeito na realidade que transpõe, que chega a provocar náusea. Por que deixaram o Rio ficar desse jeito? E até quando viveremos assim?

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

28 horas

Ao contrário do que cantou Mick Jagger, definitivamente o tempo não está ao nosso lado. Talvez nos anos 60 estivesse. Hoje tenho sempre a sensação de que não cabe mais fazer planos para o futuro. Daqui a pouco teremos que fazer planos para as próximas encarnações.

Eu por exemplo, me comprometi a quando voltar aprender a fazer duas coisas que sempre quis, mas a falta de tempo me impede: surfar e dançar tango. Marcelo surfando!!!!!!! Exclamam uns. Dançando tango!!!!!!!??????? Exclamam ainda mais/questionam (rindo muito), outros.

Ora, por que não? Sempre gostei de esporte e o surf me parece extremamente divertido, além de ser uma bela maneira de estar em contato com a natureza por mais que as ondas de Jaws não sejam lá muito convidativas a um amador. Quanto a dançar tango, bem, ainda estou inebriando pela famosa cena de Al Pacino em “Perfume de Mulher”, que para mim foi decisiva para ele faturar o Oscar. Depois daquilo pensei que tango era algo que eu precisava aprender.

Fica para a próxima encarnação. Não dá mais para realizar todos os sonhos num mundo que tem 365 dias por anos e apenas 24 horas em cada dia. O tempo é o mesmo, mas a velocidade é impossível de acompanhar. Você dorme com o computador mais moderno e acorda obsoleto.

O ser humano, aliás, está ficando a cada dia mais rapidamente obsoleto. Chegará o dia em que cursar três faculdades será obrigação para que o mercado de trabalho não o jogue no limbo. E aí vai faltar ainda mais tempo para se dedicar aos prazeres da vida.

Mas eu não desisto. Havia um terceiro sonho que estou tentando deixar nessa encarnação. Tocar guitarra perfeitamente é mais que um compromisso. É um destino. Espero que os fatos o comprovem.

O fato é que o tempo anda surreal. Daí a escolha por Salvador Dali – com o perdão do trocadilho infame – na obra “A persistência da memória” (1931) para ilustrar esse post. Vai dizer que aquele relógio derretendo e se esvaindo não é uma metáfora perfeita para cada dia da sua vida?

Uma análise da tragédia nossa de cada dia. Passamos dois terços de cada 24 horas que vivemos na tríade verbal trabalhar/dormir/comer. Restam oito horas. Seriam suficientes se não fizéssemos horas extras, perdêssemos tempo no trânsito, tivéssemos que pagar contas no banco, enfim, se não tivéssemos outras obrigações.

O resultado? São filmes a não ver. Livros a não ler. Cursos a não fazer. E até, por que não? Falta de tempo para não fazer nada. O ócio criativo é fundamental, já disse o sociólogo italiano Domenico De Masi.

Os romanos fizeram besteira. E Não podemos mudar o passado. Mas como não podemos trabalhar menos – num mundo capitalista isso seria impossível e poderia provocar a terceira guerra mundial – fica a sugestão para continuarmos a trabalhar da mesma maneira, porém com o diferencial do calendário ser alterado.

Se cada dia tivesse 28 horas, teríamos quatro horas para nos dedicarmos aos prazeres da vida da forma como desejarmos. Seria fantástico, nos deixaria mais felizes e produziríamos mais.

Do ponto de vista biológico seria uma loucura, admito, uma vez que a Terra leva 24 horas para girar em torno de si mesma no tal movimento de rotação. Mas se nos acostumássemos a tomar café da manhã em pleno breu e jantar com o galo cantando, como provavelmente aconteceria com essa diferença de quatro horas, teríamos mais qualidade de vida.
E se nada desse certo, na pior das hipóteses, teríamos mais quatro episódios para ver Jack Bauer acabando com os terroristas que invadem os Estados Unidos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Do limite da obra

Envolto numa vida excessivamente pacata e morna com sua esposa, o cineasta François (Frédéric van den Driessche) é instigado por uma atriz a tentar entender os segredos do prazer feminino. Observar suas nuances e o que faz a mulher atingir o orgasmo é o seu projeto mais ousado e que o levará a expandir os limites da própria obra.

Após diversas recusas, François encontra três jovens e iniciantes atrizes dispostas a fazer o filme e se abrir para as suas experiências sensoriais. Charlotte (Maroussia Dubreuil), Julie (Lise Bellynck) e Stéphanie (Marie Allan) aceitam se entregar ao projeto confiando na famosa delicadeza de François para entender o ponto de vista de seus atores.

As três se masturbam para ele, transam entre si e compartilham seus mais íntimos segredos e seus mais obscuros sentimentos em busca do papel desejado. Estariam sendo elas manipuladas pelo diretor ou ao contrário? A pseudopureza da alma de François o impede de ver que a cada teste que fazia, ele era também manipulado por suas cobaias.

Aos poucos, porém, François vai construindo seu filme expandindo cada vez mais a fronteira de sua obra até um perigoso limite que pode lhe ser fatal. Até onde ele irá? Até onde lhe permitirão ir nessa transgressão sexual? Respostas no cinema.

“Anjos Exterminadores” é uma obra densa por abordar o espinhoso tema do prazer feminino e corajosa ao utilizar cenas de sexo tão verdadeiras, bem filmadas e de certa forma delicadas que, por vezes, parecem ter realmente acontecido. Maroussia, Lise e Marie parecem ter realmente sentido o prazer que na tela dizem viver através de suas personagens. O ponto, todavia, está muito distante do G orgasmático. O objetivo é abrir e refletir sobre essa caixa de pandora que é a psique da mulher. Esta me parece ser a motivação do diretor e roteirista Jean-Claude Brisseau.

Seu filme guarda muitas semelhanças com o excelente espanhol “Lúcia e o Sexo” (2001), de Julio Medem, na medida em que usa a metalinguagem cinematográfica usando o recurso de uma obra dentro de outra. Não é François que deseja fazer um filme sobre o prazer feminino, mas Brisseau que tem o desafio de realizar uma obra sobre um tema que ao mesmo tempo é tabu e transgressor.

São apenas algumas das vertentes de “Anjos Exterminadores”, que explora as profundezas da alma feminina sem encontrar qualquer conclusão sobre o desejado. Esta é a motivação de qualquer obra aberta, aliás. Não é à toa que François diz que o filme foi um “sucesso inesperado”. Contudo, ele não afirma que atingiu o objetivo que buscava.

Ao procurar sempre um passo a frente e ainda não desvelado, François pagará caro. Não o quanto estava escrito no seu destino, uma vez que é salvo pelo anjo do título que deveria exterminá-lo, mas um alto, destrutivo e irreversível preço. Trocou a vida que tinha por uma obra-prima incompleta. Um preço a ser ponderado.