domingo, 28 de abril de 2024

“Guerra Civil” tem uma história muito boa por trás de trama desinteressante

Dunst e Moura, o que o filme tem de melhor
A ideia de um país como os Estados Unidos em convulsão por uma guerra interna já foi alvo de reflexão em algumas produções recentes, mas este conflito sempre foi causado por um fator externo. Seja por causa de um fungo que transforma os humanos em zumbis como em “The Last of Us” (2023) ou estranhos acontecimentos que fazem os americanos exacerbarem ao extremo as suas individualidades, como em “O mundo depois de nós” (2023). No entanto, Alex Garland deu um passo além nesta trama e, aparentemente até inspirado na realidade assustadora da política local em um país louco para devolver o poder a Donald Trump e com grupos de extrema-direita assustadoramente muito atuantes, criou uma realidade distópica em que o conflito armado, que está tão no DNA americano, vem para dentro do seu território.

Se essa fosse a história de “Guerra Civil” (“Civil War”, no original), Garland teria um filme bem interessante em mãos, onde veríamos as implicações da implantação de um caos armado nas mãos de conspiradores que, para dizer o mínimo, não batem bem da cabeça. Garland, porém, optou por abordar um microcosmo, o dos repórteres de guerra, para serem o nosso olhar sobre a distopia que ele criou.

“Guerra Civil” segue quatro jornalistas em busca do que eles consideram a grande história da guerra interna americana. A entrevista final do presidente dos Estados Unidos antes que ele seja capturado, ou mesmo morto, pelas forças rebeldes. Assim, o filme acompanha dois repórteres da Reuters, Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura), um veterano jornalista do “New York Times”, Sammy (Stephen McKinley Anderson), e uma jovem em início de carreira, Jessie (Cailee Spaeny). E essa é a história mais desinteressante que “Guerra Civil” pode nos dar.

Os quatro personagens do filme são envoltos numa nuvem de clichês a ponto de ser facilmente adivinhável qual será o destino de todos eles antes do fim do filme. Lee é a veterana repórter fotográfica que já viu guerras demais a ponto de perder a humanidade e ser fria com tudo e com todos. Ela, obviamente, terá na figura de Jessie um porto para resgatar um traço da sua humanidade perdida ao mesmo tempo em que Jessie é uma jovem impulsiva, ainda não maltratada pela vida, e que está louca para seguir os passos da mulher que vê como ídola e mentora. Joel, por sua vez, é o jornalista-raiz que faz tudo por uma boa história, pilhado pela emoção e stress do conflito. Mesmo que isso seja arriscar a própria vida. Sammy, por sua vez, é o veterano e decadente jornalista pronto para dar lições de vida nos dias que lhe restam.

Seguir este quarteto é tedioso. Especialmente porque sabemos que Garland esconde por trás desta história básica um filme muito interessante e que vemos alvorecer em vislumbres como a rápida participação do militar vivido por Jesse Plemons, um homem cheio de preconceitos e que só aceita perto dele aqueles que são “verdadeiramente americanos”. E sabemos o que isso é para racistas e xenófobos. Ou como na cena da cidade que segue a sua vida normal em meio ao conflito armado simplesmente porque eles decidiram não se envolver. Uma das minhas maiores curiosidades era justamente entender como aquela cidade no meio do país se mantém alheia a guerra e em saber como os Estados Unidos viraram aquilo que acompanhamos a partir da jornada dos jornalistas.

Além do foco numa história que mais parece uma homenagem aos jornalistas de guerra do que propriamente um filme, “Guerra Civil” carece de mais contexto. Por exemplo, quem são as Forças Especiais? O que eles defendem? Por que querem derrubar o governo americano? Por outro lado, o governo americano é vítima ou algoz nesta história? O elemento fascista está de que lado? Ou a ideia do filme é mostrar que numa guerra tudo o é caos e tudo é desordem? Saio do filme com algumas ideias e reflexões sobre isso tudo, mas não exatamente com respostas, ou mesmo insinuações, trazidas pelo filme e sem ter muito horizonte para o qual olhar.

O lado bom de “Guerra Civil” está no trabalho de seus dois protagonistas. Wagner Moura está excelente como Joel. Ele sabe dar ao seu personagem o olhar obsessivo e excitado por uma história jornalística e entregar a dor de uma perda sem parecer piegas. Seu trabalho tem camadas e subcamadas e uma multiplicidade de emoções apenas com um gesto ou um olhar que é coisa de craque. É muito bom ver Wagner Moura trabalhar e ainda que “Guerra Civil” tenha vários problemas, ele vale o ingresso.

Dunst também entrega muito bem a frieza da sua repórter fotográfica cuja humanidade está escondida sob camadas de histórias que viveu nos anos de profissão. Ela tem o rosto e o olhar cansado de quem já viu guerras demais e agora é forçada a cobrir um conflito no quintal de casa. Mas também mostra traços de delicadeza e humanidade no convívio com Jessie.

Os dois são a razão de ser do filme que está na primeira camada de “Guerra Civil” ao passo em que a participação de Plemons diz muito e dá algumas pistas sobre as perguntas que ficaram sobre o filme mais interessante por trás do filme principal de Garland. É uma cena que dura coisa de cinco minutos, mas que escancara para onde Garland poderia ter olhado. Esse filme o diretor vai ficar nos devendo.

Nota 5/10.