sábado, 28 de junho de 2008

Clichês que não incomodam

Há clichês que incomodam e outros que são necessários. Ver James Bond dizendo sua famosa frase “My name is Bond, James Bond”, pegando todas as mulheres e não falhando nunca na captura de bandidos é mais do que esperado por todo fã da série de filmes. É uma necessidade. É por isso que o agente secreto agora vivido por Daniel Craig me incomoda tanto. Ele é tudo de ruim e não tem qualquer classe.

Outro caso em que clichês são bem-vindos são nos filmes de faroeste. Não adianta fazer muita graça quando você vai filmar uma história do gênero. Tem que ter um mocinho carismático, um bandido sedutor, personagens interessantes e marcantes, mulheres frágeis e precisando ser salvas, muitos tiros, índios, duelos, etc.

Tudo bem que “Os Imperdoáveis” (1992), filmaço de Clint Eastwood, não tem muito disso e ainda assim é um dos melhores westerns da história, tendo conquistado, inclusive, cinco Oscars. Mas ele é de um tempo em que o faroeste era dado como morto e enterrado e foi ressuscitado com nova roupagem por alguém que iniciou a carreira exatamente fazendo esse tipo de filme. Eastwood conhece como poucos o gênero e soube ganhar novas platéias com maestria.

É válido, mas um faroeste ao estilo John Wayne para os que gostam do gênero também é agradável. É mais ou menos isso que o diretor James Mangold tenta nos oferecer em “Os Indomáveis”, filme baseado em conto do escritor Elmore Leonard, um especialista no gênero bangue-bangue.

O filme conta a história do carismático bandido Ben Wade, vivido por um sempre ótimo Russel Crowe. Com sua pistola imortal e um cavalo que o obedece com um mero assobio, ele lidera um bando que aterroriza os moradores de diversos condados e causa muitos prejuízos à ferrovia que está desbravando o Oeste.

A paixão por uma bela mulher acaba sendo fatal para ele que é preso e será levado para o trem que sai às 3h10m da tarde para o presídio de Yuma. Daí o título original do filme “3:10 to Yuma”. Para escoltá-lo um bando eclético que reúne um eterno inimigo de Wade, Byron McElroy, vivido por Peter Fonda, e o fazendeiro Dan Evans (Christian Bale), que entra na empreitada não apenas pelo dinheiro, mas para provar ao seu filho que ele também pode ser um herói.

No caminho para a cidade de Contention, Wade e Evans passam por diversas situações de perigo, são sempre perseguidos pelo bando de Wade e acabam descobrindo ter muitos pontos em comum. Mais do que uma rivalidade, desenvolvem um respeito mútuo a ponto de Wade se permitir correr riscos para ajudar este pai de família que ele nunca pôde ser devido à crueldade que a vida lhe impôs.

“Os Indomáveis” é um grande faroeste que não tem muitas preocupações estéticas e nem tem a intenção de fazer nada além do que entreter os fãs deste gênero. Um gênero que não morrerá jamais, por mais que tentem colocá-lo numa lápide.

domingo, 22 de junho de 2008

Sai o psicologismo, entra a ação

Os filmes baseados em histórias em quadrinhos da Marvel ganharam um novo status nos últimos tempos. Eles deixaram de ser histórias isoladas e com suas vidas contadas linearmente para ganharem um divertido encadeamento que está deixando os fãs cada vez mais ansiosos, pois eles já sabem onde isso vai dar lá na frente, mais especificamente em 2011 (se a data não mudar), com lançamento do filme dos Vingadores.

Se em “Homem de Ferro” vimos sinais na casa de Tony Stark (Robert Downey Jr.) como o escudo de um certo Sentinela da Liberdade perdido no meio de seus experimentos, e ficamos de boca aberta ao ver Nick Fury (Samuel L. Jackson) aparecendo na cena final (você não esperou os créditos terminarem né?) convidando Stark para um certo projeto Vingadores, em “O Incrível Hulk” é Stark quem dá o ar de sua graça na cena final falando na formação de “um time” para o general Ross (William Hurt), sem falar no soro do supersoldado tomado por Emil Blonsky (Tim Roth), fórmula criada na Segunda Guerra e ligada àquele Sentinela.

Com suas conexões paralelas às histórias individuais, os filmes de quadrinhos viraram uma minissérie e a cada dia a película que reunirá os Vingadores está mais próxima. Principalmente depois de projetos que já estão sendo tocados com vôos solos do Thor (previsto para 2010) e do Capitão América. (previsto para 2011).

Este projeto e as seqüências de Hulk e Homem de Ferro devem dar a base final para o ambicioso projeto da Marvel de reunir a superequipe que na sua formação original ainda tinha o Namor, mas no filme ainda pode contar com o Homem-Formiga (também com projeto de filme solo), a Feiticeira Escarlate, a Vespa e o Visão.

Mas enquanto este sonhado dia não vem, o assunto aqui é o Hulk que aporta nos cinemas deixando de lado o psicologismo e o lado humano muito bem explorados por Ang Lee no trabalho de 2003, estrelado por Eric Bana e Jennifer Connelly, e partindo para uma aventura mais simples e com muita ação.

Numa comparação entre os dois trabalhos, o "Incrível Hulk" de Louis Leterrier, diretor conhecido pela série “Carga Explosiva”, estrelada por Jason Statham, tem como vantagem um ator muito melhor no papel de Bruce Banner e a melhor versão digital já feita do gigante esmeralda.

Se Ang Lee tentou nos mostrar o lado humano – e o Hulk nada mais é do que a materialização do lado negro de Banner – foi o trabalho da Rythmen & Hues que deu feições mais humanas ao monstro que surge quando Banner fica com muita raiva.

Se Norton é melhor do que Bana (embora não acrescente nada de especial na personalidade de Banner), o filme de Ang Lee tem uma Betty Ross bem mais interessante do que o de Leterrier. Sorry, Liv Tyler, mas Jennifer Connelly é uma musa.

Apesar disso, no entanto, e se Hulk é um ótimo trabalho de Leterrier, que não deixou de homenagear um Hulk tão clássico quanto tosco colocando Lou Ferrigno, estrela do seriado dos anos 80, para fazer a voz do gigante, gostaria que ao menos o cineasta francês mantivesse o aspecto do conflito psicológico da história original.

Dizem até que Edward Norton teria reclamado disso, pois essa parte foi cortada na edição final. Uma cena, por exemplo, que está no trailer que mostra Norton conversando com o psiquiatra Leonard Samson (Ty Burrell) sequer aparece no filme.

É uma pena que se tenha feito essa escolha, pois é no aspecto de domar o seu lado negro (o que Banner mostra estar fazendo no final do filme) é que reside a grandeza desse personagem dos quadrinhos.

Apesar das diferenças e de algumas semelhanças, o novo filme do Hulk agrada a todos os que gostam da história do golias esmeralda. Deve-se ressaltar ainda, ao menos para os brasileiros, o cuidado que Leterrier teve ao retratar o país nas cenas filmadas no Brasil e que ocupam a meia hora inicial da película. Elas não tinham qualquer clichê, mas achei muito estranho a dublagem. De qualquer forma, os takes na favela da Rocinha (na realidade a Tavares Bastos, no Catete) são algumas das melhores partes do filme que conta com muita ação e uma boa briga com o Abominável no final.

“O Incrível Hulk” é, portanto, um belo trabalho de Leterrier, que soube ser fiel aos quadrinhos com o cuidado necessário de atualizar uma história que tinha que sofrer algumas transformações naturais em relação ao original. E é mais um capítulo naquele promissor futuro de 2011 que nós fãs esperamos encontrar.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Parto difícil

Quando o filme romeno “4 meses, 3 semanas e 2 dias” não apareceu na lista final dos indicados para o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano, ninguém entendeu muito bem a opção da academia de Hollywood. Afinal, o trabalho de Cristian Mungiu, que escreveu e dirigiu a película, havia sido premiado com a Palma de Ouro de Cannes, para mim, o mais importante prêmio do cinema mundial. Falava-se até em um cenário romeno na indústria cinematográfica.

Ao descartar este filme, além do novo trabalho de Denys Arcand, “A era da inocência”, que já ganhou um Oscar pelo excelente “As invasões bárbaras” (2003), continuação de outro excelente trabalho, “O declínio do império americano” (1986), a academia causou estranheza. Foram escolhidos “Die Falscher”, da Áustria (que acabou conquistando o prêmio), “Beaufort”, de Israel, “Katyn”, da Polônia, “Mongol”, do Cazaquistão, e “12”, da Rússia.

Assistindo a “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, percebi porque o filme de Mungiu não ficou entre os indicados e, sinceramente, fiquei confuso e não entendi o por quê de tantos elogios que ele recebeu.

“4 meses...” é ruim. Muito ruim. Não diria horrível, como cheguei a ouvir dentro do cinema, mas é bem abaixo da expectativa. É um filme que não avança, não se posiciona, não diz a que veio.

A coisa funciona mais ou menos assim. Uma colegial faz besteira na Romênia de 1987 em plena ditadura chapa quente de Nicolau Ceausescu e fica grávida. Naquela época tudo era proibido e a Romênia era um país muito mais sombrio do que qualquer conto mais chinfrim possível sobre o velho Conde Drácula.

Gabriela Dragut (Laura Vasiliu) resolve fazer um aborto e conta com a ajuda de sua amiga, Otília (Anamaria Marinca, uma das poucas coisas que se salva na película) para achar um médico disposto a encarar o risco, não sem antes cobrar um preço alto. E para desespero delas, esse preço não é em dinheiro. O tal do senhor Bebê (Vlad Ivanov) faz o serviço sujo, elas vão para o restaurante e fim de filme. É isso.

Como ponto positivo. Aliás, positivo não, curioso, é apenas o estado decrépito que era a Romênia há 20 anos. Foi ontem, mas nota-se o quanto o país era atrasado. Não conheço a nação de Hagi e outros jogadores que marcaram época na Copa do Mundo de 1994, justamente a primeira pós-ditadura cruel de Ceausescu, mas acredito que melhorou bastante.

De qualquer maneira, se você não tem essa curiosidade ou poderia matá-la numa olhadela em livros de história, sites romenos ou qualquer coisa que faça uma alusão a este país do leste europeu, passe longe de “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, a maior decepção deste ano até agora.

sábado, 14 de junho de 2008

A natureza dá o troco

Os leitores que ainda acompanham esse blog (Cabe até um censo. Serão ainda sete?), sabem o quanto eu sou fã do cineasta indiano M. Night Shyamalan. Já o chamei aqui neste espaço de gênio, de homem que subverte as leis do suspense, de arauto da renovação deste gênero e um seguidor de Alfred Hitchcock (embora eu nunca o tenha escutado dizer isso). Seus roteiros criativos e sempre surpreendentes me deixam fascinados desde o desconhecido “Wide Awake” (1998) até “A dama na água” (2006), passando pelo melhor dos seus filmes, seu masterpiece, “O Sexto Sentido” (1999). Sou, portanto, um incondicional apaixonado pelo seu trabalho.

É exatamente por ser do time que o ama que me sinto a vontade para dizer que em “Fim dos Tempos”, seu mais novo filme, Shyamalan errou a mão. Não que o filme estrelado por Mark Wahlberg seja ruim. É, para criar um neologismo, “assistível”. Apenas, porém, não é o padrão Shyamalan no qual estamos acostumados.

Acredito ser uma questão do roteiro escrito pelo indiano, com passagens pouco inspiradoras, por vezes infantis, e em outros momentos com situações constrangedoras (não dá para agüentar Wahlberg conversando com uma planta de plástico). Mas é impossível acertar sempre. Não cabe crucificá-lo e taxá-lo de acabado porque um trabalho razoável dele, como é “Fim dos Tempos”, é ainda superior a muita coisa que vejo por aí.

Neste filme que eu vou rotular como um terror ecológico, a natureza resolve contra-atacar. Depois de milênios de destruição, os humanos recebem o mesmo tratamento genocida que eles dão aos outros seres vivos. Assim, de repente e sem qualquer motivo, eles passam a cometer suicídios. Digamos que a natureza resolveu fazer uma limpeza étnica sem muito critério. A explicação está lá em toxinas e outras “cositas mas” que não me cabem descrever, pois estaria contando a história (algo mortal em filmes de Shyamalan). Mas posso adiantar que os ambientalistas radicais vão adorar a película.

Dentro dessa história surreal em que desta vez não há reviravoltas, ainda podemos encontrar todos os elementos estilísticos que fizeram de Shyamalan um sucesso. Detalhes como a "incômoda" trilha sonora acompanhada pela câmera em tom pausado sempre a descobrir um novo e surpreendente enquadramento (e diante do background dos filmes anteriores, sempre se espera algo dela), os sustos (ah os sustos!), a relação fé-ciência/razão, e a presença de Shyamalan escondido em algum lugar bem ao estilo Hitchcock. Mas dessa vez, ele foi bem mais comedido do que em “A dama na água”, quando assumiu um protagonismo que incomodou muita gente. Eu, por exemplo, pela primeira vez não desvendei sua presença no filme. Só pesquisando depois.

Tudo isso suscita uma questão que eu já adianto não ter resposta. Pois, se como diz Umberto Eco, “a obra é aberta”, a interpretação é multifacetada e sem verdades absolutas.

E o que coloco em questão aqui em “Memórias da Alcova” é o seguinte: Teria Shyamalan se tornado refém do seu estilo?

Muitas das suas marcas registradas listadas acima (com exceção para o truque de câmera), parecem ter sido colocadas como se fossem para mostrar que aquele era um filme de Shyamalan. E por isso parecem um tanto quanto artificiais. Além disso, não embasam o roteiro ou são auxílio à história. É como se o diretor estivesse dizendo à sua platéia: como vocês podem perceber, este é um filme meu.

Claramente percebemos isso numa cena dos já famosos sustos que ele gosta de promover (eu pelo menos pulei da cadeira). Era necessária aquela cena? O que ele quis dizer com aquilo? Não sei informar e não passa pela minha cabeça qualquer tipo de especulação. Mas foi a partir deste ponto que me encontrei diante dessa questão. Aguardemos o seu próximo trabalho para saber se terei uma resposta ou se “Fim dos Tempos” foi apenas um momento natural de queda numa elogiável filmografia.

Apesar de tudo vale a pena ver “Fim dos Tempos”. Sem querer ser contraditório, Shyamalan tem uma marca e é sempre bom ver diretores que sejam o mais próximo de serem considerados autorais. Espero que ele continue lapidando daquela cabeça louca roteiros ainda mais criativos e surpreendentes, mesmo que por vezes tenha que pisar na bola, pois isso acontece até com os gênios.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O inferno somos nós

Se o escritor Jean-Paul Sartre certa vez disse que “o inferno são os outros” (mais precisamente no livro “Entre Quatro Paredes”, de 1944), o diretor de cinema Sidney Lumet fez questão em “Antes que o diabo saiba que você está morto” de fazer com que esse conceito reverberasse dentro de nossas almas tratando de apontar a ferida e, diante do espelho, acusar que o inferno somos nós.

Mais recente trabalho do cineasta de 83 anos, conhecido por obras-primas como “Serpico” (1973) e “Assassinato ao Oriente Express” (1974), “Antes que o diabo...” é um intenso filme de inebriante trilha sonora que te pega de jeito na esquina da vida e revela muito do que há de podre no ser humano. Ressentimento, vingança, ódio, ciúme, rejeição são sentimentos nada belos que permeiam o filme. Além do fracasso. Não uma fraqueza em si, mas o medo de ser um fracassado ou a própria sensação da derrota que acaba movendo um homem a fazer de tudo por um punhado de dólares.

E mais do que isso, transparece na película o vazio existencial de um personagem como Andy Hanson (Philip Seymour Hoffman) que sobrevive de pequenos golpes na imobiliária para a qual trabalha para alimentar sua dependência química, vive um casamento sem sentido com Gina (Marisa Tomei) e faz parte de uma família da qual ele sempre se sentiu excluído. Chega um momento em que a vida não é completa. E aí, para onde você vai?

O caminho que Andy escolhe é o de tirar uma parte para si. Aquilo que ele acha merecer por ter suportado um pai que, na sua cabeça, o rejeitava. Este é o caminho da vingança e a sua porta de fuga para uma vida supostamente feliz esquecida no passado, mais precisamente na lua-de-mel no Rio de Janeiro. Um grande golpe, um golpe de mestre em Charles Hanson (Albert Finney) é o que ele internamente precisa para dar uma lição em quem o rejeitou.

Andy não conseguiu solucionar seu problema freudiano com o pai. Sua relação mal resolvida com a figura paterna resulta no pior e mais enlouquecedor golpe no seu coração: a morte da mãe Nanette (Rosemary Harris), figura no momento errado, na hora errada e no dia errado que se vê atropelada pelo destino.

O plano perfeito de Andy pára também na covardia do irmão Hank (Ethan Hawke). Incapaz é o adjetivo que persegue Hank. Incapaz de ir além na vida (mas seria por falta de oportunidades ou talento?), incapaz de dar uma vida melhor à sua filha (embora definitivamente a deseje, apesar da falta de reconhecimento de Chris (Aleksa Palladino), a ex-mulher e da própria criança). Incapaz de levar uma vida normal, sendo amante da cunhada. Incapaz de mesmo ser o autor de um assalto.

Ele deseja irromper o prefixo de negação. E acha que o dinheiro fácil o ajudará a ser um novo homem. Devia saber que a vida fácil do crime coloca sempre o diabo à espreita.

Andy planeja o assalto de forma fria e calculista que sequer passa pela sua cabeça a possibilidade do imprevisto. O destino prega peças, ele devia saber. Uma pessoa errada, uma arma disparada e um turbilhão de acontecimentos desabam sobre ele e sua consciência. E nem mesmo a droga aplacará a fúria do inevitável. Quando o cerco se fechar, a postura radical é que vai selar o seu futuro.

Dentro do mosaico criado por Lumet e pelo roteirista Kelly Masterson, a história de “Antes que o diabo saiba que você está morto” se desenvolve para além da linearidade, pois a vida é feita de nuances, de sinuosidades. É como se os diferentes ângulos da câmera mostrassem mais do que a perspectiva de cada personagem, mas lhe dessem a chance de saber que para cada porta que se abre, cada caminho que se toma, há sempre outras portas para trás que ficaram por abrir. Há sempre a escolha não feita.

Construir isso é trabalho de gente grande. Coisa para Guillermo Arriaga, roteirista de filmes como o excelente “21 Gramas” (2003) e o apenas razoável “Babel” (2006), ou Christopher Nolan, que em “Amnésia” (2000) aposta na contra-linearidade para contar sua história e tentar criar a sensação de perda de memória recente, ou memento no título original do filme, vivida pelo protagonista Leonard (Guy Pearce).

Quando se descobre que “Antes que o diabo...” é o primeiro roteiro de cinema de Masterson esta-se diante de uma revelação e um revigorante frescor de novidade na escrita para o cinema, ultimamente tão cercada de clichês e fórmulas. Nada mal para um bancário de Manhattan que iniciou a carreira escrevendo peças de teatro.

Em entrevista concedida durante o lançamento do filme, Masterson tentou explicar como chegou ao roteiro de “Antes que o diabo saiba que você está morto”. Reproduzo as frases que dão pistas sobre a construção de sua obra:

“Eu não sei. Era inverno e eu acho que estava deprimido quando escrevia. Eu sempre fui fascinado pela amplitude da natureza humana. Amo personagens que podemos entender e até com quem somos solidários, mas que sempre balançamos a cabeça negativamente quando percebemos o quão estupidamente eles agem. Isso provavelmente vem dos meus estudos de teologia (realizados na Universidade da Califórnia), mas eu amo os grandes temas do bem e do mal e de como somos uma grande combinação de ambos. Nós tentamos separar as coisas e viver no lado bom, mas sempre teremos nossos impulsos malignos”, explicou Masterson.

O roteirista tentou por oito anos ver o seu roteiro ganhar o cinema. Lumet mostrou sensibilidade ao identificar uma grande história em “Antes que o diabo…” e apostou nele. Com um elenco de qualidade ímpar, construiu um filme que não deve nada aos seus clássicos e tem tudo para ele mesmo se tornar também um clássico em alguns anos. Não haveria destino melhor a qualquer filme.

sábado, 7 de junho de 2008

Só uma boa aula de história

Daqui a algumas décadas, quem estiver pesquisando fatos sobre a história do cinema e se deparar com “Elizabeth – A era de ouro” encontrará o seguinte verbete ao lado: “primeiro filme a ser continuação de um filme histórico, Elizabeth (1997)”. Parece pouco, mas, além disso, e do bom trabalho de Cate Blanchett no papel principal pouco sobra do novo trabalho do diretor Shekhar Kapur.

Como aula de história, “Elizabeth – A era de ouro” é excelente. Mostra o domínio da armada espanhola no século XVI, a loucura católica do Rei Felipe de Espanha (Jordi Mollá), as guerras santas feitas pelo monarca espanhol para catequizar os povos, a resistência britânica, o triunfo inglês, que ao mesmo tempo foi considerada a maior derrota espanhola na guerra entre as duas nações, e a traição e tentativa de assassinato da rainha comandada por Mary Stuart (Samantha Morton) que depois seria decapitada.

Como novela, e é o que mais irrita no filme, “Elizabeth” também não deixa a desejar como suas idas e vindas do triângulo amoroso formado pela rainha, o pirata Walter Raleigh (Clive Owen em atuação constrangedora) e Elizabeth Throckmorton (Abbie Cornish). Se algo é absolutamente dispensável são as cenas em que Blanchett mostra a fraqueza da rainha em busca de um amor com ataques dignos de adolescente que foi passada para trás. “Você parece uma tola”, “Isso não são atitudes da rainha que amo e sirvo”, diz burocraticamente Owen, ou melhor, Raleigh, no que concordo plenamente.

Como filme, bem... não é a toa que a película de Kapur teve apenas duas indicações ao Oscar deste ano. Além de Blanchett, indicada e derrotada na categoria de melhor atriz, a outra foi para o figurino, algo básico em qualquer filme de época que retrate todo o luxo e etc. Há pouco para elogiar numa produção que tem mais equívocos do que acertos. São os efeitos especiais das cenas de batalha bem básicos para a tecnologia que existe hoje, a atuação irregular do elenco, um texto que se equilibra entre a novela das oito e a aula de história já citadas...

Não tivesse Blanchett para segurar o filme com gana, “Elizabeth” passaria despercebida pelos cinemas e sequer ganharia qualquer destaque em indicações para prêmios. E pensar que a atriz estava relutante em aceitar retomar o papel. Talvez fosse o inconsciente dela dizendo para ela sair dessa fria. Ela optou por não ouvir essa voz, mas não saiu prejudicada. A culpa recai apenas sobre Kapur que deu um desfecho irregular a uma parte importante da história britânica. Uma pena.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Slash musical

Pode um musical com pitadas de terror trash dar certo? Nas mãos do louco e sombrio Tim Burton não só pode como acabou rendendo três indicações ao Oscar deste ano. “Sweeney Todd – o barbeiro demoníaco da Rua Fleet” é a nova parceria de Burton com seu ator preferido, o sempre talentoso Johnny Depp.

Neste novo filme, Depp junta mais um tipo esquisito à sua galeria de tipos exóticos que já tem personagens marcantes como Edward, mãos de tesoura, do filme homônimo de 1990, o pirata Jack Sparrow da trilogia “Piratas no Caribe” e Willie Wonka, da refilmagem de “A fantástica fábrica de chocolate” (2005).

Com uma interpretação que lhe deu a terceira indicação ao Oscar em fevereiro, - as anteriores foram pelo próprio Sparrow em “Piratas no Caribe – o baú da morte (2006) e pelo escritor J.M. Barrie no soberbo “Em busca da Terra do Nunca” (2004), numa injustiça por não ter levado o prêmio – Depp brilha novamente mesmo quando tem que cantar neste slash musical criado por Burton.

No filme, Depp é Benjamin Barker, ou melhor, Sweeney Todd, um barbeiro que na juventude teve sua mulher e filho roubados pelo juiz Turpin (Alan Rickman) e foi preso injustamente. Finalmente livre, Todd resolve retornar para Londres para se vingar do juiz e reencontrar sua família. Lá descobre através de Mrs. Lovett (Helena Bonham-Carter), dona de uma loja de tortas, que sua esposa falecera e sua filha, Johanna, fora adotada pelo juiz.

Quando seus planos de vingança são parcialmente prejudicados pela afobação do jovem marinheiro Beadle Bamford (Timothy Spall), que está apaixonado por sua filha e quer fugir com ela, Todd resolve matar cada cidadão de Londres que vai até sua barbearia. Nesta operação conta com a ajuda de Lovett, que usa os cadáveres como recheio para suas tortas revitalizando, digamos assim, seu restaurante num período difícil da cidade em que é praticamente impossível comprar carne.

Em meio aos números musicais (e a lamúria chata da música “Johanna”), Todd vai assassinando seus clientes no melhor estilo slash movie, com verdadeiros chafarizes de sangue jorrando por todo lado. Tudo bem trash como seu fosse um “A hora do pesadelo” ou “Sexta-feira 13”.

Para quem gosta de musicais, “Sweeney Todd” é uma boa pedida, principalmente pelo trabalho da dupla Depp e Burton. É no mínimo curioso ver Depp cantando, ainda que isso não seja um experiência das mais agradáveis. De qualquer forma, isso não atrapalha o mais recente e criativo trabalho de Tim Burton, talvez o mais esquisito dos diretores.

domingo, 1 de junho de 2008

A volta do velho Indy

Harrison Ford não é mais um garoto. Já não era quando em 1989 estrelou “Indiana Jones e a última cruzada”, último filme do arqueólogo aventureiro criado por George Lucas e Steven Spielberg. Mas não é difícil tirar um sorriso de felicidade do rosto quando o vemos colocar aquele chapéu na cabeça, fazer aquele olhar cínico e dar as tiradas debochadas que nos acostumamos a ver nos três filmes da série (além da película de 1989, Ford ainda estrelou “Os caçadores da arca perdida”, de 1981, e “Indiana Jones e o templo da perdição”, de 1984).

E, sobretudo, ao soar da característica trilha sonora que embalou os sortudos que estudavam pela manhã que, por vezes, acompanhavam suas aventuras nas Sessões da Tarde da década de 90, não é difícil se emocionar.

Passaram 19 anos desde o último filme da série. Pelo menos duas gerações nunca viram o velho Indy na telona e com a voz de Ford. Mas foi pensando nos fãs que ainda mantêm viva nas suas mentes a memória dos três primeiros filmes, que Lucas e Spielberg, além do roteirista David Koepp, fizeram este novo trabalho, “Indiana Jones e o reino da caveira de cristal”.

Estão lá todos os elementos que os adoradores de Indy tanto se gostam. Do humor às cenas fantásticas/escabrosas – destaque para Mutt Williams (Shia LeBouf), andando com cipós na floresta amazônica como nem Tarzan faria -, do sarcasmo às saídas sempre mirabolantes que Indy encontrava para escapar dos vilões. Além, evidentemente, do chicote.

Mesmo aos 65 anos, Ford mantém o espírito do herói com cenas de tirar o fôlego e Spielberg, com suas tomadas maravilhosas, sabe alimentar o mito de Indiana Jones. Como arqueólogo, dizem muitos especialistas, ele não iria muito longe. Mas para os fãs isso não importa muito. O que vale é entrar no cinema, ouvir o “tãtãrãtã tãtãrã” e entrar no clima da história que inclui sempre um enredo fantástico baseado em algumas histórias reais e muitas especulações.

A deste filme envolve a tão famosa Área 51, que os fãs de “Arquivo X” conhecem muito bem, alienígenas, povos pré-colombianos e a tal da caveira de cristal do título que deteria todo um conhecimento inimaginável para a humanidade.

A partir daí levanta-se a tese do quão avançados eram os maias (assim como os incas e os egípcios), ao construírem uma civilização com conhecimento que só seria desenvolvido milhares de anos depois. Muita gente levanta a tese de que eles foram alavancados por alienígenas, seres de outros planetas, ou qualquer coisa do gênero. O roteiro de Koepp embarca na fantasia e como a história se passa nos anos 50, aproximadamente 20 anos depois da última aventura de Indy, cria a figura do velho vilão soviético disputando o que há de mais moderno com os americanos encarnado em Irina Spalko, "a favorita de Stalin", vivida por Cate Blanchett.

Ao seu lado na aventura, Indy terá a ajuda de Mutt, um produto de um mundo que ele acha estranho com toda a paranóia anticomunista, macarthista, mas que já via o rock nascer como mostra a trilha sonora e o visual James Dean em “Juventude Transviada” (1955) de LeBouf.

Mais tarde, ao reencontrar Marion Ravenwood (Karen Allen), seu grande amor que retorna à série depois de participar dos “Caçadores da Arca Perdida”, Indy descobrirá que Mutt é seu filho. Assim temos uma aventura família, como em “Indiana Jones e a última cruzada”, quando Ford protagonizava cenas hilárias com Sean Connery, que fazia o seu pai. Aposentado, Connery não quis participar deste filme e é lembrado como um figura importante que morreu nos últimos anos durante o hiato que separa as duas últimas aventuras.

No novo Indiana Jones, Spielberg, portanto, traz de volta tudo o que fez a série ser um grande sucesso. Uma decisão mais do que acertada e que não foi seguida, por exemplo, quando os produtores dos filmes de James Bond decidiram substituir Pierce Brosnan por Daniel Craig para as filmagens de “Cassino Royale”, mais recente filme do 007.

Indiana Jones e James Bond têm em comum o fato de serem heróis em que seus fãs sabem o que querem ver. Mudar isso é mexer em time que está ganhando. E muitas vezes isso dá em fragorosa derrota.