domingo, 30 de setembro de 2007

Menos anticristo, mais superstar

Marilyn Manson já se cortou e se costurou no palco. Marilyn Manson só usa toalhas pretas e a lâmpada do seu banheiro fica atrás do espelho para que ele possa falar com o demônio. Marilyn Manson era o Paul do seriado “Anos Incríveis” (!?). Marilyn Manson é homossexual, bissexual, andrógino ou todas as anteriores. Marilyn Manson tem um olho de cada cor. Muitas histórias – algumas verdadeiras lendas – já foram escritas sobre Marilyn Manson. Todas fazem parte do personagem que baixa no corpo de Brian Warner e do show do auto-intitulado Anticristo Superstar. Contudo, a turnê de “Eat Me, Drink Me”, novo disco do cantor, mostra que o Anticristo deixou a cena. Ao menos momentaneamente. Ficou apenas o Superstar.

Numa banda completamente modificada em relação à formação que fez de Brian Warner mundialmente conhecido como seu alter-ego no disco “Antichrist Superstar” (1996), o terceiro da carreira – Twiggy Ramirez (guitarra), Madonna Wayne Gracie (teclados), Ginger Fish (bateria) e Zim Zum (guitarra) foram substituídos por músicos contratados que mantêm o mesmo tom sombrio do estilo Manson de ser. Para se ter uma idéia, apenas o guitarrista Tim Skold tem o nome citado no encarte do novo disco – a proposta de Manson, uma espécie de Alice Cooper dos anos 90, se esvai.

O personagem não tem mais força e é até caricato, mas o artista permanece de pé. Não que isso seja bom ou ruim. É apenas uma constatação. Isso porque Manson ainda é mais competente do que muitos de seus pares no mundo da música e mostra isso num bom show, embora excessivamente curto com sua 1h20m, em que revisa a sua carreira.

Para manter as aparências, o cantor adentra o palco por detrás de uma cortina com suas iniciais escorrendo como se fossem sangue e cercado de muita fumaça que ia se acumulando na Fundição Progresso nos quase 40 minutos de atraso. Seu curioso microfone tem um facão embaixo. Ainda bem que ele não resolveu usá-lo para outros fins que não seja cantar.

Por outro lado, é tudo mentirinha. Manson vive uma fase light. Sofreu de depressão por casa de um casamento infrutífero no passado e veio ao Rio até acompanhado da nova namorada. Quem diria? O Anticristo tem coração. Com olhos e boca devidamente pintados de roxo, Manson domina a platéia, que o segue como a um deus mantendo o ritual sombrio/vampiresco/andrógino/dionisíaco. Pode-se ver de tudo onde a luz não chega. De mulheres se agarrando a homens vestindo cinta-liga e figuras com sobretudo e cara de mau que mais pareciam ter saído de um filme de John Carpenter.

Os cariocas estavam sedentos pelo velho Manson que nunca pisara na cidade. Na única vez em que esteve no Brasil, em 1997, o cantor tocou apenas em São Paulo. É por isso que ela vibra com cada música, em especial as antigas “Sweet Dreams”, “The Dope Show” e “Rock is Dead”.

Mas o público volta a esfriar com as longas paradas de Manson entre uma música e outra. Afora a paralisação forçada causada por um problema no sistema de som na Fundição Progresso. Aliás, que som horrível o da Fundição.

Com altos e baixos, o cantor invade o palco para cantar “Beautiful People” e encerrar o show dignamente. No final, uma pessoa ao meu lado reclama da frieza de Manson. “Já foi? Nem deu um tchau”. Sem tchau, sem até logo e muito menos obrigado. Afinal, em algum momento o velho Manson tinha que manter a sua fama de mau.

Dois momentos inesquecíveis do show. Marilyn Manson cantando “Sweet Dreams” e “Lunchbox” e “The Beautiful People”.




Uma nova era

“Há homens que nascem póstumos”. Com este aforismo nietzschiano terminei o primeiro dos textos escritos no antigo espaço. No momento em que prometi “lutar contra tudo o que há de podre, decrépito e arcaico na sociedade” assinei um compromisso marcado com meu próprio sangue. Um dia me entenderão, diz o megalómano.

Prometi exaltar a grande arte e criticá-la com absoluta independência, sem que a paixão, evidentemente, fosse excluída de cada linha. Afinal, como nietzschiano que sou, o envolvimento é sempre necessário. Só pedras não têm emoção. Neste ponto fui mais bem sucedido com críticas cinematográficas (33), musicais (15) e inéditos textos literários (seis). Além de uma de minhas paixões, o esporte (oito).

Diante de um ano de história completado no último dia 18, o balanço é feito para dar início a uma nova era. “Memórias da Alcova” cresceu. Se ninguém percebeu fui de 0 a inigualáveis seis leitores.

Depois de um período funcionando de maneira experimental, eis que “Memórias da Alcova” estréia oficialmente neste espaço. O caminho dos espíritos livres, dos que buscam sair da caverna agora é este:
http://www.memoriasdaalcova.blogspot.com/. O mundo nunca mais será o mesmo. Ainda mais agora que tenho mais espaço, coloco fotos e até vídeos.

Os aforismos antigos estarão sempre guardados para serem vistos quando vocês, nobres leitores, quiserem. É só dar uma clicada ali no canto superior direito, na seção “Outros Pensamentos”, que ainda vem acompanhada de outras indicações de blogs interessantes.

É isso. “Memórias da Alcova” agora é maior, melhor, e ainda conserva as velhas características de ser democrático – não deixem de comentar freqüentemente - e sem cortes. Um dia, hão de me entender. “Há homens que nascem póstumos”.

domingo, 23 de setembro de 2007

Retornos

Se eu fosse funkeiro diria que Londres está bombando. Ainda bem que este não é um de meus muitos defeitos. De qualquer forma, eu invejo os londrinos. Duas semanas depois de Robert Plant e Jimmy Page anunciarem o retorno do Led Zeppelin pelo menos por uma noite agora é outra banda clássica dos anos 70 que anuncia o seu retorno por igualmente dramática e única noite. Trata-se dos Sex Pistols.

Embora os Ramones tenham sido punks antes que existisse o termo que definisse esse som sujo, cru e a filosofia “do it yourself”, os Pistols, comandados por Johnny Rotten e Sid Vicious são sinônimos de punk. Perto deles, outras bandinhas que pintam cabelo e fazem tipinho não passam de colegiais.

A ocasião para mais um retorno dos Pistols é a trigésimo aniversário de “Never mind the bollocks... here´s the Sex Pistols”, álbum clássico do rock e o único que a banda lançou. O show será no dia 8 de novembro e, assim como no caso do Led Zeppelin, só posso lamentar não poder estar presente. Como invejo estes londrinos, pois valeria a pena ver os velhos Pistols mesmo com Glen Matlock no lugar do falecido Vicious.

Além de ser um disco sensacional e obrigatório em qualquer discografia roqueira, “Never mind the bolocks” tem dois clássicos que mesmo quem não gosta dos Pistols respeita: “Anarchy in the UK” e “God Save the Queen”.

Ambas contém versos que resumem a ideologia niilista do punk. É o caso de “I´m an Antichryst/I´m an anarchist/Don´t know what I want but/ I know how to get it/ I wanna destroy the passer by´ cos I/ Wanna be anarchy!” e “I give a wrong time time stop a traffic line/Your future dream is a shopping scheme” em “Anarchy in the UK”.

Em “God Save the Queen”, Vicious e Rotten sacaneiam a rainha Elizabeth, mas também batem pesado na Inglaterra capitalista: “God sabe the Queen/Her fascist regime/It made you a moron/A potential H bomb/God save the Queen/She ain´t no human being/There is no future/In England´s dreaming”. Não é toa que ao ser perguntado de porquê tocar em Londres Rotten ironizou dizendo que “não poderíamos deixar de tocar na nossa querida Londres”.

Led Zeppelin, Sex Pistols, volta e meia tem show dos Stones, Paul McCartney, The Who. Enquanto Londres recebe a nata da música, nós ficamos com a programação meia-boca e excessivamente cara do Tim Festival. Sem contar os pagodes, sertanejos, bregas... Malditos londrinos. Quão sortudos vocês são.

Sex Pistols tocando “God Save the Queen” nos anos 70:


sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O Led Zeppelin volta a voar

É claro que Robert Plant não conserva a mesma voz e teria dificuldade para executar clássicos como “Rock and Roll”, “Whole Lotta Love” e “Black Dog”. A idade passa mesmo para quem é eterno. Ainda assim, assistir a uma reunião do Led Zeppelin ou pelo menos de três dos quatro membros que restaram – o baterista John Bonham não está mais entre nós há 27 anos – valeria mais do que qualquer macaquinho de R$ 180 que vá tocar no Tim Festival.

Num mundo chato e de música pasteurizada, a volta do Zeppelin, mesmo que apenas por uma noite, soa como dar uma tonalidade a um planeta tão incolor, sabor a uma música tão insípida. O Led Zeppelin é de um tempo em que o rock tinha personalidade e a música era mais diversificada.

Parece estranho, mas hoje há tantos termos para explicar um som meio preto e branco. É punk rock, indie rock, emo core, hard rock, nu metal, mauricinho rock, sei lá o que lá rock e tantos outros que não me lembro enquanto escrevo.

No tempo do Led Zeppelin, as mágicas décadas de 60 e 70, havia rock, rock progressivo, punk e metal, gênero a que o grupo de Robert Plant pertencia. Depois, com o surgimento de bandas mais pesadas, o Led Zeppelin ficou no grupo dos roqueiros.

O fato de 20 milhões terem se inscrito logo na primeira semana para pagar 125 libras (algo em torno de R$ 500) e outros 100 milhões terem congestionado o site com o formulário para terem a chance de ver Plant, o guitarrista Jimmy Page e o baixista John Paul Jones tocando juntos novamente, agora com a companhia de Jason Bonham, filho do antigo baterista, é um sinal de que não sou o único que tem saudade do tempo que o rock era rock mesmo.

Com tanta procura, já se fala até em estender por mais uma noite a apresentação da banda, que servirá para reunir fundos para fundação Ahmet Ertegun – o fundador Atlantic Records - , que paga bolsas a estudantes da Inglaterra e Turquia. Só cabem 20 mil no estádio O2, em Londres, que receberá o show do dia 26 de novembro. Um concerto, portanto, será pouco para tantos fãs. Dois também seriam. Precisávamos de uma turnê mundial – com passagem pelo Rio, é claro - para sentirmos que “the song remains the same”.
Uma lembrança dos bons tempos. O Led Zeppelin tocando "Rock and Roll" em 1973:


terça-feira, 11 de setembro de 2007

Quebra-cabeça remontado

Há dez anos João Moreira Salles tinha uma excelente história num incrustado quebra-cabeça só agora montado. Desde a sua infância, o personagem rondava a vida da criança que brincava de mordomo e veio a se tornar documentarista. Santiago é o personagem, o mordomo, o filme agora realizado e uma visita à própria história de João Moreira Salles.

“Santiago”, o documentário, foi um dos primeiros trabalhos a ser filmado por João e pode ser o último a ser lançado como ele já andou dizendo. Ameaças à parte, é um filme obrigatório para os estudantes de cinema por sua experiência com a linguagem e seu tom quase que em on e off. São dois trabalhos em um. É o documentário e o making off do trabalho mostrando o porquê de cada cena, de cada quadro, de cada movimento. Nada fica sem explicação. Nada fica sem reflexão.

O fato de ser obrigatório para os estudantes de cinema não exclui todos os outros que podem acompanhar um filme tocante pela delicadeza e simplicidade. É impossível não simpatizar com aquele argentino que por décadas serviu à família dos Moreira Salles, apaixonado pela história das grandes dinastias e famílias da humanidade. Um mordomo de dia e historiador – por vezes músico - à noite.

Era uma figura multifacetada que acumulava o conhecimento de milênios sem perder a humildade dos grandes homens. Quanto não se pode aprender sobre a vida diante de Santiago. Sobre a paixão por algo, as dores e os desafios da vida. Quanto disso, João Moreira e seu irmão Walter Salles levaram para a tela em suas obras? Talvez seja uma questão que nem eles podem responder.

“Santiago” é um documentário vivo, um quebra-cabeça sendo montado com o passar dos minutos. Por isso que João Moreira Salles só percebe ao final, quando seu personagem já havia morrido, o pecado que cometera. Apesar de tanto carinho e dedicação, Santiago nunca deixou de ser o empregado servindo ao patrão.

A relação de distanciamento, inspirada num filme japonês citado pelo diretor na obra, é, inconscientemente, a relação patrão-empregado. João aqui, atrás de sua câmera dando ordens do tipo “faz assim”, “faz aquilo”, “agora repete olhando para a câmera”. Santiago lá obedecendo ao “Joãozinho”.

João encerra o documentário com o profundo e amargo sabor da culpa. No final não passava de um patrão excêntrico obrigando o empregado a participar de seu filme. Dias depois diria que aprendeu muito com o filme. Certamente cada um sai com uma lição e mais incomodado da sala de cinema.