sábado, 27 de setembro de 2008

A cegueira onde se deve ver

Fazer comparações entre livros e os filmes feitos com base em suas histórias é tão inevitável quanto cruel. Embora haja películas bastante elogiadas por sua fidelidade à obra na qual foram inspiradas, nunca é possível transpor toda uma história contida em 200, 300 ou 400 páginas em duas horas de filme. O que eu não esperava é que “Ensaio sobre a cegueira”, o filme, - o trabalho que eu mais aguardava neste ano – fosse tão decepcionante, apesar da total fidelidade ao que é mostrado, quando comparado a “Ensaio sobre a cegueira”, o livro, obra-prima do português José Saramago.

Digo isso sabendo que o próprio Saramago aprovou a obra de Fernando Meirelles. Compreendeu as necessidades de cortes na história e da transposição para uma outra realidade. Saramago viu o filme e considerou o trabalho de Meirelles genial.

Portanto, ter a ousadia de discordar do próprio autor e de praticamente 90% da crítica nacional e internacional pode até soar um tanto quanto petulante, mas tenho meus motivos e, com base na leitura do livro e ao assistir o filme, hei de expô-los agora. É claro que o debate é aberto e a discussão é livre a quem quiser participar.

Antes de qualquer coisa é necessário dizer que “Ensaio sobre a cegueira” não é um filme ruim. Longe disso. Não pode ser considerado um trabalho de baixo nível uma película que tem uma Julianne Moore (sempre maravilhosa atriz) vivendo com intensidade toda a dor da mulher do médico. Ou um Mark Ruffalo (o médico) provando que sua boa atuação como o inspetor David Toschi em “Zodíaco” (2007) não foi apenas um isolado trabalho competente. Ele vive um novo patamar.

Até mesmo Danny Glover, ator limitado mais conhecido pelo detetive Roger Mortaugh, parceiro de Martin Riggs (Mel Gibson) na série de filmes “Máquina Mortífera”, surpreende no papel do velho da venda preta.

Por outro lado, “Ensaio sobre a cegueira” é o pior trabalho de Meirelles desde que ele atingiu o patamar de diretor de ponta. Guardados os devidos estilos, seu novo trabalho é bastante inferior a “Cidade de Deus” (2002) e “O Jardineiro Fiel” (2005).

Se é necessário apontar culpados pela película ser decepcionante – e um deles é a própria expectativa que eu tinha do filme – meu pêndulo acusador vai para Meirelles e suas escolhas, que considerei um tanto quanto equivocadas, e o roteirista Don McKellar, que não conseguiu transpor satisfatoriamente a história de Saramago para a tela grande do cinema.

O grande problema de “Ensaio sobre a cegueira” está ironicamente pelo que não se vê. Se na história de Saramago, os personagens são tomados por uma cegueira branca que os fazem viver eternamente numa paisagem leitosa, num mar de leite, o trabalho de Meirelles inclui inquietantes planos escuros que escondem praticamente toda a náusea, a crueldade que o livro de Saramago descreve ricamente. Sim, eu sei que a questão da eletricidade é descrita pelo escritor e que Meirelles não está de todo errado em jogar essa escuridão na tela. Contudo, isso também vira um elemento de fuga para o que o livro tem de mais inquietante.

O incómodo gerado pela leitura jamais é sentido ao assistir ao filme. Temeroso e surpreso, Meirelles chegou a declarar que o filme era pesado demais para a abertura de um festival como Cannes, o que aconteceu neste ano. Eu diria que ele é bem soft diante da escrita nauseante de Saramago. O escritor sim implementou uma leitura por vezes difícil de engolir, com capítulos em que, por vezes, é necessário parar para respirar e tentar esquecer que algo tão opressor pode acontecer na sociedade que eu, você, qualquer um capaz de ler isto, faz parte.

Não sei se foi para se incluir na censura de 16 anos, mas o trabalho de Meirelles não tem o peso que o livro impõe. O que é estranho se pensarmos o quão cru – apesar da estética pop – foi o diretor ao fazer “Cidade de Deus”. Se a embalagem videoclípica aliviava até certo ponto momentos lancinantes deste trabalho, não dá para não dizer que ele não teve seu grau de ousadia e risco. No caso de “Ensaio sobre a cegueira”, talvez fosse preciso ser mais ousado e pegar uma classificação adulta. Seria o melhor caminho para a fidelidade da obra.

Meirelles se impõe pudores e censuras que não surgem na prosa de Saramago. Na sua mão, cenas como a do banho das três mulheres na varanda já no final da obra deixam de ser um momento que eu descreveria como de purificação, principalmente pelo que vem em seguida, e se tornam quase uma brincadeira entre amigas, com direito a uma leve insinuação lésbica. Mas talvez eu esteja sendo excessivamente maldoso.

Para as terríveis cenas de estupro, a escuridão acalentadora que escondem a torpe violência e o boquete da mulher do médico que praticamente inexiste. Da mesma forma, é escondido outro momento tenso do livro, com a mulher do médico matando a tesouradas o “rei da ala 3” do sanatório, vivido por Gael Garcia Bernal.

Não estou aqui defendendo que o filme fosse uma obra pornográfica e sanguinolenta. Porém, Saramago descreve com crua riqueza todas essas cenas que são inexplicavelmente escondidas. Este é um dos momentos de náusea que o livro provoca e que aumentaria exponencialmente no cinema. Optou-se, infelizmente, pela insinuação.

É um trágico desperdício também a cena da Igreja. Tão impactante na obra de Saramago o momento em que são descritas as imagens com os olhos vendados, ela virou uma mera passagem curiosa naquele mundo de cegos que então se vive.

Além de mais leve do que o livro, o filme também peca pelo roteiro que teve suas situações mal coladas na passagem da literatura para o cinema. Na sua primeira hora, o filme caminha bem ao contar a história de uma misteriosa epidemia de cegueira branca que assola a população, mas a partir dos 40 minutos finais (a película tem 2h1min), se começa a correr demais com a história, cortar situações importantes (exemplo: a vida não fica uma maravilha quando os cegos saem do sanatório) e o filme fica deveras capenga neste momento.

Talvez fosse o caso de Meirelles ter feito um trabalho de três horas. Acredito que, apesar das dificuldades que um filme tão longo possa ter para ficar no circuito, contaria melhor a história de Saramago sem que fosse preciso mudar a marcha.

Lamentável também é a imposição do capital japonês, um dos que bancam o filme junto com o brasileiro e o canadense, no trabalho, que fazem o ator Yusuke Iseya viver o primeiro cego. Tudo bem que Saramago não descreve a etnia e o jeito das pessoas no livro, mas como ele se passa obviamente em Portugal e não há qualquer menção a um estrangeiro, é natural que ele não seja do Oriente. Isso não podia acontecer logo num personagem importante, mas reconheço que são os ossos do ofício.

É com tristeza, portanto, que digo que “Ensaio sobre a cegueira” não passa de um ensaio com muita cegueira de Meirelles. Seu filme nunca provoca, não seduz, não incomoda o espectador. Apesar destas e de outras ressalvas, é sem dúvida bom trabalho, mas está longe de ser a obra genial que o diretor podia ter feito. Faltou-lhe a ousadia de outrora.

Por outro lado, talvez eu tenha sido “contaminado” pelo livro e esteja agora exigindo demais. Um problema que não aconteceu com “O Jardineiro Fiel”, por exemplo, pois eu nunca li o livro e acho o trabalho de Meirelles acima da média. Mas ainda assim, acredito que “Ensaio sobre a cegueira” poderia ter sido menos decepcionante e mais arrebatador. Uma pena.

domingo, 21 de setembro de 2008

Um dia em terreno inimigo

Eu poderia começar esta crítica dizendo que nunca se deve deixar uma mulher escolher um filme. Mas eu não quero perder leitoras, afinal meu público já é bastante pequeno. Por outro lado, o título já é uma pequena provocação. Não com as leitoras, evidentemente, mas talvez com a situação.

Pois bem, deixei minha guitarra e amplificador em casa e fui ao cinema assistir “O mistério do samba”, documentário de Carolina Jabor e Lula Buarque de Holanda sobre a Velha Guarda da Portela. Se eu disser que sai da sala em êxtase, cantando e batendo palmas como 90% da platéia, eu estaria mentindo. Não, não paguei esse mico de bater palma para ninguém. Até onde eu sei, telas de cinema ainda não são interativas. Tipo ter uma manifestação agora e de algum ponto no fundo da película a Marisa Monte agradecer por aquilo.

Além disso, não bato palmas para qualquer coisa. Sou chato e valorizo a qualidade artística. Se eu batesse palmas para tudo, o bater de palmas seria absolutamente banalizado.

Tudo bem, estou sendo muito garoto enxaqueca. Mas eu juro de pés juntos que gostei do filme. Embora Marisa funcione muito melhor como cantora do que como repórter, postura que ela por vezes adota no longa, achei um documentário interessante. Nostálgico, é verdade. Mas diante do caos atual, como não reverenciar o passado? Diante das marchas imperiais do Carnaval do Sambódromo, como não gostar daquela malandragem, da fina ironia, dos amores e da simplicidade bem construída das letras daqueles sambistas sexagenários, septuagenários que fizeram a história da Portela e, é claro, do samba carioca?

Acho que o maior mérito de “O mistério do samba” é o resgate das deliciosas histórias que rolaram lá por Osvaldo Cruz, Madureira, enfim, toda aquela área que é berço do samba de qualidade (eu posso não gostar de samba, mas reconheço o que é bom ou ruim). É uma maneira de manter eternamente viva toda essa riqueza que se perderia no tempo com a morte de seus personagens se não tivesse sido registrada de alguma forma.

Por isso, deve-se reverenciar Marisa, Carolina e Lula (o Buarque, evidentemente, e não o Luiz Inácio). Mais do que um trabalho cinematográfico, eles fizeram uma expedição arqueológica do samba carioca.

Encontraram ótimas histórias, excelentes pessoas, e entrecortaram com boas rodas de samba, conversa e cerveja. Claro, com Zeca Pagodinho no quadro é natural saber qual é o copo que está sempre cheio.

Enfim, “O mistério do samba” tem o valor de ser um documento histórico mais do que um filme. E tenho a impressão de que com o passar dos anos, será uma obra cada vez mais importante. Agora deixa eu pegar minha guitarra de volta, pois eu gosto mesmo é de “Satisfaction”.

domingo, 14 de setembro de 2008

Tarja segue arrebatando corações

Promessa é dívida. Antes tarde do que nunca, vamos a alguns comentários sobre o show da Tarja Turunen há duas semanas.

Descrevi aqui neste espaço no final do mês passado sobre o quão encantado fiquei quando vi Tarja cantando pela primeira vez. Na ocasião eu fora a um show do Nightwish no Canecão. Há duas semanas, retornei à mesma casa de shows em Botafogo para assistir ao espetáculo de sua primeira turnê em carreira solo: “My Winter Storm”, nome do (bom) disco recém-lançado da cantora.

Após 1h45m de show, posso dizer que Tarja continua me encantando pelos mesmos motivos que há quase quatro anos: sua voz incrível, seu domínio absoluto do palco, sua energia e, claro, sua beleza capitaneada por duas esmeraldas na face no lugar de onde deveriam estar seus olhos.

Tarja é uma deusa finlandesa no palco que magnetiza todos os olhares, recolhe para si todos os flashes das câmeras (como vocês vão notar nos vídeos que selecionei e estão abaixo). Ofusca mesmo uma banda extremamente competente e que conta com nomes conhecidos como o guitarrista brasileiro Kiko Loureiro e o baixista Doug Wimbish, do Living Colour.

Eles, ao lado do baterista Mike Terrana, da tecladista Maria Ilmoniemi e do violoncelista Max Lilja, seguram muito bem a cozinha para Tarja brilhar intensamente num set que, obviamente, privilegia as canções de seu novo álbum como “Boy and the ghost”, que abre o show, a bela “Sing for Me”, “Lost Northern Star” e “Our great divide”.

A apresentação é composta por vários momentos marcantes e Tarja se sente bastante à vontade num palco do Brasil, onde recebe um amor incondicional dos seus fãs. Ela retribui cantando músicas do Nightwish. Toca “Nemo”, talvez o grande sucesso comercial do grupo, e “Wishmaster”, cantada em coro pela galera.

Mas os fãs provam que são realmente seguidores fiéis de Tarja e mostram conhecimento de sua nova fase ao cantarem com a mesma intensidade uma música como a linda “I Walk Alone”, que foi o primeiro single do disco novo.

Outra música de muito sucesso nas paradas da casa é a ótima “Poison”, cover de uma canção de Alice Cooper que cai realmente no gosto de quem ouve na linda voz da finlandesa.

Dois bis depois e Tarja parecia já ter tocado o disco quase todo. Com direito a um momento à capela com Kiko Loureiro no violão e ela entoando “Calling Grace”. Satisfeita consigo mesma e vendo seus fãs extasiados, ela promete retornar mais rapidamente do que o cruel intervalo de quatro anos que representou o hiato entre a vinda com o Nightwish e sua carreira solo.

Esperamos que ela cumpra realmente essa promessa. É sempre muito bom ver Tarja cantando. É maravilhoso vê-la no palco. Pelo menos para os que gostam de metal melódico.

Três grandes momentos do show. Tarja cantando “Poison”, “I Walk Alone” e Wishmaster”.





segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A deusa e suas escolhas


Angelina Jolie não é má atriz. Ela pode não ser uma Helen Mirren ou uma Meryl Streep, mas tem seu valor. No entanto, por vezes ela faz cada escolha que é uma verdadeira bomba. Ultimamente então, ela tem se revezado entre um bom filme e outro absolutamente dispensável.

Fez “Alexandre” em 2004, no vergonhoso papel de mãe de Colin Farrel, a versão bicha louca daquele que outrora ficou conhecido como “O Grande”. Se recuperou em seguida com o divertido pipoca “Sr. e Srs. Smith” (2005), filme de ação em que contracena com o marido e ganhador da Mega Sena exatamente por isso Brad Pitt. Em seguida, um excelente filme de espionagem “O Bom Pastor” (2006), mas com uma atuação abaixo da crítica emendada posteriormente com outro filme constrangedor “Beowulf” (2007). No mesmo ano, a recuperação com a elogiada atuação em “A might heart” e uma indicação ao Oscar que ela já venceu em 1999 por “Garota, Interrompida”.

Entre filmes “sim” e filmes “não”, “O Procurado” é um filme não. Claro que a culpa deste filme dirigido pelo russo Timur Bekmambetov ser ruim não é da atuação piloto automático de La Jolie, que não faz muito esforço a não ser a cara de mau com aqueles lábios carnudos bem fechados, o olhar para o infinito e a maquiagem escura nos olhos fazendo o resto do serviço para que ela fique bem, digamos, “assassina” de uma Fraternidade. Pensando bem, precisa mais do que isso num filme de ação?

A culpa desta bomba também não é de Morgan Freeman, excelente ator que aparentemente estava ali ganhando uns trocados, ou de James McAvoy, elogiado por sua atuação no indicado ao Oscar “Desejo e reparação” (2007), outro ótimo filme, mas que nesta película não convence como um loser que vira um assassino. Taí outro problema da fita. Dá para confiar que um loser virará um assassino? É quase tão difícil quanto acreditar em balas que mudam de direção. Por essa nem os traficantes cariocas esperavam.

Enfim, o filme é ruim pelo conjunto da obra que vai da direção tosca que tenta imitar John Woo com suas câmeras lentas, que são mais sonolentas do que licença poética, ao roteiro sem pé nem cabeça do trio Michael Brendt, Derek Hass e Chris Morgan que, entre outras pérolas inventa a história de um grupo de assassinos que recebe ordens supostamente do destino com pedidos de assassinato vindo de marcas no tecido (será que a camisa que estou vestindo diz alguma coisa?).

Ainda há espaço para uma reflexão rala sobre livre arbítrio, fazer seu próprio destino e brincar de Deus. Ela acontece mais ou menos entre um salto e outro em câmera lenta e balas e contra-balas se chocando. Tudo muito estético, tudo muito viajante, so boring.

Linda e milionária, penso que Angelina não precisava disso. Mas ao lembrar de “Sr. e Srs. Smith”, um filme de ação com muito tiroteio, mas divertido como já disso, acho que só posso concluir que ela gosta de um pouco de adrenalina de vez em quando. Um pouco dessas injeções deve lhe fazer bem entre um filme sério e outro.

“O Procurado” é sem dúvida uma bola fora de nossa deusa. Para não dizer que o filme é uma completa perda de tempo e dinheiro, posso dizer que a câmera tem um ângulo um pouco maior do que o mostrado na foto acima. Afinal, alguma coisa tinha que ser nota 10 neste filme.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

PS: Sim, eu sei que prometi falar sobre o show da Tarja hoje, mas não pude concluir o comentário que estava preparando. Prometo que o próximo post será sobre ela.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Escorpião verde e amarelo

Vamos combinar uma coisa. O Brasil é legal, o Brasil é maravilhoso, Brazil is beautiful, Brazil is hot, mas não tem qualquer peso no mercado fonográfico mundial. Vender discos aqui ou não, não faria qualquer diferença para uma banda mundialmente conhecida. Tudo bem que vender discos hoje é um detalhe, mas isso é papo para outro post e no final das contas vocês me entenderam.

Portanto, uma banda internacional que vem seis vezes ao país é porque realmente gosta de tocar por aqui. E dessa vez o Scorpions fez de tudo para que o show no HSBC Arena fosse uma homenagem inesquecível aos brasileiros. Até questões de como sairiam as músicas acústicas – que, aliás, nem foram tão acústicas assim, mas isso fica para mais para baixo – ficaram relegadas ao segundo plano. O show de sábado passado ficará conhecido como o que rendeu homenagens, e algumas críticas, ao nosso país.

Como esquecer o vocalista Klaus Meine cantando em muito bom português “Cidade Maravilhosa” (tudo bem, ele falava txidade maravilhôssa, mas se eu tenho dificuldades para falar “ich” ou qualquer palavra que tenha trema em alemão, por que ele não pode ter algum sotaque?) e lembrando o espetáculo da banda no Rock in Rio em 1985?

E o baterista James Kottak com gorrinho do Brasil e bandeira pendurada no gongo ao fundo? Sem contar a mensagem “Rio Rock$” em frente ao palco e os muitos convidados. Foram três backing vocals e três percussionistas nacionais para fazer um batuque maneiro – com exceção do samba que eles ensaiaram com o batera – e o guitarrista do Sepultura (ainda existe o Sepultura?), Andreas Kisser, para fazer a pauleira ficar ainda melhor.

Em suma, bom ou ruim é uma questão pessoal, mas o que não se pode dizer é que o show do Scorpions não foi simpático. Teve até uma puxada de orelha com imagens da Amazônia ardendo em chamas e protestos do Greenpeace durante a execução de “Humanity”. Ora, quem gosta e é amigo também deve fazer uma crítica pertinente.

O clima era tão cool que teve espaço até para dois “Happy Birthdays” puxados pelo baixista Pawel Maciwoda e cantados pela platéia em homenagem ao aniversariante Rudolf Schenker, que fez 60 anos.

Além de simpático o espetáculo pode ser definido também como divertido. Acho que pouquíssimas pessoas não devem ter saído com um sorriso no rosto. Até porque, apesar do clima grande família, o Scorpions fez e muito bem o seu trabalho e cantou os clássicos que a galera queria ouvir como “Wind of change” (maravilhosa), “Still Loving you” (espetacular, tocante, emocionante) e “Rock you like a hurricane” (uma pauleira que fechou magistralmente o show oficial, pois depois teve mais uma música de bônus, “A moment in a million years”).

Antes do show havia alguma resistência quanto ao fato do Scorpions tocar algumas canções no formato acústico como vem fazendo na turnê. Fãs mais xiitas não gostaram disso e alguns até deixaram de ir enquanto outros poderiam até pensar em ir, mas desistiram por causa do indecente preço do ingresso, nunca inferior a R$ 130. Talvez isso possa explicar o baixo quorum no HSBC Arena. Estava tão vazio que a casa resolveu até fechar o setor de arquibancada 3 levando alguns sortudos, portanto, (eu entre eles) para o setor 1, mais perto. Ainda assim, a pista estava na metade da sua capacidade.

Não sou muito bom de “olhômetro”, mas calculo que tenha tido umas quatro mil pessoas na casa. O suficiente para abarrotar um Citibank Hall, mas que deixa claros na Arena, que deve caber umas 10 mil pessoas.

Bom, se havia algum temor quanto ao formato acústico, pode-se dizer que o Scorpions não desapontou e, mais do que isso, agradou a gregos e troianos. Além do set list rico em clássicos, a banda abriu um show, que durou pouco mais de duas horas, com o puro rock and roll capitaneado pelas guitarras de Rudolf e Matthias Jabs. Neste primeiro momento, passaram pelo palco canções novas – “Hour I”, que abre o espetáculo – e conhecidas como “Bad boys running wild” e “The Zoo”. Com a banda já com a platéia na mão, Andreas Kisser entra em cena para um mega solo intraguitarras durante “Coast to coast”. Estratégia para que o palco fosse arrumado com os banquinhos, violões e instrumentos de percussão.

“Always somewhere” abriu o set acústico, ou melhor, semi-acústico, pois os caras estavam relativamente plugados, a bateria era a mesma, o baixo não mudou e os violões só faziam, obviamente, um som um pouco mais abafado e menos estridente. Enfim, não chegou a ser um João Gilberto para assustar os fãs, que foram completamente conquistados pelo novo, digamos, formato, em “Dust in the wind”, que realmente fica excelente.

Havia ainda outra diferença em relação ao que o Scorpions registrou em um DVD (“Momento f glory”). Foi exatamente a participação dos músicos brasileiros. Lembremos que o set acústico do Scorpions sempre usa músicos e instrumentos clássicos como violoncelos. No Brasil, foi dado um toque mais de percussão que causou grande diferença principalmente em “Wind of change”. Aquelas batucadas e as backing vocals ao fundo ficaram bem legais e a canção ganhou um formato único. Foi para guardar como um daqueles momentos inesquecíveis para quem gosta do Scorpions (e não é muito xiita). “Holiday” foi outra música inesquecível da noite.

Após o set acústico estrategicamente colocado no meio do show, o Scorpions voltou para a sua melhor leva de canções a fim de fechar a noite lá em cima na sua cotação com a galera brasileira. Além das já citadas “Still Loving You” e “Rock you like a hurricane”, cantadas em coro pela platéia, é nesta parte que eles tocam “Big City Nights” e “Blackout”. Vimos uma coleção de grandes canções nos 40 minutos finais.

Enfim, o show do Scorpions foi acima de tudo uma grande festa. E os que ganharam foram os fãs que encararam o frio, a chuva e a distância do HSBC Arena para ver uma ótima apresentação. Que o Scorpions continue vindo ao Brasil com freqüência e sempre sem medo de arriscar. É sempre bom ouvir novidades das boas velharias.

PS: No domingo falarei sobre o outro show do final de semana, da cantora Tarja Turunen no Canecão.

Abaixo, o Scorpions arrebentando no Rio de Janeiro. Na seqüência, “Still Loving You”, “Rock you like a hurricane”, “Wind of Change” e “Dust in the wind”.