domingo, 5 de junho de 2022

“Top Gun: Maverick” é para os fãs, mas não se apega exclusivamente à nostalgia

Tom Cruise pilotou jatos para fazer o filme


Desde que o projeto de uma continuação de Top Gun começou a ser divulgado, parecia inegável que o objetivo era voltar para aquele universo dos chamados “melhores pilotos do mundo” como um exercício de nostalgia dentro da cada vez mais crescente indústria do cinema nostálgico. “Top Gun: Maverick” não nega tais expectativas. Mas o que faz o filme ser tão bom e talvez até superior ao original é que ele vai além disso.

Dentro da capa de obviedades e previsibilidades que o roteiro nos exibe e as inevitáveis belas e emocionantes imagens que o diretor Joseph Kosinski nos oferece, há uma história que é de fato interessante em torno de culpa, reconciliações, redenção e a tentativa de aprender com os erros do passado.

“Maverick” segue desde o início a trajetória do Capitão Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise). Já há anos fora do chamado esquadrão Top Gun, de onde foi expulso uma vez que o personagem sempre teve problemas em lidar com autoridades e cumprir ordens, Maverick está trabalhando num projeto do governo em que faz o que sabe fazer melhor: esticar a corda do limite para conseguir resultados excelentes em tempo recorde.

Mas a pedido do velho rival/parceiro, o agora almirante Iceman (Val Kilmer, que com a saúde debilitada faz uma participação especial e recebe uma bonita homenagem no filme), Maverick é convocado para voltar aos Top Gun. O objetivo é fazer o capitão cujas insubordinações e desrespeitos nunca o fizeram ir além na hierarquia da Marinha, ensinar novos pilotos a enfrentarem uma missão suicida num país estrangeiro cujo nome nunca é revelado.

Esta é a história básica do filme. A partir daí, “Maverick” vai aproveitando os cenários para trazer reconfortantes momentos do passado e colocar o seu protagonista em conflito com os traumas de quando era um jovem piloto. O conflito a partir daí se dá com a presença de Rooster (Miles Teller), filho do seu velho parceiro Goose, e que não perdoa Maverick por ter atrasado a sua carreira na Marinha. A relação paternal, a tentativa de proteger Rooster e a busca por reavaliar os erros cometidos no passado e buscar finalmente um caminho para a sua vida que parece ter parado no tempo nas últimas décadas estão no entorno da trajetória de Maverick.

Ao mesmo tempo, cabe ao capitão mostrar que, embora os pilotos de caça sejam uma espécie em extinção numa era de guerra de drones, o ser humano ainda é relevante e, mesmo com sua impetuosidade e desrespeito por hierarquias, ele ainda tem um lugar a ocupar e pode ser útil naquele momento.

“Maverick”, portanto, parece até ter mais camadas interessantes do que um mero filme de ação. Contudo, é claro que o que mais pega no fã do “Top Gun” original são as referências e o conforto nostálgico do que o filme traz da década de 80. “Maverick” teve o cuidado de trazer vários elementos do passado, como a trilha sonora original representada pelo “Top Gun Anthem”, música instrumental de piano e guitarra composta por Harold Faltermeyer e Steve Stevens, e por “Danger Zone”, de Kenny Loggins, que abre o filme para pegar o fã antigo logo de jeito. Só não está presente a balada de sucesso “Take my breath away”, visto que aquele era o tema do par romântico vivido por Cruise e Kelly McGills, que não volta para o filme atual. Novo interesse romântico de Cruise, Penny (Jennifer Connelly) — chamada no primeiro filme de “a filha do almirante” com quem Maverick teve um caso no passado — tem seu romance embalado pela canção original de Lady Gaga, “Hold my hand”.

O filme também procura traçar seus paralelos com o passado. Por isso Rooster é tão parecido com o pai, ao ponto de também tocar no piano do bar como Goose após uma manjada cena de pilotos num papo daqueles de quem está medindo quem tem o pau maior. Um clássico de filmes do gênero.

Além da cena do bar, há uma repetição de elementos do filme original. Entre eles, Tom Cruise andando de moto com o avião levantando voo ao seu lado, usando a jaqueta e o óculos escuro tradicional, a famosa cena na praia com corpos suados apenas substituindo o vôlei por futebol americano, e as belas imagens de jatos e cenários na golden hour, um clássico do filme original de Tony Scott. Todos estes elementos nostálgicos reconfortam o coração do fã antigo, claramente pego pela emoção, ainda que o filme traga também outros elementos.

Entre a história e a nostalgia, “Maverick” ainda traz insanas sequências de ação, que são ainda mais impressionantes quando se tem noção que Tom Cruise e os demais atores realmente se filmaram voando em jatos da Marinha americana. É claro que a edição e a trilha sonora tornam tudo ainda mais perigoso, mas não deixa de ser impressionante o nível de risco a que Cruise se impõe para dar um grau a mais de veracidade ao filme. Realmente desde o treinamento e até a missão real do final são cenas de tirar o fôlego e que valem ser vistas numa tela grande como a do cinema.

Assim, “Maverick” cumpre a sua função de entreter o espectador e reconfortar o coração do fã que talvez nem soubesse que desejava voltar para aquele universo. Pode não ser um filme perfeito, mas é um filme de ação blockbuster como raramente temos visto nos últimos anos, uma vez que o cinema tem estado inundado de filmes de super-heróis e franquias em geral.

Nota 8.