domingo, 28 de outubro de 2018

Desafiando regimes

Os jovens que enfrentaram o regime antes do muro
“A revolução silenciosa” é uma história real. E aconteceu cinco anos antes da construção do Muro de Berlim. Conta a jornada de uma turma de uma escola na antiga Alemanha Oriental que resolveu desafiar o rígido sistema socialista da União Soviética fazendo dois minutos de silêncio pelas vítimas de uma revolta contra os soviéticos que começava na Hungria. 

O problema que o gesto simbólico e inocente diante de um regime acostumado a controlar cada passo dos seus cidadãos custou caro. Foi visto como uma contrarrevolução, um ato de violência contra a RDA e levou ao inquérito com diversas torturas psicológicas dos jovens. 

Liderados por  Kurt (Tom Gramenz) e Theo (Leonardo Scheicher), dois amigos que iniciaram o movimento, os jovens só queriam liberdade e que os russos deixassem a Alemanha. Mais do que nunca, porém, eram jovens que estavam experienciando o debate político, Os próprios soldados russos queriam voltar para casa. Mas manter o poder e os territórios em plena guerra fria era fundamental para os soviéticos. 

No meio da disputa e da inacreditável pressão feita pelo ministério da educação da Alemanha Oriental, os jovens resistem, discutem, insistem, e, no fundo, repetem a história dos pais. Especialmente Theo e Erik. O primeiro era filho de um metalúrgico que participou de uma revolta ocorrida em 1953 e perdeu a chance de continuar seus estudos. O segundo era filho de um dito colaboracionista, considerado homem fraco por ter traído a RDA. 

No meio deles, quem destoa ê Kurt, o oposto do pai, que exerce um cargo alto no governo alemão. Kurt revela-se, quer mais do que a vida certinha e tolhida criada pela família. 

Eram jovens que ainda estavam criando suas próprias referências políticas e morais e que tiveram que lutar contra um regime perverso e alienante. No fim, precisaram abrir mão de muita coisa para seguirem sonhando com liberdade nos pensamentos. 


Cotação da Corneta: nota 7,5


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A insana viagem para a Lua

Não é fácil ser astronauta
Muitos filmes já foram feitos sobre a conquista do espaço. Mas acho que poucos souberem retratar com tamanha acuidade esse desafio insano rumo ao desconhecido quanto Damien Chazelle em “O primeiro homem”. 

Mais novo trabalho do diretor que ficou mais conhecido pelo sensacional “Whiplash” (2014) e que venceu o Oscar de melhor diretor por “La La Land” (2016), “O primeiro homem” é uma cinebiografia. Supostamente deveria contar a história de Neil Armstrong (vivido por um Ryan Gosling contido, quase encurralado pelo desafio de ir até a Lua), mas isso é o pano de fundo de uma história ainda maior que é a o desafio de chegar aonde nenhum homem jamais estivera até então. 

Chazelle trouxe um realismo impressionante â experiência da corrida espacial. Levou para a tela o incomodo que é pilotar um foguete. A incerteza daquelas máquinas em plenos anos 60, pouco mais de seis décadas depois que o homem aprendeu a voar. Levou o medo, fez questão de esfregar nas nossas caras o quão insano e desafiador era até então ser um astronauta. E talvez seja até hoje. 

E ele expõe isso nas cenas nauseantes das máquinas balançando horrores. No isolamento e na solidão de se estar em órbita. Na tensão e na incerteza da volta. Na dificuldade de acertar cálculos tão difíceis para um humano normal compreender. Um erro é nada menos do que fatal. Tudo para chegar naquele momento em que se dá um “pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”. 

No seu filme, a Lua está sempre à espreita. Ali, do alto, sendo observada, estudada, admirada, contemplada. E desafiando aqueles aventureiros modernos. A cada fracasso ela parece mais distante. A cada pequeno triunfo, ela surge mais perto. Alguns enquadramentos também ressaltam a dupla face do satélite natural da Terra. O lado escuro e claro na face de um Neil Armstrong preocupado com o futuro, no rosto do seu filho quando pergunta se ele pode não voltar. A Lua talvez tenha sido (e talvez continue sendo) um desafio tão grande quanto o das caravelas rumo ao desconhecido nos séculos XV e XVI. 

Para enfatizar tudo isso, Chazelle reduz a trilha sonora ao mínimo possível. Se “Whiplash” era um filme todo pontuado pela trilha, e “La La Land” era um musical de canções marcantes, “O primeiro homem” exalta o silêncio solitário da viagem para além da Terra pontuado apenas por canções épicas compostas por Justin Hurwitz – o mesmo de “Whiplash” e “La La Land” - para dramatizar os momentos mais marcantes. Em especial a partida da Apolo 11 de Houston e o pouso na Lua. 

“O primeiro homem” é um filme belo. Não é muito verborrágico e por vezes tem diálogos erráticos. Algo bem diferente dos trabalhos anteriores do roteirista Josh Singer, vencedor do Oscar por “Spotligh” (2015) e que também escreveu “The Post” (2017). A cena final de Neil Armstrong reencontrando a mulher (a ótima Claire Foy, a rainha Elizabeth nas duas primeiras temporadas de “The Crown”) é de uma beleza singular. Nada é dito naqueles minutos finais. É como se o silêncio do espaço e as incertezas permanecessem até a volta à Terra. Mas ao mesmo tempo muita coisa é dita naquela troca de olhares e pequenos gestos através do vidro. Cenas como essa valem demais o filme. 

Cotação da Corneta: nota 8,5

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Aquele conto de fadas bonitinho e cafona

Solta a voz, Lady Gaga
“Nasce uma estrela” é um conto de fadas. Um conto de fadas um pouco mais moderno e com um final bem mais interessante que os tradicionais, mas uma história que não difere muito das Cinderelas da vida. 

Como todo conto de fadas, é cafona. É brega. E remete ao choro fácil e às lágrimas programadas para saírem em determinados pontos do filme para trazer ao espectador a sensação de emoção, encantamento e aperto no coração. 

Tudo tem seu valor, mas se você não cai no conto de fadas, não tem muito o que tirar do filme a não ser considerá-lo bonitinho. Afinal, é bonitinho ver uma história de superação e amor entre dois jovens bonitos e talentosos, mas cada um com seus problemas e frustrações não resolvidos na terapia. 

De um lado temos Jackson Maine vivido com talento por um Bradley Cooper emulando Jeff Bridges em “Coração Louco” (2009). Maine é um cantor famoso que tem sérios problemas com bebida, herança do pai alcoólatra que morreu quando ele tinha 13 anos. 

Do outro temos Ally vivida por uma Lady Gaga que tem um desempenho satisfatório como atriz. Ally é uma aspirante a cantora com um talento raro, mas sempre rejeitada pela indústria por sua aparência assimétrica.

Quando estas duas almas se cruzam num bar de drag queens, um encontro improvável não fosse o vício de Maine pelo álcool, há um estalo, um riscar de fósforo que aproximará dois talentos ímpares que vão se complementar e se reerguer cada um à sua maneira. 

Maine traz luz à carreira de Ally, a lança para a multidão, enquanto ele mesmo mergulha profundamente nas trevas do álcool num processo que parece irreversível. A trajetória dos dois é de opostos, ascendente e descendente, que se cruzam no momento mais feliz do casal, mas criam atritos quando ambos seguem caminhos opostos. Ally, cada vez mais uma estrela pop, Maine cada vez mais um cantor decadente, depressivo e com problemas de audição. 

Mas é um conto de fadas. O amor entre eles é muito forte. Principalmente de Ally, que nunca sente a carreira prejudicada mesmo nos momentos mais embaraçoso dela causados por ele. Tudo o que Ally deseja é fazer por Jack o mesmo que ele fez por ela enquanto ela era uma mera funcionária de restaurante que fazia bicos de cantora em bares de esquina. Assim é o amor. Ainda que nem sempre as coisas possam sair como o sonhado. 

“Nasce uma estrela” é a terceira refilmagem da versão originalmente lançada em 1937 e estrelada por Janet Gaynor e Fredric March. A diferença para o filme original é o cenário. Lá, era a indústria do cinema, aqui, a da música. Mas o enredo é o mesmo. 

O filme atual tem boas canções e, no mínimo, deve receber indicações ao Oscar para as categorias musicais. A presença de Lady Gaga cantando na tela dá um peso ainda maior, uma vez que não é uma atriz se esforçando para cantar, mas alguém cujo talento nessa arte é mais do que reconhecido. São as cenas em que, naturalmente, ela mais está à vontade. Ainda que aquele olhar inocente de quem não está entendendo o que se passa na vida, mas está se esforçando para atuar tenha funcionado muito bem para o papel dela. No cômputo geral, Gaga vai bem. 

Como tem vários elementos que o Oscar adora como história de superação, drama, amor e tragédia, não me surpreenderia se “Nasce uma estrela” também ganhar algumas indicações ao Oscar em outras categorias. Contudo, é um filme que não vai além do bonitinho bem feito. 

Cotação da Corneta: nota 7

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Falta um certo aracnídeo

Ele é mau, mas agora nem tanto
Não existem muitas razões diferentes da mercadológica para fazer um filme sobre o Venom. Tudo bem que a simbiose entre o alienígena e o jornalista Eddie Brock (vivido naquele esquema com um pé nas costas por Tom Hardy) é um dos vilōes mais populares do universo do Homem-Aranha. E aí é que está a questão. Como um vilão pode ser protagonista se ele nasceu para ser antagonista? 

A solução encontrada foi a pior possível. Sem a presença do Homem-Aranha, devidamente recolocado no chapéu do universo cinematográfico da Marvel, “Venom”, o filme, fica com um buraco difícil de tapar. E a solução para isso  foi transformar ele num quase herói, um loser tentando se encontrar no mundo, uma junção de dois corpos formados pelo bem (Eddie Brock) e o mau (Venom), transformando o personagem num anti-herói, ou uma versão pós-moderna do “médico e o monstro”. 

Dá certo? Só em parte. É difícil imaginar que um personagem que nasceu do ódio de ambos (organismo simbiótico e Eddie) por Peter Parker e o Homem-Aranha possam sair por aí agora salvando o universo. 

A verdadeira origem do Venom foi toda jogada fora em prol da criação de um filme feito para a Sony tentar explorar ao máximo o universo do Homem-Aranha sem usar o grande protagonista do mesmo. 

Venom, porém, não vai além de um filme meramente ok baseado nos quadrinhos da Marvel. Tem efeitos especiais que fazem a diferença para o Venom. E a evolução tecnológica só fez bem em relação à aparição do personagem em “Homem-Aranha 3” (2007). Mas sua história é esquizofrênica quase como que tentando ver o lado bom de Eddie Brock e vendo o jornalista como uma vítima do parasita alienígena. 

Venom certamente ganhará uma continuação. A presença do Carnificina (Woody Harrelson) nas cenas extras garantem essa possibilidade. Mas parece que sempre faltará algo em filmes como este. E esse algo é a presença do herói ou de um antagonista para o vilão sem que ele deixe de ser um vilão. Mas talvez o futuro filme do Coringa desminta a minha tese. 

Cotação da Corneta: nota 6

domingo, 7 de outubro de 2018

O ódio será sua herança?

Sócrates e Aristóteles
Sempre fui contra o voto obrigatório. Não porque eu fosse revoltado. Bom, eu sou revoltado. Mas não era por isso. Só não gosto de nada que seja obrigatório. Do voto ao alistamento militar. Ao mesmo tempo nunca deixei de votar. Era quase uma tradição eu sair caminhando pelas ruas de Niterói até o colégio Abel para depositar minha singela contribuição para o país ao som do meu heavy metalzinho. No início, eu fazia isso com um walkman onde colocava uma fita para tocar. Nas últimas eleições eu adotei os apps tradicionais no IPhone. Um upgrade e tanto.

O Brasil, por outro lado, parece estar sofrendo um downgrade. E dessa vez eu só posso observar de longe. Uma enorme rasteira da vida me impediu de viajar para votar. O plano era esse. E quando ele foi traçado eu nem desconfiava que hoje muitos estariam com o coração na boca e temendo pelo pior. Tá um climão tão esquisito que eu até ouvi a seguinte frase de dois colegas portugueses.

- Até eu quero votar nestas eleições.

Eu queria muito. Nunca faltei uma eleição, mas é a vida. Só espero que as pessoas reflitam sobre o seu próprio comportamento desde a Copa do Mundo. Nos últimos meses eu li muito discurso de ódio de todos os lados. A educação das pessoas foi mais vezes rebaixado que Fluminense e Vasco juntos. Juntando isso com a enxurrada de fake news o clima ficou nas raias do insuportável. É preciso mesmo despejar tanta bile para defender pontos de vista? O objetivo de todos não deveria ser o bem comum?

Aristóteles dizia que a política busca a virtude dos seus cidadãos para o bem comum e que seu objetivo “é criar a amizade entre membros da cidade”. Sendo assim, “a política não deveria ser a arte de dominar, mas sim a arte de fazer justiça”.

Uma frase atribuída a Sócrates diz que “as mentes brilhantes discutem ideias fortes; as mentes médias discutem eventos; as mentes fracas discutem com outras pessoas”. O filósofo também dizia que “a forma mais nobre e mais fácil de andar não é esmagando os outros, mas melhorando a si mesmo”.

É preciso, portanto, menos tribalismo e mais noção de humanidade.

Quem chegou até aqui talvez esteja me chamando de inocente e bobo. Não me importo. Decidi que o importante é espalhar o amor.

Votem com consciência e reflitam bem antes de apertar os botões das maquininhas. A maioria aqui deve ter visto “Guerra Infinita”. Vocês viram o que acontece quando alguém como o Thanos assume o poder absoluto do universo. E não é em todo lugar que a gente encontra um Adam Warlock para salvar a pátria (foi mal pelo spoiler de 2019).