segunda-feira, 29 de março de 2010

O papel da vida de Sandra Bullock

Nunca gostei do trabalho de Sandra Bullock. Suas comediazinhas românticas sem sal ou qualquer tempero jamais me atraíram a gastar um tostão furado por seus filmes. Claro que volta e meia ela acaba participando de uma película boa como “Velocidade Máxima” (1994) ou “Tempo de Matar” (1996). Mas nestes trabalhos é uma coadjuvante que não faz diferença. Poderia ser ela ou qualquer outra atriz do tipo Maggie Gylenhall que daria no mesmo. Ela também participa do ótimo “Crash – No Limite” (2004), mas confesso que não lembro do que ela faz no filme.

Então você pode imaginar o quão estranho foi para mim encarar a fila do cinema, chegar no caixa e dizer: “Eu quero um ingresso para o filme da Sandra Bullock”. Tá, tudo bem não foi bem assim. Só desinformados pedem ingressos para os filmes de fulano. Eu disse o nome do filme. Mas era como se fosse daquele jeito.

Só que havia um ingrediente fundamental para eu assistir à “Um sonho possível”. Era a história real de Michael Oher, um garoto que comeu o pão que o diabo amassou na vida e virou um left tackle de sucesso na NFL, a liga de futebol profissional americana. Selecionado no draft após uma troca com o New England Patriots, Oher assinou contrato em 2009 com o Baltimore Ravens, franquia que ajudou a levar muito perto do Superbowl na última temporada (acabou perdendo para o Indianápolis Colts na sua divisão). O Patriots de Tom Brady, derrotado pelos Ravens nos playoffs e que andou patinando durante toda a temporada, deve ter se arrependido.

Vivido pelo desconhecido Quinton Aaron, Oher é um jovem que não conhece o pai e foi separado muito cedo da mãe e dos irmãos porque a velha só queria saber de cheirar e injetar drogas e acabou perdendo a guarda das crianças. Pulando entre orfanatos, ele de vez em quando consegue uma família que lhe dê abrigo, um lugar para dormir e alguma oportunidade.

Uma destas oportunidades lhe apareceu quando ele cruzou o caminho de Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock), matriarca de uma milionária e tradicional família de republicanos que resolve lhe ajudar a melhorar nos estudos para conseguir uma chance de frequentar uma universidade através de uma bolsa de estudos para atletas.

Ao lado de sua família, Leigh Anne ajuda esse jovem a sair da sarjeta e o acolhe como se fosse da própria família. Para isso, enfrenta o preconceito até das amigas após viver um daqueles momentos “despertar de uma dondoca para a vida”, quando teve que visitar o lado negro de sua cidadezinha perfeita.

Como já é mais do que conhecido, tudo dá certo e Oher, hoje com 23 anos, vira um jogador famoso. Um desfecho feliz para um jovem que sofreu tanto. Na temporada passada, ele ficou em segundo lugar na eleição dos melhores rookies ofensivos.

Para Sandra Bullock, o filme também foi um achado. É seguramente a melhor atuação de sua carreira povoada de filmezinhos como “Da magia a sedução” (1998), “28 Dias” (2000), “Miss Simpatia” (2000) ou “A Proposta” (2009). Nada que empolgue alguém além do seu público fiel.

Em “Um sonho possível”, porém, ela toma conta do filme desde que aparece e está numa atuação digna do Oscar que lhe foi dado. Sandra incorpora essa mulher de personalidade forte e encampa sozinha o desafio da mulher que transformou a vida de Oher da mesma forma que viu a sua vida ser transformada. E a continuação dessa história a gente pode acompanhar de perto nos gramados da NFL. Seria simplesmente fantástico se ele conseguisse faturar um Superbowl.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Franz Ferdinand a cada dia melhor

Como é bom assistir a um show sem aquela aberração na frente do palco chamada área vip. A apresentação do Franz Ferdinand na madrugada de sábado na Fundição Progresso deveria ser gravada e mostrada a todos os organizadores de espetáculos no Brasil para eles verem o que é um verdadeiro show de rock. O ponto alto seria o mosh duplo do cantor e guitarrista Alex Kapranos e do guitarrista Nick McCarthy no fim. Você consegue imaginar alguma banda fazendo um mosh na área vip? Provavelmente os mauricinhos e patricinhas amontoados na frente reclamariam.

Como eu dizia, o que se viu na Fundição Progresso foi um verdadeiro show de rock como se vê pouco hoje em dia. Sim, porque por mais que uma banda se esforce nos mega concertos da Apoteose, Maracanã ou qualquer outro lugar, é fato que os shows andam mais frios desde que criaram aquele entreposto entre o verdadeiro fã e seu artista. Lembremos do Police e dos Rolling Stones, por exemplo. Mick Jagger ali apontando para o fundo como se quisesse falar com seu verdadeiro público. Na Fundição isso não aconteceu. A temperatura foi altíssima e banda e plateia saíram em êxtase, me fazendo concluir que hoje os shows menores são muito mais interessantes e me dão mais prazer do que os grandes.

Por outro lado, há uma questão a se pensar. Por mais que tenham um carinho pela Lapa onde já tocaram em três oportunidades, o Franz Ferdinand já merece um lugar maior. Mais gente precisa ouvir uma banda que melhora a cada dia e a cada show e é um dos poucos grupos verdadeiramente bons que surgiram neste século XXI. Mas aí teríamos o problema daquela aberração já citada. É um verdadeiro dilema.

Formado ainda pelo baixista Bob Hardy e pelo baterista Paul Thomson, os arquiduques do rock aportaram mais uma vez no Brasil para o lançamento do seu mais recente disco, “Tonight: Franz Ferdinand” (2009), o terceiro da banda que tem ainda o “Franz Ferdinand” (2004) e “You could have it so much better” (2005).

O hiato de quatro anos entre o segundo e o terceiro álbum fez a banda aparecer diferente, experimentando o uso de sintetizadores em suas novas canções. Instrumento devidamente tocado por Kapranos e McCarthy quando as executavam no palco a partir de “Bite Hard”, que abriu os trabalhos por volta de 0h11m, coisa de meia hora depois de um sonolento Moptop tentar dar uma esquentada no público.

O resultado é mais do que satisfatório e jamais prejudica a já tradicional incendiária apresentação do quarteto. Inclusive porque algumas canções do novo disco podem se incluídas entre as melhores do Franz Ferdinand como “Turn it on”, “Bite Hard”, “No you girls” e “Lucid Dreams”, que fechou o espetáculo exatas duas horas depois e na sequência de “This Fire” clamada pelo público desde o início do bis.

Foi interessante e ousado do Franz Ferdinand encerrar o show como uma música nova, mas “Lucid Dreams” é tão boa que se pode dizer que foi um risco bem calculado de uma banda que sabe o cacife que tem e está construindo. Acho que a música, que funciona melhor até ao vivo do que no disco, pode, inclusive, ser colocada naquele grupo de clássicos próprios de Kapranos e cia que assim como “Take me out”, “This Fire” e “Do you want to” será sempre cantada e pedida pela plateia. É só uma impressão a ser confirmada no futuro.

No palco, Kapranos é um frontman cada vez melhor e passa a impressão de estar verdadeiramente se divertindo no Rio. Com ele, uma bandeira do Brasil nas costas jamais parece oportunista, sua tentativa de falar português (o que consegue muito bem) não soa como estratégia para parecer simpático. Ele está apenas comandando uma grande festa entre amigos que o recebem com um “Parabéns para você” no meio de “40’” pelo aniversário de 38 anos que estava completando. Comemorar aniversário no Rio, aliás, parece uma especialidade da banda. No show de setembro de 2006, a calorosa recepção foi para Thomson.

Companheiro de loucuras e mosh de Kapranos, McCarthy é aquele guitarrista insano que já conhecemos. Mais uma vez ele subiu numa estrutura lateral do palco. Mas, além disso, ele é excelente no que interessa. Se ficou mais preso dessa vez porque de vez em quando tinha que pilotar os teclados e até cantar, quando pôde se soltar ele foi o músico competente de sempre, sem firulas e fazendo a sua guitarra berrar o necessário.

Paul Thomson completa o trio agitador do grupo com suas baquetas infernais e ganha até um momento, digamos, "Stomp", comandando uma pancadaria geral na bateria ao lado dos colegas de banda no número que fecha a primeira parte do show. Como “reserva moral” do grupo, o baixista Bob Hardy mantém-se mais tranquilo no seu canto deixando que o seu trabalho fale por si.

Os quatro não deixam em nenhum instante do show a peteca cair. O ritmo é sempre frenético e nunca há espaço para aquele momento para ir ao banheiro ou comprar uma cerveja. Quem sai, perde sempre uma boa canção ou uma estripulia no palco, pois a banda faz valer cada centavo do ingresso. E isso apenas com a qualidade de sua música, pois não há telões com projeções fantásticas (apenas algumas imagens psicodélicas) ou elementos cênicos pelo palco. A decoração é simples e com o espaço necessário para o Franz Ferdinand usufruir da maneira que achar necessário.

Definitivamente quem foi a Fundição Progresso não se arrependeu. Viu um grande show que dificilmente deixará de ficar entre os destaques de 2010 e ainda melhor que o de quatro anos atrás no mesmo lugar. Resta saber o que os escoceses vão aprontar para se superarem no próximo espetáculo.

Set list do show a partir dos discos (espero não ter esquecido de nenhuma):

“Franz Ferdinand” – Take me out, The dark of the matineé, This Fire, Michael, 40’, Auf Achse, Tell her tonight, Darts of pleasure, Come on home

“You could have it so much better” – The Fallen, Do you want to, This Boy, Walk Away, Outsiders, Evin and the heathen, You’re the reason, I’m leaving, Well that was easy, I’m your villain

“Tonight: Franz Ferdinand” – Ulysses, No you girl, Lucid Dreams, Bite Hard, Can’t stop feeling, Turn it on, Twilight Omens, What she came for, Dream Again
Alguns momentos marcantes do show na Fundição:
"This Fire"

"Take me out"

"40'"

"Can't stop feeling"

"Auf Achse"
"Do you want to"

"Michael"
"The dark of the matineé"

domingo, 21 de março de 2010

Um thriller de Scorsese

Nos últimos oito anos, Martin Scorsese tem se alternado entre filmes com a música como tema – “No direction home” (2005), sobre Bob Dylan, e “Shine a light” (2008), sobre os Rolling Stones – e películas com Leonardo Di Caprio como protagonista, casos de “Gangues de Nova York” (2002), “O Aviador” (2004) e “Os Infiltrados” (2006). Nos próximos anos, Scorsese voltará a música para um trabalho sobre o ex-beatle George Harrison e a cinebiografia de Frank Sinatra, que se especula que será estrelada pelo próprio Di Caprio. Mas antes disso, ele lançou o ótimo “Ilha do Medo”, ora em cartaz.

Quarta parceria entre o diretor e o ator, o filme é um thriller psicológico com um quê de Alfred Hitchcock aqui e outro de Stanley Kubrick ali e que te prende na cadeira do primeiro ao último segundo. O que é algo raro de acontecer no cinema.

Neste thriller de Scorsese, real e imaginário se confundem em interseções de conjuntos disformes em que o limite é o alcance do raciocínio lógico/literário de Teddy Daniels (Leonardo Di Caprio em mais uma ótima atuação). Ele é a chave que leva a desvendar um suposto crime ocorrido naquela ilha sinistra do título. É Daniels quem dá o norte num labirinto freudiano em que traumas passados e lembranças sangrentas da guerra se embaralham numa faraônica teia de mistérios.

Daniels é também vetor de um jogo de poder entre duas correntes de pensamento que tentam prevalecer nos trabalhos naquela ilha assustadora. É ele quem dará a medida de futuras ações. Ele é o ponto de partida e chegada de tudo o que se faz na ilha e sua importância é notada a partir do desenrolar de uma história muito bem escrita pela roteirista Laeta Kalogridis.

Anteriormente conhecida por ter sido uma das escritoras do tenebroso “Alexandre” (2004), Laeta agora acerta a mão e consegue prender a atenção do espectador com uma história em que nada é o que realmente parece e muitas das imagens são ilusões num jogo de espelhos que formam e deformam a partir do olhar de quem contempla a imagem projetada, mas acaba por não se concentrar nos detalhes decisivos da película. Detalhes estes muito bem escondidos na tela, embora perceptíveis para observadores mais atentos.

Ao fim, no entanto, ela se faz entender e o espectador percebe que algumas cenas ou determinadas imagens tinham um contexto diferente do que ele pensara e o jogo de associações é inevitável.

Claro que a história construída por Laeta a partir do livro de Dennis Lehane não obteria sucesso se não encontrasse eco na câmera de Scorsese e na atuação dos seus atores.

O primeiro conduz o filme com a habitual habilidade de uma forma em que o trabalho é um desvelar dramático de uma pesada cortina que se abre sobre a paisagem. O ritmo é ditado por sua bela trilha sonora, uma especialidade de Scorsese, e os movimentos lembram um pouco Brian de Palma em “Dublê de corpo” (1984) e o próprio Scorsese na abertura dos “Infiltrados” com aquela fantástica trilha sonora de “Gimme Shelter” dos Rolling Stones.

Em frente a sua câmera, um Di Caprio inspirado e entregue de corpo e alma ao personagem que trava bons duelos com Ben Kingsley, o doutor Cawley, e Max von Sydow, o doutor Naehring, psiquiatra alemão que diverge quanto aos métodos de trabalho de Cawley. E ainda tem Mark Ruffalo envolto num personagem complexo e fundamental para a trama.

Por todos estes ingredientes, “Ilha do Medo” é um filme imperdível do diretor americano. Num hipotético ranking da dupla Scorsese-Di Caprio, só pode ser considerado inferior a “Os Infiltrados”, um trabalho realmente muito acima de muita coisa feita na história do cinema.

Neste seu novo filme, Scorsese prova que sabe fazer não apenas grandes trabalhos no terreno dos gangsters e mafiosos, mas também um belo thriller que surpreende por suas reviravoltas. Afinal, nem tudo o que se vê através do portão daquela instituição para criminosos perigosos é absolutamente verdadeiro.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Clichês e o brilho de um ator

Confesso que até assistir “Coração Louco” nunca tinha reparado muito no quão bom ator é Jeff Bridges. E olha que não foram poucos os filmes que eu vi com a participação do ator de 60 anos. Trabalhos como, por exemplo, “Homem de Ferro” (2008), “O grande Lebowski” (1998), “Susie e os Baker Boys” (1989) e “Starman – O homem das estrelas” (1984). Alguns, porém, eu lembro vagamente por ter visto há muito tempo.

Como eu cometi esta falha, não posso sentenciar como fez o crítico Rubens Ewald Filho durante a transmissão do Oscar de que o cantor country Bad Blake é o grande papel da vida dele. Mas me parece que o prêmio dado a Bridges foi merecido. Pelo menos até eu ver a atuação de Colin Firth em "Direito de Amar".

“Coração Louco” é Jeff Bridges e nada mais. É ele que faz o filme valer o ingresso. É por ele que vale a pena se deslocar da sua casa até a sala de cinema mais próxima. Bom, também vale a pena para rir do Colin Farrell dando uma de cantor country e usando aquele rabo de cavalo um tanto quanto ridículo.

Mas só por isso. Não surpreende que a película não tenha recebido indicações para filme, diretor e roteiro. Assim como não surpreende a vitória de “The weary kind” ao Oscar de melhor canção. As músicas do filme são realmente boas.

Mas de resto a história não é nada diferente do que já vimos. Cantor country decadente e alcoólatra tenta aos 57 anos reerguer-se das cinzas e sua carreira depois que conhece uma jovem mulher que acaba tocando o seu coração de alguma forma. Esta jovem por quem Bad Blake se apaixona é a jornalista em início de carreira Jean Craddock, vivida por uma terrível Maggie Gyllenhaal. Dispensável no filme. Bridges a engole quando contracena com ela. Sem contar que não há qualquer química ali.

O filme só não é 100% clichê porque no final o diretor e roteirista Scott Cooper resolve fazer algo diferente, dando-lhe um desfecho com um pouco mais de criatividade e tentando fugir do óbvio. Pode desagradar a muitos, mas pelo menos ele tentou.

Ainda assim, “Coração Louco” tem seu valor na excelente atuação de Bridges que interpreta com vigor a decadência de Blake e o seu reerguimento musical e como ser humano. Se nem tudo o que ele desejava acontece, pelo menos Blake encontra um caminho para viver dignamente. Foi um Oscar merecido de Bridges. E quase incontestável.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Nine não vale o ingresso

Não sou um grande fã de musicais, mas acho “Moulin Rouge” (2001) simpático e gosto de “Chicago” (2002), a última incursão do diretor Rob Marshall no tema. Portanto, apesar da minha aversão, de vez em quando consigo apreciar um ou outro musical, embora não consiga entender muito bem como uma pessoa de repente saia cantando do nada e a cena começa a ganhar ares lúdicos, iluminação diferente, enfim.

Mas por força da minha mania por ver sempre o maior número possível de filmes candidatos ao Oscar antes da premiação que ocorreu no fim de semana, fui ao cinema ver “Nine”. E o resultado só reforçou o meu preconceito contra musicais.

Para começo de conversa, “Nine” é um musical com músicas ruins. Isso já detona 80% do filme. “Chicago”, por exemplo, tinha boas canções. Não é a toa que dos seis Oscar que ganhou em 2003, um deles era o de melhor trilha sonora original. Quanta diferença com “Nine”, que teve apenas uma música, “Take it all”, concorrendo à estatueta de melhor canção numa das quatro indicações que o filme conquistou. E acabou deixando a festa de mãos vazias.

“Nine” é a tentativa de Rob Marshall de contar através de um musical a história de “Fellini 8 ½”, filme do italiano Federico Fellini lançado em 1963 que conta a história de um diretor, Guido Anselmi, em crise criativa com um filme para fazer, mas sem qualquer ideia para o roteiro ou de como começar.

No trabalho do diretor italiano, o papel de Guido é conferido ao ator Marcello Mastroianni. O resultado é uma atuação daquelas que você poderia chamar de única, quase perfeita. Se havia um ator, portanto, que poderia se igualar ao trabalho de Mastroianni, ele poderia ser Daniel Day-Lewis, reconhecidamente talentoso e duas vezes premiado com um Oscar, a última delas por “Sangue Negro” (2007) há dois anos.

Day-Lewis não decepciona (ao menos nos momentos em que ele não canta e apesar da tentativa de sotaque de italiano tentando falar inglês), mas realmente era difícil se igualar ao trabalho ímpar de Mastroianni. Além disso, ele é prejudicado por um filme que não empolga e se divide em esquetes para suas sete atrizes cantarem, dançarem e rebolarem à vontade.

Quando elas entram em cena percebemos assim que Marion Cotillard, que faz Luisa, a esposa de Guido, e que tanto vimos cantar na cinebiografia de Edith Piaf em “Piaf – um hino ao amor” (2007), é realmente uma grande atriz que valeria qualquer ingresso, assim como Judi Dench, a Lilli, responsável pelo figurino do filme falido de Guido.

Indicada ao Oscar de coadjuvante, Penélope Cruz (que dá brilho a este post lá em cima), a Carla, amante de Guido, também não destrói os seus tímpanos e, bem, é Penélope Cruz com toda a extensão de suas pernas.

Kate Hudson (Stephanie) e Nicole Kidman (Claudia), porém, são coadjuvantes de luxo (só porque custam caro) que pouco ou nada acrescentam ao filme enquanto a cantora Fergie (Saraghina) além de não cantar está ali apenas para exibir o seu (belo) corpo. E pensar que no filme do Fellini a sua personagem é uma mulher feinha de doer. E ainda tem a Sophia Loren que, bem, acreditem, meu avô dizia que ela era bonita. Hoje é difícil vê-la e, no caso de um musical, escutá-la.

Apesar de algumas ressalvas positivas “Nine” é um filme mala. Com 1h30m você já está querendo ir embora sem desejar ouvir qualquer música no resto do dia. Dessa vez, Rob Marshall errou a mão. Mas, convenhamos, não dá para fazer um “Chicago” todo dia.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O segredo por trás dos olhos

Em todas as reportagens que já li, é dada como certa a vitória do alemão “A fita branca” na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. A Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro realmente credenciam o bom trabalho de Michael Haneke ao prêmio da Academia. Mas eu não desprezaria completamente o novo filme do argentino Juan José Campanella.

“O segredo dos seus olhos” é um prato gélido de vingança degustado com o ódio da impunidade de uma Justiça mesquinha que se perde em detalhes pessoais ao invés de julgar fatos, provas e confissões imundamente eróticas.

É também a jornada de um homem aposentado que busca na escrita resgatar o passado para se redimir de erros cometidos pela falta de coragem, apesar da paixão que pulsava violentamente em sua corrente sanguínea.

No meio disso tudo, a história é contada com a sutileza dos olhares. Os olhos de desejo de Irene (Soledad Villamil), querendo libertar-se de uma decisão equivocada, mas precisando de uma âncora para isso. Os olhos de Benjamin Espósito (Ricardo Darín, em magistral atuação), pulsante em puro amor que se perde nas duas esmeraldas de Irene e deseja seus lábios carnudos.

Ou o de Ricardo Morales (Pablo Rago), homem que teve a esposa brutalmente assassinada e que planeja com frieza e crueldade a sua vingança após a Justiça não ter feito o que ele acha ser a coisa certa.

Todo o filme de Campanella é contado na viva (ou não tanto assim) expressão da retina dos seus atores. É um trabalho que se desvela pela paixão (e aqui não falo apenas de amor) e na sutileza do olhar.

“Os olhos falam”, diz Benjamin ao explicar muito do que está contido no seu livro para Irene e cujo conceito foi usado para desvendar o assassinato da jovem que em tantas fotos no álbum da família aparece sendo "devorada" por um homem desconhecido.

Paixão, desejo e vingança, sensações primitivas, primevas que se perdem e se encontram neste drama com toques de suspense e de filme policial argentino, filmado cirurgicamente por Campanella. A condução de sua história é como o lento desenrolar de um pergaminho reaberto com a extensão do tempo em que ele ficou ali recluso por 25 anos, embora parecessem séculos.

Um assassinato que marcou seus personagens, principalmente Benjamin, que nunca conseguiu esquecer e sempre se sentiu incomodado e com uma pergunta na cabeça: O que teria acontecido com aquele assassino que se salvara da pena praticamente certa de prisão perpétua?

A resposta vem com a perfídia de quem soube arquitetar um plano perfeito. Apesar de um triste, mas fundamental detalhe: ele o deixou aprisionado para sempre no passado.

Indicação ao Oscar: melhor filme estrangeiro

quinta-feira, 4 de março de 2010

A gênese do mal

Num pequeno vilarejo no interior da Alemanha, um pastor (Burghart Klaussner) educa com mão de ferro seus filhos e outros jovens catequizados na única escola da região. Com suas crianças, em especial, Klara (Maria-Victoria Dragus) e Martin (Leonard Proxauf), é ainda mais rigoroso, punindo os seus erros com chibatadas e humilhação pública como a obrigação de usar uma fita branca presa no corpo, uma indicação de alguém que está sendo purificado.

Nesse mesmo vilarejo conservador até o último fio de cabelo ariano, começam a surgir cruéis atos de violência contra seus moradores sem que ninguém descobrisse a autoria da maioria deles. É o médico que cai do cavalo porque um fio estava estendido perto de sua casa e fica a beira da morte. Uma jovem criança com síndrome de down espancada brutalmente ou um celeiro incendiado.

Este é o enredo de “A fita branca”, novo trabalho do diretor Michael Haneke, considerado favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que ainda concorre à estatueta de fotografia.

Passado um pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o trabalho de Haneke, que faturou a Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, mostra a gênese de uma pura maldade naquele fiapo de terra de uma Alemanha ainda recém unificada que pode criar paralelo com a ascensão do Nazismo de Hitler décadas depois.

Como num pesadelo, o vilarejo exposto pela câmera de Haneke é pesado a ponto de a baronesa (Ursina Lardi), mulher do Barão (Ulrich Tukur), espécie de mecenas da área, não querer mais criar o seu filho naquela região onde se respira a maldade, a desconfiança é latente e o amor floresce com muita dificuldade. Principalmente depois que ele é alvo de ataques.

Talvez como forma de expor com mais crueza a sua história, Haneke opta por filmar em preto e branco. O mesmo branco que deve denotar a pureza reflete a pura maldade de um grupo que permanecerá impune. Mesmo depois que o professor vivido por Christial Friedel, alguém que ainda tenta dar um senso de justiça ao vilarejo, até por não ser local, começa a descobrir toda a verdade. Contudo, em nome das aparências de uma comunidade perfeita, é ele que é devidamente calado. E a vida segue seu fluxo enquanto no resto da Europa o arquiduque Francisco Ferdinando é assassinado no que viria a ser o começo da Primeira Guerra Mundial iniciada pelo Império Austro-Húngaro com o apoio (carta branca) alemão. O mal a partir dali conheceria novas e mais sangrentas camadas.

Indicações ao Oscar: melhor filme estrangeiro e melhor fotografia

segunda-feira, 1 de março de 2010

Voo de galinha na Apoteose

Que os fãs do Coldplay não me entendam mal (e eles são muitos a julgar pelo bom público da Apoteose no domingo), mas um show da banda inglesa é como um voo de galinha. Tem um início triunfal de um verdadeiro top gun e um desfecho logo ali dois metros a frente. Não que a banda formada por Chris Martin (vocais, teclado, gaita, guitarra, violão e o que mais aparecer), Jonny Buckland (guitarra), Guy Berryman (baixo) e Will Champion (bateria, guitarra, violão e também o que mais aparecer) não seja competente. Ela é muito competente.

Mas sua apresentação tem buracos que causam dispersão na multidão, pontos fracos naturais de uma banda que tem apenas 13 anos de estrada e não formou ainda um set list que segure as pontas o tempo inteiro – o que me causou a estranheza de eles não terem jogado uma carta do seu baralho chamada “Speed of Sound” – e sofre de um pequeno problema: a quantidade de músicas muito parecidas, o que acaba cansando um pouco aqueles que não são absolutamente vidrados no quarteto. Isso é algo, aliás, muito comum em bandas surgidas entre o final do século passado e o início deste.

Formado naquela cidade maravilhosa chamada Londres em 1997, o Coldplay chegou a ser comparado com o Radiohead no início da carreira, tempo dos lançamentos de “Parachutes” (2000), seu bom álbum de estreia, e “A rush of blood to the head” (2002). Mas hoje, depois de “X&Y” (2005) e “Viva la Vida or death and all his friends” (2008), acho que a banda soa mais como um U2 ainda piorado. Isso porque para se chegar ao nível do U2, o Coldplay precisa primeiro atingir 34 anos de estrada e fazer álbuns absolutamente clássicos e obrigatórios em qualquer discografia roqueira como “War” (1983), “The Joshua Tree” (1987), além do ao vivo “Rattle and Hum” (1988).

Claro que a semelhança com a banda liderada por Bono Vox se deve muito também pela porção engajada de Chris Martin e companhia que já fizeram shows pela Anistia Internacional, Band Aid, Live 8 e gravaram música para ajudar as vítimas do terremoto do Haiti.

No Brasil para a divulgação do seu último álbum de estúdio, o Coldplay invadiu a Apoteose com a potencia de uma megabanda de rock. Após a introdução com Danúbio Azul, música que sempre me faz lembrar “2001 – Uma odisséia no espaço” (1968) de Stanley Kubrick, a banda emendou uma instrumental de “Life in Tecnhicolor” com “Violet Hill” e “Clocks”, sucesso do segundo disco do quarteto e uma das mais conhecidas deles. Ao fundo, a reprodução de um pedaço do quadro “A liberdade guiando o povo” (1830), de Eugene Delacroix, que também é capa do último disco do grupo e foi pintado em comemoração a revolução de julho de 1830. A França, aliás, dá o tom até nas vestimentas do Coldplay.

Uma pequena pausa, e os mais de 30 mil que aguentaram a chuva ainda foram recompensados com a baladinha “In my place” antes de atingir o êxtase com “Yellow” e suas bolas amarelas pululando pela plateia.

Tudo isso com um som perfeito (Por que o Iron Maiden não conseguiu o mesmo no ano passado?), telão de altíssima definição e muitas luzes, cores, fogos de artifício e todos os elementos que costumam compor um megaespetáculo. Até parecia um Kiss com muito menos peso e maquiagem.

No palco, Chris Martin é carismático, sabe levar a galera e é simpático com o público, tentando até umas palavras em português. Champion também é um monstro com suas baquetas socando com vontade quando lhe é necessário e até canta uma música, “Death will never conquer”, enquanto Buckland é um guitarrista muito bom sem fazer firulas.

Se a apresentação da banda tivesse durado aquela meia hora inicial apenas - um pouco menos do que o Vanguart teve para mostrar pouco e o Bat for Lashes de Natasha Kan, a clone inglesa da Bjork, teve para mostrar que é muito bom nos shows de abertura – teria sido um daqueles shows históricos. Mas tinha mais uma hora e pouco de set e a casa, se não caiu, ficou um pouco avariada.

Os problemas começam com uma certa falta de ritmo do show. Muitas paralisações, às vezes até com boas intenções como nos momentos em que a banda se aproxima do seu público mais fiel ultrapassando a intragável barreira vip (até quando teremos que aguentar isso?), deixam o espetáculo com altos e baixos.

Altos e baixos que se refletem no restante do set. Sendo os altos em momentos como “Fix You”, “Viva la Vida”, uma bela canção, ou “Shiver” e os baixos em “Glass of Water”, “Strawberrie Swing” e “Lovers in Japan”, por exemplo.

Ficou a impressão de falta de fôlego ou de muitos cartuchos gastos no início e falta de munição no resto do espetáculo. Enquanto o tempo vai passando e “Singing in the rain” é providencialmente tocada – não parou de chover um minuto sequer durante o concerto - como introdução para um novo “set íntimo com os fãs”, o show ia esfriando e se repetindo. A brisa de novidade esteve em “Don Quixote”, nova música apresentada no Rio. Uma canção típica do Coldplay, sem tirar nem botar.

No bis, o retrato desses dois terços finais do show. Um ponto alto com “The Scientist” e um desfecho mais frio com “Life in Technicolor II”. Chris Martin agradece e o público, apesar de tudo, sai satisfeito carregando seus papéis coloridos em formato de borboleta.

Set list do show no Rio:

Life in technicolor
Violet hill
Clocks
In my place
Yellow
Glass of water
Cemeteries of London
42
Fix you
Strawberrie swing
God put a smile upon your face
Talk
The hardest part
Postcards from far away
Viva la vida
Lost
Shiver
Death will never conquer
Don Quixote
Politik
Lovers in Japan
Death and all his friends
The ScientistLife in technicolor II
Abaixo alguns momentos do show. Cortesia do YouTube:
"Violet Hill"

"Clocks"

"In my place"

"Yellow"

"Viva la vida"

"The Scientist"