domingo, 21 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 29º dia

Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

29º dia

Uma Olimpíada não é Olimpíada sem que você passe por pelo menos uma situação bizarra. A minha aconteceu no apagar das luzes.

Estava eu no MPC, o local onde ficam os jornalistas batendo matéria, bebendo café e jogando conversa fora (throwing out conversation, numa linguagem mais universal) enquanto não estão numa arena ou outra, quando fui abordado por uma TV japonesa. Logo quem! Será um convite do destino para 2020?

Mas eu não fui simplesmente abordado por uma TV japonesa. Eu fui abordado pela TV já com o cinegrafista gravando tudo o que eu estava dizendo ou fazendo. E se eu estivesse dando uma de Joachim Löw naquele momento? (Entendedores entenderão).

Pois bem, a jovem japonesinha me abordou com uma pauta daquelas difíceis de participar. Estava com duas cartolinas com fotos coladas tipo um trabalho escolar da sexta série. Elas tinham imagens de atletas japoneses. Uma com homens, outra com mulheres. E assim se deu a conversa.

- Oi, você por acaso conhece alguns atletas japoneses?

Tentei disfarçar dizendo que conhecia alguns. Como eu ia dizer para a amiga japonesa que eu só conheço o Jaspion, o Jiraya e os jogadores de futebol do Japão.

- É... Alguns. Não muitos. 

- Quem você conhece?

- Ahhh, é... Tem aquele ginasta. O Uchimura. 

- Sim, sim, Ujimira - disse ela, corrigindo a minha pronúncia. 

- E estas atletas aqui, você conhece? - completou a jornalista sorrindo e me mostrando uma série de imagens de mulheres japonesas que eu nunca ouvi falar. 

- Não. Não conheço. Talvez eu não seja a melhor pessoa para te ajudar. Desculpe.

Mas ela parecia desesperada para completar a apuração. Insistiu. Apontou para uma judoca que foi medalha de bronze (pelo que ela me contou) e disse:

- O que você acha dessa aqui? Que imagem ela te passa pela foto?

- Olha, não sei. Uma imagem de uma mulher forte, vencedora (ela foi bronze, gente!), determinada - eu respondi, dando argumentos bem genéricos.

Foi quando tudo complicou e eu saquei qual era a real pauta da TV Japa.

- E você acha ela bonita?

Convenhamos, ninguém fica bonita após uma luta de judô em que sai descabelada, suada e com a roupa desgrenhada, mas a judoca não era exatamente um exemplo de beleza para o meu gosto pessoal.

- É... Não sei. É difícil falar. A imagem não está muito nítida - tentei responder sem ferir os sentimentos da pátria japonesa e sem ser mentiroso. 

- E olhando essas fotos aqui, quem você acha que agradaria mais aos brasileiros, dentro do gosto dos brasileiros para mulheres?

Aí, amigo, o bicho pegou. Além da judoca, o cartaz tinha quatro mulheres da luta livre, uma dupla de badminton, uma dupla de tênis de mesa e uma moça do atletismo. Nenhuma delas era exatamente um exemplo de Sabrina Sato (e eu nem acho a Sabrina isso tudo). Para piorar, eu nunca fui muito fã da beleza oriental. Para piorar mais ainda, eu não sou exatamente o guardião do brazilian taste of beauty.

Eu olhei para as imagens por longos segundos...

- Se você puder dizer o nome dela para a câmera, por favor - pressionou a repórter.

Eu continuei olhando por longos segundos. Até que tomei a decisão mais difícil dessa Olimpíada.

- Olha, eu acho que a dupla de tênis de mesa.

Feliz com a resposta, a japonesinha me agradeceu e seguiu a sua pesquisa pela área de imprensa. A vítima seguinte foi um jornalista do Cazaquistão. Agora, eu aguardo um vídeo meu no YouTube pagando mico e dizendo que a dupla de Ping Pong do Japão é bonita.

Xxxxxxxx

Foi inegável sentir uma certa saudade quando olhei para trás no último dia de trabalho na Olimpíada. Como eu já disse, Olimpíada é um inferno (e essa então foi bem problemática), mas também sensacional. Tivemos momentos históricos (nunca esquecerei Michael Phelps ou a luta do Robson Conceição), tivemos outros nem tanto.

E tivemos uma barba que não parou de crescer. Nem sei como não fui barrado 
em nenhuma arena ali pela terceira semana.

Foram 63 matérias publicadas em 22 dias (média de 2,86) e alguns quilos a menos que viraram quilos a mais depois que eu comecei a comer no restaurante de um hotel quatro estrelas que dava desconto para repórter da firma.

Um total de 1.404 quilômetros percorridos no trajeto diário Niterói's Kingdom-Jacarepaguá (Alligator to the water)-Niterói's Kingdom. Dava para pegar um shuttle até Itacaré, na Bahia (esse lugar ai da foto que tirei do Google), e ainda sobrar milha.

Este diário se despede com o desejo de voltar em Tóquio. Até porque o Japão tem tudo para ser épico. Um país de cultura milenar, com samurais, Pokemóns, Cavaleiros do Zodíaco, vários tipos de Kit Kat, onde tudo vai funcionar, sem samba e com a devolução do maravilhoso olhar de estranhamento. Vocês não têm noção de como eu invejei cada jornalista estrangeiro que olhava para um "Diamante Negro" ou para o biscoito da vaquinha tentando decifrar se aquilo era bom e valia a pena ser consumido.

Mas quatro anos são muito tempo. Muita água para rolar. Hora de guardar as armas e tentar se recuperar desta guerra. Nunca me disseram que era fácil.

Finalmente acabou. 

Acabou?

sábado, 20 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 27º dia

Isinbayeva no adeus/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

27º dia

Tá acabando, gente. Falta pouco. Sprint final. 🏃🏻🏃🏻🏃🏻

Acho que o esporte olímpico tem três nomes que magnetizaram as plateias do mundo inteiro neste ainda infante século XXI. Quis o destino que eu estivesse presente no adeus de dois deles. Mas essas despedidas não poderiam ser em condições mais díspares.

Um deles foi Michael Phelps. O maior mito do esporte mundial que se aposentou conquistando cinco medalhas, sendo quatro de ouro, e revelando-se um homem maduro e um líder que ninguém imaginou que ele seria quando era aquela máquina incessante de medalhas e recordes em Pequim-2008.

A outra é Yelena Isinbayeva, uma atleta fantástica, bicampeã olímpica, recordista mundial do salto com vara, mas impedida de competir no Rio por causa do escândalo de doping envolvendo a Rússia. Isinbayeva não se conforma com isso até hoje. Com alguma razão, pois nunca foi pega em nenhum exame. Mesmo os feitos por entidades independentes. Ainda que o seu país tivesse um sistema sofisticado de acobertamento de doping. Toda vez que eu leio sobre esse caso da Rússia lembro do Drago, o rival de Rocky Balboa em "Rocky IV". Aquilo era muito doping.

Gostaria de ter visto de perto Isinbayeva competir. São coisas da vida e da cobertura. Da mesma forma que não verei Usain Bolt, o terceiro elemento deste trio que, para mim, monopoliza(va) as atenções do esporte a cada ciclo olímpico desde Atenas-2004. Bom, no caso de Bolt desde Pequim.

O adeus dela revelou uma mulher ainda cheia de mágoa com alguns elementos do esporte. Cheia de mágoa por não poder estar no Engenhão na final do salto com vara. Atirando para todos os lados, sendo deselegante com as coleguinhas, sendo contraditória e também fazendo política. Sendo Putin até a veia.

Ninguém é perfeito. Embora ali na frente, do alto dos seus olhos verdes e falando em russo, Isinbayeva pareça perfeita (eu adoro uma língua estranha).

Mas o adeus da forma como foi pareceu ser duro de admitir. Embora ela tivesse convocado a coletiva para isso, a saltadora hesitou, não quis falar, até que, pressionada, finalmente desabafou que estava parando. A aposentadoria foi meio isso. Ela não queria que fosse daquele jeito, mas teve que ser.

Antes, tentou colocar a culpa dessa hesitação no fato de ser geminiana. Eu nem sabia que russos acreditavam em astrologia. Como não entendi nada (era mais fácil entender ela falando em russo do que entender astrologia), fui consultar uma pessoa especializada. Disse a minha fonte:

"Geminianos falam muito, buscam o conhecimento e têm fama de serem fofoqueiros e duas caras. E são muito drama queens".

Que perigo é Isinbayeva. E ela é bem drama queen mesmo. Mas na minha mente, ficará sempre registrada a imagem da mulher de meio sorriso que deixou o palco olhando para os jornalistas, buquê de flores na mão, e dizendo uma de suas poucas palavras em inglês.

- Bye

Até logo, Isinbayeva.

Faltam dois dias para fim #cornetaonfire

PS: O Leonardo di Caprio já ganhou um Oscar. O mundo não suporta a queda de três tabus históricos num mesmo ano. Logo, ou o Brasil no futebol ou a Itália no vôlei têm que continuar em jejum de ouros olímpicos para que a humanidade permaneça em equilíbrio.

Seria melhor que fossem os dois. Mas se for para escolher, que o futebol continue sem o ouro.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 23º dia

Samba na estação de trem/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

23° dia

Brasileiro adora reclamar que, às vezes, é estereotipado por gringo. Além disso, a chiadeira sempre é geral quando um estrangeiro fala mal, critica - vide a "polêmica" do biscoito Globo, como se todo mundo fosse obrigado a gostar dele - ou faz alguma brincadeira. Mas quando tem a oportunidade de mudar a imagem do estereótipo, o que ele faz? Reforça-os, é claro.

É a única explicação que eu tenho para a desagradável e insistente presença de escolas de samba em equipamentos olimpicos. É um tal de mulata rebolando no Parque Aquático, escola de samba desfilando no Engenhão... Até o trem tinha lá o seu batuque. Ainda veremos algum grupo dançando o chá-chá-chá enquanto o Bolt corre na pista.

E os estrangeiros encantados, é claro. Afinal é exótico. Eu também ficaria encantado com um ritual viking. Desde que eu não fosse sacrificado.

Ok, a poluição sonora não é uma exclusividade da Olimpíada do Rio. Vocês não têm noção de como o vôlei de praia era terrivelmente chato em Londres. Mas bem que os Jogos podiam ser mais silenciosos e seus sons ficarem mais concentrados no que realmente importa. A reação da torcida, a vibração do atleta e informações relevantes. Afinal, é competição esportiva. Não é circo.

De resto, a galera podia ser menos chata quando os Simpsons fizerem uma nova sátira do Brasil no futuro. Porque tudo aquilo acontece mesmo. Macacos na rua (eu já vi vários micos), povo alegre, samba e futebol. E isso não é defeito. É característica. Ainda que eu ache samba uma porcaria.

Nunca antes na história da minha vida eu havia feito atletismo. Perdi a virgindade hoje numa ida ao Engenhão, que obviamente estava vazio, como é tradição do estádio. Lá, eu tive pena dos atletas.

Zona mista do atletismo/Marcelo Alves
Imagine que você corre, salta, arremessa, faz tudo dentro do seu limite. Até além do seu limite. Tudo para conseguir sua melhor marca e entrar para a história naquele que é o esporte mais nobre e mais importante da Olimpíada. Depois disso tudo você passa por longas entrevistas para a TV no cercadinho VIP. Mais longas entrevistas para a AFP, AP e Reuters no cercadinho das agências internacionais.

Por fim, você passa por um corredor polonês labiríntico de jornalistas com gente que vai desde o cara fodão prêmio Pulitzer do "New York Times" até o jovem repórter da "Gazeta de Quixeramobim"... Não é fácil.

Deu pena ver a polonesa Anita (chamemos apenas pelo primeiro nome, pois seu sobrenome tem um monte de encontros consonantais) exausta e tendo que sentar numa cadeira para falar com pelo menos 10 jornalistas poloneses. Ela havia acabado de bater o recorde mundial do arremesso de martelo, ganhando o troféu Thor 2016. Mas ainda tinha que falar com os coleguinhas da Polska Press.

O atletismo é muito roots. Muito desgastante para todos. Os atletas principalmente. E belo. Incrivelmente belo. Tentarei entender da próxima vez que um atleta não quiser dar uma entrevista na zona mais mista de toda a Olimpíada.

Faltam seis dias para o fim. #cornetaonfire

PS: neste post, as imagens do dia. A enorme e labiríntica zona mista do atletismo e o samba onipresente na Olimpíada. Até a moça do "Posso Ajudar" arriscou uns passos.

domingo, 14 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 21º dia

Jornalistas e fãs de Phelps/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

21º dia

O calendário da Olimpíada gira em torno de dois eventos: natação e atletismo. Todos os demais esportes orbitam a espinha dorsal formada por essa dupla de protagonistas. Isso significa que quando a natação acaba nós dizemos: Yes! A Olimpíada está na metade! Só precisamos sobreviver mais uma semana!

Mas o sentimento positivo pela proximidade do fim da Olimpíada caminhará junto com a saudade que a natação deixará. Principalmente um entre todos os nadadores: Michael Phelps.

Maior atleta da história, maior medalhista olímpico, único ser humano do planeta a ter conquistado 23 medalhas de ouro, Phelps é inigualável. Fará muita falta. Mas ele agora garantiu que realmente está se aposentando. Já teria até dado entrada na Previdência. Quem viu, viu. Quem não viu, agora só pelo YouTube.

Foi um privilégio ter acompanhado as últimas cinco medalhas de ouro do nadador americano de perto. A recuperação do título nos 200m borboleta, a emocionante vitória nos 200m medley que o fizeram ser o primeiro tetracampeão olímpico de uma prova. A última prova, o revezamento 4x100m medley, com direito a recorde olímpico. Foram os meus três momentos especiais.

Phelps mudou a história da natação. A ponto de as provas envolvendo o nado borboleta ganharem uma importância que não tinham. Antigamente, você esperava sempre pelos 100m e pelo 50m livre. Eram as mais aguardadas, as mais no nobres da natação. De Atenas-2004 para cá, as provas mais aguardadas passaram a ser as que Phelps nadava.

Diante de um monstro tão grandioso, até jornalistas não conseguem conter o seu lado fã e fazem um último registro de maior de todos (foto abaixo). Afinal, agora só o filho Boomer e a mulher Nicole o verão nadando nas piscinas por onde eles passarem.

Faltam oito dias para o fim. #cornetaonfire

sábado, 13 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 20º dia

Katie muito a frente das rivais/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

20° dia:

Três perguntas fundamentais dessa Olimpíada:

1. Por que o serviço de transporte é tão ruim e atrasa com frequência (fora os momentos que o ônibus não aparece), deixando a imprensa na mão? 

2. O maior mistério dessa Olimpíada é: por que nunca há cebola entre os itens da salada no refeitório de 98 temers o quilo? Os demais vegetais que me desculpem, mas cebola é fundamental

3. De que planeta veio Katie Ledecky? Dizem que é Krypton e que ela é irmã de Michael Phelps.

Sem exageros, uma Olimpíada tem pelo menos umas vinte histórias legais por dia. O lance é você ter a sorte de estar em uma delas.

Katie Ledecky é uma dessas histórias muito legais. Essa menina tem apenas 19 anos e fez muita coisa espetacular nessa Olimpíada. A última delas foi o ouro com recorde mundial nos 800m livre.

Katie pulverizou recordes, conquistou quatro ouros e repetiu um feito que não acontecia desde 1968. Foi campeã dos 200m, 400m e 800m. Não é à toa que a sueca Sarah Sjöström a definiu como "a rainha do nado livre".

Para mim, a imagem que ficará de Katie será essa que eu fiz questão de fazer na final dos 800m e que resume a sua superioridade hoje sobre as rivais. Durante a prova, teve um momento que enquanto ela (raia 4) estava quase na metade da piscina em mais uma volta, as outras não tinham completado a volta anterior. Ou seja, se estivéssemos na Fórmula-1, Katie seria um carro da Mercedes. Todas as demais seriam carros da Sauber. Ou da Manor.

Faltam nove dias para o fim #cornetaonfire

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 18º dia

Ver, um conceito relativo/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

18º dia

O jornalismo tem alguns mitos que vão se desfazendo no dia a dia. Por exemplo, sempre achei que as convocações da seleção brasileira eram um evento solene com o treinador anunciando o nome de cada um como se o exército tivesse te chamando para a guerra. Também achava que os críticos de shows assistiam às apresentações em lugares privilegiados para melhor avaliarem o espetáculo.

Tudo mito. A convocação da seleção é um papel distribuído por um assessor de imprensa ou o nome dos atletas jogados no telão. Depois, o técnico só dá coletiva. E os shows, bem, é provável que você já tenha visto algum ao lado de um jornalista trabalhando.

A Olimpíada também tem seus mitos que caem por terra. Especialmente na natação. Ah, você vê todos aqueles nadadores se perto e em posição privilegiada. Você fala com Michael Phelps... Quem dera.

As provas de natação são uma loucura. Tudo acontece ao mesmo tempo e é com o tempo cronometrado nos seus segundos. Portanto, se a quinta bateria dos 200m borboleta estiver marcada para às 14h53min, ela acontecerá exatamente às 14h53min. E logo depois, às 15h02min tem a sexta bateria e por aí vai.

Assim, quando você vê uma prova em que tem um atleta que te interessa entrevistar, você se dirige para a zona (em todos os sentidos) mista e espera ele passar. Nesse meio tempo entre ele sair da piscina, falar com as TVs (sempre a prioridade que fica num cercadinho VIP), falar com as principais agências internacionais e chegar até você (a imprensa escrita é sempre a última na cadeia alimentar), você já perdeu umas cinco provas. Ou as viu pela TV da zona mista igual ao espectador comum. Sim, a maioria das provas de natação nós vemos igual ao amigo internauta: da telinha da TV.

Mas aí um mito como Katie Ledecky, que pulveriza marcas como quem brinca de Barbie, passa na zona mista. Você é um privilegiado. Vai falar com uma campeã olímpica. Uma mulher fantástica dona de três medalhas de ouro e uma de prata no Rio...

É, não é bem assim.

Você quer falar com Katie no momento em que o planeta quer falar com Katie. E é claro que a imprensa americana será privilegiada. Aos demais que não conseguem sequer esticar o gravador perto da nadadora campeã resta a situação sui generis de gravar a declaração dela que está sendo reproduzida nos alto-falantes da zona mista através de um microfone. Encosta o gravador na caixa de som e sai com sua "entrevista" com Katie Ledecky. A entrevista de alguém que não sabe que você existe.

Mas no fim você viu relativamente de perto Katie e Phelps nadarem e fazerem história. E não deixa de ser um privilégio. Só não tem nenhum glamour. Afinal, quando você sai do Parque Aquático às 2h, você está indicando que é um adepto do #Muricystyle. #Aquiétrabalho.

Este diário estava sumido porque a natação anda bem pesada. Sobre ela, alguns comentários:

1. Michael Phelps é um animal sobrenatural. Não é apenas o maior nadador da história. É o maior atleta da história. Nunca mais alguém sequer igualará as suas marcas. É um privilégio vê-lo nadar. 

2. O ano é das mulheres na piscina. Além de Katie Ledecky, a húngara Katinka Hosszu e a sueca Sarah Sjöström entraram para a história com ouros e recordes. Só Phelps brilhou mais do que elas. Pelo motivo óbvio listado no item 1. 

3. O ano também é de outra coisa na piscina, mas eu não posso falar ainda porque essa matéria ainda está em fase de produção. 

4. Meu maior desejo olímpico é nadar nessa piscina. Bater um 400m medley e sair feliz. Mas dificilmente realizarei esse sonho. 

5. Yulia Efimova, suas colegas não gostam de você, mas eu gosto. Fiquei realmente com pena, ao ver a sua cara contrita e sua expressão de quem sofria um bullying imerecido. Foi a medalha de prata mais pesada e dolorosa. Força!

PS: Abaixo a tela da TV onde os jornalistas vêem as provas e a caixa de sol para pegar as entrevistas mais concorridas. Ao lado da TV, papeis penduradas na parede com o resultado das provas.

Faltam 11 dias para o fim #cornetaonfire

domingo, 7 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 13º dia

Ringue do boxe/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro

13° dia

Existe uma máxima neste país em que eu resido que diz que o melhor do Brasil é o brasileiro. O primeiro dia de competições mostrou uma parcela do que promete ser o ponto alto de uma Olimpíada bem problemática do ponto de vista de organização e mobilidade.

Que o diga o egípcio Abdelrahman Salah Orabi, que ganhou da torcida brasileira o "carinhoso" apelido de Ramsés na luta de boxe contra o croata Hrvoje Sep. Teve até quem ecoasse os filmes "A Múmia" e "O retorno da Múmia" e gritasse "Imhotep" para ver se o lutador egípcio renascia.

Não deu para o Ramsés. Ele está fora da Olimpíada. Mas ganhou uma medalha dos cariocas.

O boxe promete ser um esporte divertido para as pessoas acompanharem. Ainda mais agora que não tem aquele capacete. Está mais humano, mais roots. Tudo bem que falar de fora é fácil. Afinal, não sou eu que estou levando pancada na cabeça mesmo.

Hoje, aliás, foi o primeiro dia realmente legal e empolgante da Olimpíada. Os dias anteriores foram muito boring, pois só tinham jornalistas e engravatados - ou seja, ninguém interessante - circulando em arenas que mais pareciam cemitérios. Faltavam os dois elementos fundamentais e que realmente dão vida ao esporte: o atleta e o torcedor. Com eles sim, os Jogos têm sentido.

E assim se encerrou apenas o primeiro dia em que eu praticamente apaguei as luzes de uma arena. Muitos outros virão. #aquiétrabalho, #Muricystyle

Faltam 16 dias para o fim. #cornetaonfire

sábado, 6 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 12º dia

A vida não é fácil/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro:

12° dia

Em menos de uma semana de Parque Olímpico eu já tive tantos problemas técnicos e de saúde que se eu não reagir logo serei apelidado de delegação da Austrália. Mas sobreviver é preciso.

Aliás, por um momento eu pensei que tinha mesmo segurado na mão de Odin e ido embora. Foi quando eu entrei no ônibus e ele estava mais lotado que o Charitas-Gávea na hora do rush. Só que ele estava lotado de deusas nórdicas. Valquírias saídas de óperas de Wagner. Pensei: "Morri e fui para o Valhalla". Mas era apenas (e aparentemente) um grupo de turistas que desembarcaram na porta de um hotel.

Neste período de cobertura já deu para notar algumas diferenças em relação aos coleguinhas de outros países. Por exemplo, só eu e meus colegas do Hell de Janeiro sentimos frio nos ônibus gelados rumo ao fim do mundo (A Olimpíada, convenhamos, acontece no fim do mundo). Os europeus ficam de boa de bermuda como se estivessem na praia.

Outra diferença está no volume dos pratos no restaurante. Como o preço de R$ 98 temers por quilo foi certamente feito baseado no euro, o prato dos coleguinhas do primeiro mundo é sempre mais ABASTADO. Tem alguns daquele tipo que minha avó chamaria de "prato de peão".

O que eu não consigo entender é como alguém escolhe almoçar essa combinação exótica: mamão, abacaxi e batata frita. Tudo junto e misturado. Mas não quis perguntar para a pessoa o motivo deste prato, digamos, diferente.

Aliás, um jornalista espanhol perguntou se tinha alguma coisa de graça para a imprensa no refeitório. Tive que acabar com as ilusões dele e dizer que vivíamos num país capitalista. Já é muito eles darem camisinha de graça.

O primeiro dia oficial da Olimpíada é tipo o dia do N'Sync e Sandy e Júnior no Rock in Rio. Café com leite e sem relevância. Por exemplo, eu não sei por que insistem em fazer festa de abertura. Um negocio chato, longo e que não dá medalha. Só serve para gastar dinheiro. Festas de abertura de Olimpíada, Copa do Mundo ou Jogos Escolares deveriam ser abolidas.

Não vi a abertura desta sexta-feira. Estava trabalhando. Comendo poeira de versões gourmetizadas do 410 que saiam da Vila Olímpica levando atletas para o Maracanã. Não senti falta. Mas acabei chegando em casa a tempo de ouvir na TV da sala o Galvão berrando: "Como é BOM ser brasileiro". Deu vontade de vomitar. O nacionalismo é uma das maiores pragas da humanidade.

Neste sábado é que começa a Olimpíada de verdade. Oremos para tudo dar certo.

Faltam 17 dias para o fim #cornetaonfire

PS: a foto abaixo é a prova de que a imprensa está sofrendo no refeitório. R$ 51 por isso? (Mas a batata frita estava boa).

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 10º dia

Mercado vazio/Marcelo Alves
Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro:

10º dia

Os gringos hoje descobriram o significado do lema informal do Hell de Janeiro. O "choveu, fudeu". Toda vez que chove, a cidade para. Resultado disso? Ônibus que demorou mais do que o normal e ônibus improvisado fazendo todas as rotas para cobrir eventuais buracos. Imagina quando o Parque Olímpico estiver realmente cheio. E chover...

Por falar nisso, faltando pouco tempo para o início dos Jogos, o MPC, como é chamada a área de imprensa, começa a ficar com aquela cara de babel característica de toda olimpíada. Além das nações tradicionais e de peso olímpico (EUA, China, Rússia, Grã-Bretanha), já é possível ver indianos com turbante e tudo, jornalistas do Turcomenistão, da Grécia, da Argentina... Sem falar nos italianos. É impossível não notar os italianos. Eles sempre falam com alguns decibéis acima do normal.

Brasileiros também fazem uma certa algazarra. Ao lado da mesa designada para a firma para o qual eu escrevo fica o tradicional "The Times". Um jornal de 231 anos de história. Eles provavelmente cobriram os Jogos de Atenas-1896. Quando o "Times" nasceu, não existia nem energia elétrica. Agora a 367ª geração de jornalistas do veículo dividia o Wi-Fi conosco.

Fico me perguntando o que aqueles ingleses tão concentrados no computador e com seus cadernos de anotações absolutamente organizados pensam daqueles vizinhos falantes que reclamam que a internet não está funcionando. Mas no fim são todos humanos comendo sanduíche de frango e saladinha em porções de plástico.

Pareciam estar mais gostosas do que o hambúrguer frio e sem graça que eu comi. É dura a vida do operário das palavras.

Faltam 19 dias para o fim #cornetaonfire

PS: a foto do post podia ser de um mercado da Venezuela, mas é do mercadinho da mídia mesmo. Galera está consumindo bem, hein.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Diário de guerra do Rio-2016 - 9º dia

Diário de guerra da Olimpíada do Hell de Janeiro: 

9º dia

Levar toco é uma especialidade da casa. Já levei da Caroline Wozniacki e não fiquei intimidado. Não ia ser depois de quatro anos mais velho que eu iria me abalar. Por isso que fui dar plantão na Vila Olímpica com uma missão na cabeça: falar com os russos. Foram 11 tocos. Alguns raivosos, outros com uma cara de pau digna de carioca.

Depois do escândalo de doping, acabou o amor. Mas há quem diga que eles sempre foram sisudos. Só pioraram um pouco. O nome do filme agora é "From Russia without love".

"Vem comigo, mas toma cuidado, pois você sabe como é motorista carioca, né? Eles acham que estão dirigindo um carro de Fórmula-1". Foi assim que um voluntário da Rio-2016 me alertou sobre os perigos de atravessar as pistas fora dos locais permitidos.

De fato, o primeiro shuttle que me levou ao Parque Olímpico era um exemplo disso. Senti-me dentro de "Mad Max". Quase consegui imaginar o motorista dizendo o mantra: "to live, to die, to live again". E só pensando no Valhalla.

Por sorte, a primeira impressão não se confirmou como tendência. O nível dos motoristas é alto (pode acreditar!) e os ônibus são confortáveis. Pena, que transporte não parece que vai dar certo. O pessimismo impera quando você vê que perdeu o último ônibus da Vila e que os ônibus do Riocentro ainda não começaram a funcionar. Trinta minutos de caminhada para pegar o shuttle de volta para Copacabana no Parque Olímpico. O nome do filme agora é "Corra, Marcelo, Corra".

Os primeiros contatos com o Parque, aliás, permitem umas constatações:

1. Jesus, como a Olimpíada é longe. É como se diariamente você saísse de King's Landing para as regiões para além da Muralha. 

2. Definitivamente, está será a Olimpíada fitness. Todo mundo vai emagrecer porque ninguém vai comer, pois os preços praticados na área olímpica são pornográficos. O restaurante é R$ 98 o quilo. Um mísero kit kat, custa R$ 4. Um ínfimo bolinho Ana Maria também custa R$ 4. Um saco de Ruffles que tem mais vento que batata, custa R$ 6. Tenho certeza que tudo isso foi calculado pelo euro. Quiça pela libra. É muito surreal. 

3. Até o momento, o destaque positivo do Rio-2016 tem sido os voluntários. Sempre educados, prestativos e prontos para ajudar. 

4. Bolo Ana Maria no mercadinho, sala de imprensa que se chama FANDANGO. Tem alguém na Rio-2016 que sente saudade dos sabores da infância.

PS: Posso ter levado toco das russas (e dos russos), mas não levei toco da Adriane Galisteu. Super simpática, super pra cima, super alto astral, mas exagerou no otimismo ao apontar o basquete masculino como potencial medalha de ouro. Quem não é jornalista pode ser Brasil, mas vamos com calma.

Faltam 20 dias para o fim. #cornetaonfire