sexta-feira, 21 de março de 2014

Axl Rose de novo

Axl se esforça para agradar
Quando Adriana Calcanhotto cantou que cariocas não gostam de dia nublado, nem sinal fechado, devia ter rimado isso tudo com cariocas adoram chegar atrasado. Sim, pois pontualidade não é uma qualidade do carioca. Pelo contrário, eles acham isso charmoso. Não sei para quem. Certamente não é para quem espera.

Axl Rose também deve achar charmoso chegar atrasado aos seus compromissos. Tenho quatro shows do Guns N'Roses nas costas. Todos em sua versão banda cover (fazer o que? Infelizmente nasci na época e lugar errados). Se eu juntasse todas as horas que eu esperei para ver a diva do Axl Rose subir ao palco e convertesse em horas de voo daria para chegar a Berlim.


Axl é o mais carioca dos habitantes de Indiana. Não apenas porque chega atrasado, mas também porque adora vir ao Hell de Janeiro. Esta é a sétima vez por aqui. Esqueçamos os motivos financeiros.


O cantor cuja voz e a cintura já não são as mesmas por causa do peso de 52 anos de vida intensa, devia ao Rio um show minimamente decente depois daquela pavorosa sessão de horror do Rock in Hell 2011.


Por enquanto o placar shows ruins x shows bons estava 2 a 1 para o time dos detratores e ele precisava tentar empatar a partida. Só posso falar do que eu vi. Então outros shows antes de 2001, quando os vi pela primeira vez, não entram.


Começou mal novamente ao atrasar a entrada ao palco em 1h50min. Continuou derrapando ao abrir com uma música do "Chinese Democracy", o disco que levou 14 anos para ser feito e, apesar de um tempo que sugere uma ourivesaria na construção de um álbum, não deu em um resultado satisfatório não. É um disco para dias nublados.


Mas aí veio o riff de "Welcome to the jungle", a canção-homenagem ao Hell de Janeiro. "You know where you are!!!", se esgoela Axl. "You in the jungle, baby", continua o cantor. É nos sabemos.


"Welcome to the jungle" é a deixa para a galera se empolgar e para Axl executar pela primeira vez a sua dancinha da enguia. O resultado é caricato, mas a gente se diverte mesmo assim.


A partir daí vem uma pedrada atrás da outra com o que tem de melhor nos três discos espetaculares do Guns N'Roses: "Appetite for destruction" (1987) e Use your Ilusion I e II (1991). Tempos em que o Guns era dono do mundo com sua formação clássica com Slash e Gilby Clark nas guitarras e Duff McKagan no baixo.


Os três brigaram com o dono da marca e foram para novos desafios. Vieram o baixista Tommy Stinson e os guitarristas Richard Fortus, DJ Ashba e Ron Bumblefoot. Além do baterista Frank Ferrer. Mas a bateria nunca foi o forte do Guns. Qualquer um podia sentar ali. Até o Ringo Starr. Todos estão há mais tempo na banda que os originais. Sinal que a idade deixou Axl mais tolerante ou são todos masoquistas.


Os três guitarristas do Guns são bons. E Axl tenta mostrar isso para a galera dando a eles generosos espaços no show. Tempo bom também para ele descansar a combalida garganta. É um esforço grande para que a galera esqueça o Slash. Mas acho que não vai rolar.


Ashba usa chapéu e é responsável por alguns riffs clássicos, como o de "Sweet Child O'Mine". Por vezes toca com a guitarra erguida e, enfim, já deu para perceber que ele faz o cover do Slash.


Fortus também tem seu espaço, mas o responsável pela maioria dos solos mais conhecidos do Guns é Bumblefoot. Com seu apelido esquisito e sua barbicha de sábio chinês de filme de espadachim, ele é o verdadeiro cara na banda. O cidadão que executa com perfeição os solos da belíssima "Estranged", por exemplo. E que toca com perfeição o hino nacional na guitarra.  Desnecessário esse toque de brasilidade, mas o povo curtiu.


E assim o Guns foi passando pela HSBC Arena, o menor lugar que eu os vi tocar. Clássicos aqui ("November Rain", a foda "Nightrain", "Patience"), músicas do "Chinese Democracy" ali, numa pausa para os fãs irem ao banheiro ou comprarem cerveja... para tudo se acabar na apoteose de papel picado de "Paradise City".


Axl não é mais o mesmo. Nunca mais será. Sua voz nunca mais fará aquelas estripulias. Para isso, você terá que se contentar com os discos e shows antigos. Mas pelo menos dessa vez entregou um show digno. Não errou nada, a banda esteve bem e ele estava até bem-humorado. Podemos dizer que a partida ficou empatada em 2 a 2.


A corneta musical agora faz as contas. Um ponto perdido por hora de atraso, problemas aqui, coisas positivas ali, e a nota para Axl Rose e sua banda é 6. Agradável, sem empolgar.

quarta-feira, 12 de março de 2014

'Walt nos bastidores de Mary Poppins'

Disney joga aquela lábia em Travers
Walt Disney é o Lair Ribeiro da criançada da minha geração. Guru da autoajuda, moldou baixinhos por décadas com suas produções com mensagens positivas de harmonia, fraternidade, tolerância (quem não tinha simpatia pelo Bambi?) e amor. Tá, esqueçam o Tio Patinhas e seu modelo selvagem de concentração de renda.

Na nossa tenra infância não tínhamos tempo nem conhecimento para questionar por que o Pateta falava e o Pluto não. Ou por que o Mickey Mouse, o Didi Mocó dos cartoons, usava short e o Pato Donald não. Muito menos por que Huguinho, Zezinho e Luizinho viviam mais tempo com o tio do que com o pai. Disney dominou os corações e mentes infantis até a invasão japonesa. Nunca mais fomos os mesmos quando o Jaspion chegou. Mas isso é papo para outro post.

Mas Disney (Tom Hanks) também era um cara chato, insistente (além de fumante e alcoólatra), que fazia qualquer coisa para conseguir o que deseja. Mesmo coisas que não fossem muito éticas. Foi assim que ele conseguiu dobrar a escritora P.L. Travers (Emma Thompson) depois de 20 anos e transpor o livro "Mary Poppins" para o cinema.

"Mary Poppins", o filme estrelado por Julie Andrews e lançado em 1964, é fofo, bonito e tem belas canções. É um filme com o selo Disney de qualidade, que mostra que a vida é lúdica e no fim tudo acaba bem. E "Walt nos bastidores de Mary Poppins", o filme que conta a história de como o filme foi feito? É fofo, bonito e, bem... as canções são as mesmas.

Baseado nas próprias gravações que Travers fez para fazer as correções no roteiro de "Mary Poppins", que considerava pífio e uma grande bobagem capitalista do bobo alegre Disney, o filme não é um grande desafio artístico, mas tem duas qualidades interessantes. Vamos a elas:

1) Para quem viu "Mary Poppins", e aconselho a ver a película antes de assistir a este trabalho, é interessante identificar trechos da história no filme e na vida de Travers. Descobrimos inclusive quem é a real Mary Poppins (se é que o filme é verídico nesta parte).

2) A atuação de Emma Thompson é emocionante. Você consegue gostar dela mesmo ela sendo uma mala sem alça.

Ah, mas o filme não mostra o quanto o Disney era isso e aquilo... blábláblá.... Ora, esse não era o foco do trabalho de John Lee Hancock, que claramente estava mais preocupado em mostrar aquela passagem da vida de Travers num filme em que Disney não passa de um coadjuvante.

Além disso, algumas de suas bizarrices estão lá mostradas de forma sutil, bem sutil, quase esfíngica. Até quando ele não quer saber mais de Travers depois que finalmente consegue os direitos da história. E também não seja tolinho. Você acha que um filme do estúdio vai mostrar seu fundador caindo de bêbado na esquina ou não sendo lá muito ético? Seria o mesmo que... Bem, não vamos falar das relações promíscuas em outras áreas.

Se "Mary Poppins" é a história da salvação da alma de um pai negligente com seus filhos, "Walt nos bastidores de Mary Poppins" celebra o reaquecimento do coração e a redenção - e os filmes Disney adoram isso - da própria Travers.

A escritora começa a ver o mundo com outros olhos a partir de Ralph (Paul Giamatti, o cara que consegue fazer qualquer personagem ser interessante), o motorista que a guia para baixo e para cima em Los Angeles e tolera suas grosserias sempre com um sorriso no rosto. No fundo, talvez ele identifique nela uma alma bondosa.

Mas o papel mesmo de Mary Poppins, aquele que vai livrar Travers dos fantasmas do passado, vocês sabem de quem é né? É claro que fica com Walt Disney. (Pausa para dizer umas verdades: nunca houve o passeio dos dois pela Disneylândia)

Assim, Disney vira o homem que salva o dia. Ok, mas não pensem que Travers ficou 100% satisfeita com o resultado final de “Mary Poppins”. A necessidade de pagar as contas da casa a obrigou a fazer concessões. E Disney também deu umas passadas de perna nela que nunca são mostradas no filme.

Quando voltou a viver no azul, Travers autorizou que Mary Poppins virasse um musical no teatro. Mas deixou claro em contrato de que não queria qualquer participação dos irmãos Richard e Robert Sherman, responsáveis pelas canções do filme. Sinal de que ela tinha algumas coisas a dizer sobre a produção da Disney. E não era supercalifragilisticexpialidocious.

E a corneta tem uma nota para dar. "Walt nos bastidores de Mary Poppins" ficará com um cute e padrão Disney 6,5.

Ficha técnica: Walt nos bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks – 2013 – Estados Unidos, Inglaterra e Austrália) – Tom Hanks (Walt Disney), Emma Thompson (P. L. Travers), Annie Rose Buckley (Ginty), Colin Farrell (Travis Goff), Ruth Wilson (Margareth Goff), Paul Giamatti (Ralph), Bradley Whitford (Don DeGradi), B. J. Novak (Robert Sherman), Jason Schwartzman (Richard Sherman), Rachel Grifitths (Tia Ellie). Escrito por Kelly Marcel e Sue Smith. Dirigido por John Lee Hancock.

domingo, 9 de março de 2014

Cotação da corneta: '300: a ascensão do império'

Eva Green botando pra quebrar
Tenho calafrios toda vez que Hollywood se mete a fazer algum filme sobre algo que tenha ocorrido antes de Cristo. Afinal, o potencial para dar errado é grande. Relembremos alguns casos:
                  
1) Em "Alexandre" (2004), o personagem principal foi reduzido por Oliver Stone a um maluco ensandecido mais preocupado com os namorados do que em conquistar territórios e ainda tinha uma mãe manipuladora e quase da idade dele.

2) “Tróia" (2004) tinha tudo para dar certo com um elenco de primeira, Brad Pitt como o herói Aquiles e tal, mas só rendeu algumas cenas boas de batalha.

3) “Fúria de Titãs” (2010), que conta a trajetória de Perseu, é bem meia boca.

4) Assim como “Imortais” (2011), que pelo menos tem um vilão bom feito pelo Mickey Rourke. Aqui, o lance é contar a lenda de Teseu.

E olha que ainda não consegui ver "Hércules" ou "Pompeia", mas eles foram jogados de forma tão constrangedora no cinema, nas sombras dos filmes do Oscar e com trailers pouco empolgantes que desconfio que sejam duas bombas.

Por outro lado, há exceções louváveis. Cito "Gladiador" (2000), "Ben-Hur" (1959), "Spartacus" (1960) e “Cleópatra” (1963). Mas sempre acho que são exceções. Como também é "300" (2006), embora seja um filme que dividiu opiniões. 

Por ter gostado do primeiro, "300: a ascensão do império" tinha tudo para entrar nesse time ai de exceções. Além disso, eu gosto de tudo o que envolva os mitos, as lendas e as verdades da Grécia antiga. Portanto, a corneta já chegou no cinema amaciada e de bom humor, ainda que soubesse que o diretor do novo filme não era Zack Snyder, e sim o desconhecido Noam Murro, e Frank Miller não tivesse participado a gosto da sequência do filme baseado em sua graphic novel.

Mas a corneta não é otária. O novo 300 é:

1) inferior ao primeiro
2) menos inspirado que o primeiro
3) uma trama de vingança atrás de vingança sobre vingança. Povo cheio de ressentimento esse aí.

O filme se passa antes, durante e depois dos eventos no desfiladeiro de Termópilas (vocês vão entender vendo o filme), quando o rei espartano Leônidas fought for glory (essas coisas heroicas soam melhor em inglês) e pereceu diante das tropas persas do deus-rei Rodrigo Santoro, quer dizer Xerxes.

Nesse momento as cidades-estados gregas estão unidas - menos Esparta, que faz beicinho por causa da rivalidade padrão Gre-Nal com Atenas - e se preparam para uma batalha naval daquelas contra as tropas de Artemísia (Eva Green e seus hipnotizantes olhos verdes).

Do outro lado está Temístocles, o grande herói trágico do momento (a Grécia gosta dessas coisas). Excelente estrategista de batalha, great warrior e um líder nato. Ele comanda um grande contingente de guerreiros de barriga negativa para lutarem pela liberdade e democracia contra o império dos tiranos e reis. Aliás, o roteiro tem sempre que ter algum momento que mostra o quanto a Grécia é a paladina da democracia. Nada contra. Quem teve Sócrates, Platão e Aristóteles tem direito a pensar assim. Mas ficou meio forçado.

Temístocles só tem um problema no filme. Uma oratória de picolé de chuchu (não vamos citar políticos famosos para evitar processos). Quando ele fala, não empolga ninguém. Saudades de Leônidas. Quando ele discursava, eu tinha vontade de levantar da cadeira, pegar a minha espada e cravá-la em uns 15 persas. Como não lembrar máximas como: "Ready your breakfast and eat heaty, For tonight, we dine in Hell!". Temístocles só me fez coçar a minha barriga com alto índice de positividade.

Mas é o herói que nós temos. Para quem não sabe Temístocles realmente existiu. E foi um grande herói grego das batalhas de Maratona, de Artemisium e Salamis. Os dois primeiros eventos são mostrados no filme. Xerxes e Artemísia também existiram. Artemisia não era tão bonita quanto Eva Green. Longe disso. Mas era realmente a carne de pescoço que o filme mostra. Ela foi a única mulher a comandar uma frota de navios naqueles tempos.

Então é isso. "300: a ascensão do Império" é uma batalha entre nosso herói grego e a vilã grega de coração persa pelo domínio da Grécia. No meio dos dois, Xerxes é coadjuvante. Temos um uso abusado de sangue cenográfico voando para todos os lados e excesso de câmera lenta. Tudo é hiperbólico e kitsch no longa de Murro.

Temos um roteiro pouco inspirado e atuações apenas ok. Eva Green engole todo mundo. Assim como Lena Headey, a rainha espartana viúva de Leônidas. As mulheres são as exceções e estão acima de todos. As batalhas no mar Egeu, no entanto, são o ponto alto da festa em um filme que é para poucos. Talvez apenas para os fãs tarados e mais condescendentes de Frank Miller e/ou da Grécia Antiga.

A corneta saiu viva desta batalha. Ouviu o oráculo de Delfos e decidiu dar uma nota 6 para "300: a ascensão do império".

Deixo por fim uma pergunta retórica: colocar "War Pigs", do Black Sabbath, na trilha sonora foi uma ironia?

Ficha técnica: 300: a ascensão do império (300: rise of na Empire – 2014 – Estados Unidos) – Sullivan Stepleton (Temístocles), Eva Green (Artemisia), Lena Headey (rainha Gorgo), Hans Matheson (Aesiklos), Callan Mulvey (Scilias), David Wenham (Dilios), Rodrigo Santoro (Xerxes). Escrito por Zack Snyder e Kurt Johnstad a partir da graphic novel de Frank Miller. Dirigido por Noam Murro.