sexta-feira, 26 de junho de 2015

Cotação da corneta: 'Lugares escuros'

Charlize Theron foge dos paparazzi
Depois de "Garota Exemplar", aquele filme absolutamente espetacular do ano passado, a corneta não apenas renovou seu status de idolatria por David Fincher, como também deixou a escritora Gillian Flynn em boa conta. Portanto, quando eu vi - e quando começou a ser vendido nos cartazes (malandrinhos!) - que um outro livro dela também tinha virado filme, óbvio que reservei o meu lugar no cinema mais próximo.

"Lugares Escuros" também poderia ser chamado de "Precisamos falar sobre a Metalfobia". Afinal, desde o início os preconceitos estão ESCANCARADOS contra os headbangers. Basta o cidadão se vestir de preto, estudar um satanismo, matar uma vaca e curtir um Misfits ou um Slayer que ele já é considerado um assassino pela sociedade. Como isso é possível?


Mas um grupo de nerds jogadores de RPG acha que não é bem assim. Eles se reúnem num clube de aprendizes de Sherlock Holmes para provar que Ben Day (Corey Stoll na idade adulta e Tye Sheridan na adolescência) era apenas um simpático fã de Megadeth com a cabeça iconoclasta e rebelde de qualquer adolescente que eu e você já fomos.


Para resolver o crime e tirar Ben da cadeia depois de 28 anos de martírio, eles contam com a ajuda de Libby Day (Charlize Theron, menos FURIOSA, com mais cabelo do que em “Mad Max” e um bonezinho como adereço). 

Única sobrevivente do massacre de Kansas que vitimou sua mãe e suas duas irmãs, Libby viveu as quase três décadas seguintes somente daquela noite. Ganhava doações das pessoas, cheques polpudos de famílias que se preocupavam com a jovem que sofrera um trauma terrível. Libby ainda assina um livro sobre ela que não escreveu e sequer leu. É assim a vida ia passando.

Mas..... Bem, uma hora ela tinha que virar adulta e as pessoas iam se cansar de sua história. Libby pensou: e agora? Vou ter que fazer essa coisa terrível que é trabalhar? Não, ela não teve tempo para refletir sobre isso porque logo surgiram os nerds do RPG oferecendo uns trocados para que ela os ajudasse na investigação. A questão é: ela precisaria desmentir o que falara em 1985, quando acusou o irmão dos assassinatos.

E aqui temos o viés PSICOLÓGICO do filme. Ben é o preso que viu a luz, descobriu o perdão e se vê livre e em paz mesmo atrás das grades. Libby está aí na vida, tomando uma cerveja, mas mora num muquifo e está acorrentada ao passado daquela fazenda no Kansas. 

"Lugares Escuros", portanto, se põe como uma jornada de reconciliação, redescoberta e desapego na busca por pistas que solucionem o mistério.

É um ponto a se abordar. Mas o filme de Gilles Paquet-Brenner não tem aquelas reviravoltas loucas de “Garota Exemplar”, por exemplo. Nesse ponto, a história de Gillian Flynn é mais linear.

O filme, por sua vez, se coloca mais num gênero "quem matou fulano?", ainda que você não seja levado a ter dúvidas ou refletir sobre possíveis mandantes do crime. Desde o início se sabe que a história oficial não é bem aquela (Ben não é o vilão), e que haverá a busca pela verdade. É assim você é conduzido até ela.

"Lugares Escuros" pode ser uma boa diversão para uma tarde fria de inverno. Da parte da corneta, o filme ganhará uma nota 6.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Cotação da corneta: 'Jurassic World'

Não é fácil alimentar os bichos
Imagine "Jurassic World" como se fosse um bingo. Um bingo desses de quermesse já que em estamos em tempos de festas juninas. Tudo com uma reunião de jovens senhores (as) reunidos marcando com grãos de feijão a cada dezena cantada pela pessoa que o comanda lá da frente com um microfone. Mas ao invés de números, você marca cenas do filme na sua cartela imaginária.

Crianças que tomam decisões erradas (um clássico dos filmes que tenham o nome Spielberg nos créditos) - grãozinho de feijão na cartela.

Personagem clichê que só pensa no trabalho, metódico e não está aberto ao amor - grãozinho de feijão na cartela.

Macho alfa do tipo bombeiro que resolve os seus problemas - grãozinho de feijão na cartela.

Irmãos que aprendem a se amar em meio às dificuldades - grãozinho de feijão na cartela.

Mulheres frágeis que precisam ser salvas pelo herói - grãozinho de feijão na cartela.

Beijo apaixonado entre os mocinhos com trilha sonora marota - grãozinho de feijão na cartela.

BINGO!

Você venceu, Spielberg. Você enquanto produtor executivo e Colin Trevorrow enquanto diretor. Isso porque "Jurassic World" não traz apenas a nostalgia da primeira trilogia, pois também traz a nostalgia de como se fazia o cinema blockbuster nos selvagens e maniqueístas anos 90 (salvo exceções, é claro), época dos dois primeiros filmes de "Jurassic Park". Aí não sabem por que um filme absolutamente normal como o novo “Mad Max” é chamado de feminista. Ainda que não seja. Também, colocam a velha tática da mocinha frágil interagindo com o herói fortão digno de alguns filmes clássicos da “Sessão da Tarde” e do “Cinema em Casa”. Ok, o mau humor acaba por aqui. Já passou.

Jurassic World não é um reboot da velha série. É uma continuação dos eventos que aconteceram 22 anos depois do primeiro filme. Citações ao “Jurassic Park” de 1993 se espalham nas duas horas de filme que vão trazer ao fã aquele sorriso seguido da exclamação de quem viu uma coisa doce: “Ahhhhh!”

Agora o parque situado na ilha Nublar, ali perto da Costa Rica, é um grande misto de Disneylândia com Zoológico. Um sucesso absoluto em que você vê um Sea World da pré-história com o voo do Mesosauro para devorar um tubarão branco, acompanha o Tiranossauros Rex comendo um bode no almoço e interage com dinossauros herbívoros fofos. Em alguns deles você pode até montar. Não é o máximo?

Quem admistra este parque de forma cartesiana e fazendo planilhas até para a hora do almoço é Claire Dearing (Bryce Dallas Howard). Ela é a típica pessoa que se amarra num power point. Mas é ruiva e tem olhos claros. E quem resiste a uma ruiva de olhos claros? Owen Grady (Chris Pratt, o divertido Peter Quill de “Guardiões da Galáxia”) não é um deles. E deixa claro que sempre teve uma queda por essa mulher certinha, ainda que ele seja do tipo mais som e fúria.

Ai, ai, os opostos que se atraem. Tão clichê. Grãozinho de feijão na cartela do bingo.

Owen tem um emprego interessante no parque. É um ADESTRADOR de velociraptors. Sim, galera, vocês vão ter que aceitar que em “Jurassic World” os dinossauros são como cachorros. Mais um pouquinho e eles dão piruetas e se fingem de mortos ao seu comando.

Só que não seria um filme do Spielberg nos créditos se não tivesse crianças. Muitas crianças. Os principais são os irmãos Zach (Nick Robinson) e Gray Mitchell (Ty Simpkins). Eles são sobrinhos de Claire e, claro, vão para o parque para supostamente reforçar os laços familiares com a titia, que não parece muito a fim de amor, fazer bobagens e tomar decisões erradas.

E eles fazem tudo isso no momento de uma crise. O surgimento de INDOMINOUS REX, um dinossauro geneticamente modificado parte T-Rex, parte velociraptor e com características de outros animais da natureza. Ele é inteligente, controla a própria temperatura do corpo, sabe se camuflar e tem instinto assassino. É o RAMBO dos dinossauros.

Indominous foi inicialmente criado para ser a nova atração espetacular do parque que atrairá centenas de milhares de turistas com sua fúria única. Só que esqueceram de combinar com ele. Cansado do cativeiro, o bicho arma uma armadilha para fugir e descobrir como a vida sádica é uma maravilha. Ele não quer se prestar ao papel de nova atração do circo. Ele quer SANGUE. De humanos ou répteis fofos.

A partir daí as cenas se alternam entre pessoas correndo do dinossauro ou caçando o dinossauro. Mas tudo sem momentos muito fortes para não chocar ninguém. “Jurassic World” é um filme família. Não é “Game of Thrones”.

Mas os humanos não têm como vencer Indominous. Até que se chega à conclusão que tudo é uma questão odontológica. É quando o filme nos dá aquele momento "Godzilla" que não precisávamos. Não vou contar o que acontece. Deduzam se vocês viram “Godzilla”.

“Jurassic World” bateu recorde de faturamento em bilheterias e foi espinafrado por um paleontólogo ouvido pelo Globo. Por mais que não tenha pretensões dramáticas, também não precisava tanta canastrice. E nem as cenas de ação são grande coisa. Principalmente em tempos de “Mad Max” e “Vingadores”. Se aquele bingo valesse um ingresso de cinema, talvez a corneta preferisse apostar em outra coisa. No caso do trabalho de Colin Trevorrow, o filme ganhará uma nota 4.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Sobre Game of Thrones

Jon Snow
Sobre o último e AVASSALADOR episódio de Game of Thrones:
(ATENÇÃO: POTENCIAIS SPOILERS)
REFLITA BEM ANTES DE LER A CORNETA ABAIXO:
1) Nunca desejei tanto quanto no último episódio da quinta temporada que George R.R.Martin tivesse o mesmo destino de Shireen.
2) O episódio final foi dos mais fodas da história da série. E dos mais tristes. E dos mais trágicos.
3) O episódio deve ter tido uns seis ou sete clímax. Esse povo quer matar a gente do coração.
4) Cinco óbitos em uma hora. Galera passou o rodo.
5) Cinco temporadas e o mantra permanece: Sansa só se fode.
6) Dubrovnik nunca mais será a mesma depois da passagem de Cersei pelada. MEU DEUS!
7) Por falar nesta cena, deve ter sido das mais difíceis e desafiadoras para a atriz Lena Headey fazer. E ficou boa demais.
8) E claro que eu tenho tanta raiva da direita religiosa de King's Landing que espero que Cersei busque a vingança com requintes de crueldade na sexta temporada.
9) Deu pena do Stannis Baratheon. Com um exército tão inofensivo quanto o ataque do Vasco, foi engolido por uma formação militar das mais básicas. Tipo o 4-4-2 dos combates militares. Levou uma rasteira do Lord of Light. Nem sempre essa macumba ia fazer efeito, né?
10) O que realmente aconteceu com Stannis, Sansa e Reek? E Daenerys, que foi cercada por uma tribo Navajo? Muitas pontas soltas para a próxima temporada. Haja coração, amigo.
11) E agora? Arya deixará de ser treinada pelo homem sem face para ser treinada pelo STICK? ‪#‎demolidorfeelings‬
12) Nunca subestime o que uma aliança entre um anão e um eunuco pode causar. ‪#‎TeamTyrion‬
13) Dorne foi a grande decepção da temporada. E ainda aprendemos que não se deve beijar na boca de nenhuma mulher "dornesa".
14) Tiro de uma mensagem que li no Twitter meu sentimento sobre a série: Game of Thrones chegou num ponto em que até eu tenho medo de morrer só por assistir à série.
15) Maldita lei de Game of Thrones! Maldito Valar Morghulis! Vi duas vezes o episódio e ainda não consigo acreditar. R.I.P. Jon Snow. Espero que você faça o caminho de volta antes de ser conduzido para o outro mundo. Afinal, nossos heróis não podem perecer assim. E vocês sabem. You know nothing, Jon Snow...

domingo, 14 de junho de 2015

Sobre o Monsters of Rock - parte II

Depois de um dia de muito rock and roll que resultou na sempre saudável sensação de ouvido zumbindo, chegou a hora da avaliação final da corneta sobre o primeiro dia do Monster of Rock. Para sorte deles, a corneta não viu De La Tierra, Primal Fear e Coal Chamber, pois não se começa show antes de 14h.
Já o Lemmy teve piriri quando soube que a corneta estaria presente para avaliar o Motörhead e cancelou o show. (Brincadeira! Melhoras, Lemmy!).
Mas vamos ao que interessa:
1) Rival Sons: Cruzamento de Black Crowes com Aerosmith, tem um vocalista que por vezes lembra aquele Robert Plant dos velhos tempos, um guitarrista que parece saído dos melhores grupos de blues do delta do Mississipi (sempre quis escrever isso, pois passa impressão de erudição), um baterista fanfarrão é um tecladista com jeito de quem saiu de uma tribo amish. Fez bonito, conquistou a galera e saiu consagrado da Arena Anhembi. A corneta aprovou.
2) Black Veil Brides: Espécie de Mötley Crew teen. O vocalista tem cara de criança e o corpo todo tatuado. Lembra o Marilyn Manson sem maquiagem e no jeito de cantar. Os demais integrantes da banda são cafonas e usam penteados de Chitãozinho e Xororó no auge da carreira. Eles não cantaram "EVIDÊNCIAS", mas pela reação do público parecia que estavam fazendo alguma coisa sertaneja. Para a galera, o momento mais feliz foi quando saíram do palco para não mais voltar. Foi uma tragédia.
3) Judas Priest: Rob Halford é a Daenerys Taergaryen do heavy metal, invocando dragões e espíritos do mal a cada agudo lançado que atravessa dimensões sonoras. Troca de roupa feito uma BEYONCÉ e continua, aos 63 anos, entrando no palco com uma moto e roupas de couro. Afinal, heavy metal é tradição, não é humilhação. A galera continua se referindo a ele como "Isso é uma bichona", mas apesar do conteúdo homofóbico da frase todos o amam. Mandaram bem.
4) Ozzy Osbourne: O Príncipe das Trevas, o homem que tem relação direta com o Coisa Ruim, é uma pessoa de hábitos. Gosta de lançar um Let's go FUCKING crazy e I can't FUCKING hear you a cada canção. Mas no fim, ele ama todo mundo e pede que Deus nos abençoe. Ozzy é sequelado, bate palminha e anda de um lado para o outro com seu passinho de VELHINHO DE ASILO. Os morcegos não fazem mais parte de sua dieta, mas ele continua sendo o cara. Queremos vê-lo cantando até os 666 anos. Cotação: corneta feliz.

Robert Plant entre o passado e o presente

Robert Plant arrebenta no palco/Reprodução
Robert Plant não gosta de falar sobre o Led Zeppelin. É como se quisesse deixar no passado os tempos loucos em que reinava em quase todo o mundo junto com o guitarrista Jimmy Page, o baixista John Paul Jones e o baterista John Bonham. Mas o cantor não nega a importância de todo o material produzido em nove álbuns de estúdio entre 1969 e 1982.

Desde que a banda acabou com a morte do baterista em 1980, o Led Zeppelin se reuniu poucas vezes. Apenas em ocasiões especiais. A última delas em dezembro de 2007, quando o grupo recrutou o filho de John, Jason Bonham, para tocar bateria em um show especial em homenagem ao antigo dono da gravadora Atlantic, Ahmet Ertegun. Robert garantiu que aquele show que virou o DVD “Celebration Day” foi o ponto final da banda. Depois daquele dia, o cantor, hoje com 66 anos, pegou as suas coisas e retomou a carreira-solo.

Mas os fãs que lotaram o Citibank Hall na noite do dia 24 de março são nostálgicos. A grande maioria veste camisas do Led Zeppelin. Eles estão ali para ver Robert cantar as músicas do seu novo e bom álbum “Lullaby and..The Ceaseless Roar” (2014), mas também pela porção Led Zeppelin da sua vida.

Robert pode não gostar de falar sobre o grupo, mas lida bem com o passado. Reverencia-o em releituras, novos arranjos e acréscimo de instrumentos. Tudo sem perder o peso de suas canções. Estão lá no show "Black Dog", "Whole Lotta Love", "Going Califórnia", “The Lemon Song” e "Rock and Roll", cinco canções do que o Led Zeppelin fez de melhor. Do que a banda fez de mais brilhante no tempo em que ditou as bases de fundação do hard rock e do que viria a ser aperfeiçoado pelo Black Sabbath para se transformar no heavy metal.

Mas os tempos (e a garganta dele) são outros. O cantor não vive apenas do seu passado glorioso. Com sua nova banda, a ótima Sensational Space Shifters, ele tem um arsenal renovado e rico para exibir ao seu público. Plateia esta que já reconhece algumas canções, como “Rainbow” e “Little Maggie”, ambas do novo álbum.

Após o fim do Led Zeppelin, o cantor enveredou por outros caminhos. O som foi sendo lapidado de um classic rock dos primeiros discos solo (“Pictures at eleven”, de 1982, e “The principle of moments”, de 1983), para standards, folks, como o disco “Raising Sand” (2007) com Allison Krauss, além do que se convencionou chamar de world music, uma grande salada de sons de onde o cantor retirou elementos celtas, da música folclórica britânica, e instrumentos de percussão africanos para dar vida aos seus dois últimos discos. Seu mais recente álbum é um pedaço bem acabado deste novo momento. Um disco superior até mesmo ao anterior, “Band of Joy” (2010).

E toda essa riqueza é exibida pela banda no palco. O guitarrista Justin Adams é mais performático e tem a pegada blueseira e pesada que algumas canções exigem, principalmente os clássicos dos anos 60 e 70. Muitos solos que exigem voracidade vêm dele. O outro guitarrista, Liam “Skin” Tyson, dá as bases para a banda brilhar. Ele é a faceta técnica do grupo, praticando arpejos e se sobressaindo sempre que a melodia precisa sobrepor à explosão. 

Cabe aos demais integrantes pavimentarem o caminho para os três se destacarem no palco em 1h20m de show. O baterista Dave Smith é apresentado por Robert como "o melhor da contemporaneidade" talvez para não melindrar os fãs de John Bonham. Ele joga com a técnica e a versatilidade comandando a cozinha com destreza, enquanto o Juldeh Camara, músico de Gambia, é responsável pelas releituras de clássicos do Led Zeppelin com o uso de instrumentos de corda da música africana, como kologo, ritti e fulani.

Há três anos, no show que fez na HSBC Arena, estas novas versões causaram estranheza nos fãs, que mal reconheceram “Ramble On” e “Rock and Roll”, esta a não ser pelo refrão. Mas aquela era uma banda diferente. Hoje, o entrosamento entre os músicos parece ser maior. E a plateia parece aceitar melhor o novo momento do cantor inglês. Tanto que responde com empolgação e cantando o nome do ídolo.


De “No Quarter”, que abre os trabalhos, até o desfecho até certa forma previsível com “Rock and Roll”, Robert Plant exibe um show enxuto, potente, vigoroso e tecnicamente impecável. Das 15 músicas do set list, sete são do Led Zeppelin, mostrando que o cantor está em paz com o passado (ainda que evite falar sobre ele), embora mais interessado em construir um futuro diferente na estrada da música.

sábado, 13 de junho de 2015

Sobre o Monsters of rock

Ozzy Osbourne no Monsters of Rock
Reportagem originalmente publicada no dia 24 de abril de 2015. O link é este (Ozzy Osbourne e Judas Priest fazem a festa dos fãs)

SÃO PAULO - Era para o primeiro dia de Monsters of Rock ser uma grande celebração do heavy metal inglês. Mas um imprevisto entristeceu os fãs do Motörhead e deixou a festa incompleta. O vocalista Lemmy Kilmister passou mal na manhã de sábado e não pôde se apresentar na Arena Anhembi, em São Paulo. Assim, coube ao Judas Priest e a Ozzy Osbourne fazerem um show dentro do que os fãs esperavam para que o início do festival, que se encerra neste domingo com destaque para os shows do Manowar e do Kiss, não fosse prejudicado.

Com o cancelamento do Motörhead, o primeiro dia reuniu sete bandas de diferentes vertentes do heavy metal, mas desde cedo estava claro que o público presente na Arena queria mesmo ver o trio de roqueiros sessentões ingleses Lemmy-Rob Halford-Ozzy. A maioria das camisas (pretas, é claro) era com referências às bandas dos três artistas.

E tanto o Judas quanto o Ozzy não decepcionaram nem um pouco os seus fãs. Em 1h20m, o Príncipe das Trevas mostrou a conhecida disposição com seus passinhos de um lado para o outro, palmas e gritos para o público entremeados com o uso da expressão “fucking”, que dispensa traduções, quase como vírgula.

Aposentadoria é uma palavra que não faz parte do dicionário de Ozzy, 66 anos. Ele já disse estar compondo músicas para um novo álbum com o Black Sabbath, que deve ser lançado em 2016 e promete ser o último da histórica banda de heavy metal. Na véspera de sua apresentação, Ozzy prometeu um set list só com clássicos. Nem músicas do seu último álbum, "Scream" (2010), seriam incluidas.

Dito e feito. O cantor trouxe 12 músicas que formam parte da nata de sua carreira solo e com o Black Sabbath. Abriu o show com as demolidoras “Bark at the moon”, “Mr Crawley” e “I don’t know” e seguiu em frente dizendo que ama todo mundo e pedindo que Deus (provavelmente o Deus Metal) abençoe a todos.

Entre uma música e outra, pegava uma mangueira para jogar água nos fãs na frente do palco. Os demais foram molhados pela chuva que caiu um pouco mais forte justamente na apresentação do Príncipe das Trevas.

Da carreira solo, Ozzy cantou ainda “Shot in the dark”, “Suicide Solution”, “Road to Nowhere”, “I don’t wanna change the world” e “Crazy Train”, um clássico cujo refrão foi cantado pelos fãs na Arena. Do Black Sabbath, ele mandou as músicas que normalmente inclui em suas turnês: “Fairies wear boots”, “War Pigs”, que levou o público ao delírio, “Iron Man” e “Paranoid”, que fechou a apresentação de forma apoteótica. A ausência mais sentida foi a de “No more tears”, música que Ozzy não canta desde que Gus G passou a ser o seu guitarrista nas turnês solo. Em 2008, quando veio ao Brasil e fez shows no Rio e em São Paulo, Ozzy tocou a música, mas seu guitarrista era Zakk Wylde, o mesmo que gravou a faixa e o álbum “No more tears” em 1991.

Antes de Ozzy, o Judas Priest fez uma apresentação igualmente empolgante. Mesmo aos 63 anos, Rob Halford ainda é capaz de soltar agudos impressionantes que ecoaram pela Arena Anhembi e quase estouraram os tímpanos dos seus fãs. Na quinta-feira, a banda já havia empolgado o público carioca.

O show começou “Dragonaut”, canção do mais recente álbum da banda, “Redeemer of Souls”, lançado no ano passado. Do mesmo disco, também foi tocada a boa “Halls of Valhalla”, mas o que o público queria mesmo ouvir eram os sucessos do passado. E “Love Bites”, “Breaking the Law”, “You’ve gotta another thing comin’” e “Painkiller” estavam lá para satisfazer os anseios da multidão. “Living after midnight” fechou a apresentação.

O Judas Priest começou o show 14 minutos antes do que estava previsto, pois foi acertado com a banda que ela faria um set com 30 minutos a mais como forma de compensar a ausência do Motörhead. Com isso, o show da banda acabou sendo maior até do que o Ozzy, considerada a atração principal do dia.

SEPULTURA NO PALCO

O cancelamento do show do Motörhead, aliás, foi uma frustração principalmente para os fãs que pretendiam ver a banda pela primeira vez. De acordo com a nota divulgada pela organização do Monsters of Rock, o vocalista sofreu de um “sério distúrbio gástrico, seguido de uma forte desidratação”. Perto da hora do show começar, um funcionário do evento subiu ao palco para dar a má notícia aos fãs e anunciar que o Sepultura faria uma apresentação especial com os outros membros da banda, Phil Campbell (guitarrista) e Mikkey Dee (baterista).
Com a ajuda da banda brasileira, os dois tocaram três músicas do Motörhead: “Orgasmatron”, “Ace of spades” e “Overkill”.

Assim, Andreas Kisser acabou subindo duas vezes ao palco neste sábado. No horário do almoço, ele havia sido o primeiro músico a tocar com o seu projeto paralelo “De la Tierra”, banda latino-americana de metal que reúne integrantes argentinos e colombianos. Logo depois, entraram no palco os alemães do Primal Fear e os americanos do Coal Chamber.

Uma das boas surpresas do primeiro dia foram os americanos do Rival Sons. Com uma pegada blueseira misturada ao hard rock, o grupo do vocalista Jay Buchanan, formado em 2009, conquistou o público logo nas duas primeiras canções e saiu do palco consagrado.

GRUPO VAIADO

O mesmo não se pode dizer do também americano Black Veil Brides, cujo glam metal que lembra um pouco o Mötley Crue não foi bem recebido. Até vaias o grupo teve que ouvir, mas o vocalista Andy Biersack tentou ignorá-las e foi irônico com os que não estavam curtindo a banda.

- Aos que não estão felizes por estarem aqui, peço desculpas. Ainda assim, nós estamos felizes. Sei que vocês não estão aqui necessariamente para nos ver, mas obrigado mesmo assim – disse Biersack, de 24 anos, que chegou a abandonar o palco, mas depois voltou para finalizar o show ouvindo gritos de “Motörhead”.

Sobre a banda de Lemmy, ainda é uma incógnita se ela conseguirá se apresentar nas outras datas da turnê brasileira em Curitiba, na terça-feira, e em Porto Alegre, no dia 30. Aos 69 anos, diabético e com um histórico de problemas cardiovasculares após uma vida de excesso de drogas e álcool, o vocalista precisa cuidar da saúde de tempos em tempos. Em janeiro, o Motörhead cancelou apresentações na Europa por causa dos problemas de saúde do cantor. Em 2013, Lemmy chegou a abandonar um show no festival Wacken, na Alemanha, após passar mal. Resta aos fãs paranaenses e gaúchos torcerem para Lemmy se recuperar a tempo de poder se apresentar nas duas próximas datas.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

O taxista nostálgico - Nova versão

O taxista nostálgico estava impossível naquela noite. Ainda não engolira o passageiro que pegara uma hora antes e tentara humilhá-lo. Era, nas palavras dele, “um típico playboy da Zona Sul querendo impressionar a gatinha da vez que ele estava comendo”. Mas voltemos um pouco no tempo. O tempo em que o operário das palavras encontrou o taxista nostálgico.

É madrugada na Lapa. Uma típica madrugada cheia de cores e tipos diferentes nas imediações dos Arcos. As ruas e os bares estão lotados. Ao deixar um show em mais um dia de trabalho, dores nas costas e o olhar turvo de cansaço, o operário das palavras faz sinal em busca de um táxi. É rejeitado por uns e ignorado por outros que consideram a corrida muito curta. Mais uma típica noite no Rio de Janeiro. Quando já começava a refletir sarcasticamente sobre a ideia de voltar para casa a pé, um motorista finalmente parou.

O boa noite protocolar se segue à indicação do destino. Mas o silêncio não permaneceria muito tempo naquele carro. Afinal, um taxista que não puxa assunto não é carioca. Mas ele queria mais do que criar uma conexão com o seu passageiro. Desejava desabafar. Algo que o operário das palavras só perceberia quando já estava mergulhado numa conversa que só teria fim após o pagamento da corrida.

No rádio, Rita Lee exibe todo o seu talento numa daquelas emissoras do gênero “good times”. O taxista aumenta o volume e começa a cantar. "E nem só de cama vive a mulher/Por isso não provoque/É cor de rosa choque".

Exibindo uma boca com sorriso largo que revelava a ausência de laterais no sistema defensivo, o taxista do alto dos seus 50 e muitos anos para a cantoria e resolve virar crítico musical:

- Isso é que é música! Rita Lee, parceiro! Não se encontram mais cantoras como a Rita Lee. Quem é que seria capaz de fazer uma poesia como essa hoje? Um funkeiro? Nada. Espera sentado. Vocês vivem na pior – disse o protótipo de Nelson Motta.

- No meu tempo de jovem, na sexta-feira eu escolhia o que eu ia ver no Circo Voador. Era Rita Lee, Cazuza, Raul Seixas... Eu conheci todos eles. Para não falar na Legião Urbana. Renato Russo era demais. E o que eu deixei de herança para vocês? Anitta! Hahahaha - gargalhou diabolicamente o taxista.

O operário das palavras teve que se manifestar. Tudo bem que infelizmente não era contemporâneo daqueles grandes nomes da música brasileira, mas daí a dizer que era da mesma geração de Anitta era quase um insulto.
- Alto lá! Anitta não é do meu tempo não! Isso aí é para os mais jovens – argumentou, dando a senha para o taxista continuar falando sem parar.

- Agora há pouco peguei um rapaz todo metidinho. Acho que ele queria impressionar a mulherzinha que ele tava comendo e começou a esculachar as músicas que eu tava ouvindo no rádio. Disse que era coisa de velho, de gente ultrapassada, essas coisas – contava ele, frequentemente tirando as duas mãos do volante para dar emoção à viagem. - Foi quando eu comecei a acabar com ele em todas as áreas da vida.

A partir daí, o taxista nostálgico exibiu todo o museu de grandes novidades de sua existência.

- Eu desfilei em escola de samba, sabe. Ai falei pra ele. Cara, eu desfilava na avenida com a Pinah. O que você tem hoje? Claudia Leitte! - vangloriou-se o taxista nostálgico, dando novas gargalhadas de lobo mau que comeu os três porquinhos e gesticulando muito enquanto olhava para o operário da escrita, afinal, o trânsito está sempre livre e os sinais estão sempre abertos para o táxi.

- Acabei com ele em todas as áreas. Todas as áreas. Música? Rita Lee, Legião, Cazuza. E você tem o que? Mr. Ca-tra? A-nit-ta? Fala sério - completou ele, falando daquele jeitinho debochado e fazendo questão de separar as sílabas dos artistas que desprezava.

O taxista nostálgico é o típico carioca. O léxico é rico em gírias e palavrões intercalados pela construção dos pensamentos. Ele tem ainda aquela fala malemolente, espécie de cruzamento de Evandro Mesquita com Fernanda Abreu. E, claro, adora futebol, uma especialidade do brasileiro médio. Flamenguista, o taxista faz uma revelação.

- Eu era da torcida do Flamengo. Naquele tempo, só tinha craque. E a gente conhecia todo mundo de frequentar a casa. Zico, Júnior, Leandro. Quando tinha aniversário, eles sempre chamavam a gente. E ai deles se não chamassem - disse o taxista, revelando que as práticas "carinhosas" das torcidas organizadas vêm de tempos imemoriais.

Vejam bem, o taxista nostálgico desfilou com a Pinah, foi de torcida organizada, conhecia craques do futebol. O operário das palavras não sabia como ele ainda não havia lançado uma biografia. Mas o taxista queria mesmo era contar como achincalhou o playboy.

- Acabei com ele! Naquela época todo time tinha craque. Zico, Roberto, o Fluminense tinha um jogador. Como era mesmo o nome?

- Romerito?

- Isso! Jogava demais o Romerito. O Vasco tinha um timaço também. Nunca ganhava do Flamengo, mas era um timaço. Enquanto isso, o rapazinho aqui tem que aguentar Lu-cas Mug-ni. Porra! Acabei com ele!

A viagem está chegando ao fim. Não sem antes o taxista nostálgico simular lances do Zico tirando as mãos do volante e os pés da embreagem e do acelerador. E revelar velhas práticas da torcida rubro-negra.

- A torcida do Flamengo era foda. Botava 60 mil pessoas no Maracanã contra o Bonsucesso. Jogava junto. Mas também cobrava. Quando tinha jogador na noite, a gente ia em cima deles. Qual é? Está fazendo o que aqui? Tem jogo amanhã, parceiro. Por isso que o Zico tem toda a moral que tem. Nunca foi para a noite. Foi aquela mulher, a Sandra, que deu um jeito na vida dele.

Já o Marcelinho Carioca não gozou do mesmo prestígio.

- Isso era um filho da puta. Perdeu um pênalti contra o Vasco. Uma vez teve uma festa na casa do Júnior Capacete e nós da torcida fomos. Lá na festa juntamos ele. Se o Júnior não impedisse, a gente ia encher ele de porrada. Saiu daqui correndo.

- Para brilhar no Corinthians - provocou o operário das palavras.

Um breve silêncio de contrariedade tomou conta do taxista nostálgico. Mas ele logo voltou a falar dos seus dias gloriosos de mandachuva informal da Gávea. Eram bons tempos aqueles, mas hoje ele garante estar sossegado. Ajeita os óculos de aro grosso e traça as linhas presentes de sua biografia.

- É uma vida dura a de taxista. Trabalha sábado, domingo, feriado... Mas eu não reclamo não. Eu vivi - disse ele, dando aquela ênfase de quem sentiu a vida empiricamente.

Chegamos finalmente ao destino.

- É R$ 30, parceiro.

- Taí, amigo.

- Obrigado. E vai com Deus. Até a próxima.


Ao deixar o operário das palavras, o taxista nostálgico volta a aumentar o som do rádio e segue revigorado pelas ruas do Rio de Janeiro. De certa forma, naqueles minutos, ele viajou no tempo para um Circo Voador e um Maracanã que não voltam mais.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Nadia Comaneci

Nadia e a ginasta Larissa Iordachi/Reprodução
Reportagens com a Nadia Comaneci originalmente publicadas no dia 02 de maio de 2015. Os links são esse (Nadia Comaneci elogia brasileiros) e esse (Nadia Comaneci e a importância de Bela Karolyi)

XANGAI - No ano em que os Jogos Olímpicos vão acontecer pela primeira vez na América do Sul, Nadia Comaneci estará no Rio de Janeiro acompanhando a nova geração de ginastas, mas com um olho no passado. Tudo porque, em 2016, um feito da ex-ginasta completa 40 anos: a primeira nota 10 da história da ginástica nas Olimpíadas, em Montreal-1976.

Verdadeiro mito da história dos Jogos, a ex-atleta romena hoje vive em Oklahoma, nos Estados Unidos junto com o marido, o ex-ginasta campeão olímpico em Los Angeles-1984, Bart Conner, e Dylan, o filho do casal de nove anos. Aos 53 anos, ela comanda um centro de ginástica nos Estados Unidos e continua atenta a tudo o que acontece na esporte que lhe deu nove medalhas olímpicas, sendo cinco de ouro. Acompanha os passos que a equipe da sua Romênia natal está dando para fazer um bom papel no Rio, aponta as americanas como o time a ser batido no ano que vem (“São os grandes competidores do momento”) e elogia os atletas brasileiros.

- Vocês têm aquele jovem que é muito bom. Arthur Zanetti, não é? – puxa pela memória a ex-atleta, em entrevista em Xangai, na China, antes da entrega do prêmio Laureus no mês passado. – Eu gosto do Sasaki (Sérgio Sasaki). Ele teve uma lesão, não foi? - lembrou Nadia, mostrando preocupação com o ginasta que sofreu uma contusão no joelho direito em dezembro, em seu último salto na prova do solo durante etapa da Copa do Mundo de ginástica disputada em Glasgow, na Escócia.

Para Nadia, que disse que Daiane dos Santos tinha "performances incríveis" quando competia, os grandes nomes do momento da ginastica brasileira são justamente o campeão olímpico Zanetti e Sasaki, dois atletas candidatos a medalha nos Jogos e que ao mesmo tempo terão um duro desafio de competir em casa. Zanetti é uma das atrações na etapa da Copa do Mundo de ginástica, que termina neste domingo, em São Paulo. Sasaki não competiu porque passou por uma cirurgia para reconstituir o ligamento cruzado do joelho direito no dia 8 de janeiro e agora corre contra o tempo para disputar o Mundial de Glasgow, em outubro. O prazo dado pelos médicos é de seis a oito meses e a participação do ginasta é fundamental para os planos do Brasil de classificar uma equipe completa para as Olimpíadas.

Nadia vê a ginástica brasileira crescendo e seu carinho por Sasaki se explica um pouco por ele competir no individual geral, que a romena também competia. A prova reúne os resultados que o ginasta tem em todos os seis aparelhos. O campeão é aquele que atinge a maior pontuação. Em novembro do ano passado, o ginasta paulista ultrapassou pela primeira vez na carreira a marca de 90.000 pontos e ficou com a prata na etapa da Copa do Mundo de Stuttgart. O resultado o credenciou a disputar uma medalha no Mundial da Escócia. Pelo menos até ele sofrer a lesão no joelho.

Para a romena, porém, o grande desafio será o de Zanetti ao defender o ouro olímpico nas argolas em casa. Desde Londres-2012, o brasileiro tem conseguido bons resultados. Foi ouro no Mundial de Antuérpia, na Bélgica, no ano seguinte, e prata em Nanning, na China, no ano passado.

- Eu conheço o Sasaki porque eu o vi bastante. E é claro que todos esperam que o Zanetti esteja no seu país natal para competir. É um grande desafio, porque é ao mesmo tempo motivador, porém você também sofre muita pressão porque quer entregar o que você fez na última Olimpíada. E eu espero que tenhamos uma grande multidão acompanhando a ginástica nas Olimpíadas – disse.

LEMBRANÇAS DE MONTREAL

Nadia pode não entender da pressão de disputar uma competição em casa, mas entende como é chegar na Olimpíada seguinte com o peso de todo o sucesso na disputa anterior. Tanto que o único ouro que repetiu em Moscou-1980 foi na trave. No individual geral ela foi prata. Por outro lado, transformou o bronze do solo em Montreal em ouro em Moscou. No total foram cinco ouros, três pratas e um bronze na sua carreira olímpica.

Mesmo estes resultados impressionantes, no entanto, ficaram ofuscados pela história que ela fez quando, com apenas 14 anos, conseguiu a primeira das sete notas 10 que receberia naquela edição dos Jogos. Seria o primeiro 10 das Olimpíadas modernas.

- As pessoas costumam me perguntar se eu já assisti, se eu já me vi competindo nas Olimpíadas (em vídeo). Na verdade não, porque eu ainda me lembro do que eu fiz. Logo, não preciso assistir. Lembro que se falava que eu era tão jovem e questionavam como eu conseguia lidar com tudo aquilo naquela idade. E eu pensava que era tão mais fácil ser jovem e competir do que competir quando se é adulta, porque quando você tem 19 anos, você entende que as pessoas esperam que você seja a melhor. Mas quando tem 14, é como se não se importasse – analisou.

Antes dos Jogos, a empresa responsável por fazer o placar eletrônico foi questionada que seria necessário incluir um quarto dígito para a ginástica, pois havia a possibilidade de acontecer uma nota 10. Mesmo diante do histórico de Nadia, que três meses antes de Montreal havia recebido uma série de notas 10 em uma competição em Nova York, a empresa argumentou que era impossível que isso acontecesse nas Olimpíadas.

Ao relembrar daquele momento, a ex-ginasta disse que ficou confusa na hora, mas nunca preocupada, pois achava que tinha feito uma boa série.

- Normalmente eu não vejo o placar. Achei que tinha ido muito bem. Apenas virei porque havia muito barulho na arena. Então vi o placar escrito 1.000 e fiquei confusa. Eu era a última a competir nas barras assimétricas e depois que terminou a música começou a tocar, indicando que eu deveria ir para o meu lugar ao lado do técnico. Foi quando um dos meus colegas de equipe disse: “Eu acho que é um 10, mas há algo errado com o computador” – disse Nadia, que reconheceu que não tinha noção do feito que alcançara.

- Eu era muito jovem para compreender o que estava acontecendo. Eu estava apenas focada na minha série e na minha pontuação – afirmou.

APOSTA PARA 2016

Nadia foi a primeira ginasta romena campeã olímpica. E a mais jovem campeã olímpica da história, um feito que nunca mais será repetido, pois as regras do esporte mudaram. Desde então, outros 24 ouros foram conquistados pelo país, que tem 72 medalhas no total e só está atrás da antiga União Soviética, Estados Unidos, Japão e China num ranking do esporte nos Jogos. A última campeã olímpica do país foi Sandra Izbasa, no salto sobre o cavalo em Londres-2012. Mas talvez o último nome que pudesse ser comparado a Nadia Comaneci fosse Catalina Ponor, ginasta hoje com 27 anos, e que com 16 para 17 anos conquistou três ouros em Atenas-2004. Depois de se retirar do esporte em 2007 por causa de uma série de lesões e, consequentemente, perder os Jogos de Pequim-2008, Catalina voltou em 2011, a tempo de disputar as Olimpíadas de Londres e conseguir mais uma prata (solo) e um bronze (equipe).

Após as Olimpíadas inglesas, a ginasta mais uma vez se aposentou. Mas em  março, Catalina anunciou o seu novo retorno ao esporte com o objetivo de vir ao Rio no ano que vem. Ainda não se sabe o que Catalina poderá fazer. Uma aposta real de medalha para a ginástica romena, porém, é Larisa Iordache, de apenas 18 anos.

Larisa conquistou uma medalha de bronze por equipes em 2012. Desde então, ela se tornou a líder da equipe romena e conquistou oito medalhas de ouro e três de pratas em etapas da Copa do Mundo e três ouros, cinco pratas e um bronze em Campeonatos Europeus.

- Do time romeno, ela é a melhor no momento – disse Nadia, citando a jovem. - Mas eles certamente terão uma nova geração que veremos surgir (em 2016), cujos nomes ainda não conhecemos.

E será que estaria uma nova Nadia Comaneci entre as possíveis novatas?

- Não sei se alguém quer ser a nova Nadia. Acho que eles (os ginastas) querem ser os novos eles mesmos. Acredito que, provavelmente, eu os inspiro a serem os melhores que eles podem ser, mas há muitas equipes boas de ginástica agora – encerrou.

A IMPORTÂNCIA DE BELA KAROLYI

Nadia Comaneci se envolveu com a ginástica desde os seis anos, mas ela mesma reconhece que não teria se tornado a campeã que foi se não fosse um controverso, mas vencedor técnico. Foi Bela Karolyi quem a descobriu numa escola em Onesti, na Romênia, e começou a treiná-la com apenas sete anos de idade.

- Eu já fazia uma espécie de ginástica quando ele costumava ir para as escolas procurar quem queria treinar com ele. Foi quando perguntou: “Quem gostaria de ser ginasta? E muitas meninas falavam: “Eu, eu, eu”. Eu já treinava, sua mulher (Marta Karolyi) era técnica. Foi dessa maneira que nós conectamos. Eu tive dois ou três treinadores antes dele, mas foi ele que me colocou no caminho dos grandes resultados – lembra Nadia, em entrevista em entrevista em Xangai, na China, antes da entrega do prêmio Laureus na semana passada.

Karolyi, porém, era o típico técnico linha dura da antiga cortina de ferro comunista. Hoje com 72 anos e vivendo nos Estados Unidos, o técnico foi alvo durante a sua carreira de ginastas que criticavam os seus métodos de trabalho. Foram frequentes as reclamações de atletas que diziam que ele as agredia verbalmente e as intimidava. Era rigoroso com o peso, o que fez algumas atletas sofrerem com distúrbios alimentares, e obrigava algumas a treinar machucadas.

Ao mesmo tempo, seu sucesso esportivo era inegável. Ele foi o técnico de nove ginastas campeãs olímpicas. A maior de todas, Nadia Comaneci, sobre quem ele dizia que não conhecia o medo, pois andava e fazia uma série sobre a trave, enquanto outras crianças temiam o aparelho.

- Eu acho que nasci na Romênia na época certa e comecei a treinar ginástica na época em que ele foi técnico. Acho que as duas coisas foram importantes, 50% a 50%. E ele me ajudou a me tornar o que eu fui e o que eu sou – afirmou.

Com a ajuda de Karolyi, Nadia foi a mais jovem campeã romena com nove anos, campeã europeia com 13 anos e, finalmente, a mais jovem campeã olímpica com apenas 14 anos, com direito a uma histórica série de notas 10. Ou seja, a infância e a adolescência da romena se resumiu a treinar e competir. Algo do qual ela não se arrepende.

- Penso que ser criança é brincar e praticar esportes. Eu tinha minhas amigas. Éramos cerca de 25. A gente viajava. Crianças daquela idade faziam muitas coisas que nós não podíamos, mas por causa do esporte eu estava viajando e conhecendo o mundo. Acho que isso é melhor do que simplesmente ficar por aí.
Para Nadia, no esporte é importante você ter um objetivo diário. Foi isso que ela aprendeu com a ginástica.

- A lição mais importante foi ter uma pequena meta todo dia e tentar fazer o melhor todo dia. É importante incentivar jovens gerações a praticarem um estilo de vida saudável. Uma das coisas mais importantes do esporte é nunca esquecer da paixão. A paixão pelo que eu tenho e pelo que eu fiz. E acho que todos vão encontrar essa paixão se forem expostos a diferentes esportes – disse a ex-ginasta, que dá um conselho aos jovens que estão começando.

- No Laureus sempre tentamos incentivar as crianças e as jovens gerações a praticarem esportes. Você não tem que estar em nenhuma parte específica do mundo para realizar o sonho de estar nas Olimpíadas. É importante você praticar um monte de esportes porque é bom para você, porque é saudável e porque vai te dar estrutura. Acho que isso é muito importante para as crianças. E se você tiver a paixão necessária para ir mais longe no esporte e chegar um dia nas Olimpíadas, isso será incrível. Mas acho que o esporte é saudável para todos – encerrou.

* O repórter viajou a convite do Laureus