domingo, 27 de abril de 2008

As muitas faces de um artista

Costuma-se dizer que Bob Dylan teve muitas vidas. Logo, para fazer um filme sobre ele seria necessário um ator de uma versatilidade incomum ou vários atores para viverem diferentes fases de sua carreira/vida pessoal. Todd Haynes acabou optando por um caminho ainda mais ousado ao fazer uma biografia calcada mais na obra de Dylan do que na vida em si do artista.

Ao assumir os riscos de ter seis atores interpretando o músico, poeta, gênio e mais quantos adjetivos você pode imaginar, Haynes estava ciente que “I’m not there”, ou “Não estou lá”, poderia sofrer de uma certa inconstância e que seu filme correria o risco de fazer água por causa disso.

E o diretor ainda foi mais longe ao fazer das músicas de Dylan o ponto de partida de toda a história. É exatamente por isso que se pode dizer que “Não estou lá” tem algo de ficção, embora todas as principais passagens da vida de Dylan estejam bem documentadas na película. Estão lá a “infância” artística, quando o jovem Marcus Carl Franklin interpreta Woody Guthrie (o nome Bob Dylan jamais aparece no filme), que na verdade era um ídolo do cantor, o momento mais tenso quando uma surpreendente Cate Blanchett na pele de Jude Quinn levanta a guitarra e é espinafrada pelos próprios fãs e a fase menos prolífica de sua carreira, com Christian Bale, na pele de Jack Rollins, vivendo um Dylan que havia se convertido ao Cristianismo.

Além destes, Richard Gere (Billy the Kid), Ben Whishaw (Arthur Rimbaud) e o finado Heath Ledger (Robbie Clark) vivem vidas, fases e personalidades diferentes deste cantor que por causa de tantas vidas é tão singular.

Foi um risco calculado de Haynes e certamente o filme tem seus altos e baixos, – sendo os altos a presença de Cate e os baixos a de Gere – mas no cômputo geral, “Não estou lá” é digno à carreira e principalmente à obra de Dylan.

É uma pena, porém, que não seja um filme para leigos sobre o cantor. Pois é impossível para eles entender o que representava Woodie Guthrie para o compositor, entender quando a mulher que o acolhe em sua casa pede que ele cante o seu tempo. Ou então, a questão do afastamento de Robbie Clark e Jack Rollins do ativismo, combinados à entrevista de uma tal de Alice Fabian (na verdade a cantora Joan Baez), vivida pela atriz Julianne Moore. Aliás, quando Juliane aparece naquelas cenas de “entrevista”, o filme mais parece um “No direction home” (2005), trabalho de Martin Scorsese com e sobre Dylan.

E é aí que eu recorro novamente neste blog ao filme de Scorsese. Em alguns momentos, “Não estou lá” mais parece “No direction home” romanceado. Seria o filme de Haynes baseado no excelente documentário de Scorsese. Não que isso seja ruim, pois as duas películas são elogiáveis e, mais do que isso, complementares.

A questão está apenas em um ponto. Quem não conhece Bob Dylan pode ficar boiando durante “Não estou lá”, pois não há brecha para explicações, significados, nada. Agora, quem conhece ou viu “No direction home” delicia-se com cada parte de “Não estou lá”, mesmo a insossa passagem de Richard Gere na tela. O aproveitamento é muito melhor.

Mas talvez a idéia de Todd Haynes fosse também despertar a curiosidade do espectador a procurar saber um pouco mais sobre Dylan. Nunca se sabe o que se pode passar na cabeça de um diretor. Fato é que apesar destas ressalvas, “Não estou lá” é um ótimo filme. Principalmente para os fãs de Dylan.


Abaixo, Bob Dylan em performance catártica de Like a Rolling Stone em Newcastle, Inglaterra, em 1966:


quinta-feira, 24 de abril de 2008

Noite de Helloween

Este ano tem sido fértil para os fãs de metal. Até parece que todas as bandas resolveram fazer show no Brasil. Sobram atrações, falta dinheiro. Já passou por aqui gente do porte de Deep Purple, Iron Maiden, que infelizmente não tocou no Rio, Dream Theather, Ozzy Osbourne e ainda vem mais por aí com Queensryche em maio, Megadeth em junho e Scorpions em agosto.

Abril também não ficou sem a sua banda de metal e trouxe o Helloween e o Gamma Ray para animar a nossa festa de uma vez só. Foi uma celebração do metal alemão feita para um Citibank Hall vazio (mas com muitos torcedores do Fluminense, que jogava no mesmo dia, horas antes, contra a LDU pela Libertadores), porém com fãs de primeira hora do Helloween, muitos que já tinham assistido a outra apresentação da banda por aqui há dois anos.

Não houve muita diferença entre este show e o da turnê do disco “Keeper o the seven keys – the legacy” (2005). A abertura com “Halloween” foi a mesma e estavam lá as músicas clássicas como “Power”, que foi cantada apenas em alguns versos num medley com “Perfect Gentleman”, “I Can” e “Eagle Fly Free”. Além de “If I could fly”, outra grande canção da banda. Mais uma vez, no entanto, eu fiquei sem ouvir “Forever and one (Neverland)”, minha música favorita do Helloween. Já começo a perder as esperanças.

Por outro lado, a banda tocou duas músicas do novo álbum, “Gambling with the devil” (2007): “So far as I fall” e “Final Fortune”. Ambas são muito legais, em especial “So far as I fall”, que foi cantada em coro pela platéia. Um sinal que ou a internet reduziu a nada as fronteiras ou só os fanáticos pelo Helloween mesmo se despencaram de casa numa quinta-feira à noite para ver a banda tocar na Barra da Tijuca.

Antes do Helloween, o Gamma Ray fez um show que foi uma apresentação de abertura turbinada em 1h15m. Liderada pelo ex-vocalista do Helloween, Kai Hansen, o Gamma Ray fez um show apenas ok sem muitos destaques, mas que divertiu a platéia. A banda é mais fraca do que o Helloween e tem um baixista tão presepeiro que rouba a cena (negativamente falando) até do vocalista. Dirk Schlachter faz mais pose do que toca baixo. O verdadeiro nome importante da banda é realmente Henjo Richter, o guitarrista, que pouco aparece - até as luzes do palco ele evita – mas toca muito bem.

O Gamma Ray ganha alguns pontos mesmo, porém, quando retorna ao palco para tocar junto com o Helloween na parte final do show que durou 2h30m aproximadamente. Com três guitarras (Henjo e os guitarristas do Helloween Michael Weikath e Sascha Gerstner) e dois cantores (Hansen e seu substituto Andi Deris), o show explode de vez. Pena que eles tocaram apenas duas músicas. Entre elas, pelo menos, “I want out”, que fez os fãs saírem da casa satisfeitos e com a sensação de que o dinheiro gasto valeu a pena. Mesmo para os infelizes que pagaram o ingresso inteiro. Que venham mais bandas por aí, pois o ano ainda nem chegou na metade.

Três momentos legais do espetáculo. O Helloween cantando “I want out” com o Gamma Ray, “Eagle Fly Free” e parte do medley “Perfect Gentleman/Power” em que rolou uma integração com a platéia durante a apresentação da banda feita pelo cantor Andi Deris.






domingo, 20 de abril de 2008

A tal da camisa

Um dos chavões favoritos de todos os especialistas em futebol é dizer que “a camisa pesa numa partida decisiva”. Na hora de palpitar sobre um favorito a qualquer coisa e para não ficar em cima do muro ou desagradar um torcedor mais fanático do time que não é contemplado, eles lançam mão desse artifício. Quando “a camisa pesa” não há argumentos contrários. O torcedor leniente aceita, reconhece, mas promete dar tudo de si para virar este favoritismo secular. Afinal, tabu é para ser quebrado.

Devia ser difícil para os críticos do início do século XX apontarem favoritos. Imagino uma mesa redonda pré-histórica num rádio pré-histórico em que o mediador pergunta a um dos comentaristas qual seria o favorito para o campeonato daquele ano de, sei lá, 1910. O comentarista coça a cabeça, pensa, fica em cima do muro e não consegue opinar porque naqueles tempos Barcelona, Real Madrid, Bambala e Arimatéia eram a mesma coisa.

Lá pelo meio do século já dava para apontar algumas tendências e o trabalho do comentarista esportivo deve ter ficado mais fácil. Aí ele enche os pulmões e diz: “Nesses casos, a camisa pesa, não é John?”.

A teoria da camisa será mais uma vez posta à prova a partir da próxima terça-feira. É inegável que as semifinais da Liga dos Campeões colocam frente a frente três gigantes e um time médio que vem chegando às decisões graças aos petrodólares injetados por um bilionário. Barcelona, Manchester United e Liverpool são times de camisa. O Chelsea era um patinho feio de uma Londres cujos times mais tradicionais são Arsenal e Tottenham antes da chegada do russo Roman Abramovich ao clube.

Barcelona e Manchester fazem um duelo de bicampeões. Os espanhóis venceram em 1992 e 2006 e os ingleses em 1968 e 1999, numa decisão espetacular contra o Bayern de Munique. É um duelo de iguais na tradição e na tal da camisa, mas dentro de campo os espanhóis vivem uma crise num momento em que Ronaldinho se tornou mais um peso do que um jogador de peso enquanto os Red Devils têm o melhor jogador do mundo em atividade no momento, Cristiano Ronaldo, e praticam o futebol mais vistoso da atualidade. São argumentos que os fazem ter um ligeiro favoritismo mesmo com a primeira partida sendo disputada no Nou Camp.

Em Anfield Road, o pêndulo da vestimenta está indiscutivelmente do lado dos Reds. Pentacampeão da Liga (1977, 1978, 1981, 1984 e 2005), duas vezes finalista nos últimos três anos, o Liverpool tem a camisa “mais pesada” destas finais enquanto o Chelsea, que nunca conquistou um título europeu, ainda busca fazer a sua história.

Se a teoria da camisa fosse batata, eu me arriscaria a dizer que o Liverpool já está na final. Mas como o futebol é uma caixinha de surpresas, outro chavão irresistível, e há um tabu neste clássico – e como já disse, tabus são para serem quebrados – tudo pode acontecer.

O fato é que o Liverpool já eliminou o Chelsea em duas semifinais nos últimos três anos. Ambos os jogos foram truncados e decididos pelo placar de 1 a 0 na segunda partida. Não é um jogo fácil de se ver e testa o coração do torcedor. O meu provou que está em dia nestes confrontos, apesar de muito sofrimento. Por causa dessas eliminações atravessadas na garganta, os Blues vêm com vontade de dar o troco tornando a partida de difícil prognóstico.

No final das contas serão quatro grandes jogos em que os que vencerem farão uma grande decisão em maio, em Moscou, cidade escolhida para este ano acolher a disputa do título da Champions League. Como gosto do bom futebol e não preciso ficar em cima do muro, torço para que ela seja entre o Liverpool, que tem o melhor ataque da competição, e o Manchester United. Seria um jogo de estremecer o planeta.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Valeu, peixe!

Por mais doloroso que possa ser, já estava na hora. Ou melhor, já tinha passado da hora. A saída de cena de Romário foi do jeito que ele sempre disse que seria: repentina. Um dia ele chegou e disse: “Parei”.

O dia foi a segunda-feira passada, durante uma festa que reuniu os velhos parceiros, os peixes como ele gosta de dizer, para promover um DVD que será lançado em junho com 913 dos 1.002 gols que ele marcou na carreira.

Assim, aos 42 anos, Romário pendura as chuteiras deixando para os mais jovens um filme com o seu vasto repertório de jogadas que o fizeram o mais fantástico artilheiro que vi jogar. Provavelmente será a aula que os novatos jamais terão em qualquer divisão de base. É para eles verem, reverem e tentarem aprender algo, assimilar uma pequena parcela deste mito que foi Romário. Mas apenas uma parcela, pois alguém como ele nunca mais irá existir como o próprio deixou bem claro: “Pelé só tem um. Maradona só tem um. E acho que Romário também. Não vejo um sucessor”. Modéstia nunca foi o seu forte.

Na minha modesta opinião, Romário foi o maior centroavante da história do futebol. Fez do gol de bico, a sua marca registrada, um gol de placa. A simplicidade e a frieza com que finalizava para o gol o fizeram único. Sua facilidade para marcar e fazer dele o segundo maior artilheiro da história do futebol, atrás apenas de Pelé, que marcou 1.283 gols (parênteses: não estão confirmados os mais de mil gols que o húngaro Puskas teria marcado, muito menos os de Friendrich, que oficialmente marcou pouco mais de 500 tentos), geraram até a expressão que ficou na boca do torcedor a cada vez que o seu “artilheiro” perdia um gol aparentemente feito: “Se fosse o Romário, fazia”.

Vi muitos jogadores terem facilidade para marcar gols. Gente do porte de Careca e chegando até Ronaldo. Os mais antigos dizem, e eu os respeito, que Reinaldo era tão bom quanto Romário. Mas acho que muito poucos tinham o seu talento, a sua versatilidade, sem contar a já citada frieza dentro da área.

Não é à toa que o seu técnico naquela máquina de jogar futebol do Barcelona que ficou conhecida como “Dream Team”, o ex-craque holandês Johan Cruyff, o apelidou de “gênio da grande área”.

Outro gênio, mas das quatro linhas, Tostão não se furtou uma vez em dizer que daria a sua camisa 9, que, aliás, não estava acostumado a usar, para o Baixinho se ele pudesse jogar na quase mítica seleção de 70 com Pelé, Gerson, Rivelino, Jairzinho e tantas feras.

Romário talvez seja o último romântico do futebol. Sei que ele já disse isso do Ronaldinho Gaúcho, mas vejo o jogador do Barcelona mais como o ponto culminante de uma era midiática, do atleta-estrela, com chuteiras coloridas, muito merchandising, outdoors pelo mundo e, se der tempo, jogando um pouco de futebol. Nesse ponto, Ronaldinho deixa o inglês Beckham no chão.

Romário não tinha patrocínio. Suas chuteiras eram completamente pretas. A marca do matador. E o considero o último romântico porque, assim como o francês Zinedine Zidane, que se aposentou há dois anos, ele é o último jogador num tempo de atletas, o último ser humano num tempo de robôs.

Autêntico. Isso é Romário. Um jogador de personalidade e de opinião é cada vez mais raro e também por isso o Baixinho fará falta. Ele não brilhou apenas dentro de campo, mas também soube ser o centro das atenções fora dele com opiniões fortes, contundentes, sem concessões ou meias palavras.

Excelente frasista – são deles pérolas como “O Pelé calado é um poeta”, “Quem é ruim se destrói sozinho” (sobre o técnico Vanderlei Luxemburgo) e “Agora toda a corte está feliz, o rei (Eurico Miranda), o príncipe (ele mesmo) e o bobo (o atacante Edmundo)” – Romário era polêmico sim. Era marrento mesmo. Mas dele saia entrevista e não pílulas de auto-ajuda entremeadas pelo surrado conceito de que “o grupo estava unido”.

O futebol fica mais triste com o fim desse grande artista que dominava como ninguém a arte de botar a bola na rede. É uma pena que os craques, e Romário indubitavelmente foi um craque com “C” maiúsculo, tenham que parar. Mas o tempo é cruel com todos. Mesmo com os gênios.


É muito difícil fazer uma lista com os melhores gols de Romário e nem pretendo me meter nisso. Mas abaixo vocês podem ver três vídeos com alguns dos belos gols que ele fez na carreira. Vai deixar saudades.






domingo, 13 de abril de 2008

Um show dos Stones

Lá pelo meio de “Shine a light” acompanhamos uma entrevista antiga com Mick Jagger em que o repórter o pergunta: “Você se vê fazendo o que faz aos 60 anos?”. Em contraste com o que dissera nos anos 60, quando imaginava que sua banda duraria no máximo três anos, o cantor responde em bom inglês e sem titubear: “Easily”.

A câmera de Martin Scorsese então salta algumas décadas a frente. Mais precisamente o Beacon Theater, em Nova York, no ano de 2006, quando Jagger exibe para a lente do cineasta todas as marcas do tempo e os estragos que as drogas podem causar numa pessoa numa espetacular performance dos Rolling Stones.

Depois de 46 anos de carreira e alguns shows marcantes – sejam eles antológicos ou trágicos – os Stones ganham do amigo “Marty” uma homenagem à sua altura num impressionante registro de um show que nem de dentro do palco se poderia captar tantos detalhes.

Isso é “Shine a light”. Se o filme não entra em temas polêmicos nem faz qualquer acerto de contas com o passado, como “No Direction Home” (2005), outro grande trabalho musical de Scorsese, mas este sobre Bob Dylan, ele tem o mérito de mostrar como os Stones chegaram a mais de quatro décadas de carreira como a maior banda de rock de todos os tempos.

Pode-se falar o que quiser de Mick Jagger, Keith Richards (guitarra), Charlie Watts (bateria) e Ronnie Wood (guitarra), mas no palco eles são insuperáveis. Além disso, quando se chega à casa dos 60 anos fazendo um disco tão bom quanto “A Bigger Bang” (2005), é um sinal de que está banda é especial apesar dos altos e baixos e da perda de dois importantes membros: o guitarrista Brian Jones, que cometeu suicídio, e o baixista Bill Wyman.

Talvez investigar o passado, cutucar feridas, nem fosse a idéia de Scorsese, e sim mostrar o espírito rolling stone, que vai além do fator primordial que é a música. Talvez fosse mostrar o que são os Stones numa forma “jamais vista”, como repetiram nove entre dez críticos que viram o filme.

E neste quesito Scorsese pode ser aplaudido de pé. Ele consegue mostrar não apenas o peso da idade, que existe nas bufadas de um elétrico Mick Jagger após duas intensas canções, especialmente “Sympathy for the devil”, e de Charlie Watts, quando uma música exigiu mais energia do que o seu estilo blasé lhe permite, mas também o estilo sarcástico de Keith Richards, que quase tenta socorrer Watts naquela cena e caçoa do ex-presidente Bill Clinton ao dizer “Hey, Clinton. I’m bushed”, numa alusão ao nome do atual presidente norte-americano George W. Bush.

Apesar do eterno jeito de drogado e o visual de múmia egípcia, Keith revela o seu lado, digamos, doce, ao falar da amizade com Ronnie (“Ele sabe que não tocamos nada (modesto), mas juntos somos melhores do que dez outros guitarristas”) e do prazer de tocar, comum a todos eles, aliás. Chama a atenção o final do show, após a execução de "Satisfaction", em que Keith se ajoelha e parece falar com sua guitarra, agradecer a ela por mais esta (grande) noite. Scorsese não perde a oportunidade de registrar esta cena que é emblemática.

Aliás, o que se pode depreender de “Shine a light” é primordialmente isso. O prazer que os Stones têm de estar no palco e levar a sua música a diferentes gerações. É uma paixão verdadeira e que perpassa toda a apresentação. De “Jumping Jack Flash” a clássica “Satisfaction”. Eles dão tudo o que podem para que show seja inesquecível. O que torna ainda mais fácil com os músicos de quilate que os acompanham, em especial a backing vocal Lisa Fischer, que merecia um daqueles duetos de “Gimme Shelter” no filme no lugar da insossa Christina Aguilera, que canta (mal) “Live with me”.

Por outro lado, Scorsese compensa essa falha com uma parceria espetacular entre os Stones e o bluesman Buddy Guy em “Champagne and reefer”, de Muddy Waters. Um momento de estremecer o planeta. Um show de guitarras e Buddy Guy é um espetáculo a parte. Um momento especial num filme que ainda contou com a participação de Jack White, que, apesar do bom desempenho, merecia cantar com eles uma música mais pesada e com uma guitarra em suas mãos e não um violão como acontece em “Loving Cup”. Teria sido mágico, pois Jack parecia curtir aquele momento como se fosse um menino tocando com seus ídolos.

Apesar dos altos e baixos “Shine a light” é um grande show dos Stones. Pode não ser o melhor filme sobre a banda – há quem diga que “Gimme Shelter” (1970) é superior – mas é um dos melhores registros sobre qualquer banda que eu já vi. Uma grande pedida para qualquer stonemaníaco que entende que, como diria a velha canção de Muddy Waters que deu nome à banda, “pedras que rolam não criam musgo”.

Abaixo um trecho do filme com os Stones cantando “Shattered” e uma performance inesquecível de “Brown Sugar” na Praia de Copacabana, em 2006.




quinta-feira, 10 de abril de 2008

Uma grande noite do Senhor das Trevas

Confesso que temia pelo pior. Embora sempre fosse um sonho ver Ozzy Osbourne tocando ao vivo, suas recentes aparições como um indivíduo sequelado e pau-mandado da mulher Sharon aliadas às décadas de muito “fucking crazy”, drogas e rock and roll me fizeram esperar menos do que se podia por aquele que é conhecido como o Senhor das Trevas.

A voz é a primeira a pedir arrego depois de décadas de loucura e eu não esperava um Ozzy cantando perfeitamente. Mas queria vê-lo assim mesmo. Louco, com sua risada demoníaca e pedindo para a galera: “are you gonna fucking crazy?”.

E no palco o que eu vi foi um Ozzy Osbourne dominando cada alma da apaixonada platéia que enchera a HSBC Arena para vê-lo. Por mais que alguns tivessem tido simpatia pelo Black Label Society e outros tivessem curtido verdadeiramente a porcaria do show do Korn, todos foram lá para vê-lo. E acredito que assim como eu não só não saíram decepcionados, mas de alma lavada.

Em 1h45m no palco, Ozzy mostrou porque é um dos gigantes do metal. Tocando com paixão e muito prazer por estar no Rio de Janeiro pela terceira vez, o cantor de 59 anos mostrou que sabe dominar a platéia com maestria e que ainda canta melhor do que eu esperava e as drogas poderiam ter permitido.

Se ele não come mais morcegos como no passado – apesar da brincadeira com um tosco morcego de plástico jogado pela platéia – Ozzy sabe ser fiel às tradições do metal. Ele sabe que os fãs de rock pesado são tradicionais e não gostam dessas coisas moderninhas como pegada eletrônica e mistura com hip-hop como o nü metal. Metal que é metal envolve os bons e velhos temas medievais e satânicos, crucifixos, muita guitarra, um bom cantor e toda aquela cenografia que os fãs adoram.

Assim, seguindo o modelo muito bem traçado pelos deuses do metal, Ozzy abre o show com “Carmina Burana”, de Carl Orff, um clichê do gênero que eu já vir abrir apresentações do Iron Maiden e do Helloween. Não sem antes, porém, subverter um pouco as regras exibindo um divertido vídeo que surpreendeu a galera com Ozzy participando de cenas de diversos filmes e séries como “Piratas no Caribe”, em que ele aparece impagavelmente trajado de Jack Sparrow, “A Rainha” pagando um boquete inacreditável em Elizabeth, “The Sopranos” e “Entourage”, quando aparece em outra cena hilária segurando um pênis de plástico.

Feita a brincadeira, Ozzy, acompanhado do baterista Mike Bordin, ex-Faith no More, do baixista Rob Blesko Nicholson e do guitarrista-ídolo Zakk Wylde quebra tudo logo na primeira música, “I don’t wanna stop”, e não deixa a platéia respirar com a execução de “Bark at the moon” na sequência.

Ajudado pelos solos de Wylde e por baladas estrategicamente colocadas no set list como “Road to nowhere” e “Mama I’m coming home”, é Ozzy que pára para respirar de vez em quando. Depois de quase seis décadas, ele não é mais o menino de outrora, mas conduz como poucos um show.

Quando invoca “Mr. Crowley”, a platéia já está nas suas mãos e levando baldes d’água do cantor que, talvez animado com a empolgação da galera mostrada em “Crazy Train” e a aceitabilidade para suas músicas novas do disco “Black Rain”, lançado no ano passado, resolve mudar o script: “Ok, vocês querem “No more tears”. Vamos cantar “No more tears”.

É a deixa para o tecladista Alan Wakeman (isso mesmo, filho de Rick Wakeman, ex-Yes), executar a introdução soturna completada pelo show particular de Wylde. A platéia composta por pouco mais de 10 mil pessoas vai ao delírio.

Além de competente, Ozzy sabe agradar aos seus fãs e não esquece de tocar os clássicos do Black Sabbath. O Rio foi presenteado com três músicas: “War Pigs”, “Iron Man” e “Paranoid”. Todas cantadas em coro pela galera.

Claro que “Paranoid” ficou meio capenga. Música que fechou a apresentação de Ozzy, acabou virando uma inédita e não desejada versão sem guitarra devido a um incidente envolvendo a galera do gargarejo e Zakk Wylde.

Talvez por demais excitados pelos pedidos de Ozzy para ficarem “fucking crazy” e também fruto de uma inocência de Wylde, durante a execução da música, o guitarrista jogou seu instrumento para a galera que, obviamente, não devolveu (veja só no último vídeo abaixo). Para desespero de Wylde que pulou em busca da guitarra.

Enquanto se atracava com os fãs, Bordin e Blesko seguravam a cozinha repetindo insistentemente os acordes de “Paranoid” e Ozzy gritava “Come on”. E nada. Até que ele resolveu num momento semi-acústico cantar as duas estrofes que faltavam e encerrar o show. Wylde ficou evidentemente puto ao ver sua guitarra sendo devolvida completamente destruída e a galera ficou com uma “Paranoid” um tanto quanto prejudicada. Fica para a próxima vez, que o próprio Ozzy prometeu que não vai demorar muito para chegar.

Apesar disso e da falta que fez “Perry Mason” (aliás, nenhuma música do “Ozzmosis”, disco de 1995, foi tocada), ver Ozzy cantando valeu cada centavo. Diria até mais. Quem esteve no HSBC Arena saiu é no lucro por ver o que talvez será um dos melhores shows do ano.

Três grandes momentos da apresentação de Ozzy. Primeiro cantando “No more tears”; um momento Black Sabbath com “Iron Man” e no final do show, com “Paranoid”, numa versão inédita, sem guitarra, por causa do incidente com o Zakk Wylde.






segunda-feira, 7 de abril de 2008

Épico sobre amizade e reparação

Há vantagens e desvantagens de se ver um filme baseado numa obra literária sem tê-la lido. A desvantagem principal é, obviamente, ter um espírito crítico bem mais condescendente, uma vez que é impossível comparar o texto com a imagem criada pelo diretor. Outro lado ruim é guardar para sempre a imagem do filme quando for ler o livro, o que o impede de criar na sua cabeça seus próprios personagens baseado na descrição feita pelo autor. A imaginação é a que mais sofre nessas situações.

A vantagem é saber que cada cena é inédita para quem não leu a obra. Certamente “O Código Da Vinci” (2006) – filme bem fraco, aliás – foi melhor para mim do que para quem leu o livro de Dan Brown e conhecia as surpresas do final. Reviravolta semelhante tem “O caçador de pipas”, mais recente trabalho do diretor suíço Marc Forster, baseado na obra do escritor afegão Khaled Hosseini, que virou best-seller no Brasil.

Se mais uma vez não consegui ler uma obra antes de vê-la transposta para a sétima arte, ao menos pude ser surpreendido com esta bela história de uma amizade eterna que atravessa momentos de clivagem no Afeganistão como a invasão soviética e a ascensão do Talibã ao poder.

Neste filme, Marc Forster dá prosseguimento à sua incrível capacidade de me fazer chorar. Não copiosamente como “Em busca da terra do nunca” (2004), mas é impressionante como ele escolhe as cenas certas e a trilha sonora perfeita para que lágrimas escorram do canto do olho. Apesar das cenas extremamente parecidas nos finais de seus dois últimos filmes. Aquela coisa de pai adotivo e filho desolado e sofrendo.

Evidentemente que esta não é a maior qualidade de Forster, que agora se aventura dirigindo um filme do 007 com previsão de estréia para novembro, mas sim a sua habilidade de transformar em imagem o que há de mais lúdico no trabalho literário. Falar do bailar das pipas seria o óbvio, além de ser algo que já foi explorado. Ainda mais porque esse aspecto é encontrado na bela relação de amizade entre Amir e Hassan, que pertencem a duas etnias diferentes, os pashtur e os haraza, mas constroem um elo de amizade que não é quebrado nem na fraqueza de Amir (Zekeria Ebrahimi), que resulta numa tragédia para Hassan.

Hassan entende perfeitamente que os dois se completam no que tem de melhor e pior. Se Amir é covarde, Hassan é corajoso. Mas Amir tem talento e desenvoltura para a escrita. Hassan, vivido por um achado chamado Ahmad Khan Mahmidzada, é analfabeto. E eles ainda são de etnias diferentes, em muitos casos rivais.

A amizade só é abalada não pelo episódio violento e chocante vivido por Hassan, mas pela admissão da covardia de Amir, que não conseguia mais ver o amigo sem sentir vergonha de si mesmo a ponto de armar um golpe para que eles se separem definitivamente. Muito mais maduro do que ele, e até para uma criança de sua idade, Hassan entende e aceita para si o golpe como nova prova de sua amizade profunda.

Já adulto, Amir (Khalid Abdalla) descobre algo que o fará sentir ainda mais culpa pelos acontecimentos e precisará ir em busca da redenção. Voltar às origens, à sua terra natal e enfrentar os seus medos para crescer como homem definitivamente e enterrar seus fantasmas. Oferecer a Hassan uma prova de amizade que saiu de sua boca, mas não foi cumprida.

É através dessa jornada por um Afeganistão destruído pelos soviéticos e talibãs, que nem de longe lembram a sua terra, cujas únicas batalhas eram infantis campeonatos de pipas, que Amir finalmente encontrará a paz e um novo começo para a sua vida. Por tudo isso, “O caçador de pipas” é uma obra imperdível. Tendo você lido o livro ou não.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

É proibido sorrir

Renato Gaúcho era um jogador que gostava de provocar e eu diria até que gostava de ser provocado pelas torcidas adversárias. Não sei se ele inaugurou, mas foi um dos, digamos, principais divulgadores daquele gesto de silêncio feito para as arquibancadas adversárias a cada gol decisivo.

Hoje um futuroso técnico de futebol a comando do Fluminense, Renato provavelmente não se criaria como jogador. Primeiro porque o dito profissionalismo, mais conhecido como comportamento robótico, não permite mais, aparentemente, jogadores de personalidade e que pensem. Esse mesmo profissionalismo religioso e sacal de discursos iguais e pouca criatividade impede a criação de jogadores boêmios e mulherengos e personagens interessantes como Renato foi. Só vale aquela coisa de grupo unido, etc e tal.

Não me entendam mal. Não acho que clubes não tenham que ter hierarquia e nem que os atletas, desculpem, jogadores de futebol, não tenham que respeitar regras, cumprir horários e etc. Mas hoje eles são mais adestrados do que treinados numa cartilha tacanha seguida pelos doutores-professores-treinadores de futebol. Categoria, aliás, que Renato não faz parte.

Mas este não é o assunto deste texto. A questão principal é a seguinte: depois dos treinadores, agora é a Comissão de Arbitragem da CBF que resolve colocar antolhos nos jogadores. Seu presidente, Sério Rezende, resolveu proibir a irreverência no futebol.

Como se não bastasse a arte estar cada vez mais maltratada e a violência estar correndo solta por causa de árbitros frouxos e/ou ruins, agora é proibido sorrir, provocar o rival. É tudo proibido. Fez o gol volta para o seu campo ou faz aqueles ridículos coraçõezinhos com a mão. Também é possível dar um tchauzinho, mas só para a sua torcida. Dancinha não pode. Mandar a torcida se calar é passível de cartão amarelo. Mas dar uma tesoura voadora está tudo bem, acredito eu.

A coisa é tão surreal que até o técnico de Portugal, Luís Felipe Scolari, que não é bem um entusiasta da alegria e da irreverência no futebol, reclamou da censura imposta pela Comissão de Arbitragem. Vamos deixar bem claro. O técnico que já foi flagrado mandando jogadores seus agredirem os adversários, reclamou da orientação que a Comissão deu aos árbitros. Realmente alguma coisa está fora da ordem.

A julgar pelo Sérgio Rezende, jogadores como Viola e Túlio hoje não teriam nenhuma vez. Suas comemorações irreverentes seriam consideradas violação grave passível de punição do “poderoso” Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Ainda bem que o Thierry Henry não joga no Brasil. Suas comemorações com cara de mau dos tempos de Arsenal seriam consideradas crimes inafiançáveis.

A culpa disso tudo é de um jogador do Avaí, que no clássico contra o Figueirense pelo Campeonato Catarinense ao fazer um gol mandou a torcida adversária se calar, virou de costas para ela e mostrou o número da camisa. A torcida não gostou, o time adversário também e iniciou-se uma briga generalizada. Daí a Comissão de Arbitragem proibiu certos tipos de comemoração.

Imagine uma cidade pequena. Agora pense no seu maior banco. Imagine que este banco dessa cidadezinha vem sendo constantemente assaltado e para solucionar o problema o prefeito resolve simplesmente fechar o banco, impedindo que seus correntistas retirem dinheiro e façam suas operações. Foi o que a CBF fez. Ao invés de cobrar segurança e justiça do Estado, exigindo que prendessem os vândalos e bandidos que infestam os estádios, ela resolveu impedir que o futebol tenha uma de suas coisas mais legais: a irreverência.