segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sem medo de mudar

Pitty fez mais um belo show no Circo/Reprodução
Pitty é uma inquieta. E isso é um elogio. Quando ela poderia deita em berço esplêndido nos seus sucessos, deixou de lado canções como “Anacrônico”, “Memórias”, “Na Sua Estante”, “Equalize” e “Semana que vem” para gravar um DVD diferente, dar uma sacudida no set list e fazer um trabalho ao vivo que fosse verdadeiramente novo e não uma recauchutagem do “(Des)Concerto” (2007).

Foi assim que ela apostou em “O Lobo”, do seu primeiro disco, valorizou o trabalho (muito bem feito, por sinal) do “Chiaroscuro” e botou toda a sua trupe delirante na lona do Circo Voador para gravar um DVD em dezembro do ano passado e que agora chega finalmente às lojas.

Cinco meses depois, a cantora baiana volta ao Circo para o lançamento do resultado desse trabalho. O DVD que ganhou o nome de “Trupe Delirante no Circo Voador” poderia ser todo tocado, mas, como eu dissera, Pitty não consegue se manter quieta e gosta de dar uma mexida no baú, misturar, remexer, mudar, acrescentar músicas e jogar para a galera se divertir sempre buscando uma surpresa.

Assim, das 17 músicas do álbum ao vivo, a cantora retira cinco e traz de volta alguns de seus sucessos. Os fãs que lotam o Circo ficam absolutamente felizes e respondem imediatamente cantando com a alma “Memórias”, “Anacrônico”, “Máscara”, “Admirável Chip Novo” e “Pulsos”.

Não que “8 ou 80”, que abre os trabalhos do show, ou a bela “Água contida”, para ficar em dois exemplos, tenham recepção fria. Pelo contrário, não há recepção fria da calorosa horda de fãs da Pitty. Estava mais para um reencontro com a história mais antiga da cantora que não esteve presente em dezembro, mas estava lá em 2009, quando a baiana esteve no Circo para o show da turnê do “Chiaroscuro”.

Pitty e sua banda/Reprodução
Se podemos dizer que algo do show sempre intenso e de entrega total da cantora não deu muito certo, foi só no momento de “Se você pensa”. O cover da música do Roberto Carlos, que também está no DVD, foi o único em que se percebeu alguma dispersão da galera. Foi o único momento em que a resposta foi menos intensa do que o normal entre os fãs que ignoraram a chuva para mais uma vez prestigiar a roqueira na Lapa.

E Pitty devolveu o carinho da galera com raça. Nas músicas mais pesadas, balançou a cabeça como se não houvesse amanhã e depois brincou pelo Twitter que estava virando uma headbanger da terceira idade por causa das dores no pescoço.

As dores podem ser verdadeiras, mas a moça tem apenas 33 anos de rock and roll e está em grande forma como mostrou numa apresentação mais enxuta do que na de dezembro. Foram apenas 90 minutos e sem bis, um fato raro nos shows de rock. Deixou muita gente com aquele gosto de quero mais e contabilizando as músicas que faltaram. “Na Sua Estante”, “Equalize”... poderíamos ficar escrevendo mais umas três ou quatro linhas aqui. Mas ela avisara que ia fazer algumas mudanças, não uma revolução e nem viraria o baú de cabeça para baixo.

No entanto, o que ela cantou foi para deleite dos fãs. Pitty ainda se permitiu junto com a sua banda fazer umas viagens, “dar uma voltinha ali em outro planeta”, como ela mesmo disse enquanto tocava “Máscara”, quando o guitarrista Martin deu uma volta psicodélica e voltou de não sei onde para depois de tanta distorção, puxar um ritmo de reggae e fechar com muito peso como a música pede. Delírio total do povo presente.

Foi um momento de bom improviso de outros que rolaram e deu ao show um tom positivo. Sem ter que cumprir muito as regras básicas para a gravação do DVD, a banda pareceu até mais à vontade. O que pode ser também um sinal de satisfação do desfecho de um trabalho bem feito. Só especulação. Não tive a chance de perguntar nada a eles depois do show.

A celebração pittyana termina com a catarse de “Me Adora”, com o público cantando o refrão a plenos pulmões exatamente como você poderá ver no DVD. Um bom desfecho de mais uma noite de Pitty no Circo.

Abaixo o set list e alguns bons momentos do show:

8 ou 80
Fracasso
Memórias
Água Contida
Desconstruindo Amélia
Comum de Dois
Só Agora
Medo
Todos estão Mudos
Emboscada
O Lobo
Se você pensa
Anacrônico
Máscara
Admirável chip novo
Pulsos
Me Adora

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Two days in my life

Paul na primeira noite no Engenhão/Reprodução
É preciso ser muito mal humorado, muito garoto enxaqueca, muito cri-cri para dizer alguma coisa de negativo sobre os dois shows de Paul McCartney no Engenhão nesta semana. Depois de mais de cinco horas e 38 músicas diferentes em dois dias e de mais de oito horas e 43 músicas diferentes em sete meses (não esqueçamos que eu ainda fui para São Paulo em novembro), muito do que eu tinha para dizer poderia ser uma repetição do que já dissera sobre o show de novembro. Afinal a turnê é a mesma e boa parte das músicas são as mesmas. Todas sempre executadas com perfeição.

Muita gente também já escreveu sobre os shows com muita propriedade como vocês podem ler neste link, neste link e neste link. Mas eu sou mala. E sou jornalista. Bom, mas isso é um pleonasmo. Como eu ia dizendo, sou muito mala e mesmo diante de um cavaleiro da realeza britânica vou dar uma cornetada e começar este texto pelas vírgulas, pelos poréns, pelas conjunções adversativas em geral.

Dear Sir, com todo respeito, “Obla-di-obla-da” não dá. “Obla-di-obla-da” é a prova irrefutável que os Beatles não são perfeitos. Eu tive três chances de ouvi-la ao vivo em sete meses e continuo achando-a ruim. Uma amiga no primeiro dia carioca tentou me convencer do contrário e não conseguiu. Outra amiga no segundo dia foi ainda mais assertiva e não conseguiu. Na próxima turnê, portanto, tira essa do set list e vamos tentar umas coisas diferentes porque a melhor coisa de “Obla-di-obla-da” é saber que depois dela vem “Back in the USSR”.

Também é preciso dizer que de novembro para cá o senhor só envelheceu meio ano. Está certo que não é todo mundo que tem o teu gás aos 68 anos, mas precisava diminuir 25 minutos do show em relação ao de São Paulo? Ficou devendo mais umas três ou quatro músicas.

As considerações acima são as únicas a serem feitas. Os parágrafos que se seguem são, em resumo, adulações, comentários elogiosos e percepções importantes sobre o quanto o show foi espetacular. E, claro, uma comparação entre os dois dias de Engenhão lotado (sim, é verdade, aconteceu). Se você duvida e acha que estou exagerando, é só ir para o fim deste post e ver os vídeos que eu pesquei no YouTube. Duvido que não mude de ideia.

Para começar, Paul McCartney é uma lenda. Não pelo que ele fez de genial com John Lennon e George Harrison (ah, tinha o Ringo Star também) em 10 anos e 12 álbuns de Beatles. Muito menos porque a sua carreira nunca saiu do Olimpo – pode ter no máximo dado umas derrapadas – quando ele resolveu formar os Wings ou ficou nos seus projetos solo. Ele é uma lenda porque sua música consegue ser, como a de poucos artistas atemporal, e ainda emociona caras que viram os Beatles no auge e crianças que jamais imaginariam estar tão perto de um ex-Beatle. Sua música ainda faz chorar uma jovem perto de mim que só cresceu ouvindo os discos, uma vez que a última passagem dele pelo Rio fora em 1990, 21 anos atrás, portanto.

Ele é uma lenda com um pacto com os deuses do rock que o fazem mesmo com quase 70 anos conservar uma garganta excelente para ainda cantar muito bem. Tem gente por aí (leia-se Ian Gillan), que faz vergonha até hoje e devia estar em casa tomando sopinha e vivendo das glórias do passado. 

Nesse mesmo pacto demoníaco, está acertado que ele deve estar acompanhado dos melhores músicos disponíveis no mercado. A “maravilhôsa” banda do Paul é isso aí. Dois guitarristas excelentes, Rusty Anderson, principalmente (esse cara é um monstro), e Brian Ray, que também toca baixo quando Paul pega na guitarra (e no piano, e no ukelele e o que mais aparecer pela frente), o baterista visceral-animal, mas que também tem o seu lado, digamos, fofo, e dá um show à parte em “Dance Tonight”, Abel Laborial Jr., e o tecladista Paul Wickens formam a cozinha para o chef Paul brilhar com seus pratos sofisticados. E o trabalho é muito bem feito.

Depois de 51 anos de uma bem sucedida carreira, não dá para dizer algo menos do que perfeito de Paul McCartney no palco. E essa é uma qualidade, mas um outro porém do show e que fez o segundo dia ser melhor do que o primeiro. Se no domingo, Paul executou tudo com perfeição até demais, aparentemente tudo como fora ensaiado, inclusive suas frases em português já ditas em São Paulo, na segunda-feira o cantor improvisou um solo em uma das músicas, estava mais descontraído, mais alegre, exibiu um novo conhecimento de português, o seu “demaissss”, e até criou uma letra com três ou quatro frases para agradecer pela hospitalidade dos cariocas. Enfim, o cara estava se sentindo em casa.

Paul talvez ainda estivesse inebriado com o que vira na véspera, quando dezenas de pessoas o surpreenderam com cartazes escritos “nanana” e balões durante a execução de “Hey Jude”. Ele ficou visivelmente emocionado com o movimento que, conforme me contou uma boa fonte, começou pelo Facebook. O cantor comentou com a banda na hora e fez questão de agradecer durante o bis, antes de cantar “Lady Madonna”, dizendo que aquilo tinha sido “fantástico”. No dia seguinte, mais elogios através da assessoria de imprensa.

“Foi muito emocionante porque os fãs tiveram todo esse trabalho. Eles poderiam apenas ter vindo ao show e assistido, mas se falaram antes para criar este momento tão especial”.

Além de menos engessado do que o primeiro, o segundo show teve cinco músicas diferentes no set list. Do primeiro dia saíram “Hello Goodbye”, que abriu os trabalhos, “Letting Go”, “Drive my car”, “I’ve just seen a face” e “Get Back” para que pudessem entrar na segunda-feira “Magical Mistery Tour” (e poucas músicas são mais perfeitas para abrir um show do que essa), “Coming Up”, “Got to get into my life”, “I’m looking through you” e “I saw her standing there”. As mudanças acabaram deixando o set mais interessante, apesar da ausência de “Letting Go”, uma canção que gosto muito.

Se Paul McCartney não tinha o que provar, o Engenhão sim passava por um teste importante. Pela primeira vez o estádio recebia um grande show de rock e precisava se mostrar viável enquanto o Maracanã, onde Paul tocou em 1990, está em obras para a Copa do Mundo de 2014. E o resultado foi bastante positivo.

Desde o início, parecia que tudo estava sendo feito para fazer o Engenhão dar certo. Havia muitas pessoas para dar informação do lado de fora e lá dentro os comes e bebes eram os melhores que eu já vi num show de rock (embora fossem os olhos da cara). A saída foi confusa, é verdade, mas é culpa das ruas estreitas no entorno do estádio e de haver uma única passarela para atender uma multidão que queria pegar o trem ou simplesmente atravessar para o outro lado da estação. Mas com paciência tudo correu bem e sem tumultos.

Só que nada disso seria levado em conta se o fator principal não tivesse sido aprovado: a acústica do estádio. Alvo de reclamação de torcidas que não sentem seu canto reverberar nos jogos como no Maracanã, confesso que isso era uma das minhas grandes preocupações. Só que o resultado foi excelente. Ouviu-se o Paul McCartney perfeitamente e todos os instrumentos da banda sem atropelos. O som lá é melhor do que na Apoteose, por exemplo, onde tudo varia de acordo com o equipamento que é levado. Rogers Waters e Rush foram perfeitos, mas o Iron Maiden teve sérios problemas, por exemplo.

Com isso, o Engenhão se credencia para novos espetáculos. Quanto ao Paul, eu não estou cansado ainda da maratona. Se ele quiser voltar para mais um show, estamos aí.

O set list do primeiro dia: “Hello Goodbye”, “Jet”, “All my loving”, “Letting Go”, “Drive my car”, “Sing the changes”, “Let me roll it”, “Long and widing road”, “1985”, “Let Em in”, “I’ve just seen a face”, “And I love her”, “Black Bird”, “Here Today”, “Dance Tonight”, “Mrs. Vanderbilt”, “Eleanor Rigby”, “Something”, “Band on the run”, “Obla-di-obla-da”, “Back in the USSR”, “I gotta feeling”, “Paperback Writer”, “A day in the life”, “Let it be”, “Live and let die”, “Hey Jude”, “Day Tripper”, “lady Madonna”, “Get Back”, “Yesterday”, “Helter Skelter” e “Sgt. Peppers lonely hearts club band/In The End”.

O set list do segundo dia: “Magical mistery tour”, “Jet”, “All my loving”, “Coming Up”, “Got to get you into my life”, “Sing the changes”, “Let me roll it”, “The long and widing road”, “1985”, “Let em in”, “I’m looking through you”, “And I love her”, “Black Bird”, “Here Today”, “Dance Tonight”, “Mrs. Vanderbilt”, “Eleanor Rigby”, “Something”,  “Band on the run”, “Obla-di-obla-da”, “Back in the USSR”, “I gotta feeling”, “Paperback Writer”, “A day in the life”, “Let it be”, “Live and let die”, “Hey Jude”, “Day Tripper”, “lady Madonna”, “I saw her standing there”, “Yesterday”, “Helter Skelter” e “Sgt. Peppers lonely hearts club band/In the end”.

Abaixo, alguns dos grandes momentos dos shows.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Diversão garantida. E só

O pôster do filme

Inspirado em um brinquedo da Disney, “Piratas do Caribe” não poderia ser nada diferente de diversão na sua versão cinematográfica. Se você sabe que nos créditos de produtor está o nome de Jerry Bruckheimer, entenderá que isso significa explosões, perseguições, muito barulho e correria. E é um filme dos estúdios Disney, logo para a família. Sendo assim, não espere que a Penélope Cruz vá mostrar mais do que um segundo de decote no escuro ou as encantadoras sereias não tenham peito. Sim, elas não têm peito! Foram todos devidamente cobertos pela “patrulha dos modos e bons costumes” da Disney. Ah, e o vilão, o ardiloso Barba Negra, cuja lenda de atos cruéis atravessa os sete mares há séculos também entra no clima família porque até um vilão pode ser fofo.

Se você somar isso com um ator carismático e excelente como Johnny Depp, tem a infalível fórmula de sucesso da série cujo quarto filme, “Piratas do Caribe – Navegando em águas misteriosas” chega agora no cinema.

Se o primeiro filme, dirigido por Gore Verbinski, “A maldição do Pérola Negra” (2003), era ótimo em sua originalidade por ter um pirata totalmente diferente do que nos acostumamos a ver no cinema com Depp fazendo um Jack Sparrow como um cruzamento, nas palavras do próprio ator, do guitarrista dos Rolling Stones Keith Richards com Pepe Le Pew, o gambá personagem dos Looney Tunes, muito humor, hilárias perseguições, mas a aposta clara no talento de Depp, os demais apenas se limitaram a repetir a fórmula ampliando aqui e ali algo que tenha dado certo. E dando menos espaço a Depp.

Veio ainda pelas mãos de Verbinski, “Piratas do Caribe – o baú da morte” (2006) e “Piratas do Caribe – No fim do mundo” (2007) com mais explosões, menos Depp e algum humor. Com a franquia nas mãos de Rob Marshall, a aposta de “Navegando em águas misteriosas” é novamente no carisma do ator combinado com um volume de situações cômicas como jamais se viu nos filmes até aqui.

Ri-se bastante no novo “Piratas do Caribe”. Depp está inspirado e quando contracena com Penélope Cruz, que faz Angélica, a filha do Barba Negra (Ian McShane), Geoffrey Rush (Capitão Barbossa) ou pequenos bucaneiros como Scrum (Stephen Graham) e Gibbs (Kevin McNally) encontra boas escadas para as divertidas enrascadas em que se mete e as mais divertidas formas com as quais ele escapa delas.
Depp e Penélope como Sparrow e Angélica

A diversão em “Piratas do Caribe” é garantida. Nem é preciso prometer o dinheiro de volta. Seria preciso uma alma muito melancólica e sem vida para ao menos não simpatizar com o filme de Marshall.

Mas para isso, é preciso relevar o roteiro de Ted Elliott e Terry Rossio e encarar o filme como várias esquetes estreladas por Depp. O roteiro não tem muita lógica e é cheio de pontas soltas e sem muita explicação, fazendo com que o filme não passe de uma colagem de tipos ligados às histórias e lendas dos piratas e das navegações numa embalagem pop-fashion para viagem.

Tentando explicar. Como mostrado nos estertores de “Piratas do Caribe – no fim do mundo”, a busca agora é por uma tal fonte da juventude que após um ritual com ares de macumba da idade média te promete dar muitos anos de vida em troca dos anos que uma segunda pessoa que beba a mesma água teve e terá. Três tripulações vão em busca do tal prêmio: os espanhóis em nome da Igreja, os ingleses, liderados por Barbossa, que querem o poder, e o grupo do Barba Negra, pirata que busca a tal fonte para sobreviver à profecia de que ele morreria pela espada de um homem sem perna. No caso, Barbossa, que a perdeu numa batalha pelo barco Pérola Negra e agora só é aliado dos ingleses para cumprir a sua vingança.

Além de não explicar como a tal fonte da juventude poderia salvar a vida de Barba Negra, uma vez que ela não promete vida eterna, mas mais alguns anos de vida além do normal, o roteiro ainda coloca no meio disso tudo o nosso herói Jack Sparrow. Aparentemente, ele só está ali porque é o único que sabe o caminho para a tal fonte. Por isso é forçado a embarcar no barco de Barba Negra e mostrar o caminho com sua indefectível bússola. Só não me peçam para explicar, portanto, como os espanhóis também chegam no local.

O filme se resume, portanto, a isso. Alguns querendo ir até a tal fonte e outros não querendo, mas sendo forçados a ir. E no fim todos vão se encontrar nela. Você tinha dúvida disso? 

No meio do caminho, surgem dois personagens que não haviam aparecido na franquia. O Barba Negra e as sereias.

O Barba Negra de Ian McShane está numa versão bem light e politicamente correta para caber num filme da Disney. As sereias são aqueles demoniozinhos encantadores que levam marujos para o fundo do mar, mas todas bem comportadas. Para justificar a presença delas, inventa-se dentro do ritual da fonte da juventude que é preciso beber a água misturada com a lágrima de uma sereia e Serena (Astrid Bergés-Frisbey) será a representante delas nesse sacrifício após cair de amores pelo missionário Phillip (Sam Claffin). Afinal, o que é um bom filme-pipoca sem uma historinha de amor supostamente impossível?

Da mesma forma que não se entende muito bem como tudo começou, o filme termina igualmente meio sem sentido. Só com uma sucessão de algumas boas piadas numa clima cool e divertido e o gancho indicativo que a série continuará. Afinal, você abriria mão de uma mina de ouro que ainda não deu sinais de cansaço para o seu público?

domingo, 8 de maio de 2011

Dorian Gray

O túmulo de Wilde em Pere Lachaise/Marcelo Alves
“O retrato de Dorian Gray” é um dos meus livros favoritos. É por isso que na única vez que pisei em Paris na vida tive que visitar o túmulo de Oscar Wilde em Pere Lachaise. Tudo bem que objetivo maior era ir até a meca dos roqueiros, o túmulo de Jim Morrison, mas também estava ansioso para ver o de Wilde que, como você pode ver na foto desse post é cheio de marcas de beijo de mulheres (é o que dizem) que vão visitar a sepultura do escritor e reverenciam aquele que, como diz no epitáfio, “foi o melhor homem que já viveu”.

Assim, você pode entender o tamanho da minha expectativa para ver o filme baseado na obra de Wilde. Ela é inversamente proporcional a minha decepção com a película.

Dirigido por Oliver Parker, de “Otelo” (1995), “O retrato de Dorian Gray”, o filme, tem como mérito cenas que são muito fiéis ao livro. Há momentos em que a obra de Wilde está ali transposta para a tela com cada fala, sem qualquer adaptação. Ponto para ele.

O problema é que enquanto o diretor e o roteirista Toby Finlay tiveram esse cuidado em manter alguma fidelidade, por outro lado a película peca em duas questões fundamentais: na essência do livro e na escalação do ator que faz o personagem principal.

O pôster do filme
“Dorian Gray” é basicamente uma histórica com três personagens centrais. O que dá nome ao livro/filme é um jovem que chega em Londres meio perdidinho e vai viver a vida em toda a sua intensidade e periculosidade aproveitando-se de ter um desejo de não envelhecer subitamente atendido. Há ainda o pintor Basil (Ben Chaplin), que nutre especial paixão por Dorian e faz do retrato do jovem a sua obra-prima, porém amaldiçoada por aquele desejo já dito aí em cima. Ao invés de Dorian, é o quadro que envelhece (e espero que isso não seja segredo para ninguém, já que o livro de Wilde é bastante popular).

O terceiro vértice desse triângulo é lorde Henry Wotton (um excelente Colin Firth, apesar do mico da barba falsa), o mais misterioso da trinca que por vezes dá a impressão de ser um demônio rondando a cabeça de Dorian, mas por outro lado aparenta querer realizar, através de Dorian, seus desejos reprimidos por um casamento desprezível e insignificante. Em meio a essa contradição, Wotton teme, mas também fica intrigado com o incrível talento de Dorian para não envelhecer. A pergunta que ele sempre faz é: “Qual é o seu segredo?”. No que Dorian responde: “Se eu te contasse, teria que te matar”.

Pois bem, enquanto Colin Firth é um show à parte e Ben Chaplin não compromete o filme, até porque o seu papel é o menor dos três, Ben Barnes é uma decepção como Dorian Gray. Canastrão, não tem a densidade dramática para as transformações pelas quais o seu personagem passa e se perde no filme, nunca encontrando o tom necessário para o seu Dorian. Como resultado, o cidadão que vê o filme por vezes se pega torcendo por Firth, quando não deveria ter esse tipo de sentimento por ninguém, pois não há heróis e vilões perfeitamente definidos na história. Um dos segredos do livro de Wilde, e que o filme também mostra, é exatamente o caminho contrário que Dorian e Wotton tomam e acabam se cruzando nessa estrada.

Ben Barnes, que não tem muitos trabalhos marcantes (os filmes das Crônicas de Nárnia são os mais conhecidos), não soube encontrar o tom necessário, transformando Dorian numa caricatura mimada que se perde onde deveria haver um debate sobre a vaidade e a eterna busca pela beleza.

Outro problema do filme é o tratamento de thriller/terror que ele ganha de Parker. Sinceramente, não me lembro de o livro ter esse clima tão enfatizado principalmente no momento em que ele mostra as transformações do quadro. No filme, porém, há sempre uma trilha sonora típica de “scary movies” para subir o tom de medo e horror. A história já tem um desfecho dramático, terrível e assustador. Não precisa de um reforço para tornar o filme um terror cult.

Por isso “O retrato de Dorian Gray” decepciona. Embora a história do livro seja fantástica, o filme não retrata isso na sua plenitude, embora reserve bons momentos como o retorno de Dorian, ainda jovem, a uma Londres em que todos aqueles que ele conheceu estão velhos e acabados e ficam espantados com o seu estado de conservação.

Tirando esta belíssima cena e um ou outro bom momento, o filme de Parker infelizmente é burocrático. Terei que esperar uma nova versão minimamente a altura do livro.

domingo, 1 de maio de 2011

Um Thor shakespeariano

Chris Hemsworth está perfeito no papel de Thor
Quando eu fiquei sabendo que Kenneth Branagh iria dirigir o filme do Thor, senti que havia possibilidade de vir coisa boa por aí. Afinal, ele é um ótimo e experiente diretor que esteve muito voltado em sua carreira para filmes de arte como adaptações de obras do dramaturgo inglês William Shakespeare. E era um fã do personagem dos quadrinhos. Aliás, o segredo da Marvel para fazer os seus filmes baseados em histórias em quadrinhos serem na maioria das vezes bons sempre esteve numa receita simples: escolher bons diretores, roteiristas e atores para que seus filmes não virassem micos como a maioria esmagadora dos que foram feitos no século XX, quando o hoje estúdio não passava de uma editora que vendia direitos para seus super-heróis serem filmados sem critério.

E deu muito certo. Kenneth Branagh é a base inicial de um cardápio de acertos que faz de “Thor” ser mais um ótimo filme baseado em quadrinhos. Com a ressalva, porém, que ao contrário de outros trabalhos recentes como as trilogias dos X-Men e do Homem-Aranha, as películas do Batman ou os dois Homens de Ferro, que é um filme muito mais para os fãs de quadrinhos e de mitologia nórdica do que para o público leigo.

Isso porque para quem não gosta dos quadrinhos do Thor ou de histórias mitológicas, as seqüências do filme passadas em Asgard, as roupas usadas pelos deuses nórdicos, a fala empolada dos asgardianos e todo aquele papo de reino para cá, lady para lá não passaria de uma versão norte-americana e sem samba do carnaval carioca. Se as outras películas citadas acima tinham temas mais simples que aproximavam o leigo das aventuras "fantásticas" - combate ao preconceito, debates como a questão do terrorismo ou afirmação de valores nobres e morais – em “Thor” não há nada além da história do deus do trovão que nos acostumamos a ler nas revistas. Exceto por um detalhe interessante que não tinha percebido inicialmente, mas li numa crítica e faz todo o sentido: “Thor” é um filme sobre os bastidores do poder. Abordarei isso mais a frente.

Essa, digamos, limitação, é, no entanto, um acerto de Branagh. O diretor norte-irlandês foi fiel à história do deus do trovão. Estão ali no filme tudo o que nos acostumamos a ver nos quadrinhos. Seu banimento à Terra (Midgard para os deuses nórdicos) pelo pai Odin (Anthony Hopkins) para aprender entre os mortais a ter humildade para ser um bom rei de Asgard, a relação inicialmente de confiança e depois de eterna inimizade com o ardiloso meio-irmão Loki (Tom Hiddlestone, perfeito no papel), a relação com a pesquisadora Jane Foster (Natalie Portman) e a amizade fiel aos amigos Volstagg (Ray Stevenson), Hogun (Tadanobu Asano), Fandral (Josh Dallas) e lady Sif (Jaimi Alexander), os “conflitos” com os humanos que geram situações bem humoradas, a mitologia que envolve Mjolnir, o famoso martelo que só pode ser erguido por aqueles que são nobres e puros de coração e espírito, a presença de Heimdall (Idris Elba), o guardião da ponte do arco-íris cego, mas que tudo vê. Enfim, todos os elementos dos quadrinhos.

Além disso, Chris Hemsworth está perfeito no papel de Thor. Não consigo imaginar outro ator que pudesse interpretar tão bem o papel do deus do trovão. Foi um achado.
Tom Hiddlestone no papel do meio-irmão de Thor, Loki

A relação de Thor com Loki, aliás, é outro acerto de Branagh, que faz o seu filme se aproximar de uma realidade mais humana. Aqui ele usou de seu conhecimento e de sua vasta experiência como intérprete e diretor de adaptações para o cinema de obras de Shakespeare – “Henrique V” (1989), “Muito barulho por nada” (1992), “Hamlet” (1996), “As you like it” (2006) – para traçar uma ponte entre a mitologia nórdica e a tragédia shakespeariana.

Impossível olhar para Loki e não pensar em Iago, o personagem interpretado pelo próprio Branagh em “Otelo” (1995). Toda a inveja de Iago por Otelo e a preparação de uma história maquiavélica de manipulação do mouro encontra claramente eco na relação entre Thor e Loki. Este sempre invejou Thor, o prometido do trono de Odin, e supostamente o favorito dos asgardianos para comandar o reino. Combinando isso com a sensação de não ser amado, ou mesmo de ser um pária dentro da família, temos um vilão manipulador que rasteja nas sombras para conseguir o que almeja sem temer as conseqüências. Afinal, Loki é o deus da trapaça. Em uma entrevista, Hiddlestone também chegou a dizer que o seu Loki era inspirado em Edmund, de “Rei Lear”, o príncipe invejoso que arquiteta um plano para enganar o pai e ver o irmão ser exilado.

Loki é frio e calculista. É daqueles vilões que amamos odiar e que traz a angústia de quem acompanha abertamente o que ele faz, mas nada pode fazer porque só o espectador vê as suas tramóias. Pelo menos até Thor finalmente descobrir que o meio-irmão não vale nada e lhe aplicar um corretivo dos deuses.

E por trás de tudo isso não há nada mais humano do que uma briga pelo poder. É aí que a crítica que li no fim de semana foi bem feliz. “Thor” realmente é um pouco isso. Não passa de uma batalha nos bastidores de Asgard pelo trono de Odin, o já velho monarca do reino (parênteses: como Anthony Hopkins andou se especializando em fazer personagens desse tipo hein? O cara só vive disso agora). Como Thor é o prometido natural por ser o primogênito e o “asgardiano puro”, Loki faz de tudo para derrubá-lo e usurpar o reino para posteriormente destruí-lo. Tudo bem, essa parte do desejo de destruição de Loki o filme não mostra, mas está nos quadrinhos.

E no meio dessa disputa entre deuses e semi-deuses, há os pobres coitados dos humanos. Mas eles são a ligação necessária para um filme maior que está sendo construído há mais de uma década, um projeto que deixa os fãs dos quadrinhos extremamente animados: o filme dos Vingadores previsto para estrear em 2012.

Há anos estamos observando o pequeno e divertido quebra-cabeças que levará aos Vingadores sendo montado. Desde os filmes do Hulk, passando pelos dois Homens de Ferro, sempre surge a figura misteriosa de Nick Fury, o chefão da Shield interpretado por Samuel L. Jackson, e que será responsável pela formação da super-equipe do governo americano cuja primeira formação tinha o Homem-Formiga, Vespa, Thor, Homem de Ferro e Hulk e logo depois contaria com Capitão América, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, Mercúrio, Namor e Feiticeira Escarlate.

Quem prestou atenção em Thor primeiro percebeu que o filme começa quase a partir da cena extra de “Homem de Ferro 2” (2010), quando o agente Coulson (Clark Gregg), da Shield, chega no Novo México onde ficaremos sabendo que Odin jogou o martelo de Thor. No meio do filme, os fãs devem ter esfregado as mãos quando viram um certo personagem erguer um arco e uma flecha e apontar para Thor quando ele invade a área para tentar recuperar o seu martelo. Era Jeremy Renner, o astro do vencedor do Oscar “Guerra ao Terror” (2008) no papel de Clint Barton, conhecido por todos como Gavião Arqueiro.

Com Renner, já temos sete membros dos Vingadores para o filme que ainda contará com o mesmo Chris Hemsworth no papel de Thor, o Homem de Ferro Robert Downey Jr e a Viúva Negra Scarlett Johansson. Bruce Banner, o Incrível Hulk, será vivido por Mark Ruffalo enquanto o Capitão América será interpretado por Chris Evans, que já foi o Tocha Humana nos dois e fatídicos filmes do Quarteto Fantástico.

O Sentinela da Liberdade, aliás, é o próximo e fundamental capítulo dessa história paralela. Previsto para estrear ainda neste ano, “Capitão América: o primeiro vingador” contará a origem do herói mostrando como o jovem soldado Steve Rogers se transformou no herói graças ao soro do supersoldado e derrotou o nazismo. Deve ser o último passo antes do filme dos Vingadores.

Na cena extra do filme do Thor (não vá embora durante os créditos!), já vemos Loki arquitetando um plano contra o meio-irmão que envolverá os Vingadores em uma de suas primeiras missões. Pelo menos nos quadrinhos é assim. Agora é aguardar os próximos capítulos dessa história.