quarta-feira, 30 de março de 2011

Lope


Galanteador alcoviteiro,
Poeta de esmero
Admirado em todo o reino


Tragédia, comédia
Tudo misturara e...
Nos braços do povo
Se deitara

Mulheres eram o seu leito
Amores teve dois
A donzela sonhadora
E a amante cujo pai
em meretriz transformara

Versos que encantaram Madri
Dos telhados aos cantos mais fétidos
Palavras que o vento jogara aqui, ali
Fluindo em vagares lépido

Suas palavras traziam ódio ao poder
Mas em toda a península Ibérica
Apenas um nome era gritado:
Lope!

Autor prolífico
quanto iconoclasta
Incinerou pedras, madeiras
Em busca de um basta

A poesia de um artista
Pouco lido além-mar
Tem na câmera de Andrucha
Base para a prosa de Gasull e Moral
ganhar...o ar

A Lope de Vega adoram
Na pele de Alberto Ammann
Mas do Marquês de Navas vem o libelo
É o papel de Selton Mello

Película simpática
Por vezes errática
É na força das imagens
Que a história se impõe

Parcos versos resumem
o abismo entre o poeta e um bufão
O blogueiro não é Lope
Mas nem tanto uma negação

Finito

Gracias

Esta foi uma tentativa de crítica em versos inspirada num cena do filme em que Lope usa versos para explicar a própria lógica e a métrica da poesia. Não sei se deu certo. Pode ter sido uma grande cagada (tem grande chance disso), mas ao menos eu arrisquei fazer algo diferente. E foi de graça.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Discutindo a relação, a arte, a vida

Existe uma vantagem em não conhecer o trabalho prévio do cineasta iraniano Abbas Kiarostami. É assistir ao seu mais recente filme com um olhar diferente de quem detém o conhecimento de sua elogiada obra. O olhar que tem o frescor da novidade é beneficiado pela visão de originalidade e pela ignorância da impossibilidade de comparar. Sem poder tecer teias de relacionamento, nada me parece cópia de algo, mais do mesmo ou inferior ou superior a um filme A ou B do diretor.

Por coincidência a questão orignalidade-cópia é um dos temas abordados em “Cópia Fiel”, o trabalho em questão que representou a minha, digamos, perda de virgindade, com a obra de Kiarostami.

Numa bela e não identificada cidade da Toscana, o escritor inglês James Miller (William Shimell) vai dar uma palestra para falar sobre o seu novo livro, “Copie Conforme”, título original do filme. Lá ele expõe suas ideias acerca de obras de arte ou coisas comuns e do valor que damos a ela que a fazem ter um valor maior ou menor de acordo com a maneira como a vemos. E abre a polêmica do seu livro ao dizer que uma cópia não deixa de ser uma homenagem à obra original.

Não muito atenta à palestra e mais preocupada com o filho jogando videogame ao lado está a francesa Elle (Juliette Binoche). Dona de um loja que faz cópias de obras originais, ela parece apenas mais uma leitora em busca de alguns livros autografados para os amigos e conhecidos e que tinha reservas quanto ao trabalho do escritor.

Mas os dois vão se encontrar e iniciar uma análise sobre a arte e o valor da originalidade e de reproduções num debate filosófico que ultrapassa a fronteira da produção em si e entra nas pequenas coisas como a natureza ou o comportamento das pessoas.

Enquanto não chega a hora de o escritor pegar o trem e seguir viagem, um novo tema entre no debate entre Elle e James. É quando o filme de Kiarostami abandona parcialmente o tema filosófico de antes e entra numa grande discussão de relação com a francesa expondo ao inglês todas as suas frustrações após 15 anos de casamento em que para ele não existe mais aquele amor que ela vê nos jovens casais que acabam de se casar ali naquele vilarejo. Um ritual importante para ela, mas que não tem sentido para ele, que julga saber o que o futuro reservará para estes casais tão empolgados com o início da vida a dois.

Nesse momento em que descobrimos um pouco mais da dupla, o filme parece que vai mudar de tema repentinamente, mas a questão central desse debate filosófico permanece: o valor e a importância que cada coisa tem a partir de um olhar específico e único de cada um.

E é com a arma, o livro e os argumentos de Miller que Elle vai trabalhar sobre a importância das pequenas coisas que marcam a diferença entre o relacionamento que permanece vivo e outro que jaz a sete palmos.

Autor também do roteiro da película, Kiarostami faz questão de fazer Miller cair em contradição numa cena em uma pracinha em que se discute o valor e a importância de uma estátua aparentemente sem conteúdo artístico. É ali que Elle reforça seus argumentos ao mesmo tempo em que Miller acaba recebendo pequenos conselhos sentimentais de um idoso vivido pelo escritor Jean-Claude Carriére.

“Cópia Fiel” guarda semelhanças com “Ponto de Mutação”, filme de 1990 do diretor Bernt Amadeus Capra em que uma cientista interpretada pela sueca Liv Ullmann, que vive reclusa no Monte St Michael, na França, expõe sua filosofia de vida abrindo um debate com um político americano e um poeta interpretados, respectivamente, por Sam Waterston e John Heard, entre caminhadas por belos e/ou soturnos cenários.

A Toscana de Kiarostami é mais ensolarada que o monte St. Michael de Capra, da mesma forma que o tema do cineasta iraniano é menos hermético do que o do diretor austríaco. Mas a essência do ponto de vista do estilo dos dois trabalhos é a mesma: duas ou três pessoas num debate de ideias que desperte a reflexão no espectador e talvez alimente um prolongamento da conversa ao subir dos créditos.


“Cópia Fiel” dividiu opiniões em Cannes, mas se é preciso assumir uma posição, fico entre os que o aplaudiriam sem o menor esforço. É um trabalho que aos meus olhos, assumiu um grande valor de forma semelhante ao que “Ponto de Mutação” marcou lá atrás a minha vida escolar. Agora dá licença que eu vou correr atrás de conhecer os outros trabalhos de Kiarostami.

domingo, 20 de março de 2011

Para abrir o ano com estilo

Enquanto muita gente ainda recolhia fantasias de uma festa menor e sem importância chamada carnaval, o Rio de Janeiro começava a ficar muito mais interessante a partir da Fundição Progresso. São 13 de março, mas não é sexta-feira, quando os ventos da Finlândia trazem a turnê de “What Lies Beneath” e novo e ótimo disco da cantora Tarja Turunen.

A soprano do metal melódico desembarcou pela segunda vez no Rio e me surpreendeu com um show ainda melhor que o de três anos atrás, quando o Canecão recebeu a turnê do segundo disco da cantora após a saida do Nightwish, “My winter storm”.

A bela voz de Tarja, 33 anos, metade deles de serviços bem prestados ao metal é o que ecoa primeiro quando ela ataca de “Dark Star”. Embora o público esteja sedento para ver os belos olhos verdes e outros atributos físicos igualmente bem cotados de Tarja, a cantora faz um suspense com uma espécie de véu na frente do palco que só cai no último refrão da canção que abre os trabalhos.

A Fundição está saudavelmente cheia. Nada abarrotado que sufoque o indivíduo e nem constrangedoramente vazio que desanime Tarja e a banda formada pelo baterista Mike Terrana, que já tocou com Yngwie Malmsteen, o tecladista Christian Kretschmar, o guitarrista Julio Gomez, figuraça como todo guitarrista, o violoncelista Max Lilja e o baixista Doug Wimbish, aquele mesmo do Living Colour e que já tinha acompanhado a cantora na “My winter storm tour”.

Enquanto os morcegos voam livremente sem causar maiores danos aos fãs (seu maior predador, Ozzy Osbourne, ainda não está na cidade), Tarja entra em sintonia fina com os fãs. Recebe presentes (dois sapos de pelúcia, algumas flores) e um acompanhamento em “I Walk Alone” que deve tê-la deixada satisfeita. A finlandesa está finalmente construindo uma carreira solo após uma confusa saída do Nightwish que envolveu um desentendimento entre o seu marido, Marcelo Cabuli, e o também vocalista e guitarrista da banda Tuomas Holopainen. Eu acabei vendo um dos últimos shows da banda também no Canecão. Hoje está tudo bem e o Nightwish seguiu sua vida com Anette Olzon nos vocais.

Está tudo tão bem que Tarja não se incomoda em dar pedaços açucarados do passado com “End of all hope” e “Higher than hope” num início de um surpreendente set acústico. “Vamos tentar uma coisa nova. Espero que vocês gostem”, diz a cantora. Com aquela voz e aquele sorriso, ela podia tudo.

Nos 110 minutos de show, algumas trocas de roupa, um português muito bem treinado e a alternância entre os dois mais recentes discos da cantora. Preferência óbvia para as músicas do “What Lies Beneath”. Afinal foi o que a levou ali naquela noite. E tome de “I feel immortal”, “Falling Awake”, “Little Lies”, “Underneath”, as belas “The archive of lost dreams” e “Crimson Deep” e o adeus com clima de até logo chamado “Until my last breath”.

Tarja está cantando ainda melhor do que há três anos. Com um repertório maior, seu show também ficou ainda melhor. E ela parece mais perfeita e confiante no palco nesse novo momento solo. Não abusa tanto dos seus vocais operísticos como na última apresentação e encontrou um tom perfeito para a sua técnica lapidada na Sibelius Academy, escola de música finlandesa em que começou a treinar para ser soprano e depois servir com louvor aos deuses do metal. Uma heresia para quem começou cantando em coro de igreja, mas a maçã proibida é sempre mais deliciosa.

Faltou algo? Lamentei apenas não ter ouvido novamente “Poison”. O cover de uma canção de Alice Cooper cairia bem no cardápio variado de Tarja que não escondeu a emoção do novo show no Rio.

“Queria agradecer ao Rio de Janeiro pelo inesquecível show desta noite. Foi um prazer e muito divertido estar com vocês. Obrigada e espero vê-los em breve novamente. Love, Tarja”, “twittou” e “facebookou” a moça, que não é muito afeita a isso, horas depois do concerto.

A gente é que agradece, Tarja. Foi um belo show para começar o ano em grande estilo.

Veja abaixo o set list e alguns bons momentos do show da cantora.

Dark Star
My Little Phoenix
I feel Immortal
In for a Kill
Falling Awake
I walk alone
Little Lies
Underneath
End of all hope
Higher than hope
We Are
Minor Heaven
The archive of lost dreams
Ciaran’s Well
Crimson Deep
Where were you last night / Heaven is a place on Earth/ Living on a prayer
Die Alive
Until my last breath



"Die Alive"

"Crimson's Deep"

"Archive of lost dreams"

"I walk alone"

"In for a kill"

"End of all hope"

"I feel immortal"

"Until my last breath"

terça-feira, 8 de março de 2011

Um programa furado

Apoiada em “Fake Plastic Trees”, Raquel Pacheco constrói um mundo oco a partir de uma realidade deslocada da qual ela nunca pertenceu nem mesmo por questões sanguíneas. Na canção do Radiohead que a embala, Raquel virou Bruna, a menina que tem jeito de surfistinha. Experimentou a ascensão, queda e volta por cima num curto espaço de tempo “numa cidade cheia de planos de borracha/para se livrar de si mesma”.

Assim nasceu a prostituta mais famosa do Brasil, cuja história foi contada no livro autobiográfico “O doce veneno do escorpião” e agora ganha as telas pelas mãos do diretor Marcus Baldini e com Deborah Secco se entregando de corpo (e que corpo!) e alma ao papel principal sem medo de nada. Principalmente de cenas que podem marcar uma atriz e que serão comentadas na eternidade do cinema brasileiro.

O problema é que a música do Radiohead que poderia ser a inspiração máxima para um filme que tinha tudo para ser intenso, profundo e com um certo lirismo surge apenas perto dos créditos finais e o que fica de “Bruna Surfistinha”, o filme, é uma história cheia de clichês e artificial com uma atriz que até se esforça para fazer a película única, mas nem sempre dá para você conduzir o barco sozinho.

“Bruna Surfistinha” tinha tudo para ser um puta filme, mas é apenas um filme sobre uma (ex-)puta (eu precisava fazer esse jogo de palavras infame). É um filme tão artificial quanto uma boneca inflável, a relação de uma prostituta com o seu cliente ou... nas palavras de Thom Yorke e cia: “Ela parece a real coisa/ela tem o gosto real/meu amor artificial de plástico”.

Baseado na autobiografia da ex-prostituta, o filme conta a história de Raquel desde o momento em que deixa a casa dos pais adotivos e vai tentar a vida como uma prostituta num puteiro de São Paulo. Do início difícil em que fatura 40% de cada trepada de R$ 100 com seus clientes até a high society da prostituição quando já podia cobrar uns R$ 300 a hora, é um viagem relativamente rápida que se torna perigosamente lisérgica quando Raquel, já com a alcunha de Bruna, se entrega à cocaína com afinco e vê tudo o que conquistara virar literalmente pó.

A grande sacada de Bruna foi a criação de um blog em que relatava suas experiências sexuais e dava notas ao desempenho sexual de cada homem com quem ela ia para cama. Foi o que levou a ter sucesso e a se tornar uma das prostitutas mais conhecidas do país. Só que as drogas falaram mais alto, as contas vieram cada vez mais altas e Bruna acaba no fundo do poço num pardieiro vendendo o corpo por R$ 20.

Deborah faz essa trajetória com afinco. No início, quando faz a tímida estudante, ela parece que vai botar tudo a perder, mas cresce no filme justamente quando Raquel vai se transformando em Bruna. E Deborah ainda tem o mérito de não ter medo de fazer o que tem que ser feito para viver uma prostituta no cinema. Talvez outras tivessem alguma restrições ao grande número de cenas de nudez ou um pouco mais ousadas. Mas ora, é uma história em que a cama e o que se passa nela tem papel fundamental.

O problema para a atriz é que o roteiro de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antonio Pelegrino não funciona. O texto é fraco, resumindo-se a colagens de passagens da vida de Bruna sem muita ligação. E isso se se reflete na câmera de Baldini.

Além disso, Deborah é uma exceção. Cássio Gabus Mendes, que faz o cliente apaixonado que vai tirar Bruna daquela vida, parece um robô que eventualmente demonstra algum sentimento pela prostituta. Fabiula Nascimento (Janine) até poderia rivalizar com a protagonista, mas pouco aparece. O mesmo acontece com Drica Morais, que faz Larissa, a dona do primeiro puteiro de Bruna.

Com isso, “Bruna Surfistinha” não decola. Era um filme que tinha tudo para ser marcante, mas o seu melhor momento acaba sendo na trilha sonora já no apagar das luzes do espetáculo. Nada, porém, que vá impedir o sucesso comercial da película. Afinal, sexo ainda vende. E muito bem.