sexta-feira, 28 de maio de 2021

"Army of the dead" mais decepciona do que diverte

Scott e sua equipe de badass
Retorno de Zack Snyder ao mundo dos zumbis desde “Madrugada dos Mortos” (2004) e primeiro filme inédito do diretor desde todo o embrolho envolvendo a sua versão da “Liga da Justiça”, lançada neste ano pela HBO, “Army of the Dead: Invasão em Las Vegas” pode ser resumido da seguinte maneira: Uma série de boas ideias, algumas boas cenas de ação, mas um resultado final decepcionante, confuso e cheio de buracos.

O maior calcanhar de Aquiles do filme é o roteiro escrito por Snyder junto com Shay Hatten e Joby Harald. Não necessariamente a história em sua essência, mas especificamente os diálogos. Alguns deles chegam a ser constrangedores. Piadinhas desnecessárias, reflexões sobre o universo e o multiverso que não cabiam e alguns momentos de diálogos tão vazios que não parecem ter sido feito por profissionais que trabalham há anos com cinema.

(ATENÇÃO QUE A PARTIR DE AGORA HAVERÁ POTENCIAIS SPOILERS)

“Army of the dead” tinha uma premissa inicial muito boa. Combinar o gênero de filmes de zumbi com o de filme de assalto. Junto a isso, Snyder teve outra ideia muito boa que foi criar toda uma sociedade entre os zumbis dividida por castas em que há os tradicionais zumbis trôpegos e os chamados zumbis alfas, mais ágeis, espertos, que tem um mínimo raciocínio desenvolvido e, portanto, podem ser um real desafio no um contra um diante daqueles que os enfrentam.

Neste ponto, era possível construir um filme muito legal e divertido. Você tem a premissa interessante. Ou seja, Las Vegas esta sitiada por um vírus zumbi, mas é uma cidade tomada de dinheiro. Um grupo de mercenários é contratado para ir até o cofre de um prédio da cidade para pegar US$ 200 milhões com a promessa de quem os contratou de ficar com US$ 50 milhões. Mas para isso, é preciso enfrentar uma horda de zumbis que evoluíram com o passar do tempo em que estiveram sitiados na cidade.

Era, portanto, fazer o protagonista do filme, no caso Scott Ward (Dave Bautista) reunir a sua equipe de badass com habilidades diferentes, o que é um clássico dos filmes de ação e aventura, ir lá, enfrentar os zumbis em algumas cenas incríveis e sair de lá ou não. Dependendo da vontade do diretor.

Mas Snyder quis encher o filme de camadas sem ter tempo e sem ter um texto com profundidade para isso. E este foi o seu maior erro. O diretor terminou o filme em 2h30min em que deixou buracos de roteiro e continuidade até para espectadores mais desatentos.

Snyder, portanto, tinha um filme de zumbi para contar como funciona aquele grupo de mortos-vivos. Um filme de assalto, que norteia a história. Um flerte com a crítica social, pois o seu trabalho também exibe uma certa visão pessimista da sociedade e do capitalismo, onde pessoas preferem se arriscar a morrer em troca de um punhado de dinheiro que vai mudar as suas vidas, e uma piscadela para a questão da imigração e campos de refugiados. Mas ele também constrói um filme em que há a preocupação com a família na relação conflituosa de Scott com a sua filha Kate (Ella Purnell). Além de tudo isso, há também uma preocupação em apontar para o futuro, apesar do final quase apocalíptico. Ao atirar para todos os lados, Snyder não se aprofunda em nada e o filme não acontece em toda a sua potencialidade.

Entendo o cinema como um retrato microscópico de um momento da vida naquele universo em que você está jogando o seu foco. É impossível resumir uma vida, qualquer vida, em duas horas. Por isso, é preciso ser cirúrgico nas escolhas. Ao abrir demais o leque, Snyder fez um filme que, na verdade, poderia ter sido uma série de TV que desse conta de tudo o que ele poderia e queria abordar. Em oito ou dez episódios, “Army of the dead” funcionaria melhor do que em um filme. E assim, Snyder desperdiçou algumas boas chances de fazer um grande filme, o que não vimos, convenhamos, desde “Watchmen” (2009).

Snyder ainda sabotou a própria história ao inserir a trama da Coiote (Nora Arnezeder). Se o objetivo do bilionário Bly Tanaka (Hiroyuki Sanada) era, na verdade, ter a cabeça de um zumbi alfa vivo para analisar o seu DNA e conseguir criar um exército de zumbis alfas, ele não precisava ter inventado a ideia de contratar um grupo de mercenários e mandar um homem de confiança dele para cumprir a real missão. Bastava mandar o seu homem contratar a Coiote para ir até lá buscar um zumbi alfa e pronto. Assunto encerrado. E é óbvio que um bilionário com conexões no submundo sabe que existem pessoas vivendo livremente nos campos de refugiados que colocam seres humanos dentro de Las Vegas em busca de dinheiro. A trama da Coiote, portanto, anula toda a premissa do assalto e da busca por dinheiro enfrentando zumbis.

Esse é apenas o grande buraco, mas “Army of the dead” tem outros problemas. O fato de a mulher por quem Kate sai em busca — e inclusive é por causa dela que Kate entra em Las Vegas com o pai — simplesmente desaparecer na cena final do helicóptero é outro problema. Kate arriscou a vida por ela e não sabemos se ela viveu ou morreu. E em alguns momentos ela nem parece estar no helicóptero enquanto Scott está lutando com Zeus, o zumbi Rei (Richard Cetrone). Presume-se que a mulher morreu, mas nunca sabemos.

Sem contar a inverossimilhança (até para um filme que tem zumbis) de Vanderobe (Omari Hardwick) ter sobrevivido a um ataque nuclear mesmo estando dentro de um cofre num dos prédios de Vegas. Por mais que o cofre se convertesse num bunker improvisado de um ataque nuclear, não era um bunker real. Ele teria um prédio inteiro destruído em sua cabeça. E ainda que conseguisse escapar do prédio, ele seria afetado de alguma forma pela radiação. Mas ele não só sai bem como sai com muito dinheiro e demora horas para começar a ser afetado pelo vírus zumbi ao passo em que para outros personagens a transformação foi quase automática.

É uma pena que “Army of the dead” tenha dado tão errado. Pois ele tem bons personagens. Gosto do Scott Ward, um brutamontes que na verdade tem mais reflexões sobre a vida para fazer do que apenas ser um matador de zumbis fortão tipo herói de filmes do Schwarzenegger dos anos 80. Gosto da rainha zumbi (Athena Perample), uma personagem que, por mais bizarro que seja, eclipsa a tela toda vez que aparece. Acho que ela durou muito pouco e podia ter sido melhor explorada, pois era melhor, inclusive, do que Zeus. E acho que a equipe que Scott monta para a sua aventura é muito legal. Especialmente Vanderobe e a carismática piloto de helicóptero Marianne (Tig Notaro).

Estes personagens são o ponto forte do filme junto com algumas boas cenas de ação e o incrível trabalho de CGI e maquiagem feito pelos responsáveis por estas áreas no filme. A ideia do tigre zumbi era ótima, embora ele também tenha sido pouco aproveitado.

No fim, “Army of the dead” só não é exatamente péssimo porque, mesmo dentro do seu vazio, ele de certa forma diverte. Logo, não chega a ser uma perda de tempo, mesmo para quem resiste a 2h30min. Mas havia ali muito potencial para um grande filme que foi desperdiçado.

Cotação da Corneta: nota 5,5.