quinta-feira, 29 de maio de 2008

Duelo de titãs

Se houve alguma injustiça entre os indicados ao Oscar deste ano (e sempre há), ela aconteceu com Denzel Washington e Russel Crowe. Astros e antagonistas do mais recente trabalho de Ridley Scott, “O Gângster”, os dois brilham no filme e mereciam ao menos indicações como atores. É claro, porém, que eles não teriam vencido Daniel Day-Lewis e sua soberba atuação em “Sangue Negro”. Mas uma lembrança teria ficado de bom tamanho.

“O Gângster” conta a história real do traficante Frank Lucas (Denzel Washington em mais um de seus grandes trabalhos), que assumiu os “negócios” no Harlem após a morte de seu mentor Bumpy Johnson. Lucas era, contudo, um traficante incomum e que por isso incomodava a máfia tradicional, formada pelas famílias italianas e que sempre dominavam o comércio de drogas.

Ele era um outsider no seu meio que adquiria o melhor produto diretamente de fornecedores no Vietnã, onde os americanos estavam afundando numa guerra, e outros países do sudoeste asiático e o vendia por um preço mais barato que a sua, digamos, "concorrência". Toda a droga vinha diretamente dentro de caixões de aviões militares que traziam soldados mortos no conflito. Por conta de atitudes como essa e poderosos contatos, dizia-se que Lucas estava acima da máfia.

No seu encalço, outro outsider, mas da polícia. O detetive Richie Roberts (Russel Crowe) é visto como um pária na sua corporação por ter uma qualidade que deveria ser lei na polícia: é honesto. E ele prova a seriedade que pauta o seu trabalho ao achar e devolver US$ 1 milhão, que não lhe pertencia, em uma batida policial.

Nem suas amizades com indivíduos de ética duvidosa e até envolvidos com o mundo do crime o deixam misturar as coisas e seguir caminhos que não seja o que ele acha ser o mais correto.

Desse duelo de outsiders, o diretor Ridley Scott constrói uma boa briga de gato e rato digna dos melhores filmes do estilo, como “Fogo contra fogo” (1995), quando outros dois grandes atores, Robert de Niro e Al Pacino, duelavam na tela. E o final inesperado, que revela o verdadeiro objetivo de Roberts com a prisão de Lucas, traz uma curiosa reviravolta ao filme e acaba sendo um alívio para os que durante a película passaram a nutrir uma certa e natural simpatia pelo vilão.

sábado, 24 de maio de 2008

Um herói para Downey Jr.

Os filmes baseados em histórias em quadrinhos têm se tornado tão importantes nos últimos tempos que vêm atraindo até atores importantes. Se no passado, películas como “Capitão América” (1990, estrelado por Matt Salinger), “Nick Fury – agente da Shield” (1988, estrelado pelo posteriormente astro de “Baywatch" David Hasselhoff) ou “Hulk” (série da década de 1970 estrelada por Lou Ferrigno) eram feitas por figuras inexpressivas, hoje as franquias atraem atores de peso como Nicolas Cage, do fraco “Motoqueiro Fantasma” (2007), Christian Bale, o novo Batman, cujo segundo filme, “O Cavaleiro das Trevas”, estréia por aqui em junho, e Edwad Norton, estrela do novo filme do Hulk que também estará nos cinemas no mês que vem.

Eu responsabilizaria o maior profissionalismo, a riqueza dos roteiros e a evidente evolução dos efeitos especiais como atrativos naturais para um ator de peso que queira se divertir um pouco com um blockbuster. Além, é claro, da falta de imaginação dos roteiristas de hoje em dia que não conseguem mais escrever aventuras inéditas e criar novos personagens e se atém apenas a transpor para a tela grande o que está em qualquer gibi.

Depois de fazer um jornalista obcecado por descobrir a identidade de um assassino no ótimo “Zodíaco” (2007), Robert Downey Jr. entra para o time dos atores de ponta que se rendem aos quadrinhos ao viver com extrema perfeição e sem maneirismos o cientista, playboy, milionário, mulherengo e gênio, Tony Stark, cujo alter-ego é mais conhecido como o Homem de Ferro.

Ponto inicial de uma nova era da Marvel, agora também um estúdio, “Homem de Ferro” é um dos melhores filmes baseado em quadrinhos muito por causa de Downey Jr., um ótimo ator, que consolida sua retomada do inferno das drogas com um trabalho que convence o fã mais xiita logo na abertura.

Ao som de “Back in Black”, do AC/DC, somos apresentados ao seu Tony Stark, uma figura despojada, que caminha no meio das montanhas do Afeganistão como quem está em Malibu, com seus ternos bem cortados, o jeito um tanto quanto debochado e a bebida sempre ao seu lado. Quem conhece bem a história do “Homem de Ferro” sabe, inclusive, que este é o seu maior fraco. Se Downey Jr. teve que enfrentar problemas com vício no passado, Tony Stark já teve que superar o alcoolismo, um tema que certamente será abordado em futuros filmes.

Mas não acredito que seja possível resumir apenas às tragédias comuns o fato de Downey Jr. ter se sentido tão à vontade ao viver Tony Stark. Se deve também a acertada aposta em levar a sério um produto que é de puro entretenimento seja na escalação do elenco, seja na hora de respeitar a característica de cada personagem na produção do roteiro. “Homem de Ferro” é a continuação de uma linha que já vinha dando certos nas trilogias dos X-Men e do Homem-Aranha e que toda vez que foi desviada deu em bombas como os dois filmes do Justiceiro, o Demolidor, Elektra e os dois filmes do Quarteto Fantástico.

Todos estes acometidos pelo mesmo problema: atores fracos e roteiros rasos interpretando heróis com tantas nuances que não foram aproveitadas, em especial os conflitos internos de Frak Castle (Justiceiro) e Matt Murdock (Demolidor). Sem falar na Elektra com transtorno obssessivo-compulsivo.

Em “Homem de Ferro”, como nos exemplos bem sucedidos que já listei, a tecnologia está a serviço da história e é apenas o tapete vermelho para brilharem nomes como Jeff Bridges, perfeito como o vilão Obadiah Slane, e Gwyneth Paltrow, a Pepper Potts que todo milionário gostaria de ter.

Seguindo esta linha a Marvel (e também a DC, dona de histórias como Superman e Batman), tem tudo para fazer dos filmes de quadrinhos um gênero aguardado quanto para quem passou a adolescência lendo estas histórias e sente saudades (que é o meu caso) quanto para novos e cada vez mais escassos leitores.

Que o “Homem de Ferro” ganhe continuações e que a deixa para um ainda mais ambicioso filme dos Vingadores, vista logo após os créditos do filme (e cada vez mais real com o projeto ainda em fase de pré-produção intitulado “Captain America – The First Avenger”, que encontro no site IMDB), se torne fato consumado. Seria muito bom ver reunidos atores como Downey Jr., Edward Norton e outros nomes ainda obscuros que venham a viver o Capitão América, Thor, Namor, Feiticeira Escarlate e Visão numa versão cinematográfica da super-equipe do governo americano.

Um dos pontos altos de “Homem de Ferro” é a sua trilha sonora com muito rock’n’roll. Em homenagem ao filme, coloco abaixo dois vídeos: AC/DC cantando “Back in Black” e Black Sabbath tocando “Iron Man”.




quinta-feira, 22 de maio de 2008

O pequeno pardal

Adaptações de livros e cinebiografias são sempre difíceis de fazer. As primeiras pelas complicações de transpor para a tela tudo o que está em 200, 300, não sei quantas páginas. O filme nunca fugirá de um resumo do romance, por melhor que ele seja. Mas não é raro, apesar disso, ele ser bem sucedido.

No caso das cinebiografias, a dificuldade está em tratar de ídolos com a reverência necessária sem que o filme seja “chapa branca”, mostrando defeitos e virtudes, momentos de genialidade e de geniosidade.

Apesar disso, recentemente o cinema contou com bons exemplos aqui e lá fora. Apesar das críticas do cantor Lobão, que na época chamou “Cazuza – O tempo não pára” (2004) de um mega videoclipe, achei o filme de Walter Carvalho e Sandra Werneck um exemplo positivo de cinebiografia e o Daniel de Oliveira estava perfeito na figura de Cazuza.

Lá fora, “Ray” (2004), que rendeu um Oscar de atuação para Jamie Foxx, é outro ótimo exemplo e Helen Mirren foi a própria rainha Elizabeth em “A Rainha” (2006). Não por acaso, ela faturou um Oscar de melhor atriz.

Da França, o trabalho da atriz Marion Cotillard, mais conhecida fora da terra de Sartre por filmes como “Um bom ano” (2006), com Russel Crowe, e o ótimo “Peixe Grande” (2003), com Ewan McGgregor, ganha novo status – e uma merecida estatueta do Oscar de melhor atriz – ao levar para as telas as dores e a vida sofrida da cantora Edith Piaf em “Piaf – um hino ao amor”.

Desde o início triunfal com Piaf cantando no palco de um teatro, Marion domina o filme escrito e dirigido por Olivier Dahan. Não é fácil interpretar um ídolo e principalmente um ídolo que tenha tido uma vida tão dura em que a felicidade era demasiada efêmera. Mas em nenhum momento Marion se deixa cair pela pieguice ou a caricatura.

Abandonada pela mãe e colocada pelo pai para viver num prostíbulo comandado pela avó, Piaf começou a enfrentar desafios desde cedo quando contraiu uma doença que a deixou cega por meses. Recuperada e finalmente feliz, ela é tirada da convivência de Titine (Emmanuelle Seigner), prostituta que a criou como uma filha, pelo pai que a leva para o circo.

Mesmo mal tratada, ela gosta do circo, mas uma discussão do pai com o patrão, a faz deixar o convívio com o circo para ganhar dinheiro nas ruas de Paris. Lá, ela se descobre cantora numa passagem patriótica cantando o belo hino francês.

Já jovem e sem muita perspectiva, canta nas ruas para sobreviver até que Louis Leplée (Gerard Depardieu) a vê cantando e resolve lhe dar uma chance de se apresentar numa grande casa. A vida de Piaf melhora até a morte de Leplée. Acusada injustamente de tomar parte do crime, a cantora cai em desgraça.

Reergue sua carreira a partir da ajuda de Marc Barbé (Raymond Asso) que molda a cantora, ajuda-a a ganhar vida e sentir as canções que interpretava. Piaf atinge finalmente o estrelato, mas acaba viciada em remédios e vira amante de um lutador de boxe que morre num trágico acidente de aviã. Por fim, é obrigada pela saúde frágil a se calar.

Uma vida tomada de reviravoltas, de ascensões e quedas, que é conduzida com maestria por Dahan a partir da jóia encontrada que foi Marion. É ela que faz de “Piaf – um hino ao amor” o bom filme que é.

sábado, 17 de maio de 2008

O poeta enclausurado

Perdido na burocracia
das letras vãs
o poeta não mais sorria

Da janela, ele observa
uma triste gaiola,
que lhe atentava
para a realidade da radiola

Sua pena não mais invadia
a lúdica realidade
O romance suplantado
por uma cotidiana maldade

Passos marcados,
devastadora rotina
O olhar fixado
numa paisagem que não sublima

O poeta quer ser um rolling stone
um criador, encontrar
na doce bagunça um tom,
uma porta aberta para o mar

Pássaro que cessou a cantoria,
o poeta não vê mais cores,
a alma transparente
de toda essa gente
tomada pela opacidade

Até quando ele vai suportar
ser um poeta enclausurado?

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O fã

Olhando para o relógio com o tempo que teimava em passar rápido demais, Carlos não escondia a ansiedade para chegar logo ao Citibank Hall. “Será que vai dar para ver da frente do palco”? “Será que eu posso entrar com câmera”?, questionava-se ele enquanto, para sua sorte, o trânsito fluía até normalmente para aquele horário de um dia de semana.

Ser fã é sofrer e aguardar com apreensão e ansiedade antes e ter o regozijo, o ardor e a satisfação quase sexual depois. Carlos não escondia o seu amor. Pelo contrário, o declamava a plenos pulmões.

“Acho que essa é a única banda pela qual eu pagaria R$ 120 para ver um show. Eles e o Nelson Gonçalves. Se ele fosse vivo, eu iria a todos os shows dele”.

Carlos definitivamente era uma figura estranha. Mas amor não lhe faltava. Tanto é que ele não precisou nem pagar pelo ingresso. Ficou como um presente da namorada Lúcia, compreensiva e disposta a lhe dar esta noite de alegria em comemoração ao seu aniversário.

Também não falta amor ao Whitesnake. Se isso não era visível na satisfação do cantor David Coverdale ao voltar ao Rio para o seu terceiro concerto com a banda, podia ser medido nas músicas do set list. Nada mais nada menos do que seis músicas tinham o amor nos seus títulos: os clássicos “Love ain’t no stranger” e “Is this love”, “The deeper the love”, “Give me all your love tonight”, e “Fool for your loving” e a nova “Lay down your love”.

Se não faltava amor para dar e receber, Carlos tinha apenas uma única preocupação. Não conhecia o repertório novo, do disco “Good to be bad”, lançado neste ano, motivo pelo qual o Whitesnake fazia a sua turnê pelo Brasil.

Logo no início ele foi apresentado a uma delas, “Best Years”, um bom aquecimento para o que viria em seguida com “Fool for your loving”, o primeiro momento de sintonia total entre Coverdale e a platéia.

Outros viriam. Clímax é o que não faltou na apresentação da banda que conta ainda com os guitarristas Reb Beach e Doug Aldrich, o baixista Uriah Duffy, o tecladista Timohy Drury e o baterista Chris Frazier, responsável por um sonolento solo (uma redundância quando se trata de bateria, aliás) estrategicamente colocado no meio do show para que aquele amigo do lado ou a namorada de Carlos dissesse: “Vou pegar uma cerveja e já volto”.

Mas amar também é perdoar. E essa é a deixa para que Coverdale, que, diga-se de passagem, prova ser um dos grandes frontmen da história do rock, diga: “Rio, Is still a place for love? Is this love?”. Braços levantados, muitos isqueiros acesos e uma calcinha jogada nas mãos do cantor, que sorri e, feliz com seu momento Wando, esfrega o suor com a peça e a devolve para a fã mais exaltada. Não mais do que a outra que prometeu um boquete com gestos quase universais lá do alto do camarote. O cantor corresponde com uma coreografia mais safadinha prometendo mostrar mais tarde a sua whitesnake.

A sintonia entre o cantor e a platéia é total. Ávida pelos clássicos da banda, o público nem percebe que as músicas novas funcionam no palco e são bastante agradáveis para um grupo que já foi dado como acabado e não lançava um disco de inéditas desde “Restless Heart”, de 1997. Embora David Coverdale tenha lançado um disco-solo, “Into the light”, de 2000.

Aos 54 anos, Coverdale ainda canta muito bem para quem faz um rock que costuma castigar a voz e ser cruel com o tempo. Mas ele sabe dosar as músicas e pedir a ajuda da platéia quando necessário. O refrão de “Burn” foi só da galera. Ficaria bonito num DVD. Além disso, ele alterna músicas mais pesadas como Crying in the rain” e “Still of the night” com momentos mais calmos como a execução apenas com um violão de “The deeper the love” e um “Soldier of Fortune” à capela.

Tudo é perfeitamente encadeado no show do Whitesnake e em “Here I go again”, um dos momentos mais emocionantes do espetáculo, já é possível ver algumas almas em completo êxtase.

Um showzaço que não poderia terminar melhor do que com um medley de “Burn/Stormbringer”. Para Carlos uma noite inesquecível. E, por que não arriscar dizer, para cada uma das almas que encheram o Citibank Hall e deixaram a casa ainda mais apaixonados.

Quatro momentos especiais da apresentação do Whitesnake tirados do youtube. Primeiro eles cantando “Here I go again”. Em seguida, “Love ain’t no stranger”, “Soldier of Fortune/Burn/Stormbringer” e, fechando, “Is this love”. Magia pura.








quinta-feira, 8 de maio de 2008

Juventude desolada

Alex (Gabe Nevins) é um adolescente com problemas com a família, dúvidas e dilemas próprios de muitos garotos da sua idade. Skatista amador e que se acha inferior ao que propriamente é, ao menos na opinião do seu melhor amigo Jared (Jake Miller), ele descobre um novo e mais aprazível mundo na mítica pista de skate Paranoid Park, onde todos os freaks problemáticos se reúnem e o fazem parecer até um cara normal.

Em Paranoid Park, ele faz novas amizades que acabaram por levá-lo a cometer o maior erro da sua curta existência, o assassinato, mesmo que acidental, de um segurança que tentava tirá-lo de uma pista de trem onde ele não devia estar.

Com essa culpa arraigada na sua alma, Alex se isola ainda mais e não sabe o que fazer para curar a dor de ter tirado a vida de alguém. Não se vê como um assassino, mas não consegue virar para a polícia e dizer que tudo não passou de um acidente.

É nessa jornada de Alex que Gus Van Sant mergulha para fechar, ao menos por enquanto, sua trilogia informal sobre a juventude desolada e niilista norte-americana em “Paranoid Park”. Mais uma vez usando um elenco de desconhecidos e de jovens recrutados sem qualquer experiência na arte de atuar, o diretor se coloca novamente com um interlocutor, ou melhor, um cronista desta juventude que não se apega a nada, não tem objetivos e vive isolada/perdida ao mesmo tempo em que se fecha num mundo que ela depende, mas, de certa forma, a deprime.

“Paranoid Park” é um libelo de culpa sem solução. Apesar de alguns clichês usados para mostrar o que sempre vem procurando apresentar nos seus últimos filmes – a trilha sonora aliada a olhares perdidos ou a imagem dos pais sempre desfocada e não centralizada – Van Sant remexe mais uma vez na ferida da juventude americana (e por que não mundial?) para tentar identificar os problemas de uma geração que vai se perdendo por aí.

Nada muito diferente do que o diretor mostrou em “Elefante” (2003) e “Last Days” (2005). Se no primeiro, ele mergulha e especula sobre o que levou dois jovens a assassinarem seus colegas no massacre da escola de Columbine e no segundo ele se debruça sobre um roqueiro tomado pela depressão e infeliz numa biografia, digamos, informal, de Kurt Cobain, em “Paranoid Park”, ele vai além no niilismo, na falta de estímulo e vontade de viver, num sentido mais nietzschiano do que schopenhaueriano de Alex, tomado ainda pela culpa e com as imagens na cabeça do corpo de sua vítima dividido em duas partes pelo trem que passara e mudou definitivamente a sua vida.

Nem cartas escritas e supostamente exorcizadas pelo fogo vão salvar Alex, pois ele estará para sempre marcado por aquele fato ocorrido num período em que deixou de ter cuidado até porque ninguém cuidou muito bem dele.

“Paranoid Park” é, assim, mais uma crônica de Van Sant sobre esta juventude que nada no nada em busca de uma motivação para que não enlouqueça e acabe entrando para a história pela porta dos fundos. Como os assassinos de Columbine retratados por ele ou o da Virgína Tech, que também atacou colegas de campus no ano passado.

domingo, 4 de maio de 2008

As dores do amor

Não é difícil reconhecer em si algumas das dores de amor descritas em “My bluberry nights”. Da traição ao amor paterno não plenamente correspondido, ou simplesmente o fim do sentimento, o novo filme de Wong Kar Wai, sua primeira incursão no mercado norte-americano, é um mosaico de corações partidos e um tortuoso caminho para encontrar a cura de uma dor dilacerante que é a da alma.

Se em “2046 – segredos do amor” havia uma tentativa de busca das memórias perdidas, uma tentativa de viver ou reviver emoções supostamente perdidas, “My blueberry nights” há uma busca de Elizabeth (a cantora Norah Jones) de curar uma ferida profunda aberta por um namorado que a desprezou e a traiu.

Sozinha, ela acaba desenvolvendo uma amizade com Jeremy (Jude Law, em bela atuação), inglês de Manchester que tinha sonhos ao chegar a Nova York com Katya, sua namorada russa, mas teve que aceitar que, por vezes, o sentimento desaparece.

Embalados por uma torta de mirtilo (a tradução de blueberry) tão desprezada quanto eles foram, criam uma relação de confidência e intimidade. Mas para avançar, Elizabeth precisava mudar. E para isso, resolve ir o mais longe possível da cidade que lhe causou tanta dor.

De Menphis a Las Vegas, conhece outras pessoas com problemas aparentemente piores do que o seu e sem a mesma força para tentar superá-los. Do policial Arnie Copeland (um perfeito David Strathairn) à jogadora Leslie (Natalie Portman, vivendo grande fase), passando por Sue Lynne (Rachel Weisz), todos têm em comum o fato de terem sucumbido de certa forma às suas fraquezas.

De certa forma, a viagem de Elizabeth a resgata do fundo do poço. Pronta a recomeçar, ela faz a trajetória inversa. Da fuga para um lugar distante, ela tenta buscar a esperança de um recomeço no ground zero de sua tragédia pessoal.

Embalado por uma bela e delicada trilha sonora que parece ter sido cuidadosamente escolhida, “My blueberry nights” tem apenas um problema: seu infeliz título em português. Baseado apenas num cartaz e numa cena, o título “Um beijo roubado” é tão infeliz que, se fosse possível, deveria ser abolido quando o filme chegasse às locadoras. Se não quisessem chegar ao pé da letra de colocar “Minhas noites de mirtillo” que ao menos mantivessem o título original. Muito mais representativo da essência do filme do que o escolhido.

De resto é um bom filme defendido com garra por Norah, que encarou um papel de protagonista no seu primeiro trabalho no cinema e conseguiu se sair a contento. Se seus defeitos aparecem em cena, é mais pelo time com quem contracena do que por um desempenho abaixo da média. Para um primeiro trabalho, ela mostra que tem talento.

Já Wong Kar Wai colocou na tela um filme que faz jus à sua filmografia chinesa. Sua primeira incursão no mercado norte-americano é uma deliciosa torta de esperança pronta para ser saboreada por corações incrédulos.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Um dos mestres dos Stones

Há exatos 25 anos morria Muddy Waters. Um dos bluesmen mais importantes da história, McKinley Morganfield (seu nome de batismo), foi uma das maiores influências de toda uma geração de roqueiros britânicos que viria a estourar na década de 60 como o Cream, o Led Zeppelin e os Rolling Stones. Além de ter sido um nome fundamental para o rock, Waters também influenciou outros ritmos como o blues, o folk, o R&B e o country norte-americanos. Com sua música, ajudou a fazer história dentro do palco e fora dele, uma vez que foi importante para que um certo Chucky Berry conseguisse seu primeiro contrato com uma gravadora.

Conhecido como “The father of Chicago blues”, Waters foi comparado pelo escritor Peter Guralnick a dois mestres do gênero: Son House e Robert Johnson. Disse ele: “sua peculiar, grave e negra voz, e sua firme, quase sólida personalidade, eram claramente derivada de House. Mas seu belo estilo, sua técnica criativa e maior agilidade nos ritmos eram mais próximos de Johnson”.

A voz e o estilo eram realmente inconfundíveis para este jovem que aos 17 anos começou fazendo covers exatamente de House e Johnson, mas logo iria compor seus próprios clássicos. E mesmo quando as músicas não eram suas, acabavam ficando mais conhecidas na sua voz.

E aqui surge uma passagem importante na história do rock. Duas de suas canções, “Mannish Boy” e “Rollin’Stone” chegaram aos ouvidos de cinco jovens ingleses que pensavam em fazer música para pegar umas mulheres, beber todas e ainda faturar um dinheiro. Entre os poucos versos de “Mannish Boy”, Waters canta “I’m a rolling stone”. Mas é na letra de “Rollin’Stone”, música que fala sobre um homem cuja mãe já previa no parto que viveria como uma pedra rolante (“I got a boy child’s comin/ He’s gonna be, he’s gonna be a rollin stone”) que Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts, Bill Wyman e Brian Jones tiveram a idéia de dar o nome da banda que segue até hoje o lema da canção.

Na letra de Waters, o termo “rollin stone” é uma metáfora sobre alguém que não tem moradia fixa, sem dono, esposa, sem rotina, apenas vagando pelo mundo com sua guitarra. Um conquistador errante. É mais ou menos o que Mick Jagger e os demais Stones têm feito nos últimos 45 anos. Afinal, como diz o velho ditado, “pedras que rolam não criam limo”.

Se Waters é um dos pais dos Stones, ele também deixou boas influências em outro que é considerado um mestre do blues: Eric Clapton. Antes de ser considerado exageradamente Deus pelos que pichavam os muros de Londres, Clapton e seu Cream regravaram no álbum de estréia da banda, “Fresh Cream” (1966) a canção “Rollin’ and Tumblin”, tamanha era a devoção do guitarrista pelo ídolo. A música, aliás, também foi adaptada por Bob Dylan no recente disco “Modern Times” (2006). Clapton também já regravou “Hoochie Coochie Man”, música de Willie Dixon que ficou famosa com Waters.

Para não me estender muito, fico apenas com mais uma lembrança. Outro clássico, “Wholle Lotta Love”, do Led Zeppelin é baseado num dos hits de Waters, “You need love”, outra letra composta por Willie Dixon que ficou muito conhecida na voz do bluesman.

Muddy Waters nasceu em Rolling Fork, no estado do Mississippi no dia 4 de abril de 1913. Viria a morrer aos 70 anos no dia 30 de abril de 1983. Em 42 anos de carreira, gravou 30 álbuns, sendo o primeiro deles apenas em 1958, “The best of Muddy Waters”. Depois de sua morte, ainda foram lançados mais nove discos póstumos, o mais recente deles “The Anthology” (2001).

Nos anos 40, mais ou menos na mesma época em que ganhava de seu tio sua primeira guitarra, foi ajudado por um conhecido bluesmen de Chicago, Big Bill Broonzy, que o deixou abrir seus shows. Em pouco tempo fez sucesso com covers e músicas próprias. É dessa época músicas como “I can´t be satisfied” e “Feel like going home”. No mesmo período, “Rollin’Stone” se tornava um hit.

Na década de 50, mesmo sem ter ainda gravado um disco, Waters viveria o seu auge. Seu som, comumente descrito como um delta country blues eletrificado, era considerado difícil de ser reproduzido, inclusive por sua própria banda. O próprio Waters, porém, não se tocava disso, como ele reconheceu certa vez uma entrevista à Rolling Stone: “Meu blues soa tão simples (como você pode ver nos vídeos abaixo), tão fácil de fazer, mas não é. Eles (a banda), dizem que é o mais difícil blues de se tocar no mundo”.

Nas duas décadas posteriores continuou tocando e gravando discos, muitos deles registros ao vivo como “Live (at Mr. Kelly’s) (1971), “The Muddy Waters Woodstock Álbum” (1974) e “Live at Jazz Jamboree’76” (1976). Além disso, fez apresentações com os Rolling Stones, que sempre o citam como um mestre. No recente “Shine a light”, filme de Martin Scorsese sobre a banda, antes de executar “Champagne and reefer”, música de uma desconhecida banda chamada Bongzilla, Mick Jagger diz em quase tom de reverência que a primeira vez que ouviu a música foi através de Muddy Waters. O bluesmen era um sinal de qualidade. Quando as músicas não eram dele, ela as sabia escolher.

Com sua peculiar sofisticação, Waters faturou cinco grammys entre 1971 e 1979 e virou nome de rua em sua cidade, a “Honorary Muddy Waters Drive”. Mas é claro que o maior prêmio que ele poderia receber é saber o quão foi importante para a música. Durante o seu funeral, em 1983, houve um grande tributo a ele. Em entrevista à “Guitar World”, outro monstro sagrado, B.B.King, certa vez disse: “Levará anos e anos até que as pessoas percebam o quão grande ele foi para a música americana”.

Não apenas para a americana. Eu destacaria a gigantesca importância de Muddy Waters para a música. Nada mal para quem dizia na letra de “They call me Muddy Waters”, “I’m just a restless man as the deep blue sea” (Eu sou apenas um homem inquieto como o azul profundo do mar).

Para saber muito mais sobre Muddy Waters, basta acessar o site oficial do bluesmen: http://www.muddywaters.com/. Abaixo, quatro registros de Muddy Waters ao vivo. No primeiro, ele canta “Rollin’Stone”. Em seguida, “You can´t loose what you never had”, “Got my mojo working”, música de Preston Foster, e “They call me Muddy Waters”. O suficiente para entender porque ele era craque.