segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Os melhores e os piores filmes de 2018

"Infiltrado na Klan", "Um lugar silencioso" e "Roma"
O ano não acaba antes deste AGUARDADO momento. A divulgação do prêmio Corneta Ballon D’Or Awards 2018. Depois de falar mal de muitos filmes e bem de alguns outros, é hora de ser bonzinho a divulgar a lista dos 30 melhores filmes do ano. Aqueles que de alguma forma foram aprovados pelo crivo SEVERO é IMPLACÁVEL da Corneta. 

Sem mais delongas, vamos ao ranking final do ano: 

1- Infiltrado na Klan (BlacKKKansman, EUA). Diretor: Spike Lee.
2- Um lugar silencioso (A quiet place, EUA). Diretor: John Krasinski. 
3- Roma (Roma, MEX, EUA). Diretor: Alfonso Cuarón.
4- O primeiro homem (First Man, EUA). Diretor: Damien Chazelle.
5- Pantera Negra (Black Panther, EUA). Diretor: Ryan Coogler.
6- A balada de Buster Scruggs (The ballad of Buster Scruggs, EUA). Diretores: Joel e Ethan Coen.
7- Querido Menino (Beautiful Boy, EUA). Diretor: Felix van Groeningen. 
8- Vingadores: Guerra Infinita (Avengers: Infinity War, EUA). Diretores: Anthony e Joe Russo. 
9- o sacrifício do cervo sagrado (The Killing of a sacred deer, ING, IRL, EUA). Diretor: Yorgos Lanthimos. 
10- Três anúncios para um crime (Three Bilboards outside Ebbing, Missouri, ING, EUA). Diretor: Martin McDonagh. 
11- Trama Fantasma (Phanton Thread, EUA). Diretor: Paul Thomas Anderson. 
12- Eu, Tonya (I, Tonya, EUA). Diretor: Craig Gillespie. 
13- Mudbound - lágrimas do Mississipi (Mudbound, EUA). Diretora: Dee Rees. 
14- Hostis (Hostiles, EUA). Diretor: Scott Cooper. 
15- Missão Impossível - efeito Fallout (Mission: Impossible - Fallout, EUA). Diretor: Christopher McQuarrie. 
16- Sicário - dia de soldado (Sicario: day of The soldado, EUA). Diretor: Stefano Sollima. 
17- Barbara (Barbara, FRA). Diretor: Mathieu Amalric. 
18- A revolução silenciosa (Die Schweigende Klassenzimmer, ALE e RUS). Diretor: Lars Kraume. 
19- Uma guerra pessoal (A private war, ING). Diretor: Matthew Heineman.
20-O amante duplo (L’amant double, FRA e BEL). Diretor: Francois Ozon. 
21- A forma da água (The shape of water, EUA). Diretor: Guillermo del Toro. 
22- Me chame pelo seu nome (Call me by your name, ITA, FRA, BRA e EUA). Diretor: Luca Guadagnino. 
23-A grande jogada (Molly’s Game, EUA e CHI). Diretor: Aaron Sorkin. 
24- Sem amor (Nelyubov, RUS, FRA, ALE e BEL). Diretor: Andrey Zvyagintsev. 
25- O livro da imagem (Le livre d’image, SUI e FRA). Diretor: Jean-Luc Godard. 
26- Guerra Fria (Zimna Wojna, POL, FRA, ING). Diretor: Pawel Pawlikowski. 
27- As Viúvas (Widows, ING e EUA). Diretor: Steve McQueen. 
28- O amante de um dia (L’amant d’un jour, FRA). Diretor: Philippe Garrel. 
29- Hereditário (Hereditary, EUA). Diretor: Ari Aster. 
30- Lady Bird: é hora de voar (Lady Bird, EUA). Diretora: Greta Gerwig. 

Mas eu não vou embora de 2018 sem destilar um veneno final. Vamos agora a lista dos dez piores filmes do ano. Aqueles que me fizeram revirar os olhos e pensar: “O que eu estou fazendo aqui?”.

1- Cinquenta tons de liberdade (Fifty Shades Freed, EUA). Diretor: James Foley. 
2- Robin Hood - a origem (Robin Hood, EUA). Diretor: Otto Bathurst. 
3- 15:17 - Trem para Paris (The 15:17 to Paris, EUA). Diretor: Clint Eastwood. 
4- Bohemian Rhapsody (Bohemian Rhapsody, ING e EUA). Diretores: Bryan Singer e Dexter Fletcher. 
5- Projeto Flórida (The Flórida Project, EUA). Diretor: Sean Baker. 
6- Mentes sombrias (The Darkest Minds, EUA). Diretora: Jennifer Yuh Nelson. 
7- Oito mulheres e um segredo (Ocean’s 8, EUA). Diretor: Gary Ross. 
8- Operação Red Sparrow (Red Sparrow, EUA). Diretor: Francis Lawrence. 
9- Aquaman (Aquaman, AUS e EUA). Diretor: James Wan. 
10- Todo o dinheiro do mundo (All The money in The World, EUA). Diretor: Ridley Scott. 

É isso. Feliz ano novo aos amigos. E semana que vem começa a temporada do Oscar. :)

sábado, 22 de dezembro de 2018

Aquaman, mais uma flopada da DC

Momoa é um bom Aquaman, mas merecia outro filme
Marvel x DC é praticamente a versão dos quadrinhos do Emilinha x Marlene dos rádios no século passado. Claramente, porém, a Marvel sempre levou muita vantagem neste confronto. Simplesmente porque suas adaptações são melhores, mais bem feitas e, principalmente, têm roteiros infinitamente melhores. 

É incrível que num momento em que a tecnologia é tão avançada a ponto de criar cenários incríveis e ótimas cenas embaixo d’água, talvez o que “Aquaman” tenha de melhor, a DC não consiga alguém decente para escrever uma história minimamente simples que não evoque problemas freudianos com pai ou mãe, e situações constrangedoras. Os roteiros são o maior calcanhar de Aquiles das produções da DC. Se “Batman vs Superman” (2016) tinha aquela cena constrangedora dos dois heróis resolvendo uma briga só porque descobriram que tinham o mesmo nome da mãe, em “Aquaman” fomos apresentados ao monstro sozinho e com depressão. Sozinho e isolado do mundo nas profundezas do mar sem fim, Karathen aqueceu o coração só porque Arthur (Jason Momoa) conversou com ele. 

- Ohh, você conversou comigo. Que lindo. Em mil anos, nunca ninguém fez isso. Pode levar o tridente para você. 

Este é apenas um exemplo de como “Aquaman” é flopado, embora tivesse grande potencial. 

De um modo geral, a estética brega-kitsch estabelecida por Zack Snyder também cansou. E, sejamos francos, nunca deu muito certo na série de filmes da DC. Os melhor trabalhos nesse sentido foram justamente o “300” (2006) e o “Watchmen” (2009), talvez um dos melhores filmes baseados em quadrinhos. 

Juntando isso aos momentos dignos de um cinema que não se pratica mais - o que foi aquele beijo do Aquaman na princesa Mera (Amber Heard) no meio da guerra? - sobra muito pouco a elogiar sobre o filme. 

Mas tentemos alguns momentos. Por exemplo, as cenas embaixo d’água são realmente muito boas e bem feitas. Os efeitos especiais idem. Todo o combate na Sicília também é um ponto alto. Toda a estética e o design de Atlântida, uma civilização extremamente avançada em relação à humana, também ficaram muito bem feitas, embora, por vezes, Atlântida pareça um refugo de “Avatar” (2009) com pitadas de "Carbono Alterado" (2018). 

Por outro lado, é cansativa demais a busca do Aquaman pelo tal tridente mágico. Era necessário mesmo mostrar em detalhes e com tempo generoso todos os povos dos sete mares? Se fossem mais comedidos daria para economizar pelo menos meia hora de filme. E ainda havia a trama paralela do Arraia Negra (Yahia Abdul-Mateen II), um vilão da superfície que desse um gancho para um segundo filme. 

Por falar em vilões, o rei Orm (Patrick Wilson) é de um constrangimento que só a DC nos proporciona. Ele tem birra porque tem um meio-irmão mestiço, quer iniciar uma guerra com a superfície com base num suposto ataque muito mequetrefe. Além de se tornar o Senhor dos Oceanos, que ambições têm Orm ao querer iniciar uma guerra com a superfície? Quer ser o senhor do planeta? Afinal, não dá para acreditar nesse papo de que os homens estão poluindo planeta e é preciso agir antes que seja tarde. E tudo parte de uma raiva do meio irmão, a quem ele culpa pela morte da mãe, enfim, tudo muito mal contado. 

Por falar na relação de Atlanna (Nicole Kidman) com seus filhos, surge outro problema da DC. A falta de cuidado com o que chamamos de transmídia storytelling. Este é outro momento em que a Marvel anda dando um banho na rival. Durante o filme, a princesa Mera cita que o Aquaman precisa reclamar o trono ou o irmão iniciará uma guerra. E lembra da sua importância ao derrotar o Stepenwolf, dando a entender, portanto, que o filme se passa após os acontecimentos da “Liga da Justiça”. Até aí tudo bem. O problema é que em “Aquaman”, Arthur diz que não pisa nunca mais em Atlântida por causa do que o povo fez com a sua mãe. Só que de pisou lá em “Liga da Justiça” para falar e lutar contra o Steppenwolf. 

Além disso, em “Aquaman”, fica claro o amor e a devoção de Arthur pela mãe desde sempre. O problema é que em “Liga da Justiça”, ele fala de Atlanna com rancor, como se tivesse sido abandonado (“Sua rainha me deixou na porta da casa do meu pai”). Mas em “Aquaman”, é mostrado que ambos tiveram uma convivência na infância de Arthur e o claro amor entre eles, além da devoção que perdurou para sempre. Ou seja, o multiverso da DC tem buracos e contradições. E não é bem amarrado. E isso se evidencia ainda mais pela falta de planejamento para os próximos passos. 

James Wan não entregou o Aquaman em todo o seu potencial, mas Jason Momoa pareceu-me muito bem no papel principal. Deu a impressão de ter sido a escolha acertada, apesar do visual macho alfa bombado ser bem diferente do Aquaman original. 

Mas a DC segue devendo uma sequência de grandes filmes nesta sua nova fase. O único mesmo que merece todos os elogios continua sendo “Mulher Maravilha” (2009). 


Cotação da Corneta: nota 5


sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A força de duas mulheres

"Roma" transborda em beleza
À primeira vista, “Roma” parece um interminável filme de 2h15min onde nada acontece. Mas é na dramaticidade da vida que reside a força do novo filme de Alfonso Cuarón. 

Na história de um ano da vida de uma família de classe média do México, Cuarón soube captar e entender que a essência de tudo está nos detalhes. Está na dor expansiva de Sofia (Marina de Tavira), cujo marido a trocou pela amante deixando-a sozinha para cuidar dos quatro filhos. Ou está na dor silenciosa de Cleo (Yalitza Aparicio), jovem empregada da casa que se vê envolvida num problema ao engravidar de um homem que apenas a usou. 

A jornada de amor, carinho, dor e respeito une Sofia e Cleo, patroa e empregada, mundos tão diferentes, fragmentos de suas famílias que se unem para manter a sanidade enquanto segue-se o curso dessa caminhada muitas vezes dolorosa que conhecemos como vida.

Desde o início Cuarón vai quebrando os signos dessa história para mostrar a união de duas mulheres tão diferentes que tentam, de certa forma, encontrar forças uma na outra enquanto lidam com a ausência e inoperância dos seus homens lixo que a deixaram para trás. 

“Você está sempre sozinha”, alerta Sofia, num momento de sarjeta ao chegar bêbada em casa e batendo com o carro enorme em todas as paredes da estreita garagem da casa da família. Um claro contraste com o cuidado que o marido tinha com o carro ao mesmo tempo em que não exibia o mesmo zelo com a sua própria família. 

Em tempos de grande sucesso da obra de Elena Ferrante, a tetralogia que começa a ganhar vida com a série da HBO e que conta uma história de empatia e rivalidade entre duas amigas, “Roma” também é uma história de duas mulheres tão distintas que precisam se apoiar para manter a sanidade. Ainda que nesta obra não haja momentos de rivalidade, mas a dor de cada uma que atravessa pela outra e que encontra empatia de ambos os lados.

Quando se espera que o filme se encaminhe para mostrar as dificuldades da empregada diante da falta de compaixão dos patrões, Cuarón mostra que o seu filme caminhará por outra vertente. É na acolhida da patroa diante da empregada temerosa de perder o emprego ao descobrir que está grávida que fortalece-se ainda mais a relação destas duas mulheres. 

A jornada de Cleo, no entanto, não deixa de ser a mais interessante. Por mais que se sinta inserida naquela família, aquela nunca é a sua família. Quando anda pela casa, seus passos são marcados, seus olhares são auto-vigiados, seu desconforto é evidente, pois o seu lar não é o seu lar. Ela só se sente à vontade com a irmã. 

Talvez por isso ela tenha tentado buscar um amor como a irmã. E a associação com Fermin (Jorge Antônio Guerreiro), foi a pior possível, pois ele se revela alguém que não é confiável em todos os aspectos. 

Cleo também se vê num profundo incômodo com a gravidez. Ela não lhe agrada, a culpa só a consome. E somente o mar limpa a sua alma a ponto de fazê-la finalmente desabafar, em meio aos prantos, o quão indesejado era aquele filho. 

“Roma” tem uma força enorme, mas não é um filme fácil. São muitas as cenas lentas em que nada além da vida acontecem. Mas há muita beleza no trabalho de Cuarón. E nessa jornada da vida, com diferentes turning points, marcas profundas e a necessidade de ressignificações é que “Roma” é tão grande. 

Cotação da Corneta: nota 8,5

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O minimalismo e as reflexões de Godard

A mão, o ponto de partida de tudo
Há anos Jean-Luc Godard vem reduzindo seu cinema para camadas cada vez mais simbólicas e minimalistas. Se nas décadas de 70 e 80, seus trabalhos já chamavam a atenção por uma “ausência de roteiro”, o que na verdade era um texto com linhas gerais que jogavam para o improviso em cena, nas décadas seguintes até o trabalho dos atores passou a ser reduzido ao mínimo. 

Seus filmes hoje são como colagens da história e reflexões sobre os assuntos aos quais ele têm mais interesse: a história e o cinema. E o paralelismo que uma tem com o outro. 

Mais novo trabalho do prolífico diretor, “O livro da imagem” é o ápice do seu cinema de simbolismos e colagens. Não há atores. No máximo a voz cavernosa de Godard, hoje com 88, narrando o filme é fazendo reflexões sobre o século XX, o novo século, a humanidade, a sociedade, e, claro, o cinema. 

Para Godard, o cinema é o livro de imagens do século XX. Da mesma forma que a Bíblia, o Corão e outros textos religiosos são as bases para a vida em sociedade e contam a história dentro de suas respectivas religiões, o cinema é a documentação da história da modernidade e da contemporaneidade. 

Através do “Livro da imagem”, Godard nos convida a refletir sobre a história. E constrói uma jornada pelo século XX numa colagem incessante de imagens e sons que perpassam a história da arte nas suas mais diferentes formas. Tudo dividido em cinco atos, como cinco são os dedos das mãos, como cinco são os sentidos. Cinco é um número que perpassa todo o filme, assim como a metáfora em torno das mãos e seus significados simbólicos em cada atitude.

É através desta metáfora das mãos que Godard chama a atenção para uma história construída pelos signos da linguagem corporal. São as mãos usadas para o amor, mas que também trazem decepção no primeiro ato, as mãos usadas para a violência do segundo ato ou as mãos que legitimam o uso da força pelo espírito das leis do quarto ato. 

A primeira parte do filme é um conjunto de reflexões do que Godard já havia de certa forma falado em outros trabalhos como “Film Socialism” (2010) ou “Para sempre Mozart” (1996). 

A última parte é que traz um Godard com um olhar sobre o Oriente Médio raras vezes, ou talvez até nunca, mostrado com tanta profundidade. A partir de um jogo de palavras em que afirma que “Sheherazade teria contado uma história diferente em 1001 dias”, e não noites como a tradicional história, Godard exibe a falência do olhar do ocidente sobre o oriente. 

Para ele, vemos o oriente como uma massa cultural única, e não como se cada país tivesse a sua própria cultura e visão de mundo. Da mesma forma que olhamos para o oriente como o espelho do que não somos. E isso vai se refletindo na forma como o cinema retrata o oriente. É quando surgem as mãos em movimentos delicados, pintadas com símbolos que não compreendemos ou segurando com força o Corão em sua reza. 

Num momento mais polêmico, Godard apoia a bomba. Apela ao lado positivo da bomba. A bomba, ele vê, é a revolução como a que já ocorreu em outros tempos na Europa. É a reação do oprimido. É complicado apoiar isso em tempos em que a Europa sofre tanto com ataques terroristas. Mas é possível entender o lado de Godard ao tentar mostrar isso como reação e não como ação. Daí o paralelo com movimentos revolucionários. 

Godard é um gênio. Muitas vezes incompreendido, muitas vezes visto como chato e de difícil entendimento. Mas seu cinema permanece vivo, instigante e prazeroso para os que aceitam o desafio de tentar decifrá-lo a cada trabalho. 

Cotação da Corneta: nota 7,5

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Um Robin Hood para esquecer

Que Robin Hoodd é esse?
De tempos em tempos Hollywood gosta de revisitar as lendas da Inglaterra medieval. O problema é que as novas leituras, na tentativa de dar uma visão original a estas lendas, acabam arriscando-se a criar algumas aberrações. Um movimento que volta e meia surge é o de criar o “filme de origem”. A motivação é: a história principal você já conhece. Agora você descobrirá como o personagem se tornou o que ele é. 

Foi assim com o Rei Artur, que gerou um filme constrangedor de Guy Ritchie, agora é com Robin Hood. “Robin Hood - a origem”, tem como objetivo expor “a verdade por trás do mito”, o que é algo um tanto quanto surreal, ou mesmo anacrônico, visto que nunca se soube se realmente Robin de Loxley existiu, bem como a lenda de que ele roubava dos ricos para dar aos pobres. Na verdade, Robin não passa de um mero personagem do folclore inglês.

A saída dada para criar essa origem é tão constrangedora que a vontade que se tem é de largar o filme com pouco mais de meia hora de projeção. Agora estrelado por Taron Egerton, o Eggsy da série de filmes “Kingsman”, Robin é um lorde bon vivant de Nottingham até que se apaixona perdidamente por Marian (Eve Hawson), não mais uma lady, mas uma ladra que ele descobre quando tentava roubar um de seus cavalos. 

Mas a vida pode dar voltas e um dia Robin é recrutado para tornar-se um cruzado e lutar na Arábia, o serviço militar da época. Após quatro anos em que mostra toda a sua “valentia” e “nobreza de espirito” culminando com a tentativa de salvar a vida do filho do mouro John (Jamie Foxx), Robin volta para casa, onde descobre que perdeu a riqueza, confiscada pelo xerife de Nottingham, e a mulher, agora casada com um plebeu de ambições políticas chamado Will (Jamie Dorner). 

O que se segue é um misto do que conhecemos, ou seja, Loxley tornando-se o ladrão Hood, com pitadas de uma história de corrupção política, conspirações com a Igreja, interesses de riqueza com uma guerra infundada, e o povo cada vez mais pobre e morrendo mas minas enquanto os ricos estão cada vez mais ricos. Enfim parece que era preciso “atualizar” a história de Robin Hood traçando paralelos com a vida contemporânea. 

A pergunta que fica é: por que? Por que fazer isso? Talvez por uma tentativa de angariar um novo público. Mas o que levaria o público a se interessar por uma versão de uma história que não convence, com atuações constrangedoras - o xerife de Nottingham de Ben Mendelsohn e a Marian de Eve são tristes e apagadíssimos - um roteiro apavorantemente ruim e até com cenas de ação, que deviam ser o ponto alto deste tipo de filme quando nada mais dá certo, de qualidade questionável. Apenas uma ou duas podem ser consideradas perto de boas. 

A origem de Robin Hood é um fracasso enquanto filme, mas o desfecho da jornada é no ponto em que conhecemos bem. Robin e seu grupo escondido na floresta de Sherwood, um novo xerife de Nottingham que o conhece bem e o roubou a mulher (não vamos comentar a cena bizarra de Dormer com Eve e todo o desenrolar do ciúme patético) e a perspectiva de um segundo filme. Até de uma nova franquia. 

Robin Hood, porém, precisará melhorar demais seu discurso e suas peripécias para ter uma vida um pouco mais longe. O trabalho do diretor Otto Bathurst ficou muito abaixo da crítica. 

Cotação da Corneta: nota 2.

A nada mole vida do escritor

Dovlatov perdido entre palavras censuradas
O cenário russo é pesado. Talvez seja o clima, a língua, as roupas fechadas para as pessoas aguentarem o frio inclemente. Talvez seja o excesso de bebida e cigarros, mas a olhos ocidentais que nunca pisaram na Rússia, o cinema daquelas bandas sempre parece pesado, com personagens de almas desgastantes e taciturnas. Vemos isso em filmes como “Leviatã” (2014) e “Sem Amor” (2017). De fato, nunca vi uma comédia russa. Nem sei se este tipo de filme existe. 

“Dovlatov”, por exemplo, passa longe disso. Pelo contrário. É uma história real sobre persistência, sobre resiliência em meio ao duro regime soviético então sob o comando de Leonid Brezhnev (1964-1982). 

Naqueles tempos dois artistas viviam na marginalidade. O poeta Josef Brodsky (Artur Beschastny) e o escritor e jornalista Sergei Dovlatov (Milan Maric). Ambos nunca tinham os seus trabalhos publicados em jornais e revistas simplesmente porque não exibiam um cotidiano idílico e heroico da pátria soviética ao mesmo tempo em que tinham relações com o Ocidente. Dovlatov, por exemplo, foi expulso do Sindicato dos Jornalistas da União Soviética porque havia publicado textos no Ocidente. Seu primeiro livro foi destruído por ordens da KGB. Brodsky teve a sua poesia considerada pornográfica e anti-soviética. Chegou a ter trabalhos confiscados, foi interrogado e, pelo menos duas vezes, foi internado num hospício. O poeta ainda foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados em uma fazenda em Norenskaya.  

A ambos não apetecia versar sobre a gigante União Soviética. Afinal, o filme mostra que boa parte da população vivia em condições de pouca dignidade, falta de dinheiro, sem satisfazer as necessidades básicas e comprando artigos básicos apenas através de contrabando internacional. 

Nesse clima, Dovlatov, o protagonista desta história, andava de jornal em jornal, de revista em revista, tentando publicar suas histórias. Era sempre rejeitado pelo viés crítico que dava às filmagens dos filmes de propaganda soviéticos. Era aconselhado a ser mais “otimista”. Todos deviam ser otimistas e falar sobre os heróis soviéticos. O filme de Aleksey German deixa transparecer que havia um pouco de uma grande alienação coletiva. 

Dovlatov, porém, não conseguia esbanjar tamanho otimismo. Retratava o que via sem heróis e a grandiosidade de épicos gregos que frequentemente o filme traz à tona para comparar com o hiperbolismo soviética. 

É curioso notar estas diferenças e ver como Dovlatov demorou a ser reconhecido. O que mostra como todo regime que detém um demasiado controle do poder e domina a sua população com rédeas curtas é maléfico para o povo. 

Tanto Brodsky quanto Dovlatov só vieram a ser reconhecidos depois de imigrar da URSS. O primeiro para Veneza. O segundo para os Estados Unidos. 

O primeiro livro de Dovlatov só foi publicado em 1989, ano da queda do muro de Berlim e em plena vigência da glasnost, quando houve o rompimento do bloco soviético. O escritor, porém, não viveu muito para ter o reconhecimento do seu trabalho. Morreu em Nova York, em 1990, de parada cardíaca, aos 48 anos. 

Mas de qualquer maneira Dovlatov conseguiu atingir o sonho de infância de tornar-se um escritor. Ao fim do século XX estava entre os favoritos dos russos. E por isso, para conhecer a sua história, seu filme é tão necessário. Por mais que soe um pouco pesado e de difícil digestão. 

Cotação da Corneta: nota 6,5.


sábado, 8 de dezembro de 2018

Pais e filhos

Chalamet e Carell,dois destaques do filme
Talvez por vir de uma carreira mais sólida em filmes de comédia e até por preconceito com o gênero, poucas vezes percebemos o quão bom ator é Steve Carell. Suas escolhas recentes, porém, só servem para reforçar o talento do “Virgem de 40 anos” (2005) também como ator dramático. “Foxcatcher: uma história que chocou o mundo” (2014) e principalmente “A grande aposta” (2015) já exibiam a sua versatilidade. E quando ele mergulhou em dramas como “A melhor escolha” (2017) e o mais recente “Querido menino” (2018), Carell justificou ainda mais as escolhas feitas por diferentes diretores pelo seu trabalho.

Há algumas semelhanças entre estes dois filmes mais recentes. “A melhor escolha” é a história de um pai que perde o filho na guerra do Iraque e só quer enterrá-lo enquanto vive o seu luto ao lado dos amigos companheiros da guerra do Vietnã. “Querido menino” é a história de um pai, uma família, mas muito centrada neste pai, que lida com o vício de drogas do seu filho mais velho. Em ambos o trabalho Carell é preciso, tocante e com a segurança de veteranos experientes atores dramáticos. 

O seu David Sheff é um dos pontos fortes de “Querido menino”. O outro é o trabalho do seu colega de cena Timotheé Chalamet. Com apenas 23 anos, o ator vem se consolidando como um forte nome no cinema com atuações cada vez melhores. Chalamet já havia chamado a atenção no drama “Me chame pelo seu nome” (2017), quando fazia o jovem Elio, que se apaixonava por um escritor americano, seu primeiro amor. Em “Querido menino”, ele traz a carga dramática necessária à história de Nic e não cai no exagero dos devaneios de loucura pelo uso de drogas tão frequentes em filmes que reportam esse tipo de problema. 

A dor de Nic é absurdamente palpável. O seu desespero por sair dela também. A depressão entremeada por momentos de falsa alegria, pois sabia-se o quanto Nic sofria por dentro, estão vivas nos olhos de Chalamet. 

“Querido menino” é um filme duro de ver. Uma história real sobre uma família que tinha tudo para ser perfeita e é dragada pelo problema das drogas. Em especial o uso de metanfetamina. Mas ao mesmo tempo é de uma beleza ímpar, ou talvez difícil de descrever por mostrar essa força da relação entre pai e filho. Uma força quase inquebrantável até mesmo quando David vê a necessidade de sair de cena para se recompor. E quão belo é o trabalho de Carell ao carregar todas essas nuances consigo. 

E neste ponto é preciso falar de outra questão fundamental na construção desta história: a edição do filme de Felix van Groeningen, o mesmo diretor de “Alabama Monroe” (2012). A ideia de construir uma história fragmentária com pedaços do passado e do presente misturando-se era arriscada, poderia causar confusão, mas ficou muito bem feita. Nela, íamos entendendo aos poucos aquela relação de amor entre pai e filho, a forma como Nic mergulhou nas drogas, se afastou do pai, os erros de cada um, as suas idas e vindas, o fundo do poço... Uma estrutura não linear que trouxe ao filme momentos de pura poesia. 

“Querido menino” fala de um tema muito sério, a dependência química, mas sem cair em falsos moralismos. Por outro lado, é também um filme sobre a força do amor. O amor de um pai pelo filho, de uma família toda por esse filho e sobre não desistir jamais. Mesmo quando tudo parece perdido. E ainda tem uma excelente trilha sonora. 


Cotação da Corneta: nota 8,5. 



sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Balé do capeta

Quem dança os males atrai
É inevitável enredar-se nos caminhos da comparação quando se vê o remake de um filme do passado. O diretor italiano Luca Guadagnino se impôs um desafio ao mergulhar nas trevas de “Suspiria”, mas sem fazer uma cópia frame a frame do trabalho de 1977 do também italiano Dario Argento. Guadagnino preferiu reformular a história original e recriar a trajetória da bailarina Susie Bannion (Dakota Johnson hoje e Jessica Harper no filme original) a partir de outras premissas e com um desfecho diferente para a sua protagonista. O que era um final clássico, normal, na década de 70, transformou-se numa reviravolta nas mãos de Guadagnino.

Porém, o resultado do trabalho como um todo deixou a desejar. Se a obra original crescia em camadas sob um terror psicológico até o seu desfecho culminado por uma revelação, no remake do diretor italiano, a premissa do horror se estabelece desde o início, mas são jogadas tantas cartas na mesa, com direito até a reflexões sobre a política e a Alemanha dos anos 70, que o filme se perde num emaranhando de conceitos sem se aprofundar em nada.

O “Suspiria” de Guadagnino também resolveu abrir mão do benefício da dúvida inicial ao revelar logo de cara que havia algo em torno de atos de bruxaria e a presença de uma Helena Marko, a tal bruxa original cuja história é contada no primeiro filme e neste nunca se incorre em suas origens. Ao contrário, novos elementos surgem, como a presença de uma espécie de cinco madres superioras em torno de Marko, com direito a Madame Blanc, vivida por Tilda Swinton, que nutre uma rivalidade com a bruxa original sobre os rumos macabros ou não da escola de dança. 

Marko é a bruxa que exige sacrifícios, Blanc é a que entende a magia como extensão da arte. Não que ambas não naveguem pelas águas do horror, mas a arte da dança ensinada na academia ainda parece falar mais alto para Blanc, que nutre uma simpatia, até uma empatia pela voracidade, selvageria impactante e entrega ao qual Suzy se impõe quando dança. 

E nisso o filme se perde. Mesmo a ambientação da história não parece ter qualquer conexão. O que a Berlim dividida pelo muro no ano de 1977 tem com relação aos eventos das bruxas? Que paralelos é possível traçar com a política vivida e os atentados do Baader-Menhoff? Será a Alemanha daquele tempo um momento em que o horror se via em cada esquina enquanto as bruxas se alimentavam do medo de quem elas capturavam? Não me pareceu fazer algum sentido a troca da Freiburg original por essa Berlim escura e gélida. 

E ainda há a questão das mensagens. A mãe insubstituível, a palavra de liberdade no muro em frente à escola de dança. Tudo parece ter alguma conexão, mas as ligações são frágeis. Assim como parece quase inútil o papel do psicólogo Josef Klemperer (também vivido por Tilda Swinton). 

Diante dos buracos e da palidez do filme, “Suspiria” se segura apenas em três cenas realmente muito boas. A primeira delas é a dança de Suzy que reflete no horror vivido por Olga (Elena Fokina) na sala dos espelhos. É brutal, é aterrorizante e o desfecho é digno dos melhores filmes de exorcismo/bruxaria. A segunda é a cena da apresentação do musical “Volks”, uma coreografia quase perfeita, mas ao mesmo tempo tão tensa, de tirar o fôlego e de profundo terror que talvez seja o melhor momento do filme. A terceira é a virada final do filme, seu ritual macabro e desfecho.

É louvável que Guadagnino tenha se arriscado num gênero completamente diferente imediatamente depois do estrondoso sucesso de “Me chame pelo seu nome” (2017), filme que ganhou um Oscar de roteiro adaptado. Mas o resultado ficou aquém. “Suspiria” entrega as armas logo no início, não cumpre com perfeição a função de impor o horror, se perde na história e mostra-se muito pálido para um filme que tinha muito potencial levando-se em conta o que a tecnologia de 2018 podia fazer em comparação com a de 1977. 

No fim, o que fica de mais belo é a trilha sonora composta por Thom Yorke, do Radiohead. Um trabalho que merecia um filme melhor. 

Cotação da Corneta: nota 5,5.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A iminente guerra em "Animais fantásticos"

Dumbledore e seu primeiro pupilo à moda Potter
Se há algo interessante de observar no que está sendo construído com a saga de “Animais Fantásticos” é a genealogia da história de Harry Potter e tudo o que envolve os eventos que vimos em sete livros e oito filmes cujos sucessos deram a J.K.Rowling o poder de fazer o que quiser. Entre eles, escrever o roteiro de filmes baseados no que teria acontecido antes de Potter chegar a Hogwarts. 

Segundo filme da nova franquia, “Os crimes de Grindelwald” começa a engolir a história de Potter e aproximar ainda mais a linha do tempo que separa os eventos do futuro já relatados com os do passado ainda por serem conhecidos. 

E David Yates soube conduzir um pouco melhor está história do que no primeiro filme. Veterano colaborador do mundo de Rowling - ele dirigiu metade dos filmes Potter - Yates deu ao segundo filme tons de dúvidas e de incertezas, e deixou os temores e as inseguranças dos personagens falarem mais alto na história. O que talvez tenha relação uma Europa num período entre guerras. O filme passa-se em 1927, quando o continente ainda está se reconstruindo ao mesmo tempo que havia o temor de uma nova guerra que de fato se iniciaria 12 anos depois. 

Transpondo para o mundo mágico de Rowling, a divisão é ainda mais gritante, pois Grindelwald escapa da prisão e começa a reunir uma série de bruxos insatisfeitos com a vida que levam, escondidos dos humanos, vivendo nas sombras, não podendo usar seus poderes ou até se casar com quem não é bruxo. Muitos querem ser a espécie dominante do planeta. A evolução natural. E o discurso de Grindelwald, vivido por um Johnny Depp num tom um pouco mais acertado, sem exageros e excentricidades de seus últimos trabalhos, é altamente sedutor e gregário para os que se sentem excluídos e oprimidos pelo ministério da Magia e seus aurores. A cena de Depp no cemitério de Père Lachaise ê uma das melhores do filme. 

Depp conteve as suas esquisitices
O ponto da história é um só. É o lema de J.K.Rowling neste momento: “É preciso escolher um lado”. Ê o que Theseus (Callum Turner), diz para o irmão Newt Scamander (Eddie Redmayne) no início. Ao longo do filme, cada um vai escolhendo o seu lado e arregimentando seus exércitos na guerra que parece iminente. Scamander, que, em tese, não tem interesse em escolher lados, mas quer apenas cuidar das suas criaturas, dá a sua resposta apenas no fim, embora sempre soubéssemos qual seria. Ele é o herói e vem se provando muito mais do que um especialista em animais exóticos, mas um bruxo poderoso e sagaz. Ao mesmo tempo em que tem uma timidez e a dificuldade de se relacionar com os humanos em geral. Talvez por isso, a pessoa com quem ele se sinta mais à vontade seja outro ser estranho no mundo mágico, o humano Jacob (Dan Fogler), cuja participação no filme, porém, beira a nulidade.

Outro ponto interessante deste segundo trabalho está em conhecer um pouco mais do passado de um dos personagens mais queridos dos fãs de Harry Potter. Alvo Dumbledore, que ficou muito bem nas mãos de Jude Law. Melhor do que Michael Gambon jamais foi. Aliás, de uma forma geral, uma vantagem desta ainda iniciante franquia de “Animais fantásticos” sobre a de “Harry Potter” é a qualidade dos seus atores. Muitos deles são muito bons e ocupam posições de protagonismo. E este era um problema na franquia anterior, pois alguns atores, em especial, o protagonista, eram sofríveis. 

Mas de volta a Dumbledore, em “Os crimes de Grindelwald” sabemos da aliança outrora sólida do professor com seu antigo amigo. Algo bem documentado nos livros da saga Potter, vemos como era o professor Dumbledore, sempre querido na escola de magia, e conhecemos um pouco mais desse personagem honrado, o braço eternamente pacifista da relação entre os bruxos e da defesa de uma convivência pacífica entre bruxos e humanos. Dumbledore é o viés da educação no mundo de Rowling. É a saída pela educação e pelo conhecimento que traz prosperidade, tolerância e empatia. Pelo menos é o que Dumbledore acredita. E ele vê em Scamander o mesmo espírito desapegado de poder, ao mesmo tempo curioso em participar dos acontecimentos e em buscar justiça, que veria em Harry Potter. Espíritos de certa forma puros que não almejam o poder despertam em Dumbledore uma figura paterna e a necessidade de acolher estas almas que ele prenuncia como vetores de mudança na história dos humanos e dos magos.

Por isso, não devemos nos enganar. O que J.K. Rowling está tentando fazer xom "Animais Fantásticos" é reproduzir a mesma narrativa de "Harry Potter". Scamander, como já vimos, é a contraparte do bruxo protagonista da história anterior. Grindelwald, é o Voldemort da vez. Jacob é o amigo meio idiota fazendo as vezes de Ron Weasley, enquanto Tina é Hermione da vez. Dumbledore é ele mesmo mais jovem, enquanto Queenie é um pouco como Gina Weasley. 

Em comparação ao primeiro filme, que me pareceu longo demais e com pouco conteúdo relevante, a história avança consideravelmente em “Os crimes de Grindelwald”. O que é um ponto positivo. Também há alguns elementos de sombra e desnecessários na trajetória e furos já comuns no trabalho de Rowling. Mas entendo que ainda predomina o interesse em acompanhar o desenrolar da narrativa principal.

E o que resta é o mistério sobre Creedance (Ezra Miller). Qual é o seu real passado? De onde ele realmente vem? O filme joga algumas cartas no ar, mas não dá para confiar em nenhuma delas. Ao menos por enquanto Grindelwald estava certo? Ou há mais sobre Creedance que precisamos saber? O que fica, porém, é o conhecimento de que ele é um dos bruxos mais poderosos a surgirem. E que a guerra, seja entre humanos, seja entre bruxos, é iminente. 

Cotação da Corneta: nota 6,5.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

As viúvas de McQueen

Viola mostra que faz o que deve ser feito
Steve McQueen ainda tem poucos filmes na carreira, mas está entre os diretores que fazem alguns dos trabalhos mais interessantes destes tempos. Seus dois filmes anteriores, “12 anos de escravidão” (2013) e “Shame” (2011) são dois ótimos trabalhos. O primeiro conta a história de um homem livre que morava em Nova York, mas é sequestrado, levado para o sul, onde torna-se escravo e leva 12 anos para ser libertado. O segundo conta a história de um homem que não cultiva qualquer tipo de relacionamento e apenas alimenta seu vício desvairado por sexo, o que o faz mergulhar nas profundezas em busca de cada vez mais prazer.

Em “Viúvas”, o diretor troca o protagonismo masculino pelo feminino. O filme, porém, não é o melhor que McQueen, vencedor de um Oscar em 2014 por “12 anos de escravidão”, já produziu. Mas ainda assim é um McQueen que tenta inverter o tradicional protagonismo masculino dos “filmes de assalto” para as mulheres. E transforma o que seria um golpe numa tragédia que marca todos os envolvidos. Em especial sua protagonista, Verônica, vivida por Viola Davis, talvez a figura mais marcante do filme.

Na trama de McQueen, as mulheres são fortes, lidam com as dores da perda dos seus maridos assaltantes enquanto se equilibram para cuidar do que restou, dos filhos ou refazerem as suas vidas da melhor forma possível. Os homens, por outro lado, são o retrato da decadência do patriarcado masculino.

Harry Rawlings (Liam Neeson) não passa de um covarde que falha no seu suposto plano perfeito e sofre as consequências dos seus atos. Tom Mulligan (Robert Duvall) é o retrato do decadente homem racista senhor de engenho ex-dono de fazendas de escravos americano, cuja família tradicional tem um naco de poder há três gerações em um lado decadente de Chicago e deseja manter o poder como sempre foi, ou seja, passando de pai para filho. Duvall aparece em poucas cenas, mas suas entradas são brilhantes e vivazes em expor até mesmo na natural decadência física do ator de 87 anos o quanto seu personagem representa o passado decrépito que precisa ser superado. 

É onde entra o seu filho, a nova geração que tenta impedir que o comando do 18º distrito passe pela primeira vez para um afro-americano. Jack Mullingan (Colin Farrell), é o velho pensamento apenas envernizado para as novas gerações. Ele pode achar o comportamento do pai odioso, mas embrenha-se nas teias de corrupção da política como qualquer homem branco que se envolve nos podres daquela região. É pragmático em analisar cenários e joga para ganhar, custe o que custar. 

Ele concorre ao cargo político com Jamal Manning (Bryan Tyrree Henry), um notório bandido e traficante da região que tenta se esgueirar na política cujo irmão, Jatemme Manning, brilhantemente interpretado por Daniel Kaluuya, é um psicopata que toca os negócios da família com uma mão de ferro e crueldade própria dos assassinos feios. 

Em meio a eles há o trio formado por Veronica, Alice (Elizabeth Debicki) e Linda (Michelle Rodriguez). Elas são as três viúvas do título e protagonistas dessa história que precisam dar o golpe final traçado por Harry para conseguir US$ 5 milhões que garantiriam a Veronica o pagamento de US$ 2 milhões que o marido devia a Jamal e ainda uma boa grana para elas recomeçarem as suas vidas.

Traçando o perfil dos personagens e combinando com o cenário decadente, escuro e o clima pesado armado por McQueen, “Viúvas” tinha tudo para ser um grande filme. E de fato tem seus bons momentos. Mas a história tem alguns buracos que complicam a sua compreensão. Não fica clara a questão do dinheiro roubado no início e para que ele serviria aos propósitos que são revelados no decorrer do filme. Também não está bem esclarecido o que levou Harry a tomar algumas atitudes no decorrer da história. 

Além disso, a cena do cachorro que sente o cheiro é tão, mas tão clichê, que nem parece um filme do cinema que McQueen tem por hábito realizar. São mais a sua cara e o estilo dele as boas cenas iniciais que contrastavam o assalto, o último assalto realizado pelo grupo de Harry com as vidas caseiras, problemáticas, terríveis ou não, que eles tinham com suas esposas. 

O saldo final, porém, é o de um filme que não supera “12 anos de escravidão” e “Shame”, mas ainda assim é uma história interessante para quem curte o cinema do diretor.


Cotação da Corneta: nota 7.