domingo, 24 de julho de 2011

De fã para ídolo

Laetitia Casta como Brigitte Bardot e Elmosnino
“Amo demais Serge Gainsbourg para trazê-lo à realidade. Não são as verdades em torno dele que me interessam, mas suas mentiras”. A frase do diretor e roteirista Joann Sfar, se exposta no início de “Gainsbourg – o homem que amava as mulheres”, explicaria muita coisa do que se vê no filme, mas também o faria perder boa parte da graça.

Eu descreveria o primeiro trabalho do diretor como uma respeitosa cinebiografia tomada de licenças poéticas que transformam Serge Gainsbourg (um ótimo Eric Elmosnino) num personagem ainda mais fascinante do que se estivesse assistindo ao modelo tradicional de filme biográfico padrão cantores, ou seja, início, dificuldades, início na música, muita música, lógica de videoclipe, queda, tragédias, música, melancolia e morte. Quando ela existe.

Sim porque Serge Gainsbourg é um personagem fascinante. Pai da atriz e cantora Charlotte Gainsbourg (aquela que fez o polêmico filme “Anticristo” de Lars von Trier), Serge foi um cantor de muitos sucessos e muitas polêmicas na França. Transou com metade das mulheres mais deslumbrantes do seu tempo. Entre elas, a deusa Brigitte Bardot (no filme, a não menos bonita modelo Laetitia Casta) muito antes de ficar feia, se tornar uma mala e virar estátua em Búzios (ele ainda escreveu uma música para ela, “Initials BB”, e gravou outra junto com Brigitte, "Bonnie and Clyde", cujo vídeo você vê clicando aqui), e Jane Birkin (Lucy Gordon), que vem a ser a mãe de Charlotte.

Cantou jazz, fez música popular, rock, pop, música eletrônica e até uma polêmica versão reggae da Marselhesa - e você pode imaginar quanta confusão isso causou numa patriótica França – o que torna difícil defini-lo artisticamente, embrulhá-lo dentro de um rótulo, e entregá-lo facilmente para consumo. Também é responsável pela canção mais erótica que eu já ouvi. “Jet’Aime” é tão bela quanto foi polêmica e explosiva na sua época (os gemidos originalmente foram gravados por Brigitte Bardot, já que Gainsbourg fez a música para ela, mas a versão que foi para as lojas foi com Jane Birkin). Faria “Erótica”, de Madonna, junto com o seu videoclipe, parecer uma canção/vídeo adequada para o jardim de infância. Mas não seria Serge Gainsbourg se não fosse polêmico assim. 
Elmosnino como Gainsbourg no final da carreira

Fez de tudo e abusou de tudo entre cigarros e bebidas, o que o obrigou a passar por uma cirurgia no fígado. Nada que o impedisse de continuar fumando, bebendo e vivendo a vida do seu jeito.

É um retrato de um bon vivant conquistador desde a tenra idade que Sfar nos oferece. Você não verá aqui conflitos ou problemas que não sejam adocicados por sua música ou por suas belas conquistas. Uma biografia chapa-branca? Que seja, mas não se pode dizer que o diretor não avisou. Embora tardiamente.

É no elenco afinado, na música excelente e no lado lúdico que transforma os desenhos de Serge na infância em realidade, trazendo uma pitada de surrealismo ao filme, que Sfar ganha o espectador. Não acredite em tudo em que você vê, mas divirta-se com o que o diretor lhe oferece para contar uma história idealizada de um polêmico ídolo francês filmada por um fã.

Abaixo, Serge Gainsbourg em ação





quinta-feira, 14 de julho de 2011

O despertar do amor

Depardieu e Gisele como Chazes e Margueritte
É sempre prazeroso esbarrar em um filme que você jamais veria nas condições normais de temperatura e pressão e de repente descobre ser prazeroso e um trabalho que lhe garante pouco mais de uma hora de diversão. Foi o que aconteceu comigo nesta semana quando o destino na pele de uma amiga me colocou diante de “Minhas tardes com Margueritte”.

Claro que quando me foi proposto ver o filme, de início eu torci levemente o rosto. Afinal, o mau humor é uma condição inerente ao signatário deste blog. Além disso, não estava muito empolgado com a ideia sabendo que há dois filmes nos cinemas em que eu estava muito interessado em ver. Mas apesar da minha contrariedade, também sou aberto a novas experiências. Então lá fui eu ver o novo trabalho do Gérard Depardieu.

Ah, como foi delicioso quebrar a cara. Não porque “Minhas tardes com Margueritte” seja um filme sobre o tardio despertar do amor de um homem de meia idade vivido pelo astro francês, mas pela maneira como a história se desenvolve tendo a literatura como veia condutora para o clímax do personagem de Depardieu no seu belíssimo e tocante desfecho de escorrer lágrimas dos olhos.

Quem acompanha este blog há algum tempo sabe que eu tenho um fraco por filmes que envolvam a leitura e a literatura. É por isso que sou completamente apaixonado por “O Leitor” (2008), o filme de Stephen Daldry que divide opiniões, e “As Horas” (2002), do mesmo diretor, que deu o Oscar a Nicole Kidman pelo papel de Virgina Woolf, e contava ainda com as magníficas Meryl Streep e Julianne Moore. É por isso também que um dos meus filmes favoritos é “Fahrenheit 451” (1966), o brilhante trabalho de François Truffaut que é uma ode à literatura.

E é isso que me encantou em “Minhas tardes com Margueritte”. Na trama, Depardieu é Germain Chazes, um operário idiota, de parco conhecimento, sem muito rumo na vida e visivelmente carente que passa os seus fins de tarde observando pombos numa pracinha. Pombos que ele batizou porque, afinal, todos os pombos são diferentes.

Um belo dia ele conhece Margueritte (Gisele Casadesus), com dois “Ts”, jovem senhora de 95 anos que passa a freqüentar a mesma praça e observar os mesmos pombos num intervalo entre os livros que ela leva para ler.

A empatia entre o bruto e ignorante Chazes e a frágil e inteligente senhora que mora num asilo ali perto é imediata apesar das diferenças. Ao mesmo tempo em que Margueritte lê para ele, Chazes se encanta com esse mundo novo que lhe surge. Considera-se um derrotado enquanto a senhora sempre otimista diz que é sempre preciso começar de novo.

O ponto de partida para Chazes ampliar seus horizontes é o livro “A Peste”, de Albert Camus. O primeiro em que Margueritte lerá para ele e que ele tentará ler por conta própria. É a partir do romance de Camus que uma amizade sincera vai surgir entre os dois e Chazes vai não apenas encontrar o amor que lhe faltou desde a infância, quando se sentia maltratado pela mãe, como descobrir que apesar de sua ignorância ele é uma pessoa especial que pode fazer feliz a sua namorada Annette (Sophie Guillemin) e mesmo o filho que ela sonha em ter com ele, apesar de sua resistência por achar que nada tem a oferecer a uma criança.

É Margueritte quem o ajudará a superar seus traumas de infância e sorrir novamente para a vida enquanto ele vai se empenhar em não deixar que ela fique sem suas histórias, seus livros, apesar da doença que a fará ficar cega em pouco tempo.

Baseado no livro “La tête en friche”, título original do filme, de Marie-Sabine Roger, “Minhas tardes com Margueritte” é um drama, mas tem aqueles momentos de comédia que o fazem lembrar os trabalhos de Woody Allen. O diretor Jean Becker, que também assina o roteiro junto com Jea-Loup Dabadie, conduz o espectador de forma cativante enquanto se alterna entre os dois gêneros até o emocionante desfecho. Para quem sentia falta de um bom filme francês nesse ano, já não tenho mais esse vazio. Espero agora poder ver outros.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Nostalgias

Quantas vezes você já não se pegou dizendo que uma época que você jamais viveu certamente era melhor do que o seu tempo atual. Eu, por exemplo, queria ter nascido na Inglaterra no início dos anos 50 só para ser adolescente e adulto quando os Beatles e os Rolling Stones tomavam conta do planeta e ir acompanhando todo o resto que veio depois chutando a porta nesse tal de rock and roll. Certamente eu não precisaria mendigar um show de Paul McCartney aqui e ali e jamais lamentaria nunca ter visto o Led Zeppelin, o The Who e o The Doors tocarem.

A nostalgia do que não se vive e de um tempo meramente idealizado e do qual não se conhece os pormenores é um dos temas do novo filme de Woody Allen, o belo “Meia-noite em Paris”. Passado na capital francesa, a película com jeito de fábula do diretor americano conta a história de Gil (Owen Wilson), um roteirista de filmes de Hollywood que está cansado dessa vida e sonha em escrever um romance verdadeiramente relevante. Gil sente-se capaz disso ao caminhar pelas ruas de Paris, sua cidade-paraíso, onde até quando chove ele acha bela. Tem gosto para tudo, né?

Para Gil, Paris é o que há de mais belo no mundo e Allen trata de tentar comprovar isso com os melhores ângulos possíveis da sua câmera (alguns deles focados na Carla Bruni, que faz uma ponta no filme). Mas melhor do que essa Paris que todos conhecemos, diz Gil, era a Paris dos anos 20, onde gente do naipe dos escritores Francis Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), e Ernest Hemingway (Corey Stoll), dos pintores Pablo Picasso (Marcial di Fonzo Bo), Henri Matisse (Yves-Antoine Spoto) e Salvador Dalí (um hilário Adrian Brody em uma cena impagável), do diretor Luís Buñuel (Adrian de Van) e de Cole Porter (Yves Heck) frequentemente se esbarrava em festas, bares ou pela rua sempre criando, fazendo arte numa efervescência cultural jamais vista.

É então que num passe de mágica e ao tocar do sino da Igreja à meia-noite, como numa fábula da Cinderela às avessas, Gil consegue viajar no tempo para aquela Paris supostamente idealizada por ele, se encontrar com todos os seus ídolos e viver por alguns momentos entre eles.

Enquanto vive o seu sonho em meio a todos estes gênios, Gil, que está prestes a se casar com a insossa e mala Inez (Rachel McAdams), conhece Adriana (Marion Cotillard). Namorada sazonal de Picasso e Hemingway, ela também como num conto de fadas previsível passa a gostar do jovem roteirista que ainda busca o seu melhor texto sempre sob a crítica precisa de Gertrude Stein (Kathy Bates).

A questão é que se para Gil os anos 20 foram os anos dourados, para Adriana, que é uma pessoa daquela época, a era de ouro de Paris foi mesmo o final do século XIX, o tempo de Henry de Toulouse-Lautrec (Vicent Menjou Cortes), Paul Gauguin (Olivier Rabourdin) e Edgar Degas (François Rostain). E não é que como num mesmo passe de mágica, em um momento, eles vão visitar essa época e conhecê-los de perto?

Está com a maior cara de “A Origem” (2010), aquele filme do Christopher Nolan estrelado pelo Leonardo di Caprio com seus sonhos dentro de sonhos? Quase isso. Mas o tom aqui é mais lúdico. E não tente encontrar lógica nisso tudo. Apenas embarque nos sempre ótimos diálogos e na viagem de Allen por esse sentimento nostálgico que todo ser humano tem.

É exatamente na conversa entre Gil e Adriana sobre as idiossincrasias do tempo que o roteirista e aprendiz de escritor vai perceber que mesmo diante de tantos gênios nem tudo é perfeito naqueles “perfeitos” anos 20 e nem tudo é uma porcaria na sua Paris do século XXI. Se Allen já tinha apontado no início do filme que “a nostalgia é a negação do presente”, será com o humor peculiar do seu texto que ele fará Gil perceber que se os anos 20 tinham esses gênios todos, faltavam-lhes coisas como remédios tão comuns no dia a dia do novo século ou mesmo a anestesia.

Um dos melhores filmes dirigidos por Allen neste século, “Meia-noite em Paris” não deixa no espectador qualquer sentimento de nostalgia pelos trabalhos do diretor no passado, como o conhecido e badalado “Noivo neurótico, noiva nervosa” (1977). Para os fãs mais antigos, sentir saudades só da Nova York que o cineasta trocou nos últimos anos por Londres, Barcelona e agora Paris.