sábado, 9 de janeiro de 2021

“Mulher-Maravilha 84”: Um filme tão decepcionante e vazio

Dessa vez, nem Gal Gadot se salvou
Não é de hoje que a Mulher-Maravilha tem sido a personagem mais interessante do universo DC. O primeiro filme de 2017 é bem divertido e suas aparições foram as melhores coisas dos filmes “Batman vs Superman” (2016) e “Liga da Justiça” (2017). Com isso, era de se esperar que o hype de “Mulher-Maravilha 1984” (Wonder Woman 84, no original) estivesse nas alturas. Mas sabemos que a expectativa é a mãe da decepção. E neste caso, a decepção com o filme dirigido por Patty Jenkins foi enorme.

Na verdade, não é que a nova aventura da heroína Diana seja ruim. Ela é de um vazio que incomoda. Nada em 2h30min é minimamente interessante, emocionante, inteligente, ou provoca qualquer sensação mínima de prazer em ver um filme de super-heróis, que, salvo raras exceções, não são necessariamente obras de arte.

“Mulher-Maravilha 84” falha em provocar emoções mínimas no espectador. Falha em discutir temas morais que poderíamos julgar interessantes. E não entretém sequer em suas cenas de ação. Se juntarmos isso tudo ao fato de que nem Gal Gadot exibe o seu carisma habitual no papel da personagem principal e algumas decisões ded roteiro ruins, fica difícil salvar algo no trabalho de Patty Jenkins, diretora que já foi confirmada para dirigir o terceiro filme da Mulher-Maravilha e que também dirigirá uma nova versão de Cleópatra, prevista para 2022, e um aguardado novo filme do universo Star Wars, “Rogue Squadron”, previsto para 2023.

Como o próprio título do filme entrega, “Mulher-Maravilha 1984” dá um longo salto no tempo. Sai do período da Segunda Guerra Mundial que vimos no filme de 2017 e vai para os anos 80. O salto em torno de 40 anos serve apenas para exibir um figurino da moda da época e que hoje é visto como algo bem tosco, e nada mais acrescenta.

Na década de 80, Diana trabalha como arqueóloga em um museu de Washington e vive sozinha, uma vez que Steve (Chris Pine), seu grande amor, faleceu durante a guerra. Mas tudo muda quando Barbara (Kristen Wiig) está catalogando uns artefatos encontrados numa batida do FBI e nos é revelada uma pedra que realiza os seus desejos mais profundos.

Aqui o filme poderia ter enveredado por dilemas morais interessantes. Pois cada desejo da chamada dreamstone exige daquele que deseja algo em troca. Além disso, graças a ação de Maxwell Lord (Pedro Pascal, talvez uma das melhores coisas do filme), o filme vai escalando o problema dos desejos até fazer o mundo mergulhar num completo caos de desejos concedidos.

Com isso, o filme poderia nos fazer refletir sobre ter cuidado com o que de fato desejamos, caso pudéssemos realizar nossos mais profundos desejos. Exibiríamos nosso egoísmo, como muitos personagens e até mesmo a Mulher-Maravilha o fazem? Afinal, ela desejou que o seu antigo namorado voltasse a vida, mesmo com isso trazendo como consequências o apagamento existencial de uma outra vida e a sua perda de poderes. Ou teríamos a chance de desejar algo melhor para a humanidade?

Mas o filme fica apenas na superfície desta discussão. E se resolve rapidamente num discurso sobre a verdade para complementar o que havia sido inserido nos desnecessários 10 minutos iniciais ao mostrar uma parte da infância de Diana em Themyscira. Claro que o filme não precisava ter aprofundado estas questões se este não era o objetivo. Mas poderia ter agarrado esta oportunidade para discutir algo e não se prender a uma solução fácil, resolvida em cinco minutos.

Restava ao filme, abordar outras questões como a vida deslocada da Mulher-Maravilha nos anos 80, mas não há qualquer conflito, gag divertida ou impasses surgidos a partir daí. De fato, apesar da solidão, Diana está tão perfeitamente adaptada que “Mulher-Maravilha 84” poderia se passar em qualquer época da história. Ser nos anos 80, não traz qualquer diferença ao enredo para além dos detalhes estéticos e visuais daquela década.

Mas ainda nos sobra o entretenimento. E até nisso o filme falha. As cenas de ação são pouco inspiradas. Nem se compara com o que vimos no primeiro filme. Em especial as lutas com Barbara na Casa Branca e com uma Barbara já completamente transformada em Mulher-Leopardo já no fim do filme. Não há uma única cena de ação neste filme que seja realmente de tirar o fôlego ou emocionante. Mesmo a perseguição no Cairo ou a Mulher-Maravilha laçando raios de uma tempestade conseguem despertar alguma excitação.

E assim chegamos a Gal Gadot, que claramente não está muito inspirada neste trabalho. Sua Mulher-Maravilha está passando por um momento de questionamentos causados por uma solidão forçada e a perda do grande amor e vazia por dentro e por fora. Mas a cada dia dá o seu melhor pela humanidade. Mas ela não consegue demonstrar esta Mulher-Maravilha quebrada que o roteiro talvez quisesse passar. Talvez por culpa do roteiro, talvez da diretora, que, é preciso dizer, também pode ter sofrido com produtores que cuidam do universo da DC para contar a sua visão da personagem, ou talvez de todos os envolvidos. De fato, pareceu-me que o retorno de Chris Pine ao papel de Steve pareceu desnecessário. Diana poderia ter lidado de outra forma com a sua ausência que não fosse através de uma segunda chance. Se serviu para refletirmos sobre as consequências do que desejamos, haveria outras maneiras de abordar isso que não precisasse ser através do retorno de Steve, um personagem que está sobrando na trama e diminui a própria Mulher-Maravilha, uma personagem exibida na tela como completamente dependente dele para seguir em frente na vida.

É difícil defender “Mulher-Maravilha 84”. De fato, se o filme teve sucesso em algo foi em emular a estética dos filmes dos anos 80. Em muitos momentos, o filme parece um filme dos anos 80. Infelizmente, parece com as suas piores e dispensáveis versões. Faziam sucesso nos anos 80, mas já não são mais tão aceitáveis em 2020. Lamentavelmente, “Mulher-Maravilha 84” ficou devendo demais.

Cotação da Corneta: nota 3,5.