terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Best Of 2014 - Música

Paul McCartney arrebentando
É hora de fazer uma lista dos melhores shows do ano. Foi um ano de poucas apresentações e sem festivais. Tanto que farei apenas uma lista dos três melhores em 2014. E não haverá o pior de 2014. Não vi show ruim (Ainda bem).

3º lugar – Eddie Vedder – Em maio, o cantor do Pearl Jam veio ao Brasil para a turnê do disco “Ukelele Songs”. O resultado foi um ótimo show, empolgante e que agradou aos fãs da banda de Seattle.

2º lugar – Franz Ferdinand - Em outubro, foi a vez dos escoceses do Franz Ferdinand desfilarem a sua conhecida competência no Rio de Janeiro. Eles vieram para a turnê de lançamento do bom álbum “Right thoughts, right words, right action”. Fizeram um show interativo e com a sua conhecida energia.

1º lugar – Paul McCartney – Em novembro, o cantor inglês veio ao Rio mais uma vez para a turnê “Out There!”. Resultado? Três horas de grandes canções novas e antigas e muita animação do ex-Beatle. Um show imperdível.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Cotação da corneta: 'Abutre'

Gyllenhaal louco por uma tragédia
Um dos meus momentos favoritos do irascível francês Eric Cantona foi quando, em 1995, ele abandonou uma coletiva de imprensa dizendo a seguinte frase aos jornalistas: “Quando as gaivotas seguem a traineira, é porque elas pensam que sardinhas serão atiradas ao mar”. Na ocasião, o ex-jogador do Manchester United deveria se explicar sobre a famosa voadora que deu em um torcedor do Crystal Palace durante uma partida do Campeonato Inglês. Bons tempos em que jornalistas eram considerados “gaivotas”. Para o diretor Dan Gilroy, jornalistas agora são como abutres atrás de carne podre que servem de matéria-prima para alimentar seus telejornais diários. Pelo menos os que saem pela noite atrás de tragédias.

Esse espécie de farejador do horror noturno também tem um jeito de psicopata com aquele olhar de quem é filho de Jack Nicholson, em “O Iluminado” (1980) após anos de terapia. Para não falar no visual cabelo boi lambido de Anton Chigurh (Javier Bardem) de “Onde os fracos não têm vez” (2007).

Mas vamos direto ao ponto. “O Abutre” é bom. Bem bom. Conta a história de um zé ninguém, que vive de roubos de tampas de bueiro e cabos de cobre, não consegue emprego em lugar nenhum e aparentemente mal tem dinheiro para comprar uma mariola. Mas um dia tem um insight e vislumbra uma possibilidade de faturamento ao se deparar com uma equipe de TV independente que filma um carro em chamas enquanto a motorista é resgatada pelos bombeiros.

Louis Bloom (Jake Gyllenhaal, muito bem no papel e cotado para o Oscar) desperta neste instante o seu tino empresarial. Compra uma câmera de vídeo e sai pelas ruas para mostrar a vida como ela é nas madrugadas de Los Angeles. Afinal, ele sabe que o povo quer ver sangue. Quanto mais batidas, assassinatos e tripas expostas, mais audiência.

Mas, vocês sabem, com o tempo a vida real vai ficando um tanto enfadonha e Louis sente a necessidade de evoluir, burilar melhor suas notícias. Aumentar sem inventar (muito). Ele acredita estar crescendo no negócio. Logo, quer transformar seus vídeos em verdadeiras obras de arte.

E Louis se esforçará na arte de criar a sua obra-prima televisiva para deleite das massas sedentas por sangue no café da manhã. Nem que para isso tenha que passe por cima de concorrentes e aliados pouco confiáveis.

"O Abutre" pode ser visto como uma crítica de Gilroy ao jornalismo sensacionalista que tanto vemos e consumimos (não me venham com essa história de que vocês só leem Marcel Proust e nunca clicam naquelas chamadas do tipo "Fulana esquece calcinha em casa e mostra demais em festa. Fotos"). É um filme em que um cidadão vai além dos limites éticos e morais para conseguir o seu objetivo.

E adoramos estes personagens malditos. Principalmente quando são bem feitos. Ok, é impossível torcer por Bloom conforme acompanhamos o que ele vai fazendo no filme. Mas é igualmente impossível não querer ver o que ele vai armar no seu próximo vídeo e qual será o seu próximo passo além do limite. É uma boa jogada do diretor, que vai esticando a corda a cada passo e mostrando a audiência da TV para a qual Bloom trabalha só melhorando seus índices. E, consequentemente, Bloom vai faturando cada vez mais.

Mérito também de Gyllenhaal, que pode agora ganhar sua segunda indicação ao Oscar. A primeira foi por ator coadjuvante em “O segredo de Brokeback Mountain” (2005). Enquanto os velhinhos do careca dourado não se manifestam (os indicados saem dia 15 de janeiro), a corneta dará a ele e ao seu filme uma nota 7,5.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Cotação da corneta: 'O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos'

Os anões valentes de Tolkien
A minha edição de “O Hobbit” tem exatas 296 páginas. Ou 289, se tirarmos as sete de ilustrações que contam como páginas. A trilogia do “Hobbit” de Peter Jackson tem 474 minutos (ou 7h54m). Com muitos minutos e poucas páginas, é possível imaginar que o diretor neozelandês precisou enrolar bastante para encher três filmes. Uma relação bem diferente da que ele teve com “O Senhor dos Anéis”. A trilogia do filme, tem 558 minutos (ou 9h30m, ou 1h36m a mais do que “O Hobbit”). As minhas edições dos livros de J. R. R. Tolkien tem, juntas, 1.229 páginas. Ou 940 a mais do que o livro que conta a origem dos acontecimentos da Terra Média.

Dito isto, o que a corneta deve dizer quando Peter Jackson pegou 50 páginas de um livro e transformou nas 2h30m de “O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos”? Ora, a saga se tornou uma grande “embromation”.

O que sobrava em “O senhor dos anéis”, falta em "O Hobbit": história para realmente encher três filmes. E nem a adição de personagens que não estão no livro, como o elfo Legolas (Orlando Bloom), ou situações que nele não aparecem como o caso de amor impossível estilo "Romeu e Julieta" entre o anão Kili (Aidan Turner) e a elfa Tauriel (Evangeline Lilly, a sardenta de “Lost”) ajudam. “O Hobbit” poderia ser um ótimo filme de, vá lá, três horas. Virou três filmes apenas razoáveis. Mas, vocês sabem né, em Hollywood o que vale “é a economia, estúpido”.

Ao fim desta trilogia, não teve como não sentir aquele "Star Wars feelings". Sabe aquela sensação de trilogia inferior feita depois para explicar a trilogia feita antes? É isso. E Peter Jackson não esconde a sua intenção ao amarrar as duas histórias no fim de "A batalha dos cinco exércitos" e em dois momentos do filme. É de gelar a espinha ouvir Saruman (Christopher Lee) dizer: "Leave Sauron to me". E olha que ele nem cantou músicas natalinas em ritmo de heavy metal. Bom, a gente sabe muito bem o que vai acontecer daqui para frente.

E o que é o filme que fecha a trilogia que conta a história de Bilbo Bolseiro (Martin Freeman)? Uma grande batalha de quase três horas sem parar. De fato, "A batalha dos cinco exércitos" são aqueles 15 minutos finais de todo bom filme de guerra. Aquele momento que marca o clímax anterior ao desfecho, quando os heróis vencem a batalha e estão prestes a dar o beijo final na mocinha. Ou seja, “A batalha dos cinco exércitos” é Peter Jackson esfregando na nossa cara que ele está nos enrolando. Mas é preciso admitir que as cenas de luta são muito bem feitas e coreografadas. Parece desfile de escola de samba do Paulo Barros.

Como não comparar “O Hobbit” com um desfile na Apoteose? Veja se não faz sentido. Primeiro vem a bateria dos anões fazendo barulho e provocando uma guerra desnecessária (Thorin, Thorin, sempre um líder contestável). Depois, entra a ala dos elfos, rodando feito baianas para conseguir um punhado da prataria de Erebor. Ai entra a ala dos humanos, querendo um tasco do ouro para reconstruir suas vidas destruídas pelo dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch), o falante que adora se autoglorificar e se acha a última cocada da festa junina. Em seguida vem outra ala de anões barbudos. Tudo SINCRONIZADO.

E aí, quando o samba ameaçava atravessar, surge a ala dos orcs malvados, que ajudaram a estabelecer uma inédita união entre anões e elfos contra as criaturas do mal. Nunca antes na história da Terra Média, elfos e anões haviam se unido em prol de um bem comum. Depois viraria hábito, não é Frodo?

Não perca a conta. Humanos, anões, elfos, orcs.... Ué, mas não eram cinco exércitos? Então, o quinto batalhão, dos lobos selvagens que lutam ao lado dos orcs, praticamente não existe. Faltou orçamento na tecnologia. Mas no fim chega uma horda de animais para ajudar a virar um jogo aparentemente perdido por elfos, anões e humanos. E como o filme tem estes momentos de gol de mão no último minuto. Pelo menos, dessa vez, não foi o Gandalf (Ian McKellen) o salvador da pátria. Ele no máximo provocou a chegada da tropa surpresa.

Há ainda espaço para brilharem os destaques e os passistas. E acima de todos, está Legolas, com suas lutas coreografadas como se tivessem nascido na fábrica de criação do balé Bolshoi. Tem uma cena em especial dele subindo umas rochas que estão se despedaçando que é tão absurda e impossível que fez o cinema ficar de boca aberta e fazer comentários no melhor estilo #golegolas. O #teamlegolas ganhou muitos adeptos em “O Hobbit”.

Particularmente devo dizer que faço parte dos fãs dos elfos. São criaturas de muita classe, evoluídos, educados. No seu reino tudo é belo e funciona. Devem ser antepassados dos nórdicos. E são perfeitos na nobre arte do arco e flecha, uma paixão minha desde que eu conheci "Robin Hood". Não tem como não torcer por eles.

Já os anões são como aquele seu parente desengonçado, caloroso, desajeitado e que fala alto. Eles andam em bando, mas são amigos, leais, e sempre se ajudam. Acho que o povo anão é tipo a Itália da Terra Média. Tem seu valor. Mas eu gosto mais dos elfos e seus encantamentos. E eles ainda têm a Cate Blanchett. Impossível não ficar ao lado de Cate Blanchett.

Um dos 13 anões dessa aventura tem que lutar contra um demônio interno, a única trama paralela em meio a toda a pancadaria de “A batalhados cinco exércitos”. Trata-se do rei Thorin (Richard Armitage), que resolveu seguir os ensinamentos de Gordon Gekko, que dizia que “Greed is good”, e ficou enlouquecido pelo ouro. A doença do dragão louco é poderosa e fez Thorin ter o seu momento Rei Lear delirando em meio aquele mar amarelo de pura ganância. Mas sem qualquer análise, sem nenhum Freud ou Lacan, Thorin conseguirá resolver seus demônios internos a tempo de desfilar na avenida, ops, ir para a batalha.

Caberá a ele, aliás, protagonizar a briga final contra Azog (Manu Bennett), o orc líder naquele momento que no videogame costumamos dizer que é a hora de enfrentar o mestre final antes de zerar o jogo. Azog é o Master Bison de Thorin e passar por ele em uma luta gelada é o último passo antes da glória.

Azog é o antagonista acidental de um filme cujo protagonista, o hobbit Bilbo, faz apenas participações especiais. Fundamentais, é claro, mas nem de longe é o cara que pega o filme para si. Como nenhum outro personagem. Parece que os atores principais tiveram seus tempos cronometrados para ocuparem o mesmo espaço. Gandalf, Bilbo, Thorin, Azog, Legolas, todos têm o seu momento. Além do mala e desnecessário Alfrid (Ryan Gage), que tenta ser o toque de humor da história para dar uma quebrada em toda a batalha, mas se torna uma figura desagradável. Teria sido melhor que Baird (Luke Evans) tivesse deixado seu povo o matar.

Apesar de alguns inconvenientes, "O Hobbit: a batalha dos cinco exércitos", tem lá o seu valor e pode se converter numa tarde de diversão descompromissada. Não tem uma história, porque é um fiapo do livro adaptado para o cinema, mas suas batalhas são legais. Não sejamos tão malas. E como a participação do dragão egocêntrico é reduzida a um belo espetáculo no início do filme, nós ganhamos em não ter que ouvi-lo se vangloriando de como ele é bonzão.

Assim, a corneta dará uma nota 6 para o novo filme de Peter Jackson. Agora, com licença que vou ali rever "O senhor dos anéis" sob uma nova perspectiva.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Cotação da corneta: 'Homens, mulheres e crianças'

É duro ser adolescente
Defina "Homens, mulheres e crianças" em uma frase? Duas horas de pessoas paranoicas, solitárias e infelizes conversando pelo WhatsApp. É uma possibilidade. Aqui vai mais uma: Como as redes sociais transformaram os seres humanos em indivíduos freaks e sem alma. Mark Zuckerberg não curtiu. Acho que nem "A rede social" (2010), que conta a história de como ele construiu o Facebook com algumas passagens pouco republicanas de sua biografia, depõe tanto contra ele, quanto o novo filme de Jason Reitman.

Não que Zuck se preocupe com isso. Afinal, além de ser um dos criadores da rede pela qual você vai compartilhar esse texto para ajudar a tornar a corneta popular, ele já comprou para o seu império de valorização do próprio ego dos anônimos o Instagram e o WhatsApp. E Twitter e Tumblr que se cuidem. Zuck também tem uma fortuna estimada em US$ 33,1 bilhões e fala mandarim. Deve ser muita onda falar mandarim.

Enfim, eu estou fugindo do assunto. Mas nem tanto, pois para Jason Reitman os brinquedinhos de Zuckerberg  e seus concorrentes, aliados aos nossos maravilhosos smartphones, são objetos de transformação de seres humanos em vegetais. Sem querer ofender o brócolis.

 A intenção era até boa. Em entrevista recente, Reitman explicou que o objetivo era uma reflexão sobre o que toda essa nova tecnologia está fazendo conosco, além de acabar com as nossas colunas.

"Julgar a internet é um pouco como fazer um julgamento de nós mesmos. É uma criação humana construída a cada microssegundo por qualquer um que tenha um telefone, uma conta de e-mail ou de Facebook. Para ser sincero, é um lugar onde nos tornamos honestos e explica de uma forma assustadora o que vemos e o que procuramos. Mas é um momento de referência para nós para decidir quem você quer ser" disse o diretor ao jornal inglês “Guardian”.

A premissa soa interessante não é? Porém.... não funciona. Isso porque "Homens, mulheres e crianças" nos exibe uma coletânea de personagens vazios sim, insignificantes sim, mas que surfam a onda da caricatura. E como não é uma comédia, fica difícil acreditar naquela galera que está "forçada" demais. No filme, nós temos:

1- A mãe extremamente paranoica que checa diariamente cada mensagem da filha nas redes sociais e gasta pilhas de papel para ler tudo com atenção. Ou seja, além de achar equivocadamente que está protegendo a cria ao colocá-la numa bolha, ela não tem nem consciência ambiental. O único refúgio da filha é no Tumblr.

2- Tem ainda uma outra mãe que é o extremo oposto e faz da filha cheerleader uma verdadeira mercadoria, sendo vendida pela internet e onde mais aparecer para se tornar uma estrela. Claramente ela deposita na jovem as suas frustrações da juventude.

3- Filha essa que faz de tudo para ser a nova celebridade do mundo moderno. Desde inventar experiências sexuais que nunca teve até manter um website sexy e fazer de tudo para participar de programas de TV estilo "Big Brother" e "A Fazenda".

4- E não podemos esquecer do jovem tarado de internet que, no entanto, não consegue seguir adiante na hora do “quem sabe, faz ao vivo”.

Poderiam ser personagens interessantes se o comportamento deles não fosse tão surreal até para as mais altas escalas de viciados em pornografia na internet ou mães superprotetoras. Tudo é um tom e meio exagerado. Parece um daqueles filmes dos irmãos Coen com personagens esquisitões.

A corneta pode estar sendo preconceituosa. Pode não ter entendido direito a proposta, mas não consegue achar que funciona. Afinal, o filme não tem aquele humor para personagens tão exagerados. Lembrem-se, eles são todos, eu disse TODOS, desolados, infelizes e solitários. O que é outro problema. Não tem ninguém que tenha um comportamento mais positivo em toda essa cidade. Deve ser horrível viver num lugar assim.

Além de mostrar que a internet é um lugar perigoso, “Homens, mulheres e crianças” dá uma viajada pelo espaço com direito a teorias de Carl Sagan. Eu realmente não consegui captar a intenção de Reitman nesse caso. Acho que perdi todos os meus neurônios na batalha tentando entender “Interestelar”.

Reitman é um cara de filmes legais que não encontrariam censura naquele horário da “Sessão da Tarde”. Ele fez “Juno” (2007), aquele filme fofinho sobre uma adolescente grávida que entrega a criança para uma outra família, que ganhou um Oscar pelo roteiro escrito por Diablo Cody, e “Amor sem escalas” (2009), aquele filme em que o George Clooney sai pelos Estados Unidos demitindo pessoas com um sorriso no rosto de quem está tomando um café daquelas maquininhas, que concorreu a seis Oscar.

São dois filmes que têm fãs e detratores. Eu gosto de ambos (um gosto sem muita empolgação, sem exibir um sorriso cheio de dentes, mas gosto). Contudo, “Homens, mulheres e crianças” não é do mesmo nível. E toda aquela superexposição de redes sociais na tela, toda aquela conversa de WhatsApp durante duas horas em algum momento cansa e torna o filme um tanto enfadonho, ainda que ele não seja necessariamente pavoroso. E a mensagem que se tenta passar definitivamente não convenceu a corneta. Assim, o filme ganhará uma nota 5.

OBS: Enquanto esse texto era produzido, eu chequei o Facebook três vezes, abri o Twitter duas vezes, o Instagram uma vez e travei 15 conversas pelo WhatsApp. Meu Deus! Será que Reitman está certo? Eu estou virando um vegetal? Um brócolis com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Cotação da corneta: 'O ´Sétimo'

Darín ligando para você
Deve ter umas cinco pessoas no mundo que eu gostaria de ser. Eddie Vedder é uma delas. Outro é Ricardo Darín. Que homem não gostaria de ser Ricardo Darín? Sete em cada dez mulheres morrem de amores por ele (segundo estudo de pesquisadores britânicos). E o argentino não é apenas um rostinho bonito na telinha do cinema, mas também um ótimo ator que só faz filmes bons.

Quer dizer. Mais ou menos. Darín atingiu um status de celebridade tão grande que até os seus filmes ruins estreiam no Brasil. Sabe aqueles em que ele faz uma pequena participação, quase um favor para o diretor, mas se vende por aqui como um filme dele na maior picaretagem? Vocês sabem do que eu estou falando. Eu cai no conto nada chinês de “Amorosa Soledad”, um filme ruim de doer em que o ator faz uma participação tão insignificante que se você tirar um cochilo durante o filme acaba perdendo a participação dele.

Mas este não é o caso de seus dois filmes em cartaz no momento. "Relatos Selvagens" é simplesmente espetacular e um dos melhores de 2014 (aguardem o top 10 da corneta). E "O Sétimo" é também muito bom. Eu gostaria muito de dizer com qual filme totalmente excelente a trama de “O Sétimo” se parece, mas não posso para não estragar a história para vocês.

O curioso é que “O Sétimo” não tem nada de original para quem já viu dezenas de filmes sobre tema semelhante. É um trabalho do gênero "Quem matou Odete Roitman?". Só que ao invés do assassino temos que descobrir quem sequestrou duas crianças em um prédio de Buenos Aires.

Tudo começa quando Sebastián (Ricardo Darín), pai de Luna (Charo Dolz Doval) e Luca (Abel Dolz Doval), faz o que deve ser feito para que um filme desses dê certo. Desobedece uma ordem. No caso a da mãe das crianças, Délia (Belén Rueda), de não deixá-las correr pelas escadas do prédio. Pronto, Sebastián obviamente deixa os meninos fazerem o que quiserem e quando chega no térreo as crianças desapareceram.

Sebastián fica desesperado e começa a procurar pelo prédio inteiro. Nessa busca somos apresentados a uma gama de suspeitos. O policial supostamente corrupto, o cara estranho com jeito de pedófilo, o porteiro manco, o cara que odeia crianças, a mulher obsessiva pelos filhos alheios, todos, todos suspeitos e não há um Sherlock Holmes para cuidar do caso. Benedict Cumberbatch resolveria rapidamente este caso.

Até a polícia é suspeita, pois Sebastián é um advogado sem escrúpulos e lida frequentemente com policiais corruptos para obter vantagens. Deve ser difícil viver numa cidade com tanta corrupção como Buenos Aires.

Para piorar, o crime acontece no dia em que este pai desesperado tem um caso milionário e importante para resolver no tribunal. Realmente Sebastián vive um inferno astral.

Então passamos o filme inteiro pensando primeiro o que aconteceu com os chicos, depois sobre quem teria sequestrado eles. E o desfecho, ah o desfecho! Eu confesso que jamais imaginaria que aconteceria o que aconteceu. É só o que posso dizer.

“O Sétimo” é mais um bom filme estrelado por Darín a chegar por aqui. E para comprovar que o ator de “Nove Rainhas” (2000) só tem acertado, aqui vai a minha lista-dica só com filmes recentes dele para vocês se divertirem nas festas de fim de ano.

- “Relatos Selvagens” (2014)

- “Tese sobre um homicídio” (2013)

- “O que os homens falam” (2012)

- “Elefante Branco” (2012)

- “Um conto chinês” (2011)

- “A dançarina e o ladrão” (2009)

- “O segredo dos seus olhos” (2009)

Sobre “O Sétimo”, diria que é um filme que mantém Ricardo Darín em alta conta com a corneta, que sai do cinema satisfeita. Darei um 7,5 para combinar um pouco com o andar onde a família da história mora.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Cotação da corneta: 'Jogos Vorazes: a esperança - parte 1'

Katniss sobre salvar o mundo: Tudo eu
Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), “the girl on fire”, terminou "Jogos vorazes: Em chamas" (2013) botando para quebrar, quebrando a banca e mostrando que o Tordo é sinistro e o Distrito 12 é o que há. Se você não lembra o que ela fez, corre lá para rever o filme. Um ano depois, o que todos os seus fãs que não leram os livros de Suzanne Collins esperavam que ela fizesse? Ora, que reunisse um exército e fizesse um barulho na Capital. Revolution, baby, como já cantou o The Cult. Mas... Katniss se transformou numa garota lamuriosa, uma garota "ai, meu Deus, onde está o meu amado", the boring girl, a garota que chora demais! É too much para a corneta.

"Jogos vorazes - a esperança parte 1" (bom, a minha esperança é que melhore no segundo), pode ser dividido basicamente em dois temas.

1) É uma grande campanha política de fazer inveja aos marqueteiros dos dois partidos que andaram se digladiando até há pouco tempo no Brasil. Realmente o Ministério Público de Panem devia investigar de onde veio tanto dinheiro para patrocinar isso. Na Capital, com certeza rola caixa 2 e enriquecimento ilícito dos seus principais dirigentes. Não dá para confiar naquela cara de sonso do Donald Sutherland, vulgo presidente Snow. Cá entre nós, o único Snow que eu confio é o Jon de “Game of Thrones”. Mas se ali na Capital rola uma grande lavanderia, no distrito 13 também não me parece que seus governantes sejam tomados pela pureza da alma. A questão é que nunca antes na história de Panem se fez uma campanha política tão forte como a que vimos na primeira parte do terceiro filme.

2) É uma INSUPORTÁVEL história de amor adolescente com Katniss se equilibrando entre o jovem Gale (Liam Hemsworth), que a ama louca e incondicionalmente (que bonitinho né), e o fracote e peso morto do Peeta Mellark (Josh Hutcherson). Francamente, Katniss, ao invés de ficar sofrendo, talvez seja melhor você tentar alguém de outro dosha, como Vata ou Kapha. Dá uma estudada no Ayurveda. Os indianos eram sábios.

Dito isso, vamos começar a DESCONSTRUIR este novo “Jogos Vorazes”, onde a esperança não venceu o medo.

O filme se passa algum tempo depois daquela flechada que Katniss deu que abalou as estruturas do governo e aparentemente causou o fim do seu Big Brother sanguinolento. Quando todos imaginavam que a coisa ia ficar feia para a Capital e seria o início da reação dos rebeldes, a presidente Alma Coin (Julianne Moore), espécie de Bernie Ecclstone do distrito 13, e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman, a quem o filme é dedicado) resolvem fazer... MARKETING, campanha política, botar o bloco na rua.

A ideia seria conclamar os rebeldes em todos os distritos a lutarem pelo Tordo. Ou seja, Katniss seria transformada num cruzamento de Che Guevara com Martin Luther King. Se possível com um charme estilo Jacqueline Kennedy. A marca do Tordo seria espalhada pelo planeta a ponto de virarem produtos de merchandising (se rolassem uns brinquedos seria ótimo). Ai, bem, vocês sabem como isso funciona. Ficou lá o governo da Capital acusando a candidata de oposição de ser manipulada, mudar de posição ao sabor do vento, de ter posições radicais, campanha negativa, essas coisas. Enquanto isso, a oposição fazia campanhas criativas, dramáticas e que tentassem tocar o coração da população. Sem falar na repaginada no visual, nas promessas de campanha e visitas a lugares pobres como hospitais precários do distrito 8.

Os rebeldes têm até jingle. Não é tão bom quanto o do Eymael, é claro, mas Jennifer Lawrence se saiu tão bem no “The Voice” de Panem que a música que ela cantou, “The hanging tree”, chegou ao topo das paradas. Essa menina merece. É talentosa e já mostrava qualidade desde “Inverno da Alma” (2010).

Mas o problema é que apesar do trabalho dos marqueteiros, o mundo não vive uma democracia. Isso é um conceito arcaico que o distrito 13 aparentemente quer retomar numa política vintage. Ou seja, fica difícil engolir o marketing (e, convenhamos, a ideia não funciona direito) quando só pela força e derrubando a Capital é que as coisas podem ter alguma solução. Quero crer que algo maligno ou verdadeiramente interessante acontecerá no capítulo final dessa saga. Não ler o livro tem lá suas vantagens (mas não façam isso sempre. Ler é sempre melhor).

Aí chegamos na parte melodramática de “Jogos Vorazes”. Katniss não é uma candidata muito disciplinada. Ela tem (ou tinha) fogo no olhar. Mas o amor transforma as pessoas em malas. Ao menos para quem não está no meio de um. Então Katniss se transforma na chorona que fica gritando Peeeeetaaaa! Peeeetaaaa! o TEMPO INTEIRO. Se eu soubesse que seria assim, teria contado para dar um número preciso aos nobres leitores, mas me arriscaria a dizer que foram pelo menos 15 vezes gritando Peeeeetaaaa! Quem aguenta isso? Não foi para isso que você fazia Shakespeare quando era mais jovem, Jennifer.

No início da série, nossa heroína era apaixonada pelo Gale, mas é forçada a fingir um romance com Peeta dentro da lógica do show business para atrair audiência. O tempo passou, ela começou a lançar um olhar menos enviesado para aquele jovem frágil e agora quem está sobrando na pista é o coitado do Gale. Realmente não é fácil ser o irmão menos popular do Thor. O Loki que o diga. Ah, você não sabia que Liam era irmão de Chris Hemsworth? Liga não. O Woody Harrelson gravou quatro filmes com ele e também não sabia. 

Gale ainda demonstra espírito esportivo e altruísmo em meio a dor de cotovelo e até arrisca a própria vida por Katniss. Enquanto isso, ela fica ali no meio do fogo cruzado sentimental. E o que acontece quando uma heroína vive essa situação? Toma decisões erradas. É um tal de sugerir concessões bizarras para o presidente Snow, seguir direções equivocadas, todo o possível para comprometer a missão. Katniss parece a Carrie, de “Homeland”. Cega pelo seu Brody e só fazendo besteira. É preciso dar umas dicas para ela, mas como confiar em alguém se o seu guarda-costas é um lobista sem escrúpulos na Washington de “House of Cards”?

Assim, a franquia “Jogos Vorazes” nos coloca num impasse. Encerrará com chave de ouro e passará de ano ou será apenas mais uma história adolescente sem graça estilo “Crepúsculo”? Por enquanto estamos assim:

1) “Jogos Vorazes” (2012) – Razoável para bom. Um filme nota 6,5.

2) “Jogos Vorazes: Em Chamas” (2013) – Um filme bem bom. Talvez para um 8.

3) “Jogos Vorazes: A esperança – parte 1” – Decepcionante diante da expectativa.

Vamos ver o que o último capítulo nos reservará.

Ok, hora da média final. A história política não cola e é uma chatice o triângulo amoroso Katniss-Peeta-Gale. Mas o fim do filme dá uma compensada e deixa uma expectativa para dias melhores em novembro de 2015, quando estreia a segunda parte. E por mais que a corneta esteja aqui solapando o trabalho de Francis Lawrence, é preciso levar em conta que os fãs não saíram do cinema fazendo muxoxo. Ainda que eu também não tenha visto expressões do tipo: “Cara, tipo muuuito f...”. Deixemos, portanto, o novo Jogos Vorazes com uma nota 5. Mas, por favor, nada mais de Peeeetaaaa!!! no último filme, Jennifer.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Cotação da corneta: 'Trinta'

Matheus brilhando como Joãosinho Trinta
Se a corneta tivesse poderes celestiais, fosse uma espécie de Chico Xavier da galhofa, tentaria entrar em contato com Tim Maia, Cazuza e Renato Russo só para fazer uma pergunta. E ai? Viram o filme do seu colega Joãosinho Trinta? Queriam um igual né? Diante da provocação, Tim Maia provavelmente soltaria uma série de impropérios contra a corneta, que encerraria a comunicação antes que eles me matassem na Matrix do plano superior.

Tudo isso é porque "Trinta", a cinebiografia sobre o famoso carnavalesco Joãosinho Trinta (Matheus Nachtergale), nove vezes campeão do carnaval carioca, é beeeem superior ao filme dos seus coleguinhas artistas. Acho que ver este filme pode dar aquela vontade nos fãs dos músicos citados acima de torcerem por um novo trabalho, uma segunda chance para os três no cinema.

"Trinta" mostra como todo carnavalesco é um pouco MacGyver. Se o velho herói do seriado “Profissão Perigo” transformava um chiclete, um arame enferrujado e um isqueiro em bomba atômica, o carnavalesco consegue dar sentido a um enredo que começa nas lendas do Maranhão (e não estamos falando sobre uma famosa família local) e passa pela corte francesa. Bom, quem curte carnaval acha que tudo tem uma lógica e quem sou eu para contestar? O importante é fazer com que na quarta-feira de cinzas todos ouçam DEZ, NOTA DEZ!

Ao contrário dos filmes dos seus colegas famosos, o diretor Paulo Machline, acertou em um ponto que faz “Trinta” ser melhor: não tentou abraçar o mundo. Ele partiu de uma premissa do próprio carnavalesco, que no filme diz que “menos é mais”. Se na cena em questão, isso vira uma desculpa para uma personagem exibir, digamos, todo o seu esplendor, em “Trinta” é uma bola dentro que dá foco à história e a deixa mais coesa e amarrada.

O ponto fundamental aqui é o momento em que Joãosinho inicia a sua carreira solo substituindo Fernando Pamplona no Salgueiro. Ali, enquanto prepara o desfile “O rei de França na ilha da assombração”, em 1974, ele tem que lidar com a desconfiança da comunidade de que seria capaz de tocar um carnaval inteiro numa escola grande. Seu enciumado antagonista é o chefe do barracão Tião (o sempre ótimo Milhem Cortaz), que queria o emprego para ele e, diante da negativa de Germano (Ernani Moraes), o poderoso chefão da escola, faz de tudo para derrubar Joãosinho.

O carnavalesco, no entanto, consegue dobrar Tião e seu parceiro de barracão, Calça Larga (Fabricio Boliveira), outrora conhecido como João de Santo Cristo naquele filme “Faroeste Caboclo” (2013), baseado na música da Legião Urbana e que preferimos esquecer.

Enquanto isso, vamos acompanhando pílulas da vida de Joãosinho. De como o bailarino João Jorge veio do Maranhão para dançar no Theatro Municipal e acabou se transformando naquele que viria a ser um dos personagens mais importantes do carnaval carioca. Tudo com muito luxo e riqueza, afinal, quem gosta de miséria é intelectual. Ainda bem que a corneta é do povo.

Poderia dizer que dentre as cinebiografias recentes sobre personagens brasileiros, “Trinta” mostra ser a mais competente. Mas isso é papo de intelectual. Na linguagem da corneta, diria que Machline sambou na cara da sociedade. E por isso, o seu filme vai ganhar uma nota 7.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Cotação da corneta: 'Interestelar'

A dura vida dos astronautas
A corneta pensou em substituir o texto de hoje por uma bibliografia. Ao invés de parágrafos galhofentos, sugestões de textos e livros de nomes como Alexander Friedmann, Willem de Sitter, John Archibald Wheeler, Hermann Weyl e Kip Thorne. Ah, você não conhece estes cinco cavalheiros? Eu também não conhecia até a semana passada, quando Christopher Nolan bagunçou a minha cabeça com suas ideias absolutamente insanas. Os cinco são alguns dos nomes importantes de campos como matemática, física, astrofísica, cosmologia, entre outras coisas que vão se desdobrando a partir daí. Sim, amigos, é com isso que estamos lidando.

Além dos cinco cavalheiros acima (e poderia citar tantos outros), eu reforçaria os estudos de Isaac Newton e sugeriria um mergulho profundo nas teorias de Albert Einsten. Eu disse mergulho profundo. Não é sair por aí falando que E = mc2.

Terminado esse intensivão, você começará a entender "Interestelar". Sim, galera, Christopher Nolan abusou, forçou, arrombou a porta do espaço-tempo e chegou até a quinta dimensão porque para ele a complexidade de "A origem" (2010) era pouca. E fazer um filme de trás para frente como “Amnésia” (2000) era fichinha. Aliás, "Interestelar" faz "A origem" parecer quase uma comédia romântica. Pelo menos no quesito “entendimento da história”. Como filme, “A origem” é melhor.

Nolan é aquele cara com quem a gente combina as férias e você sugere: "Vamos para Paris? Berlim? Londres?". Aí Nolan para, pensa que isso é muito basicão, e diz: "Por que não vamos para Madagascar?". Simplicidade e obviedade não é com ele. Além de tudo o que vimos em “Amnésia” e “A origem”, o próprio "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008) é muito mais um filme sobre terrorismo do que sobre quadrinhos tradicional com efeitos especiais e umas cenas maneiras para vender bonecos. Não é a toa que é um dos melhores do gênero. E agora que ele é uma grife, só fica mais fácil soltar, escancarar a criatividade.

Mas não tema "Interestelar". Mergulhe onde nenhum homem jamais esteve. Se jogue em quase três horas no desconhecido. Tire o pé do chão para flutuar na gravidade zero. Pois “Interestelar” é deveras interessante. E que vai te deixar meio atordoado ao sair do cinema, pensando naquela trama intrincada e naquelas teorias malucas que você não tomou conhecimento nem quando estava estudando para o vestibular. Buraco negro? Buraco de verme? Garganta? Tudo isso parece física, ops, acho que é física!

“Interestelar” pode ser visto de duas formas que se complementam, linhas paralelas que se encontram no infinito. Vamos a elas.

1) É basicamente uma história de amor e sobrevivência. Um pai que tenta salvar a vida dos filhos e consequentemente a vida da humanidade. Nada que você nunca tenha visto num filme de Bruce Willis ou Arnold Schwarzenegger.

2) É uma tentativa de Nolan de ganhar mais do que um Oscar, mas um Prêmio Nobel de Física. Então temos uma trama complexa que invade a cosmologia, manipula o tempo e faz você ver determinadas coisas sobre diferentes perspectivas. Enfim, aquele papo de quinta dimensão.

Vamos a história. Estamos num futuro apocalíptico pré-“Mad Max” (1979). A humanidade não ouviu os conselhos dos ambientalistas e agora a comida está ficando escassa. Água é luxo. E não se pode ver nem um jogo de beisebol dos Yankees comendo o tradicional cachorro-quente. Só resta pipoca, pois a única coisa que se pode cultivar na terra é milho. Mas isso também vai acabar. O planeta vive nas trevas e até a chegada do homem a lua foi desacreditada. A humanidade caminha a passos largos para acreditar no criacionismo.

É quando entra em cena Cooper (Matthew McCounaghey e seu sotaque de caipira do interior americano). No passado ele foi piloto da Nasa, era o cara, antes da agência ser desativada. Hoje ele é um fazendeiro, a profissão mais valorizada do momento. Mas, bem, a Nasa continuou funcionando na clandestinidade e Cooper chegou até ela por diversas razões sobre as quais não vou me estender.

Como a Terra está na U.T.I, caberá a McCounaghey e seus comparsas, a cientista Brand (Anne Hathaway) entre eles, encontrar um novo mundo habitável para a humanidade voltar a se reproduzir e viver feliz para sempre. E assim, em meio a todas as teorias cosmológicas, todas as equações complexas, todas as teorias explicadas no meio do nada e numa galáxia distante entre os cientistas como nas aulas de física do colégio (Ah, a cena do lápis perfurando a folha de papel...) temos a básica jornada do herói, que remete a Grécia antiga. Tudo acaba em Sófocles, Ésquilo ou Eurípedes.

No início, cheguei a pensar que “Interestelar” seria um cruzamento de “Sinais” (2002) com “Fonte da Vida” (2006) e “Gravidade” (2013) e mais uma pitada de "2001 - uma odisseia no espaço" (1968). Bom, em alguns exemplos isso não é necessariamente um elogio. O filme tem um lance de fantasma ou eles/os outros no estilo “Lost” no meio do milharal como no trabalho do M. Night Shyamalan, parece meio esquisito e hermético como o trabalho de Darren Aronofsky, e tem umas cenas bonitas e uma atriz que permanece com o cabelo impecável mesmo nos confins do Universo, como a Sandra Bullock no filme de Alfonso Cuarón. Sem contar que tem dois robôs inteligentes demais tal qual o Hal 9000 de Stanley Kubrick. Mas eu aprendi uma lição: Nunca se deve duvidar de Christopher Nolan.

Em toda a sua busca por uma nova fonte de vida para que a humanidade pudesse prosperar, Cooper terá que passar por diversas provações e fazer escolhas sobre qual dos três planetas previamente escolhidos tem condição de ser habitável. No meio disso, eles terão que lidar com forças da natureza que vão de uma onda gigante que faria o surfista Carlos Burle tremer nas bases a um frio polar daqueles que só a Islândia tem.

Tudo estava indo bem com Nolan usando os seus truques para nos entreter, mas ai o diretor dá aquela escorregada inaceitável ao fazer aquele discurso de que o amor vence tudo nessa vida. Foi o momento em que Nolan garoteou como um adolescente que acabou de encontrar a mulher da vida dele desta semana no baile da escola. Não me convenceu essa parte que mostra que por trás de todo o conhecimento e a ciência exibidos no filme, o coração é o essencial. Normalmente isso dá é em roubada.

Por falar em ciência, Kip Thorne, aliás, é o grande responsável pela viagem atual de Nolan. O físico americano é o cara cujas pesquisas se concentram em buracos negros, buracos de verme (ou de minhoca), deformações no tempo e ondas gravitacionais que tanto vemos no filme. Tudo desenvolvido a partir da teoria geral da relatividade. Pois é. Einstein é o outro culpado.

“Interestelar” é ambicioso. Alguns podem achar pedante ou pretensioso. Mas a corneta não vai se aliar a esse grupo. Prefere caminhar com os que acham a nova viagem de Nolan fascinante. Até porque, por trás de tantas teorias e cálculos complexos, há uma boa história. Por isso, Nolan vai ganhar uma nota 8.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Cotação da corneta: 'Boyhood'

As dores do crescimento
Richard Linklater adora uma DR. Se vocês lembram bem, ele fez Ethan Hawke e Julie Delpy discutirem a relação em três filmes separados num espaço de 18 anos: "Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Pôr-do-Sol” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013). Tudo bem que em Viena, Paris e na Grécia eu discutiria fácil qualquer relação, mas isso não vem ao caso. Eu até desconfio que Linklater não fez mais filmes do gênero porque o dia só tem basicamente três estágios (manhã, tarde e noite) e faltaram ideias para novos títulos.

O tempo passou e dessa vez Linklater resolveu ser mais ambicioso. Colocou toda uma família para discutir a relação por 12 anos! E entre mortos e feridos... bem, veja o filme para saber se salvaram-se todos.

Vocês certamente já leram sobre a história de “Boyhood”. O filme passou no festival do Rio, está bem cotado e é figura fácil aí nas paradas de sucesso e nas redes sociais. Todo mundo está falando de "Boyhood" e a corneta não ia ficar de fora desse debate. A ideia de Linklater era contar a história de uma família por 12 anos, mas dispensando a maquiagem. O envelhecimento seria mostrado em tempo real.

Assim, anualmente o diretor se reunia com seus atores por uma semana ou mais para fazer uns takes descompromissados. Quase um hobby que cada um tinha entre um projeto e outro (e foram muitos como vocês podem ver aqui). “Boyhood” foi neste tempo para Linklater e seus atores como aquele projeto paralelo interessante que os integrantes de bandas de sucesso têm. Uma espécie de Gorillaz do Damon Albarn ou o The Raconteurs do Jack White.

É assim que começamos a acompanhar a história de Mason (Ellar Coltrane), um menino monossilábico de seis anos que pelos próximos 12 passará por tudo o que um jovem passa nessa fase de tanta intensidade, desconfiança e incertezas da vida. Inclusive será o adolescente mala que todos nós já fomos um dia. Mas se você leitor for adolescente, saiba que és uma exceção. Você é incrível.

No início, a vida de Mason era muito difícil. Só para vocês terem uma ideia, Steve Jobs ainda não tinha inventado algumas das maiores invenções da humanidade no século XXI, Mark Zuckerberg ainda não tinha lançado o Facebook, a melhor rede social que existe para falarmos de como está calor lá fora e postarmos fotos de bichinhos fofos, e o COLDPLAY era a banda do momento.

Eles tinham lançado dois anos antes o “Parachutes” (2000) e vocês não têm noção do pesadelo que era ligar a rádio e ouvir "Yellow". Ir ao dentista e na sala de espera ouvir “Yellow”. Abrir a janela, vislumbrar aquele sol bonito e amarelo e lembrar de... “Yellow”! Nem a Gwyneth Paltrow aguentou muito tempo com o Chris Martin. O casamento se encerrou em dez anos, menos tempo do que Linklater levou para filmar “Boyhood”. Como era possível viver nesse mundo com tão poucas possibilidades de entretenimento?


Eram tempos difíceis, mas Mason tinha mais pedras no meio do caminho. Entre elas, uma família para lá de problemática. Através do jovem observamos o seu pai, também chamado Mason (Ethan Hawke, um especialista em DR), tentando crescer. Ele teve dois filhos muito jovem, e ainda é um irresponsável que sonha em ser músico ao invés de ir garantir o leite das crianças num emprego sério. Vemos ainda a sua mãe (Não, não é Julie Delpy e sim Patricia Arquette), uma mulher especializada em maridos com alto teor alcóolico, mas que se dedica com afinco e amor à criação dos seus filhos. É aquela mãe especial que todos amamos. E observamos Linklater praticando nepotismo ao escalar a própria filha, Lorelei, para o papel de Samantha, irmã de Mason. Que mau exemplo, tsc, tsc...

E assim a vida vai passando. Acompanhamos Mason e Samantha crescendo e mudando completamente nesse tempo, passando por conflitos típicos de adolescente (quem nunca?) e a trilha sonora melhorando sensivelmente. Neste ponto é sempre bom ter um pai que gosta de Beatles e que te prepara um Black Álbum só com o best of jamais feito das carreiras-solo de John, Paul, George e Ringo. “Band on The Run”, “Sweet Lord” e outros clássicos são fundamentais para a formação do ser humano.


Com o tempo passando, Mason vai descobrindo um talento para a fotografia, se questionando sobre que lugar tem ou deseja ter no mundo, reflete sobre as idiossincrasias do Facebook e pinta as unhas de roxo, lançando tendências. E, claro, como se não bastasse todos os problemas pelos quais passa, tem o pior aniversário da vida (quem nunca?), quando recebe, aos 16 anos, uma Bíblia, um terno e uma espingarda de presentes. Típico kit do conservador básico do Texas. Por sorte, o pai está por perto e sempre existirão os Beatles.


Já se passaram duas das quase três horas de “Boyhood” e a corneta se questiona: Como pode um filme sobre a vida como ela é ser tão bom? “Boyhood” não tem efeitos especiais, atuações daquelas de Oscar, truques e viradas de roteiro mirabolantes. Poderia ser um documentário sobre a vida de uma família americana se não fosse um roteiro escrito, lapidado por mais de uma década.

“Boyhood” é a vida comum, o dia a dia lavando pratos, limpando a casa, lidando com os problemas, procurando emprego, fazendo escolhas, tomando decisões certas e erradas... situações pelas quais todo mundo passa. E talvez por isso seja tão interessante a participação de Patrícia e das duas crianças.

Vou fazer a minha filosofia de botequim agora. Talvez tudo seja tão naturalmente real porque os jovens provavelmente passaram por problemas e questões semelhantes aos exibidos no filme em todo o período de filmagem. E Patricia sabe como é criar duas crianças. Ela vive isso em casa. Os demais atores "interpretam" mais. E é fantástico perceber a passagem de tempo neles sem qualquer recurso que não seja a própria passagem da vida. Essa foi realmente uma ótima ideia.

O projeto de Linklater era ambicioso porque o tornava refém do tempo. Muita coisa podia acontecer em 12 anos. Mas o diretor confiou na velha canção de Jerry Ragovoy, regravada pelos Stones, que diz que o tempo está ao seu lado e seguiu em frente. E o resultado foi fascinante. “Boyhood” tocou o coração da corneta (ela não é tão má assim, vai). Um filme simples, mas paradoxalmente complicado de realizar que Linklater transformou numa pequena obra-prima. Quem deu Jesse e Celine ao mundo já tinha o total agradecimento da corneta, mas o diretor conseguiu se superar. A nota de “Boyhood” é 8,5.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Cotação da corneta: 'Drácula: a história nunca contada'

Que Drácula decepcionante
A corneta não tem poderes místicos, mas farejou o cheiro de bomba assim que viu o trailer de "Drácula - a história nunca contada". O próprio subtítulo um tanto quanto pretensioso, "a história nunca contada", sugeria uma dose de PICARETAGEM. Mas uma das qualidades desta entidade galhofeira da crítica cinematográfica (e musical, e esportiva, e do que mais surgir) é sempre ver os filmes de coração aberto. Mesmo que sejam filmes do Adam Sandler ou do Ben Affleck (Não esqueçam que "Garota Exemplar" é uma das exceções dele).

E assim lá estava eu comprando o meu ingresso para ver uma nova versão do meu vampiro favorito. O número 1, o homem (ou morto-vivo?), o mito que ganhou fama com um romance de Bram Stoker lançado lá no selvagem século XIX.

A intenção do filme do diretor estreante Gary Shore com essa "história nunca contada" me pareceu ser, humm, contar a história do verdadeiro Drácula (no filme vivido por Luke Evans). Mas pelo visto alguém deve ter achado que não tinha um apelo pop necessário numa era cheia de vampiros-coxinha de “Crepúsculo” e resolveu dar um toque: “Chefia, mas ele não vai morder ninguém? Ele não bebe sangue? Ele sai de dia numa boa sem queimar a pele? Que Drácula é esse?” Foi quando Shore resolveu dar à "história real" uma pitada do chupa-cabra style que existia no romance de Bram Stoker.

Parêntese histórico: Drácula realmente existiu, mas não era um vampiro e sim Vlad Dracul, ou Vlad, o Empalador, príncipe que governou a Valáquia por três vezes no século XV, estava sempre em guerra com os turcos e era conhecido por usar métodos cruéis de tortura contra os seus inimigos. Seu favorito era empalar as pessoas. Eram tempos inóspitos na Romênia e adjacências.

Reza a lenda que ele também bebia o sangue dos inimigos. Parece que era nutritivo. E lembrem que naquela época não tinha suco verde, detox, essas coisas. Era complicado ficar em forma.

Enfim, as lendas contam que Vlad voltava dos mortos e bebia sangue. Bram Stoker pegou tudo isso, usou da máxima “eu aumento, mas não invento” e criou o vampiro que conhecemos. Para aumentar o mistério e confundir as linhas que delimitam ficção e realidade, quando o seu túmulo foi escavado por arqueólogos no início do século XX só foram encontrados ossos de... animais. Que medo! Será que ele pode aparecer aqui enquanto escrevo estas linhas? Mais sobre o Drácula aqui (em inglês), aqui (em português) e aqui (em romeno para você se sentir no clima da Valáquia).

De volta ao filme, o problema dessa nova versão é que os roteiristas Matt Sazama e Burk Sharpless e o diretor filmaram 1h30m de película sem definir que Drácula eles queriam mostrar. Então parecia um Vlad insano: de um lado o sujeito mau feito pica-pau que empalava os inimigos. Do outro o pai de família que se sacrifica para salvar a vida do filho e o povo da Transilvânia. Conta outra. Um cara que fez a sua vida com sangue e guerras, que era conhecido pelo sadismo e considerado por muitos como louco não tinha condições de ser um pai amoroso que se doa pela família. Um cara que arrancava os seios das mulheres e ordenava que os maridos os comessem, não podia ser nem 1% bonzinho.

Era respeitado como líder militar, mas não era alguém para você sair e tomar uma cerveja romena. Ou seja, “a história nunca contada” não se define. Drácula joga em todas as posições do campo e parece aqueles partidos políticos que estão sempre orbitando o poder. Não importa quem vença a eleição.

Drácula também parece um filme de origem de super-herói (como se já não tivéssemos muitos e vêm mais 30 por aí). E vocês sabem que quase sempre os filmes de origem não são bons. Se liga na história resumida. Vlad era um rei amado pelo seu povo, apesar do passado monstruoso de Vlad, o empalador. Um dia a situação com os turcos ficou feia, mas ele não tinha exércitos para enfrentar os inimigos. O sujeito vai até a caverna do Dente Quebrado para encontrar Tywin Lannister, ops, para encontrar o vampiro original (Charles Dance), o monstro que todos temem, o capeta que vai lhe dar os poderes necessários para agir. Sim, amigos, Drácula mais parece o Spawn da Idade Média.

Após tomar o suco de sangue do capeta, Vlad ganha uma espécie de sentido de aranha do Homem-Aranha, a visão além do alcance do Superman, a superforça do Hulk, a capacidade de controlar o tempo da Tempestade, e a capacidade de controlar todos os morcegos do planeta que nem o Batman tem. E o próprio se transforma em centenas de morcegos, o que me fez lembrar dos Supergêmeos. Ah, ele também mexe as mãos para invocar os poderes igual ao Magneto. Concluindo, ele ficou por cima da carne seca. O problema é que Drácula nunca mais poderá ir a praia. E nada de usar moedas para comprar pão. Prata não é com ele. Só nota. Também é bom evitar crucifixos.

Como grandes poderes trazem grandes responsabilidades, Vlad vai pagar um preço caro por suas escolhas. Na guerra não há santos e às vezes monstros são necessários, diz ele próprio.

O novo Drácula pode não ser um coxinha sem sal como a turminha do barulho de “Crepúsculo”, mas também está longe, muito longe, dos melhores momentos de Gary Oldman e sua peruca branca em “Drácula de Bram Stoker” (1992). É um Drácula que ao invés de mostrar os caninos ao mundo, só exibe dentes de leite. Mas é um personagem fascinante que sempre vai voltar. Há dezenas de filme sobre ele. E este não será o último.


Mas a corneta não tem medo de criaturas da noite. E confiando que morcegos são mamíferos fofos e não me atacarão pela janela, será obrigada a ser cruel com este novo Drácula. Não tanto quanto Vlad, mas necessariamente cruel. E a avaliação só não será pior, porque os efeitos especiais são maneiros. “Drácula – a história nunca contada” vai ganhar uma nota 4.