segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O melhor ficou para o final

Levou três filmes para Jason Bourne descobrir quem ele era. Igual tempo foi necessário para que a trilogia estrelada por Matt Damon acertasse a mão e fizesse um filme de ação imperdível. Ao contrário do que normalmente acontece nas franquias desenvolvidas pela indústria cinematográfica, que costumam perder o fôlego com o lançamento de novos filmes, o “Ultimato Bourne” é o apogeu da série que, assim, termina em grande estilo.

“O Ultimato Bourne” não só é superior à “A Identidade Bourne” (2002) e “A Supremacia Bourne” (2004) como também mostra aos “pré-conceituosos” que é possível haver vida inteligente em filmes de ação e aventura. Basta escolher a cabeça certa para tocar os projetos.

O diretor Paul Greengrass é uma delas. Indicado ao Oscar pelo seu excelente “Vôo United 93” (2006), Greengrass empresta ao filme sua câmera irrequieta, sempre em busca de ângulos pouco usuais, detalhes que constroem uma mimética história de Jason Bourne. É assim, no olhar revelador de Neal Daniels (Colin Stinton), com a mão parcialmente encobrindo sua boca, ou nas pistas jogadas por Nicky Parsons (Julia Stiles) ao desmontar o celular e sutilmente jogar as peças no chão para que Bourne saiba para onde ela está fugindo.

O ensaio detalhista de Greengrass começara na “Supremacia Bourne” – Doug Liman dirigiu o apenas razoável “A Identidade Bourne” – contudo o casamento perfeito se dá agora. O diretor conta uma história de extrema complexidade e nuances com leveza e simplicidade. Não é tão fácil quanto parece levar para a tela a história de um assassino que quer abandonar aquela vida sem saber qual é a sua vida real, o que ele é e de onde ele veio.

Bourne precisa encontrar sua identidade, suas memórias para começar ou recomeçar uma vida de um ponto não imaginado. Um diretor ou produtor de mão pesada poderia jogar tudo no lixo e descambar para um sofrimento piegas, uma solução pueril - Bourne poderia matar todo mundo, inventar uma nova identidade e se esconder uma ilha grega qualquer – ou, pior, para um fim sem desfecho.

Nesse caso, contudo, o mérito deve ser dividido com os roteiristas Tony Gilroy, Scott Z e George Nolfi, que desenvolveram com criatividade, inventividade e alguma dose de ineditismo o desfecho (será?) da história de Jason Bourne.

Trata-se, no entanto, de um filme de ação. Como tal há explosões, espetaculares perseguições de carro, brigas, etc. Tudo, porém, a serviço do filme. É uma história que tem explosões, não são explosões sob um fiapo de história como vimos nos dois últimos “Piratas no Caribe” do produtor Jerry Bruckheimer.

Além disso, como o cinema ainda depende de bons atores, é necessário dizer que a presença de David Strathairn (o Edward Murrow do obrigatório “Boa Noite, Boa Sorte”) abrilhanta qualquer filme. Vivendo o diretor da CIA, Noah Vosen, Strathairn e Joan Allen (Pamela Landy, que perseguiu Bourne no segundo filme e agora o ajuda) são pura faísca em cada diálogo que travam.

Matt Damon, ator pelo qual nutro algumas restrições também se sai bem. Embora saibamos que não é necessária muita habilidade dramática – mas alguma é preciso – para viver os heróis modernos, o caso de Bourne é mais complexo, pois ele nutre um certo nojo e rejeição pelo que faz. As vidas que tira são uma chaga, um câncer que ele deseja, precisa extirpar para voltar a viver.

Esse conflito entre atos cometidos e a emoção sentida pode ser visto em cada olhar de Damon, em cada gesto, seja na mão ensangüentada após mais uma morte, seja na expressão de quem está à beira de um colapso e precisa superar tudo o quanto antes.

Todos são elementos que fazem do “Ultimato Bourne” um excelente e imperdível filme. Se este será o último da série, e Damon já disse que não pretende voltar a viver Jason Bourne/David Webb, é um desfecho do mais alto nível.

sábado, 25 de agosto de 2007

Herói à moda antiga

John McClane (Bruce Willis) é um herói à moda antiga. É do tempo em que ao pegar um carro para perseguir o bandido ele dava a ignição provocando uma descarga elétrica ao juntar dois fios que (certamente) iam até o motor. De um tempo em que as cenas de luta dos filmes de ação se resumiam a um “bate você primeiro que eu respondo depois”. E eram socos honestos, brigas com quedas e muito quebra-quebra. Não havia nada de kung fu e lutas coreografadas por um especialista na área. Bons tempos os de John McClane. E é exatamente na exposição desse conflito de gerações que “Duro de Matar 4.0” ganha o espectador.

A aventura que marca o retorno de McClane é uma grata surpresa em meio a uma onda de “revivals” e franquias de gosto duvidoso. Vide “Rocky Balboa”, um filme, digamos, no máximo honesto. Ao contrário de Rocky, McClane envelheceu muito bem, manteve o seu cinismo e deboche característico e continua, por mais chavão que isso possa parecer, muito duro de matar.

Na nova aventura, entre as muitas loucuras do policial nada politicamente correto do Departamento de Polícia de Nova York, metade da cidade vem abaixo novamente sob o pretexto de ter de salvá-la. No caminho, McClane destrói um helicóptero jogando um carro em cima (“Eu estava sem balas”, simplesmente justifica) e consegue escapar de um jato F-35 dirigindo um caminhão. Até fica pendurado no avião. Absurdos fazem parte do cinema – principalmente quando se trata de McClane - e se você não embarca no filme ele jamais funcionará.

Mas o ponto forte de “Duro de Matar 4.0” não são os excelentes efeitos especiais e sim, como eu dizia, o conflito de gerações. Ao contrário de muitos de seus pares, McClane não fez o menor esforço para se adaptar aos novos tempos. Dirige o seu carro velho, não sabe mexer em computador e sequer tem celular. Continua ouvindo Creedence e nem sabe o que é The Cure, quiçá Amy Winehouse. O mundo atual é um tanto quanto enfadonho.

Vivendo das coisas boas do passado, McClane interrompe sua vida tranqüila em que a maior emoção é tirar a filha adolescente das garras de seus namorados para levar o hacker Matthew Farrell (Justin Long) de Nova Jersey até a sede do FBI em Washington. Mal sabe ele quanta dor de cabeça Farrell vai lhe causar. Isso porque o garoto está marcado para morrer pelos bandidos que o contrataram para ajudar a criar um colapso cibernético nos Estados Unidos.

A partir daí começa a dura jornada de McClane numa trama simples de entender, com um roteiro sem pontas soltas, sem devaneios mirabolantes dos vilões e permeada pelo contraste passado/presente nas peles de McClane e Farrell.

Bruce Willis, por sua vez, não perdeu a forma e o jeitão do velho policial do NYPD mesmo 19 anos depois do primeiro “Duro de Matar”. Ele prova que pode continuar fazendo filmes de ação como poucos e com muito mais substância do que seus companheiros dos anos 80 e os que vieram na esteira dessa geração.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Perdida no mundo

Grávida de dois meses, Zingarina (Asia Argento) está sofrendo pela deportação de seu namorado, Milan (Marco Castoldi), um músico que vivia clandestinamente na França. Mandado de volta para a Romênia, seu país natal, Milan não sabe do filho que nascerá. Zingarina resolve, então, partir em busca do seu grande amor se embrenhando na Transilvânia para retomar a vida feliz que tinha e finalmente se casar.

A julgar pelo início novelesco, “Transylvania” parece um mero romance com final feliz. Mas quando com meia hora de película, Zingarina encontra Milan e, para sua e nossa surpresa, é rejeitada percebemos que a obra de Tony Gatlif se encaminhará por mais tortuosos caminhos.

Rejeitada pelo homem que supostamente a amava, Zingarina é tomada por uma profunda dor na alma. Quer esquecer a vida, se isolar em outro mundo, falar outra língua e viver como se fosse outra pessoa. Por isso ela abandona a amiga Marie (Amira Casar), seu único elo de ligação com o passado que não mais deseja e vai viver uma nova vida.

No meio do caminho recebe a ajuda de Tchangalo (Birol Unel), um comerciante que vive de comprar e revender coisas velhas dos habitantes das cidadezinhas em que passa pela Romênia. Abandona o francês e passa a conversar com ele em inglês, uma língua universal para quem busca a compreensão dos comos e porquês de sua dor.

Zingarina precisa de Tchangalo não apenas porque não fala romeno e não pode se comunicar com os demais, mas porque precisa de um anteparo para os turbilhões emocionais pelos quais passa. É como se ela, na voz e belo corpo da atriz Asia Argento, soltasse um furacão a cada crise.

Muda-se a linguagem e também as roupas. Sentindo-se pária num mundo onde aparentemente só ela não alcançou a felicidade, Zingarina passa a se vestir como uma cigana, povo rejeitado até mesmo na Romênia onde vive um bom número de ciganos.

Largada em uma vida nômade onde banhos são atividade rara, Zingarina reencontra um pouco da felicidade perdida com Tchangalo. Homem de opinião oposta e mais pragmático do que ela – quando se conhecem no bar ele diz “eu venho atrás de ouro” ao responder à afirmação dela dizendo que estava atrás do amor – Tchangalo acaba descobrindo o amor naquela figura de comportamento tão doce quanto hostil, mas que aceitou embarcar na vida que levava.

Não fossem algumas pontas soltas no roteiro também escrito por Gatlif, “Transylvania” poderia ser um grande filme. À parte a boa química entre Argento e Unel, a película deixa a desejar em alguns momentos, principalmente ao não explicar porque Milan a rejeitou. Ele diz não gostar dela, mas não se mostra convincente, como se houvesse outro motivo por trás. Motivo, aliás, nunca mostrado.

Há de se lamentar também a falta de cuidado na hora das filmagens. Em pelo menos duas cenas, nota-se o microfone que capta o som pendurado como um corpo estranho se movendo na tela. Feio e primário, contudo não comprometedor do resultado da obra em si. Por outro lado, é no acabamento que “Transylvania” deixa a desejar.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Vaidade

Quando dinheiro e vingança não estão em jogo, o que leva o ser humano a cometer um grave crime? Uma possível resposta é a vaidade. É ela um dos caminhos traçados pelo diretor Billy Ray para tentar explicar por quê Robert Hanssen (Chris Cooper), um devotado pai de família, cristão fanático e dedicado profissional do FBI, resolveu trair mais de 50 agentes e o próprio país ainda em meio a Guerra Fria para passar informações à União Soviética.

Em um dado momento do filme Robert, vivido pelo sempre ótimo Chris Cooper, diz a Gary Cole (Rich Garces), um rival dentro do Bureau: “Vinte e cinco anos de dedicação e você é quem tem uma sala com janela”. Parece bobagem, mas a vaidade é alimentada por essas pequenas e insignificantes coisas.

Mas mostrando que a investigação em “Quebra de Confiança” (Breach, no original) não se fecha numa única questão, Ray define Hanssen como um lunático patriota, que difere apenas no método em relação a um terrorista que ataca outros países. “É sempre o dinheiro”, afirma Dan Plesac (Dennis Haysbert, o presidente David Palmer da série “24h”). “Não te ocorre que eu posso ser um patriota querendo mostrar as falhas de nossa segurança alertadas no passado?”, questiona Hanssen para em seguida finalizar. “A razão não importa mais”. Ele já foi desmascarado. É réu confesso e para a justiça isso basta.

É por isso que muitos americanos não entendem porque Hanssen, preso desde 2001, traiu a pátria. Apesar de seus desvios sexuais (para os padrões americanos, diga-se de passagem), Hanssen era um modelo a ser seguido. Um exemplo de funcionário público para o país. Caiu pelo orgulho e por se sentir desprestigiado dentro da firma que dizia amar.

Se o porquê está aberto para as interpretações, a história ao menos gerou um excelente filme de espionagem. Aliás, mais um num ano em que já tivemos o também ótimo “O Bom Pastor”.

Embora parte desta bem sucedida película se deva à boa história e à sua adaptação na tela, é preciso também dar crédito às ótimas interpretações dos atores. Principalmente Chris Cooper. Costumeiramente escalado como coadjuvante, Cooper sempre roubou a cena nos filmes que participou. Foi assim em “Adaptação” (2002), “Syriana” (2005), “A Identidade Bourne” (2002) e Beleza Americana (1999). É um ator que domina facilmente a arte de interpretar e já merecia há tempos um papel de mais destaque.

Em “Quebra de Confiança” ele recebe um antagonista perfeito para o seu talento uma vez que tem a difícil tarefa de convencer o espectador da dualidade do seu personagem. Um homem verdadeiramente bom com a família em casa, mas diante do seu Deus apunhala pelas costas os companheiros de trabalho.

Se Cooper mostra sua rotineira qualidade, Ryan Phillipe surpreende. De ator limitadíssimo do terror “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado” (1997), Phillipe já havia apresentado evolução em “A Conquista da Honra” (2006). Mas é neste filme que, digamos, ele mostra ter mais umas três ou quatro expressões.

Phillipe fez um ótimo trabalho na composição do seu difícil personagem, Eric O´Neill, um jovem que sonha em ser um agente do FBI, mas deve amadurecer rapidamente para investigar aquele que foi um dos maiores casos da história do Bureau. Definitivamente ele não fez feio ao contracenar com Cooper e Laura Linney, que interpreta a sua chefe, Kate Burroughs.
Tantos ingredientes interessantes fazem de “Quebra de Confiança” um filme excelente para os que gostam de tramas de espionagem. Uma obra que não se completa no “The End” e passível de boas discussões especulativas.

domingo, 12 de agosto de 2007

Experiências “bergmanianas”

Quando se tem 89 anos a morte está sempre à espreita. Mesmo num país como a Suécia onde a expectativa de vida é alta, chegar a quase nove décadas de vida é um sinal de que se conseguiu ludibriar a morte em incontáveis partidas de xadrez. Mesmo assim há o que se lamentar quando se perde um gênio como Ingmar Bergman.

Cineasta que prezava o silêncio, o pensar o cinema, Bergman sabia como poucos cutucar, provocar a alma dos que se dispunham a assisti-lo. Seus filmes não são chatos como andou dizendo alguém que se diz escritor, mas difíceis de digerir. Não é cinema de auto-ajuda.

Descobri Bergman muito tarde. Mais precisamente em maio do ano passado durante a mostra “Finitude e Transcendência” organizada pela UFF em comemoração dos 50 anos de “O sétimo selo”, uma das obras-primas do diretor. Dos nove filmes apresentados vi dois que me tocaram profundamente.

“Morangos Silvestres” (1957) conta a história da procura do Dr. Isak Borg (Victor Sjostrom) por reminiscências de seu passado. Ao reviver aos poucos suas lembranças ele percebe-se cada vez mais perto da morte. Há um quê de saudade em Borg e um lamento pelo fim que se aproxima. A morte, aliás, era terma recorrente do cineasta a ponto de personificá-la na voz e no olhar gélido de Bengt Ekerot em “O sétimo selo”.

“Fanny e Alexander” (1982), por outro lado, é um filme em que uma certa redenção se apresenta. Os especialistas dizem que ele é um dos mais autobiográficos do diretor por mostrar uma infância castrada pelo rigor da educação paterna, excessivamente religiosa e tomada por regras. Seria um retrato da infância de Bergman.

Em um cinema à moda antiga como o da UFF, com o barulho do projetor nos seus ouvidos, assistir a dois filmes de Bergman na telona foi como viajar para um tempo em que cada filme era original, cada roteiro tinha substância. Não se corria com a câmera. Cada cena tinha seu tempo, o tempo humano. Num mundo tomado pela falta de criatividade, onde franquias muitas vezes de gosto duvidoso fazem a alegria da indústria e contribuem para a pobreza do filmar, a saída de cena de Bergman é uma lacuna que fica vazia.