quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A treta da patinação no gelo

Contemplem a minha maravilhosidade
Estar diante de “Eu, Tonya” é fazer a pergunta inevitável: patinação artística é esporte, educação física ou balé com patins? O filme de Craig Gillespie só ajuda aos que defendem a tese de que não é esporte. Afinal, por mais incrível que Tonya Harding (Margot Robbie, que está muito bem no filme) pudesse ser, a primeira parte do filme mostra que ela era sempre julgado pela sua aparência, digamos, menos clássica, e suas escolhas musicais pouco ortodoxas nas performances (meu Deus, o que esses caras tinham contra ZZ Top?). Ou seja, na patinação, não basta ser a melhor no que faz porque tem sempre um jurado de ALEGORIAS E ADEREÇOS para baixar a sua nota.
Pior, se toda a versão do diretor for correta - a reprodução dos momentos de competição, pelo menos, é impecável -, Tonya ainda era julgada pelo seu comportamento explosivo fora do ringue porque todos queriam um exemplo da família americana nas Olimpíadas de Inverno. Ou seja, além do jurado de alegorias e adereços, ainda há o jurado da MORAL E DOS BONS COSTUMES. E vocês ainda querem que eu considere patinação esporte. É bonito, mas onde está a avaliação técnica das performances? Onde está o nível Corneta de qualidade?
Mas “Eu, Tonya” não é apenas um filme, e, aliás, um dos melhores deste Oscar, sobre verdades acerca da patinação. É também sobre uma das maiores tretas dos esportes de inverno. É ainda mais um filme sobre como o esporte é tão belo quanto sujo e também sobre como escolher muito mal as suas amizades.
Falemos sobre o caso. Tonya Harding era uma atleta talentosa que foi a primeira americana a executar um triple axel numa competição. O triple axel é uma pirueta em que você dá três giros e meio no corpo no ar e aterrissa lindamente como princesa da Disney no gelo. É uma manobra muito difícil e raramente executado neste “esporte”. Tonya fez isso e ganhou notoriedade. Mas seu talento nunca foi o suficiente.
Vinda de uma família pobre com uma mãe que a agredia constantemente (vivida maravilhosamente bem por Allison Janney), Tonya tinha que se virar nos 30 para vencer na patinação. Isso incluía costurar as próprias roupas. Roupas estas que não agradavam aos jurados fancy.
No fim da adolescência, ela foi viver com o marido Jeff (Sebastian Stan), o que significou apenas uma nova mão para lhe bater. Esse casamento foi o maior erro da vida dela e custou a sua carreira.
Isso porque, após o quarto lugar nas Olimpíadas de Inverno de Albertville, na França, em 1992, Tonya ganhou a sua segunda chance graças à decisão do COI de mudar a data das Olimpíadas de Inverno para não coincidir com os Jogos de Verão. Ou seja, a próxima edição seria em 1994, em Lillehammer, na Noruega.
Tonya treinou feito um Rocky Balboa para entrar no time olímpico americano. Mas o seu marido e o seu guarda-costas Shawn (Paul Walter Hauser) acharam que podiam dar uma forcinha. Então, contrataram um cara para acabar com o joelho da grande rival de Tonya, Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), a queridinha e princesinha dos americanos.
Por causa disso, Tonya quase perdeu a vaga na equipe americana. Aliás, o filme dá a entender que a atleta só foi mantida porque a CBS, que tinha os direitos de transmissão dos Jogos, estava de olho na alta audiência que obteria com a rivalidade Tonya-Nancy no ringue. Ah, o esporte. Por que eu não fico surpreso?
Tonya sempre negou que soubesse dos planos do guarda-costas toupeira (meu deus, ele realmente é um idiota que vive no mundo da lua) e do marido, mas no fim foi quem pagou o preço mais alto. Divino e terrestre. Afinal, ter problema no equipamento no momento da sua apresentação olímpica é coisa quase impossível e só causada pelos deuses do esporte. E na Terra porque foi quem pagou o preço mais alto ao ser banida da patinação.
No fim, ficou a sensação de que se fosse menos cabeça quente e tivesse uma família mais estruturada, Tonya Harding poderia ter ido bem mais longe na esporte. Suas glórias se resumem ao triple axel e uma prata no mundial de Munique, em 1991. E sua biografia acabou sendo manchada eternamente por esse episódio.
Nancy, por sua vez, conquistou duas medalhas olímpicas (uma prata justamente em Lillihammer após o ataque ao seu joelho), tem uma família fofa com dois filhos ginastas e diz que nunca recebeu um pedido de desculpas de Tonya. Ela diz que não viu o filme e não pretende ver. E afirma que a vítima disso tudo foi ela. Hoje, a ex-patinadora participa da “Dança dos Famosos” nos EUA.
Nancy tem suas razões. “Eu, Tonya”, de certa forma, pinta Tonya Harding como uma vítima. Do sistema, da mãe e do marido abusivos, da Justiça e do Comitê Olímpico. Por mais que também a mostre como uma figura irascível. Porém, não deixa de ser um belo filme feito com jeitão de documentário com seus depoimentos fakes dos personagens. Tudo para contar uma história para lá de surreal. Ainda não consigo acreditar no quão idiota era aquele guarda-costas.
Cotação da Corneta: nota 8.
Indicações ao careca dourado: melhor atriz (Margot Robbie), atriz coadjuvante (Allison Janney) e edição. 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Ah, os amores da Itália

"How yoy doin'?
Não tem como um filme que se passa na Itália não ser bonito. Na Itália, a grama é mais verde, as pedras da rua são mais bem esculpidas... Até a poeira de casa tem um ar renascentista como se fosse soprada por anjos gordinhos pintados por Michelangelo. Então, não tem como não achar “Me chame pelo seu nome” um filme bonito.
Mas não é só pelo cenário idílico que o filme de Luca Guadagnino é bonito.
(E ATENÇÃO, A PARTIR DE AGORA: CALL ME BY SPOILERS THAT I CALL YOU BY CORNETA)
“Me chame pelo seu nome” é bonito porque é delicado, terno, FLUIDO, ALGODÂNICO, se equilibra entre uma certa tensão e uma leveza e é uma história de amor que não tem aquelas coisas bobas, idiotas e clichês de Hollywood com gente se esbarrando e encontrando coincidências na vida enquanto come macarrão.
O filme só não precisava ter aquele final feito propositadamente e de forma PICARETA para você chorar. Uma cena interminável onde o menino Elio chorou até o momento em que a tela mostrava “Fulana de tal: assistente de maquiagem dos figurantes. Siclano, figurinista do dono do bar na cena 56”. Obviamente eu não cai nesse recurso barato de novela e não chorei. Deixei o moleque sozinho nessa. Sorry, Elio. Mas nada que prejudique um filme que muitos só não consideram mágico porque falta ter arco-íris e unicórnios.
“Me chame pelo seu nome” começa com mais um dia bucólico de verão europeu no norte da Itália. Em meio a um vilarejo qualquer cheio de prédios milenares, sol, árvores e terra batida, vive um professor de história da arte calminho (Michael Stuhlberg) e sua família. Todos passam o verão na Itália só curtindo os aspectos hedonistas da vida. Elio (Timothée Chalamet), por exemplo, adora ler, tocar piano, agitar uns dates com uns brotos, mexer o esqueleto em festinhas e nadar no lago. É a vida que qualquer um pediria a Deus.
Só que a vida de Elio começa a bagunçar quando o americano Oliver (Armie Hammer) chega para uma temporada de troca de experiências com o professor Pearlman. Mas, aparentemente, não apenas com ele. Logo de cara, Oliver mostra que não está ali a passeio. No primeiro jogo de vôlei, já manda um “how you doing” para o Elio.
- Você está muito tenso, amiguinho. Relaxa. Distende os músculos. Sente o clima.
- Ih, para com isso. Eu estou bem. Sai pra lá.
Elio não percebe nada. Caramba, Elio! Até eu que sou tapado notei que ele estava te dando mole.
Pois bem, depois dessa vacilada, ele fica recebendo uma sequência interminável de “Later” que o faz até procurar a Mariza (Esther Garrell). Mariza, coitada, ama o menino Elio e por isso demora a perceber o que até os pais dele já sabem. Ele está em outra e tem “uma BELA AMIZADE” com Oliver.
A partir daí é tudo poesia, amigos. Porque o amor é esse farfalhar de borboletas num interminável bosque italiano ao som da bela canção “Mistery of love”, de Sufjan Stevens.
Uma pena para o Elio que não apenas todo carnaval, mas todo verão também tem seu fim. E a realidade é uma enchente que bate à porta da sua casa. Uma pena para ele, mas melhor para o filme, é claro. Final feliz quase sempre é brega.
No fim, “Me chame pelo seu nome” nos dá uma lição que eu só captei mesmo depois de uma conversa-debate com um amigo que me disse a seguinte frase: “Às vezes, o amor não basta”. E segue o baile.
Cotação da Corneta: nota 7,5.
Indicações ao careca dourado: melhor filme, roteiro adaptado, ator (Timothée Chalamet) e canção. 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Quanta gritaria...

Então, a mamãe está resolvendo uns probleminhas
Um filme que começa com três crianças gritando por trinta segundos naquele clima de praça de alimentação de shopping numa tarde de domingo não pode ser bom. E é pior ainda quando você percebe que a gritaria perpassa as quase duas horas de “Projeto Flórida”. Eu não sei como eu sobrevivi. Mas cá estou para falar deste filme. 

Para começo de conversa, “Projeto Flórida” está no Oscar e eu não entendo o motivo. Isso porque a sua única indicação é para um Willem Defoe apenas sendo Willem Defoe. Nada de especial, nada de destacado. Consigo pensar em pelo menos dez papéis mais interessantes que o Defoe fez ao longo da vida. Logo, pareceu-me um exagero essa indicação de coadjuvante. 

E ainda tem as crianças malas. É um filme com a maior reunião de crianças malas da história recente de Hollywood. É de enlouquecer vê-las gritando e fazendo merdinhas o tempo todo. Quer dizer, nem tudo é merdinha. Afinal, colocar fogo numa casa é uma merdona. 

Mas nem tudo é ruim em “Projeto Flórida”. O filme tem umas sutilezas interessantes, e, de longe, a personagem de Bria Vinaite é a mais interessante. Bria faz Hailey, a mãe de Moonie (Brooklynn Prince), a mais espevitada das crianças. Hailey é a história sofrida de uma mulher em que tudo dá errado, mas ela tem que se virar para criar a filha da melhor maneira possível. 

Ela mora com a criança num quarto de motel xexelento na Flórida, no caminho para a Disney, mal tem dinheiro para pagar o aluguel, não consegue emprego, já foi presa, já foi stripper e usa a prostituição como último artifício para tentar dar alguma alegria e manter a filha consigo, antes que o pessoal do serviço social a tire dela. 

A menina, por sua vez, passa os dias todos brincando (e fazendo merdinhas) no motel e no seu entorno, dando pequenos golpes e transformando a sua realidade da forma mais lúdica possível. O importante para ela, porém, é essa relação inquebrantável de amizade com a mãe. Inclusive, elas são muito parecidas nas atitudes e posturas. Natural. 

É uma história dura, quase um cruzamento de “Pequena Miss Sunshine” (2006) com a trama da mãe drogada de Little em “Moonlight” (2016), mas isso é mais explorado apenas no terço final do filme.

Durante toda a projeção o que ficam mesmo são os gritos. Eles vão batucar no meu cérebro ainda durante um tempo. 

Cotação da Corneta: nota 4,5.

Indicações ao careca dourado: Ator coadjuvante (Willem Defoe)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Um 'A Bela e a Fera' que deu certo

Um mergulho apaixonado
Guillermo del Toro curte uma fábula. E curte uns personagens desajustados para tratar do respeito ao que é diferente, ao que tem uma cultura que não é a da maioria, para falar do medo do diferente e do que vem de fora e de como usamos a ignorância e expomos cruelmente os nossos preconceitos. Para isso, ele gosta de usar monstros. Podem ser criaturas próprias como as do “Labirinto do Fauno” (2006), ou mesmo Hellboy, o personagem dos quadrinhos em dois filmes de 2004 e 2008.
E o que podemos dizer sobre “A forma da água”? É sobre tudo isso aí no parágrafo anterior. E é bonito, é singelo, é fofo e.... convenhamos, não é nada original. “A forma da água” nada mais é do que um “A bela e a fera” que deu certo. Isso porque “A bela e a fera” é um desenho ruim e um filme medíocre. Tudo o que “A forma da água” não é. Talvez a Disney pudesse contratar o Del Toro para um reboot para ver se ele consegue salvar aquela história brega.
Então, o filme do diretor mexicano é uma fábula bonita sobre o amor. Aliás, quantos filmes sobre as mais diferentes formas de amar neste Oscar, hein? É o amor idílico e fugaz de “Me chame pelo seu nome”, é o amor através do ódio mútuo e da manipulação de “Trama Fantasma”, é o amor transcendental freudiano de “Corpo e alma”, o amor incondicional e sem barreiras de “Uma mulher fantástica”.... e eu nem terminei de ver todos. Hollywood deve estar carente.
Mas apesar desse momento amorzinho, “A forma da água” vale por duas coisas.
1- A participação impagável de Octávia Spencer como a faxineira Zelda Fuller. Os diálogos feitos pelo Del Toro para ela são maravilhosos, as histórias do marido mala são muito divertidas e a atriz está inspirada como o personagem cômico do filme.
2- Sally Hawkins no papel da outra faxineira, a Elisa Esposito, que se apaixona pelo anfíbio Aquaman da Amazônia com sérias restrições orçamentárias. Sem dúvida é um dos seus grandes trabalhos no cinema. A sua personagem é apaixonante e uma das grandes criações de Del Toro. Essa mulher muda e solitária que mora num apartamento no topo de um cinema que exibe filmes hoje considerados clássicos, divide o espaço com um homem gay e se apaixona por uma entidade que só ela tem a paciência e a ternura de tentar se comunicar (e fazer uns ovos para ele lanchar). E que no seu silêncio nos faz refletir sobre o que é ser humano e o que é ser monstruoso.
Muito bonita essa descrição acima né? Uma pena que eu não posso dizer o mesmo dos personagens de Michael Shannon e Nick Searcy. Toda a criatividade e ACUIDEZ que Del Toro usou para criar as suas personagens femininas, transformou-se em preguiça e caricatura no caso dos militares Richard Strickland e do coronel Hoyt. Duas figuras sem camadas usadas apenas para serem os homens maus, pois toda história de amor precisa de homens maus. Qual eram suas motivações? Por que tiraram o Aquaman da Amazônia, onde ele era adorado pelos índios? De onde veio a informação que tinha um Aquaman lá? Por que o governo João Goulart não se manifestou sobre esse roubo? Ou será que foi no início da ditadura e os militares colaboraram com o governo americano? Nunca saberemos.
E aí no meio disso tudo surgem os russos, que não querem ser passados para trás na Guerra Fria, mas ninguém sabe como eles se infiltraram no laboratório e receberam as informações. O doutor Hoffstetler está lá, mas por que ele está lá? As instalações aparentemente não têm outras criaturas inanimadas e X-Men em geral. Pelo contrário, o tal laboratório, que ninguém sabe a quem pertence e que trabalho desenvolve não parece ter nada interessante até a chegada do anfíbio que grunhe e gosta de comer ovo e ouvir música. Por que os russos estão lá? E que esquema de segurança é esse que qualquer faxineira pode entrar nos lugares mais top secrets e mandar um how you doing em linguagem de sinais para monstros marinhos?
Mas você sempre pode acreditar no amor sem fronteiras e preconceitos. E como fábula desse amor “A forma da água” talvez te faça até escorrer uma lagriminha. Não foi o caso da Corneta porque aqui é trabalho sério.
Antes de ir embora, um parênteses. E o Michael Stuhlbarg hein? Resolveu aparecer em todos os filmes do Oscar? Ele é o cientista Hoffstetler aqui, é o pai do Elio, o menino gay de “Me chame pelo seu nome”, é o diretor de redação do “New York Times” em “The Post”. Acho até que eu vou rever os outros filmes para ver se ele está bancando o Stan Lee na Marvel e aparecendo em todos os filmes do Oscar.
Cotação da Corneta: nota 7,5.
Indicações ao careca dourado: melhor filme, atriz (Sally Hawkins), atriz coadjuvante (Octávia Spencer), ator coadjuvante (Richard Jenkins), diretor (Guillermo del Toro), trilha sonora, roteiro original, fotografia, montagem, figurino, mixagem de som, edição de som e edição.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Não se aposente, Daniel!

Belo vestido. Fui eu que fiz
Daniel Day-Lewis está se aposentando e a Corneta não está sabendo lidar com isso. Tudo porque ele não se aposenta decadente e como um fantasma dele mesmo como muitas vezes vemos acontecer com os atletas. Ele se aposenta com um personagem maravilhoso e um trabalho impecável.
Ao finalizar “Trama Fantasma”, Day-Lewis disse que foi sobrecarregado por um sentimento de profunda tristeza e que ainda tentava viver com isso. E disse ainda que não sabia exatamente o motivo da tristeza. Eu entendi perfeitamente. Seu Reynolds Woodcock é um dos personagens mais intragáveis, asquerosos e DEPLORÁVEIS que eu já vi. Provavelmente uma das figuras mais vis que o ator já interpretou. Tudo isso banhado pela trilha sonora de Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, banda especialista em músicas para cortar os pulsos.
E não é só isso. Para piorar, o diretor Paul Thomas Anderson conta a história desse renomado estilista da high society inglesa com uma classe e uma beleza que o prende numa maldita linha de costura te apertando numa roupa cheia de alfinetes.
(CUIDADO QUE AGORA VEM UM DESFILE DE SPOILERS)
“Trama Fantasma” é basicamente uma história de amor entre duas pessoas que não valem nada. Reynolds é um estilista cheio de mania, cheio de mi-mi-mi, cheio de frescurinhas, cheio de toques e que claramente teve uma infância em que foi excessivamente mimado pela mãe. Pior, o cara ainda tem que ter o cabelo impecavelmente escovado e só usa meias grená.
Tudo o incomoda. Não pode fazer barulho no café da manhã porque “o gênio está criando”, não pode mudar a rotina porque “o gênio fica abalado”, não pode fazer barulho chupando a sopa na colher porque “o gênio perde a concentração” enfim... é uma vida toda de negações para que o estilista possa criar os vestidos para as ladies da Inglaterra. E as roupas são encantadores porque realmente o cara é bom no que faz.
Só que Reynolds está entediado. Tem uma mulher que não o entretém mais e procura tratá-la com o seu frequente olhar de tédio e desprezo e a frase: “Estou trabalhando. Não me enche o saco”.
Até que um dia ele resolve ir passar um tempo na roça (o campo, em inglês vitoriano) e lá encontra a garçonete da sua vida. Logo de cara ele pensa: “Meu amigo, que tiro foi esse?”. Foi amor (ou o mais próximo disso) à primeira vista. E o que o encantou? Sua caligrafia impecável para escrever ovos e bacon e sua...barriguinha. Morram de inveja musas fitness e blogueirinhas. Ele se apaixonou pela moça porque ela tem BARRIGUINHA.
Mas como tem sempre que ser desprezível para manter a sua fama de gênio maldoso incompreendido, Reynolds diz: “Você não tem peito”.
“Desculpa. Eu posso colocar silicone”.
“Não, não precisa. Você é perfeita assim”, apressa-se a dizer.
Parecia uma vida de sonho para Alma (Vicky Kreaps). Era amada por um homem importante, poderoso e genial e que ainda fazia as roupas dela.
Mas logo a rotina daquela união ia começar a desagradá-la. Primeiro porque Reynolds desde sempre fazia questão de dizer que ela não era relevante na vida dele. Só mais uma peça no tabuleiro de xadrez, só mais uma linha na costura que se soltasse ele comprava outra e substituía.
E você agora poderia estar dizendo: “Mas isso é uma relação abusiva! Sai dessa, miga!”. Pode ser, mas Alma não tinha vocação para Amélia, meus caros. Para conquistar finalmente o amor daquele homem, para conseguir o que as outras não conseguiram, só transformando-se na sua versão feminina e sendo igualmente desprezível.
Alma foi à luta, colheu uns cogumelos venenosos (nunca confiei em comidas com cogumelos) e o deixou na SARJETA. O deixou dias sentado no trono chamando urubu de meu louro. Depois disso, não restou a Reynolds nada além de pedi-la em casamento. “Eu te amo (Amo-te em português de Portugal). Casa comigo? Você é a Alma do meu negócio?”
“Agora tenho esse macho no meu cabresto. Fiz esse Clodovil vitoriano comer na minha mão”, pensou a moça.
Nã-ná-ni-nã-não. Reynolds era carne de pescoço e logo a relação volta a dar curto circuito. Ele percebeu que casamento estraga qualquer criatividade e passa a colocar a culpa na mulher, é claro.
Obviamente, ela não ia deixar barato. Eis que temos uma das mais belas cenas do filme. “Ah é assim? Quer um omelete de cogumelos, my dear?” Alma o faz com muita manteiga só porque ele ODEIA manteiga. Mas ele come, come com gosto porque sabe que a dor vindoura libertará a sua criatividade para inventar vestidos incrivelmente brilhantes, mas nunca chiques porque chique é uma palavra horrenda.
Reynolds pensa: “Finalmente eu tenho uma mulher que me entende. Ela só precisa aprender a fazer aspargos, mas fora isso é perfeita”. E faz a declaração de amor mais asquerosa deste ano no cinema: “Eu te amo, garota. Me beije antes que eu vomite”.
Enfim. Dêem o quarto Oscar para Daniel Day-Lewis que ele merece. E só para aumentar o peso da bagagem na viagem que ele planeja fazer pelo mundo.
Cotação da Corneta: nota 8.
Indicações a careca dourado: Melhor filme, ator (Daniel Day-Lewis), atriz coadjuvante (Lesley Manville), diretor (Paul Thomas Anderson), figurino e trilha sonora.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Um filme para Gary Oldman brilhar muito

Gary Oldman perfeito como Churchill
Eis o desafio que a Corneta lhes impõe. Já que TODO mundo nos últimos anos resolveu abordar mais ou menos os mesmos assuntos, vamos organizar este super filme sobre a Inglaterra durante a Segunda Guerra ficar bonito. Para essa receita dar certo precisaremos de três computadores (ou três TVs com DVDs, depende de como vocês se sentem mais à vontade). No primeiro, vocês começam o aquecimento vendo “O discurso do rei” (2010). Na sequência, vejam “O destino de uma nação”, este novo filme de Joe Wright ora em cartaz.
Quando o covarde e mané do Halifax (Stephen Dillane) começar a desafiar o Churchill (Gary Oldman está simplesmente maravilhoso no papel), vocês pegam o segundo computador e vejam o sexto episódio da segunda temporada de “The Crown”, aquele mesmo que fala no que a Inglaterra se transformaria se a Alemanha tivesse vencido a guerra e fala da aliança do ex-rei Edward, o traidor safado, com Hitler.
Faltando mais ou menos 40 minutos para o fim de “O destino de uma nação”, quando a operação Dínamo estiver prestes a ser anunciada, vocês pegam o maravilhoso “Dunkirk”, de Christopher Nolan, e dão play no terceiro computador. Ao fim de “Dunkirk”, entrem com “Churchill” (2017) e arrematem com a primeira temporada de “The Crown”, para acompanharmos a decadência de Churchill (por sinal, um John Litgow igualmente muito bem).
É fato que um dia farei isso. Para quem já viu “O mágico de Oz” (1939) ouvindo “Darkside of the moon” (1973), do Pink Floyd, isso é só mais um desafio.
Feita esta receita de molho inglês, o que podemos dizer sobre “O destino de uma nação”? É um filme feito para o talento de Gary Oldman ser finalmente recompensado com um Oscar. E lembremos que esse ator incrível NUNCA ganhou um careca dourado. Será que depois de faturar o Globo de Ouro, Churchill vai lhe dar um Oscar? Gary devia emular o trecho do discurso mais emocionante do filme e gritar: “We should fight! We should never surrender!”
O problema é que nessa categoria ainda temos o Daniel Day-Lewis, que já anunciou a sua aposentadoria após “Trama Fantasma”. Aí complica. Não sei para quem torcer!
(E ATENÇÃO, TEMOS AGORA SANGUE, SUOR, LÁGRIMAS E SPOILERS).
O filme todo gira em torno de Churchill. Sua indesejada ascensão ao cargo de primeiro-ministro inglês, sua batalha dentro do gabinete de guerra contra qualquer proposta de paz com Hitler (esses caras estavam LOUCOS), o jeito como ele tem que vencer a desconfiança até do Rei George VI - aquele mesmo, o gago, pai de Lilibeth (já tenho intimidade com a rainha) - e manter a Inglaterra “in good spirit” para continuar lutando contra os nazistas...
Gary Oldman está muito bem num papel que no cinema e na TV já foi vivido por inacreditáveis 63 atores. E eu achando que o Batman já teve atores demais. Diante disso tudo, não tem muito o que fazer. É repetir aquele ar carrancudo, o jeito um tanto convencido e petulante, o andar curvado e... fumar e beber em escala industrial.
“O destino de uma nação” talvez só peque em colocar Churchill num pedestal quase divino como o herói incontestável que luta contra tudo e contra todos para liderar uma Europa quase esmagada pelo exército nazista numa virada digna de um Vasco x Palmeiras na final da Mercosul de 2000. Ok, tudo bem que o Churchill foi quase um Romário do seu tempo, mas calma aí. No filme, o cara vira um super-herói com o poder da oratória que convence a todos como se fosse uma sereia cantando para os piratas. Até o Rei George fica bo-bo-bo-bolado. Bom, mas não podíamos esperar algo diferente de um filme inglês.
Por outro lado, como não querer ir para a batalha depois do discurso no final do filme? Se juntar aquelas palavras de Churchill com “The Trooper”, do Iron Maiden, eu embarco para Dunkirk amanhã.
Cotação da Corneta: nota 7.
Indicações ao careca dourado: Melhor filme, ator (Gary Oldman), maquiagem e cabelo, fotografia, design de produção e figurino.