domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um faroeste clássico dos Coen



Há três anos, Joel e Ethan Coen ganharam quatro Oscar, entre eles o de melhor filme, por um trabalho que era uma espécie de ponte entre os tempos do Velho Oeste americano e o mundo atual de uma violência ainda mais banalizada. “Onde os fracos não têm vez” (e seu belo título original, “No country for old man”) tinha no xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) uma voz que refletia sobre as mudanças do tempo em tom nostálgico. Um vetor de lamentações num semi-western que se passava num Texas que para Tom Bell não era mais o mesmo.

Depois de filmarem duas comédias de estilos diferentes – “Queime depois de ler” (2008) e “Um homem sério” (2009) – os irmãos Coen voltam ao tema do Velho Oeste para dessa vez fazerem um western clássico com aquelas pradarias, o estilo enrolado de falar e o bom e velho duelo. E que duelo que Jeff Bridges trava com os vilões no final deste belíssimo “Bravura Indômita”!

Na película, Bridges é o alcoólatra Rooster Cogburn, homem da lei que é contratado pela adolescente Mattie Ross (Hailee Steinfeld) para capturar Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino do seu pai. Como se vê, é uma história clássica de vingança em que um desequilibrado e veterano “marshall” terá que provar que ainda é capaz de alguns feitos como nos velhos tempos para faturar uma grana e recuperar a própria autoestima perdida num canto qualquer de uma mercearia onde ele cai bêbado para dormir.

Bridges é aquele herói um tanto amargurado, um tanto sarcástico, sedutor nas palavras e cheio de vícios que volta e meia o cinema produz para qualquer época de qualquer filme de Hollywood. É o cara que vai se sacrificar pela mocinha, dar o sangue por uma jornada heróica que claramente se transformará numa guinada na vida do personagem. Nada de novo, eu sei, mas Bridges interpreta com tanta alma Cogburn que me faz pensar que era neste ano que ele merecia ganhar o Oscar, mais do que no ano passado, quando viveu em “Coração Louco” um cantor country alcoólatra e decadente.

Das interpretações que vi até agora – ainda me falta James Franco em “127 horas” – é a melhor entre os concorrentes a melhor ator. Os outros adversários de Bridges são Colin Firth por “O discurso do Rei”, Jesse Eisenberg por “A rede social”, e Javier Bardem, por "Biutiful", e para mim o que chega mais perto de Bridges.

O ótimo trabalho do ator também quase me faz esquecer de John Wayne. Sim, pois foi o velho herói dos filmes de western quem primeiro interpretou Rooster Cogburn no “Bravura Indômita” original de 1969. Aquele trabalho rendeu o único Oscar da carreira de Wayne em 1970 para um filme que tinha recebido duas indicações.

Hoje o “Bravura Indômita” dos irmãos Coen concorrem a dez prêmios, somente dois a menos do que o recordista deste ano, “O discurso do Rei”. Acho que esse é o melhor desempenho de um western desde o excelente “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood, que ganhou quatro Oscars, incluindo o de melhor filme, em 1993, e recebeu outras cinco indicações.

Pelo pouco que me lembro (e a memória pode estar me traindo), o trabalho dos Coen é quase uma refilmagem quadro a quadro em relação ao filme de Henry Hathaway tamanha a semelhança entre os dois trabalhos. A diferença, claro, está na tecnologia que facilita e muito o trabalho hoje em dia. E na posição do tapa-olho do personagem de Bridges em comparação ao de John Wayne.

Mas o fato de quase copiarem o filme original não diminui o mérito dos Coen que fizeram um delicioso filme para os amantes dos velhos westerns, o gênero que todos tentam matar, mas sempre volta com uma boa história a ser contada (ou recontada).

Diante do favoritismo de “O discurso do Rei” e de um trabalho tão intenso quanto “Cisne Negro”, será difícil que “Bravura Indômita” repita o feito de “Os Imperdoáveis” e leve o prêmio principal. Mas que este filme merecia voos maiores na festa do Oscar de hoje, merecia.


Indicações ao Oscar: melhor filme, melhor ator para Jeff Bridges, melhor atriz coadjuvante para Hailee Steinfeld, melhor diretor para Joel e Ethan Coen, roteiro adaptado, direção de arte, fotografia, mixagem de som, edição de som e figurino.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Agora complicou

No post abaixo meus seis leitores leram que eu pedia encarecidamente que dessem um Oscar para Christian Bale e sua atuação magistral em “O Vencedor”. Aí eu fui ver “O discurso do Rei” e me surge Geoffrey Rush roubando a cena como o terapeuta Lionel Logue. O que eu digo? Se vira aí, Academia. Eu (não) sou pago apenas para palpitar aqui neste espaço pretensioso em que eu ouso falar um pouco de tudo o que eu listo ali na pequena apresentação a sua direita.

Muito tem se falado de Colin Firth e sua atuação pelo rei gago George VI. Firth é considerado o favorito para o Oscar como uma espécie de compensação por não ter ganhado o prêmio do ano passado por “Direito de Amar”. Era o ano de premiar Jeff Bridges por seu papel em “Coração Louco”. Afinal, o ator já era um veterano (tinha 60 anos) e nunca tinha levado o bonequinho careca amarelo-ouro para enfeitar a geladeira de casa no lugar do velho pinguim.

Firth, com seus 48 anos, poderia esperar mais um pouco. Um ano em que ele se dedicou a filmar George VI para concorrer com Javier Bardem (“Biutiful”), Jeff Bridges novamente (“Bravura Indômita”), Jesse Eisenberg (“A rede social”) e James Franco (“127 horas”).

Agora era, portanto, a vez dele. E vocês sabem que quando a gente vai ao cinema com muita expectativa, a chance de dar errado é grande. Foi a sensação que eu tive. Embora Firth esteja muito bem na película, não foi aquela atuação arrebatadora e que me causou assombro com as que vi em Bale ou Natalie Portman em "Cisne Negro". Ou como a que eu vejo em Geoffrey Rush.

Mais do que Firth, é o ator australiano quem brilha no filme de Tom Hooper. Ele e o seu Logue, com métodos nada ortodoxos para corrigir o grave problema de gagueira do rei num período importante da história inglesa. Estamos no final dos anos 30 do século passado e a segunda guerra está batendo a porta. A Inglaterra precisa de um rei forte e que transmita segurança e firmeza para a população. Nada disso pode ser passado por um homem gago.

Assim, é a futura rainha Elizabeth I (Helena Bonham Carter) que vai em busca de diversos tratamentos até chegar em Logue, um ator australiano frustrado que tem peças de Shakespeare decoradas na cabeça e usa suas técnicas de atuação para dar uma nova vida para o futuro rei.

No início, George VI é muito resistente, mas quando ele percebe que a batata quente vai sobrar para ele, já que Edward VIII (Guy Pearce) vai pipocar na função, passa a se dedicar com afinco para orgulhar e manter o legado do pai, George V (Michael Gambon). Quer dizer, na verdade Edward não ficará muito tempo com a coroa por estar apaixonado por uma mulher divorciada, um verdadeiro pecado dentro da família real britânica.

Aos poucos o rei e o terapeuta vão construindo uma bela amizade e Hooper retrata isso muito bem num filme quase todo bom. A lamentar apenas a atuação um tanto caricata de Timothy Spall no papel de Winston Churchill.

O futuro primeiro-ministro britânico parece um daqueles vilões de desenho animado ou filme B na tela. Nada, porém, que comprometa a essência de um filme sobre amizade e a coragem de um homem para enfrentar todos os problemas e se tornar um rei de verdade para os ingleses.

Indicações ao Oscar: melhor filme, melhor ator para Colin Firth, melhor ator coadjuvante para Geoffrey Rush, melhor atriz coadjuvante para Helena Bonham Carter, melhor diretor para Tom Hooper, roteiro original, direção de arte, fotografia, mixagem de som, trilha sonora original, figurino e edição.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um Oscar para Bale, bitte

Whitesnake, Led Zeppelin, Aerosmith, Rolling Stones. “O Vencedor” pode até não ganhar o Oscar desse ano. Pode até não ser o melhor filme entre os dez concorrentes (embora seja um filmaço), mas é inegável que ele tem a melhor trilha sonora do Oscar. Isso os velhinhos da Academia não viram, mais preocupados que estão com aquelas músicas insossas enquanto nós queremos mesmo é agitar e ouvir clássicos como “Here I go again” ou “Good times, bad times”.

Não poderia deixar de ressaltar a trilha sonora roqueira, mas é claro que não é isso que faz de “O Vencedor” um excelente filme. O trabalho do diretor David O. Russel e dos roteiristas Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson tem um protagonista e coadjuvantes absurdamente excelentes que se refletem em suas sete indicações ao prêmio da academia.

Para começo de conversa, a película é de Christian Bale. Sim, o garotinho de “Império do Sol” (1987) e que hoje enverga a capa e o uniforme negros do Batman – e é o melhor Batman da história, diga-se de passagem – tem aqui provavelmente a melhor atuação de sua carreira. Se não é a melhor, certamente é uma das mais importantes, talvez só comparada com “O Operário” (2004) ou de três filmes que eu gosto muito: “O Sobrevivente” (2006), “O Grande Truque” (2006) e “Os Indomáveis” (2007).

Considerado o favorito para o Oscar de coadjuvante em uma interpretação talhada para a academia que gosta de personagens que sofrem muito e/ou dão a volta por cima, Bale vive o ex-boxeador Dicky Eklund, meio-irmão do também boxeador Micky Ward (Mark Whalberg, muito bem no filme). É na história real dos dois que culmina com o título mundial de Ward que se concentra o filme de Russel.

Eklund treina Micky, mas ao mesmo tempo tem que lidar com o seu vício em crack que o mete em ciladas e o leva a prisão. Com uma atuação avassaladora, Bale é um show à parte num personagem que é dominado pelo vício e tenta dar a volta por cima a partir do seu irmão e o vê como uma segunda chance de ser campeão mundial depois que escolhas equivocadas na vida o fizeram ser uma múmia que vaga pela cidadezinha de Lowell pregando que derrubou, e apenas derrubou, o grande campeão Sugar Ray Leonard, antes de ser espancado por ele numa luta. O “orgulho de Lowell” “teria” derrubado o campeão, mas muitos dizem que na verdade Sugar Ray escorregou no ringue. No primeiro vídeo lá embaixo, você pode tirar suas próprias conclusões.

Eklund, é errado, é psicótico, é uma força motriz carregada de um destrutiva paixão fraterna pelo irmão e Bale joga tudo isso na tela tornando quase oblíquo aqueles a sua volta.

Quase porque embora Bale domine o cenário em cada frame da película de Russel, o restante do elenco também está no mais alto nível. Rivais na tela, Melissa Leo, que faz Alice Ward, a mãe e dublê de empresária de Ward, e Amy Adams, que faz Charlene, a namorada que chega peitando tudo, inclusive as sete irmãs de Ward com quem ela sai na porrada, vão duelar merecidamente pela estatueta de atriz coadjuvante no dia 27.

Melissa está perfeita como a neurótica e passional mãe de Ward enquanto Amy deixa transparecer todo o seu lado leoa apostando desde o início no relacionamento com o boxeador que tinha talento, futuro, mas no estágio em que ela o conheceu caminhava para se tornar mais um fracassado na vida. Assim como sua personagem, uma promessa de atleta de salto em altura que estudou numa boa faculdade e acaba como garçonete de bar depois de muitas festas e bebedeiras e pouco estudo.

O que temos aqui, portanto, é o batido enredo de redenção. Redenção para Charlene, tentando se reinventar a partir do relacionamento com Ward. Para Eklund, que tenta a partir do irmão buscar a coragem e o título que estiveram perto dele e ele conseguiu desperdiçar ao mesmo tempo em que sucumbia às drogas. E para o próprio Ward, que precisa buscar forças internamente e nos treinamentos para provar que pode realmente ser um campeão mundial.

Óbvio que não é preciso ser nenhum gênio para saber como o fil
me termina. Até porque a história de Ward sempre esteve ai para todos os que quiserem ler sobre. E isso não diminui um filme que se junta a “Rocky, um lutador” (1976), “Touro Indomável” (1980), “Hurricane – o Furacão” (1999), “Ali” (2001), “Menina de ouro” (2004), “Luta pela esperança” (2005), entre outros, como mais um excelente exemplo de como o boxe rende bons filmes para Hollywood.

É pouco provável que “O Vencedor” dê um nocaute no rei, no nerd ou na bailarina no dia 27, mas se isso acontecer não terá sido totalmente injusto. Christian Bale por si só sustentaria o merecimento do prêmio para o trabalho de David O. Russel.

Indicações ao Oscar: melhor filme, melhor ator coadjuvante para Christian Bale, melhor atriz coadjuvante para Melissa Leo e Amy Adams, melhor diretor para David O. Russel, melhor roteiro original e edição.

Abaixo, a luta de Eklund contra Sugar Ray, a de Mick quando foi campeão mundial e dois exemplos da excelente trilha sonora de “O Vencedor”.








terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um lobo feroz no Circo

- Vou ao show do Lobão.

A cada vez que eu proferia essa frase para boa parte dos meus amigos, recebia em troca olhares estranhos, caras torcidas e provocações por eu ter gasto um naco do meu salário comprando um ingresso para a apresentação do velho lobo no Circo Voador.

Sim, Lobão pode não ser um grande cantor e desafinar de vez em quando. Sim, ele também pode não ser o guitarrista mais virtuoso que faça solos espetaculares e ganhe a sua plateia como uma técnica apurada. E é isso que levaram muitos a torcer a cara para mim.

Mas Lobão tem um diferencial que existe em pouquíssimos artistas brasileiros. Ele tem alma. Ele é dionisíaco. Ele domina as atenções assim que entra no palco com as suas letras, verdadeiras crônicas com melodias que contam parte da história do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde o cantor agora vive, vista pelos seus olhos, além da própria música brasileira a partir dos anos 80. Tá, dos anos 70. Vamos respeitar, já que ele uma vez me disse que era um artista dos anos 70.

Lobão é um showman, um astro do rock brasileiro que tem atitude. E não falo do período em que ele brigou com gravadoras e botou com garra a sua música na rua para vender seus três ótimos discos “A vida é doce” (1999), “2001, uma odisséia no universo paralelo” (2001) e “Canções dentro da noite escura” (2005) em jornaleiros. Falo daquele cara que chega no palco e dá um show, se entrega à música e despeja o seu melhor barulho, a sua melhor interpretação e leva a plateia ao delírio.

Poucos shows de bandas ou artistas brasileiros são tão bons quanto os do Lobão (acho que perdi alguns amigos com essa frase). E a comparação fica ainda mais favorável para ele quando a gente olha para o lado e vê coisas como Restart e NX Zero. Ou a escalação nacional do Rock in Rio, em geral de chorar. Muito do que vemos nunca chegará sequer ao que o velho lobo fez de mais ou menos na vida.

E não são apenas as suas letras por vezes sacanas, outras criativas e até as românticas que são o diferencial dele no palco. Lobão é também um bem humorado artista que faz piadas, pede um baseado (e fuma um antes de jogar para a galera), faz versões “universitárias-brejeiras” de “Help”, dos Beatles, e imita de forma muito engraçada o velho amigo Cazuza, morto em 1990, para interpretar “Vida louca vida”. E continua sendo provocador ao mudar o refrão de “Rádio Bla”, que encerrou os trabalhos do seu espetáculo, com um “eu ligo o rádio/e jabá/jabá, jabá, eu te amo”.

É tudo isso que a gente vê no Circo Voador, onde o cantor esteve na sexta-feira passada para tocar após quase um mês de adiamento devido a compromissos com a sua biografia “50 anos a mil”.

A espera valeu a pena. Durante duas horas, Lobão tocou umas 20 músicas, desde a mais recente, a boa “Das tripas coração”, que abre a sua biografia, até clássicos inesquecíveis como “Vida Bandida”, “Corações Psicodélicos”, “Ronaldo foi pra guerra”, “Bambina”, “Me Chama”, “Canos Silenciosos” e aquele petardo fantástico que é “A vida é doce”.

É como disse um outro amigo meu no Facebook, este fã do cantor: “Lobão é foda. O resto, meus amigos, usa calça amarelo ovo”. Eu não poderia descrever melhor.

Abaixo, alguns bons momentos do show que consegui encontrar no YouTube.

"Corações Psicodélicos"

"Canos Silenciosos"

"Me Chama"

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Um cisne arrebatador

Assistir ao filme “Cisne Negro” pensando tratar-se de uma obra sobre balé pode significar sair do cinema decepcionado, irritado ou cuspindo abelhas africanas. Embora o que se vê na tela sejam ensaios, treinos, a rotina estafante e a pressão de dançar por uma famosa companhia de dança, além da apresentação final de uma companhia americana para “O lago dos cisnes”, o tema do novo trabalho do, amado por uns e odiado por outros, diretor Darren Aronofsky é a obsessão.

É a obsessão de Nina Sayers (a israelense Natalie Portman, que toma conta do filme com muita garra) para atingir a perfeição como profissional e mostrar-se capaz de dançar não apenas o ato do cisne branco, que ninguém duvida que ela seja capaz, mas também o do cisne negro, o maior desafio para uma bailarina que dança com destreza, técnica apurada, mas não aparenta para o diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel) ter a paixão e o desejo necessários para isso.

Para o cisne negro, Leroy afirma, não é preciso ter uma técnica brilhante, mas sim se deixar levar por um instinto primitivo, se deixar dominar por um lado negro, e, por sua vez, se conduzir por essa força inconscientemente.

O desejo pelo papel e por desempenhá-lo com perfeição como a ex-número 1 da companhia, Beth Macyntire (Winona Ryder) faz Nina se entregar de corpo e alma a treinos estafantes e repetições ininterruptas de exercícios e movimentos. É preciso sublimar a dor e dominar os demônios - ou se deixar dominar por eles – para atingir o ápice.

Nesta jornada obsessiva de uma bailarina que notadamente tem transtornos psíquicos graves, Aronofsky faz Natalie sofrer. Nada diferente do que o diretor abusou de fazer com Jennifer Connelly, a viciada de “Réquiem para um sonho” (2000), que faz absolutamente tudo (até isso aí que você pensou) por mais uma injeção de heroína. Jennifer se rebaixa a um verdadeiro estado de degradação humana no papel de Marion Silver.

A obsessão pelos números em “Pi” (1998), por uma cura numa ode ao amor em “Fonte da vida” (2006) ou por um naco de fama perdida em “O Lutador” (2008) completam o pentagrama de dor, sofrimento e quase zero de felicidade ou satisfação de Aronofsky, o diretor que gosta de levar os seus atores além do limite.

“Cisne Negro” e Nina Sayers têm ainda um parentesco com “Clube da Luta” (1999) e o narrador e Tyler Durden, personagens de Edward Norton e Brad Pitt na película. Como não acredito que o roteiro do filme de David Fincher seja mais segredo para os cinco leitores deste blog, posso adiantar que são dois trabalhos que jogam com o real e o imaginário aproveitando os desvios dos seus personagens. A diferença está na sutileza usada por Fincher, que guarda a surpresa para o final do seu filme deixando a plateia boquiaberta, enquanto Aronofsky, ao construir a jornada de dor e fúria de Nina a deixa ser consumida pela própria mente junto com a pressão de ser a estrela da companhia de balé e os conflitos com a mãe superprotetora e que se mostra preocupada com uma possível incapacidade da filha para suportar a pressão e sucumbir de forma trágica.

A transformação de Nina vem junto com os conhecidos problemas do balé: a busca pelo corpo perfeito através da bulimia, os conflitos e rivalidades com outras bailarinas, a inveja e o medo constante de ser naturalmente descartada.

Para superar tudo isso e atingir os níveis de perfeição e sensualidade necessários para viver o cisne negro, Nina se entrega. Abre a guarda de suas defesas pessoais e se deixa dominar pelos demônios internos.

Vítima de ilusões e perseguições imaginárias, Nina também se vê experimentando os prazeres que jamais pensou em ter numa das melhores cenas de sexo da história do cinema (eu precisava deixar isso de alguma forma registrado). O processo interno de transformação no cisne negro está quase concluído, mas o custo disso será muito alto.

“Cisne Negro” provavelmente será um dos melhores filmes do ano. É uma obra arrebatadora que deixa o espectador no cinema impactado durante o filme e absolutamente chapado um bom tempo depois. Mas o trabalho de Aronofsky não funcionaria se não fosse o excelente desempenho de Natalie no papel principal.

Considerada favorita ao Oscar, a atriz conhecida por trabalhos como “Closer – Perto demais” (2004) e pelos três filmes da segunda trilogia de Star Wars merece ganhar o prêmio por este que é o papel de sua carreira até aqui. Se o seu desempenho não fosse tão bom, “Cisne Negro” corria o risco de não dar certo. Foi uma opção arriscada de Aronofsky para trabalhar no limite apostando no talento de Natalie para segurar quase que sozinha as duas horas do filme. E ela se mostrou acertada.

Indicações ao Oscar: melhor filme, melhor atriz para Natalie Portman, melhor diretor para Darren Aronofsky, fotografia e edição.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Cotas

No segundo ano em que o Oscar tem dez trabalhos concorrendo ao prêmio de melhor filme, já dá para perceber uma “tendência”. Sim, sei que essa palavra é meio esquisita para este blog, mas não encontrei outra melhor. A tendência é por uma, digamos, política de cotas da academia que faz parte de uma espécie de tentativa de popularizar a premiação. Você tem o dobro de filmes concorrendo, mais gente entrando na festinha, mas no final quem se dá bem são sempre os de mesmo estilo. Pelo menos é isso que a gente espera.

Dentro da política de cotas, neste ano cabe a “Toy Story 3” representar as animações. Fará figuração no prêmio principal, mas ganhará o da sua categoria como aconteceu no ano passado com “Up – Altas aventuras”.

A política de cotas do Oscar reserva ainda espaço para um filme “nice”, caso de “Amor sem escalas” no ano passado e o fraco “Minhas mães e meu pai” neste, um blockbuster, “Avatar” ontem e “A rede social” hoje, e um filme na linha “independente”.

No ano passado, o representante dos “independentes” foi “Guerra ao Terror”, o bom filme de Kathryn Bigelow, primeira mulher a ganhar um Oscar como diretora e que faturou ainda o prêmio principal. O escolhido da classe de 2011 chama-se “Inverno da Alma”. Repetirá o feito de “Guerra ao Terror”? Não acredito.

Também dirigido por uma mulher, a americana Debra Granik, o filme é uma adaptação do livro “Winter’s bone”, de Daniel Woodrell que eu não li e a julgar pelo que o filme me mostrou não pretendo ler. Apesar de que acho que alguma cenas do filme talvez sejam até melhores no livro.

“Inverno da Alma” conta a história de Ree Dolly (Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar de atriz), jovem adolescente que tem uma mãe maluca e dois irmãos pequenos para criar enquanto seu pai, um traficante de todo tipo de droga possível, está desaparecido. Só que se ela não encontrar o pai ou uma prova de sua morte, acabará perdendo a casa e ficará na rua da amargura, já que os parentes não parecem ser dos mais confiáveis.

Como uma real Dolly, no estilo “bread and butter”, expressão roceira americana que talvez eu possa exemplificar como se você fizesse 100% parte de algo (traduções melhores, por favor, na caixinha de comentários), Ree encara todos os tipos esquisitos de sua família absolutamente esquisita como famílias do meio-oeste americano para tentar encontrar algum sinal de vida ou de morte do pai. Lembremos que o filme se passa em Ozarks, uma região montanhosa ali perto do Missouri e do Arkansas. É lugar onde se fala aquele sotaque dos mais carregados possíveis. Perfeito para você dizer que é “bread and butter” alguma coisa.

Para atingir seu objetivo Ree se humilha, apanha feio de três mulheres e ganha a aliança do tio drogado Teardrop (John Hawkes), que a salva de uma morte certa. Enquanto isso, a polícia, que trata aquela área como gueto barra-pesada que ela só não extermina porque a lei não permite, segue pressionando-a.

Mais algumas cenas, duas olhadas no relógio e alguns bocejos depois, o filme acaba com tudo resolvido da melhor forma possível com duas crianças e o tiozão tocando uma viola. Nesse meio tempo, o acerto de Debra é conseguir manter o filme com um certo clima tenso, mas disso advém outra coisa que não engulo. Fica sempre aquela expectativa que algo vai acontecer e o resultado é... nada. Mas talvez “Inverno da Alma” não tenha me pego de bom humor.

Indicações ao Oscar: Melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor atriz para Jennifer Lawrence.