domingo, 20 de julho de 2014

Clint com falsete

Depois de um período de hibernação causado pela Copa Mundo, the corneta is back!  Precisava de um grande filme para o meu retorno em grande estilo. Escolhi um dos maiores em cartaz, com 2h14min de duração. E ao mesmo tempo um filme de um ídolo. O bom e velho Clint "go ahead, make my day" Eastwood. 

Clint estava devendo desde que andou fazendo uns filmes aí meio decepcionantes. Tal de “J. Edgar” (2011) e “Além da vida” (2010), fora aquele “Curvas da vida” (2012) em que ele só atuou, que não andaram agradando a corneta. E eu diria que "Jersey Boys" é bem agradável, apesar da sua alta média de falsetes por minuto gravado. Impressionante. Parecia que a cada momento alguém sairia do banheiro para cantar Aaaaaahhhhh!! ou Ouuuuiiiiiii!

"Jersey Boys" conta a história de quatro rapazes de... bem... Nova Jersey. Eles eram uma espécie de pré-Bon Jovi ali pelas décadas de 50 e 60. Cantavam como aqueles grupos vocais que existiam antes do rock and roll dominar o mundo e tinham coreografias que certamente influenciariam Madonna duas décadas depois. O nome do grupo era o Four Seasons. Nada a ver com Vivaldi.

Naqueles tempos difíceis pós-guerras, pós-depressão, enfim, pós-tudo de ruim que aconteceu na primeira metade do século passado, só se saia de Nova Jersey se você fosse para o exército, da máfia ou fizesse sucesso. Tommy DeVito (Vincent Piazza) deixou claro logo no início do filme que os rapazes ali faziam parte de dois grupos ao mesmo tempo. Eram da máfia e bons músicos. 

Hoje o Four Seasons não é muito conhecido, mas eles eram os reis da cocada preta do seu tempo e donos de todas as canções que suas avós cantarolam até hoje. Entre elas, "Can't take my eyes off you" (1967), que já foi algumas vezes regravada e você já ouviu em algum casamento na vida. É uma típica música brega de casamento. 

Dono de outra cinebiografia musical, a do músico Charlie Parker ("Bird", de 1988), Clint não inventou a roda neste filme. Pelo que eu li, pegou um musical da Broadway e filmou usando, inclusive, o mesmo ator principal, John Lloyd Young, que faz o cantor Frankie Valli. Como a corneta tem sérias restrições orçamentarias não teve a oportunidade de voltar no tempo e ir a Nova York conferir o que é melhor. Então apenas informo o que andei lendo. 

Mas como eu dizia, Clint não inventou a roda no seu filme. É o típico trabalho que conta a ascensão e queda de um grupo musical entremeada por muitas canções. A diferença em relação a outras cinebiografias é o espírito "House of Cards" do filme, com os protagonistas vindo bater papo com você a todo instante. Não chega a ser maneiro como o Kevin Spacey, mas valeu a intenção. 

E vamos acompanhando todos os altos e baixos do grupo até o momento fofo redentor (volta e meia ele aparece). Este momento foi a introdução do Four Seasons no Rock and Roll Hall of Fame em 1990. Foi quando o grupo se apresentou pela primeira vez junto depois de mais de 20 anos afastado. 

O Rock and Roll Hall of Fame costuma ter esse espírito conciliador. Bom, não deu certo com o Guns N'Roses. Nem com o Kiss, cujos membros originais até fizeram um discurso, porém não tocaram juntos. Mas ele costuma agir como anjo conciliador. 

E é desta cena final que sai um dos melhores momentos do filme, no melhor espírito zuera. Desculpem, eu preciso contar esse spoiler, pois é necessário zoar uma amiga minha. Se você não quiser saber, pule o próximo parágrafo. 

Quando o baixista Nick faz um balanço da vida e dá os seus motivos para ter saído abruptamente do grupo, ele deixa claro que não estava mais a fim de turnês e de ficar longe da família. E que usara todo o resto, todas as chateações que vivia, como desculpa. Foi quando ele soltou a melhor frase do filme: "E, convenhamos, num grupo de quatro caras, se você é o Ringo deve cair fora". Autocrítica perfeita. Clint Eastwood, ídolo! 

"Jersey Boys" não é o melhor filme do velho Clint, mas não sejamos malas. É uma boa diversão para um dia frio em que você está com aquela vontade de ver um filme agradável, despretensioso e com cara de “Sessão da Tarde”. E ele cumpre estes requisitos. Como tudo saiu bem feito e como tem uma ótima piada no fim, a corneta dará uma nota 7. E encerremos o post com um hit dos old times. "Can't take my eyes off you" na voz de Frankie Valli. Eu até queria colocar um vídeo do ano passado aqui, mas Valli, hoje com 80 anos, não consegue mais atingir todas as notas.

Ficha técnica: Jersey Boys: em busca da música (Jersey Boys – 2014 – Estados Unidos) – Vincent Piazza (Tommy DeVito), John Lloyd Young (Frankie Valli), Steve Schirripa (Vito), Christopher Walken (Gyp DeCarlo), Johnny Cannizaro (Nick DeVito), Michael Lomenda (Nick Massi), Erich Bergen (Bob Gaudio), Mike Doyle (Bob Crewe). Escrito por Marshall Brickman e Rick Elice. Dirigido por Clint Eastwood.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O balanço final

A festa alemã/Reprodução Instagram DFB

Terminada a Copa do Mundo vamos ao balanço final com os prêmios que a Fifa nunca daria porque ela não tem a envergadura zueiristica necessária. 



Troféu ZUERA DE OURO - Alemanha. Como se não bastasse cantar o hino do Bahia, curtir a vida adoidado em Santa Cruz Cabrália e dançar com os índios, os alemães ainda comemoraram o tetra fazendo DANCINHAS PATAXÓS. Melhor seleção da Copa.

Prêmio Loco Abreu do jogador mais fanfarrão - Lukas Podolski. Jogou pouco, mas documentou todos os passos da seleção alemã nas redes sociais com hashtags totalmente excelentes como Rio é frenético e Sabe de nada, inocente

Prêmio político em campanha - Van Persie. Prometeu muito na primeira fase fazendo gols MIRABOLANTES, mas na hora do vamo ver disse que não era bem assim. Terminou a Copa com piriri (oficialmente problemas gástricos) e um gol de pênalti contra um time morto. Menção honrosa para David Luiz, que fez um papelão nos seus dois últimos jogos da Copa. 

Grammy de melhor canção da Copa - "Brasil decime que se siente" um hit cantado em verso e prosa pelas ruas do Brasil. A medalha de prata vai para a mexicana "Cielito lindo"

Melhores hinchadas - Argentina e México. Disparado deram alma para a Copa e um bico no padrão Fifa. Menção honrosa para os chilenos. 

Prêmio Kit Kat de chocolate gostoso - Tinha tudo para ficar com a Espanha, mas o Brasil não podia sair dessa Copa de mãos abanando. Levou tanto gol contra a Alemanha que entrou em pane e não saiu até agora. E se despediu com o Júlio César buscando 14 bolas na própria rede. 

Craque da Copa - A Fifa que me perdoe, mas foi o Arjen Robben. 

Bolsa-TV a cabo - Será concedida ao Felipão, que pareceu surpreso com o alto nível técnico da Copa. Pelo visto, ele passou os últimos quatro anos vendo novela, mas com a nova assinatura master plus ele poderá acompanhar até o Campeonato Grego e estará preparado para 2018

Tendências de 2014 - Mão na boca para evitar a patrulha da leitura labial e cobrança de escanteio com a bola fora da marca

Indivíduo onipresente - Guardiola. Sete jogadores do seu Barcelona foram campeões em 2010. Sete do seu Bayern foram campeões em 2014. Fora os vices Messi e Mascherano, que foram seus jogadores no Barcelona. E o tik-taka moderno da Alemanha, o tik-taken também praticado no Bayern. 

Prêmio Shakespeare de Ouro - Robben. As faltas que ele sofria até aconteciam, mas eram com performances dignas do teatro elizabetano com caras, bocas e acrobacias. 

Melhor tatuagem nonsense - Pinilla e o não gol mais famoso da história do Chile. Um lance que também ganha o Troféu Pelé de gol espetacularmente perdido. 

Troféu Brasil 78 de campeão moral - Holanda. Deixou a copa invicta

Momento mais inconveniente - Paula Lavigne PROCURANDO SABER por que a Alemanha fez um clipe usando "Tieta" sem a autorização dela. Malditos alemães tentando homenagear a cultura nacional. Antes tivessem usado Lepo-Lepo como trilha sonora 

Prêmio sabe de nada, inocente - Dona Lúcia, a única brasileira que viu qualidades na seleção. Tudo com muito orgulho e muito amor. 

Jogadores mais elegantes - Pogba (França) e James Rodriguez (Colômbia). Tratam a bola com uma leveza celestial. 

Troféu Ameriquinha da Copa - Costa Rica. Todo mundo torceu por ela. 

Seleção final da Copa: Neuer (Alemanha), Lahm (Alemanha), Hummels (Alemanha) Vlaar (Holanda) e Blind (Holanda); Mascherano (Argentina), Toni Kroos (Alemanha) e James Rodriguez (Colômbia); Messi (Argentina), Robben (Holanda) e Thomas Müller (Alemanha). Técnico: Louis Van Gaal (Holanda).

Menções honrosas (também conhecida como "Queria colocar no time, mas não deu") para Schweinsteiger (Alemanha), Pogba (França), Keylor Navas (Costa Rica), Cuadrado (Colômbia), Garay (Argentina), Rojo (Argentina) e Aranguiz (Chile)

domingo, 13 de julho de 2014

Hier arbeitet (Aqui é trabalho)

Löw comemora com o time/Reprodução DFB
Joachim Löw nunca ganhou um Campeonato Estadual, nem dirigiu um time brasileiro. Então provavelmente não deve ser considerado um grande treinador por Muricy Ramalho. Mas o técnico simboliza na Alemanha uma das frases pelas quais o treinador do São Paulo é conhecido: “Aqui é trabalho”.

Não apenas Löw, mas a história desse time alemão que começou antes mesmo dele. Foi em 2002, quando a Alemanha chegou à decisão do Mundial da Coreia do Sul e do Japão, mas não havia nenhum Felipão nem Parreira naquela delegação para dizer que o trabalho fora excelente. Não havia também cartinha da Dona Lúcia (ou Frau Lucia) ou estatísticas manipuladas para mascarar a realidade. A Alemanha tinha um time ruim que só chegara na final graças ao Mundial quase perfeito do goleiro Oliver Kahn, que pegou até pensamento. Só não conseguiu pegar dois chutes de Ronaldo.

Naquele jogo, os alemães perceberam que estava tudo errado e era preciso mudar para não desaparecer na história. Não viver dos heróis do passado como Fritz Walter, Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Jürgen Klinsmann ou Lothar Matthäus.

Não vou reproduzir aqui toda a história do que aconteceu. Ela é mais do que conhecida e foi bastante recontada nos últimos dias. Vou resumir em um parágrafo. A Federação alemã abriu o cofre, investiu no futebol de base, fortaleceu os clubes e a Bundesliga e investiu na mudança de mentalidade. Catorze anos depois, o Campeonato Alemão é um dos mais importantes do mundo, o de maior público, os clubes são saudáveis e revelam talentos.

Em meio a esse processo, Klinsmann assumiu a seleção em 2004, logo após a Euro. Junto com ele estava Löw, o então auxiliar do ex-atacante. O primeiro desafio era logo a Copa em casa. Havia pressão, mas não teve chorôrô nem coordenador técnico dizendo que o campeão chegou. A Alemanha ainda não estava pronta para ser campeã, mas deu seus primeiros frutos com um excelente terceiro lugar. Junto a Klose, que estava na final de 2002, surgiram Schweinsteiger, Phillip Lahm, Podolski e Mertesacker. Três destes jogadores foram titulares neste domingo, na vitória de 1 a 0 sobre a Argentina, no Maracanã.

Em 2006, a Alemanha já exibia um futebol ofensivo, mais arejado, mas ainda não era um time feito. Ao fim da Copa, Klinsmann saiu e Löw foi promovido ao posto de treinador. O trabalho continuou e os alemães disputaram a sua primeira decisão em 2008, mas perderam a Eurocopa para a Espanha.

Dois anos depois, a Alemanha chegava ao Mundial de 2010 como favorita. Em campo exibiu um futebol de seleção campeã. Foi a melhor equipe da Copa, mas parou numa cabeçada de Puyol na semifinal que deu a vitória para a campeã Espanha por 1 a 0. A geração 2010, no entanto, revelava mais alguns nomes importantes: Khedira, Özil, Boateng, Neuer e Toni Kroos. Müller fora o artilheiro da competição. Estes seis são titulares do time tetracampeão neste domingo e Khedira só não enfrentou a Argentina porque sentiu um problema físico no aquecimento.

A Alemanha agora sim estava pronta, mas não dava sorte. Assim como o time do Bayern de Munique, base da equipe, que sofria para conquistar a Liga dos Campeões, perdendo duas finais para Inter de Milão e Chelsea. Esta em plena Allianz Arena, em Munique. Veio a Euro e novo fracasso na semifinal com a derrota por 2 a 1 para a Itália.

A Alemanha ganhava a pecha de amarelar na hora H. Esse problema começou a ser resolvido no clube, quando o Bayern, onde jogam sete atletas do time atual, finalmente conquistou a Liga dos Campeões. O primeiro peso saia das costas de Neuer, Lahm, Schweinsteiger, Boateng, Thomas Müller e Toni Kroos.

Veio a Copa e a Alemanha mais uma vez era favorita. O time começou de forma arrasadora goleando Portugal por 4 a 0. Teve boas atuações contra Gana e Estados Unidos, mas sem encantar. Sofreu para derrotar na prorrogação uma valente Argélia e jogou o suficiente para derrotar a França por 1 a 0. Até que veio a semifinal contra o Brasil e a Alemanha mostrou o seu melhor futebol, atropelando a seleção com uma histórica goleada por 7 a 1.

Na final, a Alemanha fez mais uma vez uma boa partida, mas teve muito mais dificuldades contra a Argentina, que soube neutralizar o seu jogo em diversos momentos. Os argentinos chegaram a jogar melhor no primeiro tempo, tiveram uma boa chance com Messi no segundo, mas dessa vez a Alemanha estava madura e soube vencer.

Foi a coroação de um trabalho de dez anos, disse Löw após a conquista. Como não concordar com o técnico? A Alemanha não tem um cracaço como Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo, mas tem muitos bons jogadores e um time. E isso é fundamental para vencer. Tenho certeza que os dois maiores jogadores do planeta adorariam jogar na seleção alemã.

O trabalho da Alemanha é tão bem feito que a seleção encerra a sua participação na Copa sabendo que tem time para lutar pelo penta em 2018. Praticamente só Klose se despediu da seleção neste domingo. Aliás, como o maior artilheiro da história das Copas com 16 gols. Dos demais titulares, Lahm terá 34 anos em 2018 e Schweinsteiger, 33. Poderão ser reservas muito úteis em um grupo promete estar ainda mais forte e poderá contar com nomes importantes que não vieram ao Brasil como Marco Reus e Schmelzer. E outros ainda vão surgir na fábrica de talentos alemã.

Nos dez anos de trabalho, Löw sempre premiou o talento e o jogo ofensivo. A Alemanha tinha um futebol mais vertical, de velocidade e encantava mais do que a Espanha em 2010. Mas parou no tik-taka. Quatro anos depois, Löw aproveitou o entrosamento do Bayern de Pep Guardiola e exibiu uma Alemanha no que a imprensa local chamou de “tik-taken”, uma versão alemã e mais moderna do tik-taka. E um pouco mais objetiva.

Foi um time que tinha um centroavante (Klose), mas tocava a bola com um meio-campo extremamente talentoso formado por Schweinsteiger, Khedira, Toni Kroos e Özil. Todo mundo aqui sabe jogar bola. E a grande sacada de Löw na semifinal foi colocar Schweinsteiger como primeiro volante. O craque teve total liberdade e brilhou nos dois jogos decisivos da Copa.

A Alemanha não tem um time perfeito. Jogou a Copa inteira com um zagueiro improvisado na lateral-esquerda (Höwedes). Tem um esquema que funciona muito bem com suas linhas de defesa, meio-campo e ataque atuando quase que num espaço de 20 metros e fazendo triangulações, mas ele deixa espaços na defesa que muitas vezes colocaram Neuer cara a cara com atacantes. Mas soube lidar com os seus pontos fracos e se superar para conquistar o Mundial.

Por fim, a lição que fica da vitória da Alemanha, a primeira vitória de um europeu nas Américas, é que o futebol do Velho Continente está muito a frente do Sul-Americano. Já são três Copas consecutivas e duas finais formadas apenas por europeus (Itália x França em 2006 e Espanha x Holanda em 2010). Taticamente e tecnicamente, as principais equipes da Europa estão muito a frente dos times e seleções de Brasil e Argentina. Embora a Colômbia tenha sido uma das seleções que mais gostei neste Mundial.

É preciso trabalhar. E demora para dar frutos. Neste domingo, Löw foi campeão mundial após dez anos de trabalho e três vezes em que bateu na trave (duas Euros e uma Copa). E ele já tem uma equipe preparada para voltar a brigar pelo título na Euro-2016 e na Copa da Rússia, em 2018. Afinal, o trabalho tem que continuar.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Montecchio x Capuleto

Messi, o craque que decide/Reprodução
Agora que a Copa do Mundo entra nos seus ESTERTORES, provavelmente nove entre dez brasileiros e argentinos estão torcendo loucamente por uma final entre Brasil e Argentina. São dois rivais cujas torcidas vêm se provocando desde o primeiro suspiro deste Mundial como se esperassem a hora do grande duelo no Maracanã.

A parte esta rivalidade entre duas nações que se amam e se odeiam e que amam se odiar, espécie de Montecchios x Capuletos do século XX, o futebol apresentado até aqui pelas duas equipes foi pobre. Bem pobre.

Se o futebol tivesse um mínimo de justiça, Colômbia e Holanda fariam a final desta Copa. Para mim, foram as melhores seleções, as que apresentaram o melhor futebol do Mundial. Entre as que restaram, Alemanha e Holanda seria a final mais digna. Os alemães só ficaram atrás de colombianos, holandeses e franceses se eu tivesse que fazer um ranking dos melhores times da Copa.

Mas e Brasil e Argentina? São dois times que passaram do prazo de validade no Mundial e vem jogando um futebol não propriamente feio, mas ultrapassado. Um futebol VINTAGE para, digamos, não ferirmos suscetibilidades.

Os dois rivais iniciaram a Copa vivendo situações semelhantes. O Brasil dependia de Neymar e tinha uma defesa forte e um meio-campo fraco. A Argentina dependia de Messi e tinha uma defesa fraca e um ataque forte.

Com o passar da Copa, a defesa da seleção só comprovou ser realmente muito boa. Pelo menos o quarteto compreendido por Júlio César, David Luiz, Thiago Silva e Luiz Gustavo. O meio-campo sequer apareceu até a partida de oitavas de final contra a Colômbia. E Neymar vinha fazendo uma Copa razoável até se machucar contra a Colômbia e ficar de fora do torneio.

Já a Argentina provou que não tinha uma defesa tão ruim assim. O zagueiro Garay vem fazendo uma ótima Copa, assim como o lateral-esquerdo Rojo. E o goleiro Romero vem surpreendendo com um bom Mundial. Mas o meio-campo pouco cria, o ataque não faz triangulações, pouco se fala em campo e o time é MUITO dependente de Messi. E o craque do Barcelona vem correspondendo. Decidiu quatro dos cinco jogos do Mundial.

O problema é que Brasil e Argentina não apenas jogam mal, mas jogam de uma forma que pouco se vê hoje em dia. E não tem como não culpar seus treinadores Luiz Felipe Scolari e Alejandro Sabella por isso.

Enquanto as maiores equipes, as que melhor jogaram nesta Copa apresentaram o futebol que temos visto nas principais competições do planeta – intensidade, velocidade, troca de posições, compactação, posse de bola, técnica, habilidade – Brasil e Argentina parecem presos aos anos 90.

O Brasil joga quase sempre num 4-3-3 que nem a Holanda exibe mais. Neymar e Hulk nos lados, Fred como um centroavante clássico. Um volante mais fixo (Luiz Gustavo), laterais que apoiam com frequência, Oscar atuando pelo lado do campo. Poucas variações, poucas trocas de posições e o único que tinha alguma liberdade em campo era Neymar. O ponto forte do time brasileiro é a defesa sólida (ainda que tenha levado gol em quatro dos cinco jogos) e algumas jogadas ensaiadas. Alguns gols desta Copa claramente nasceram de treinamento.

A Argentina também joga num 4-3-3, mas que afunila na entrada da área com Messi centralizado jogando naquela posição que gosta entre os volantes e os zagueiros, Higuaín de um lado, mas próximo da área, Lavezzi mais aberto do outro. No lado do Higuaín, quem atua mais aberto é Di Maria, que não jogará contra a Holanda, provavelmente dando lugar a Enzo Perez. Foi para ele que Messi tocou e foi dos pés de Di Maria que nasceu o passe para o gol do centroavante na vitória sobre a Bélgica.

Na defesa, Mascherano e Biglia (ou Gago) ficam mais centralizados. Rojo apoia muito, ajudando Lavezzi no ataque. Zabaleta não apoia tanto na direita, protegendo mais a defesa formada por Federico Fernandez e Garay. Também não há muitas variações no time, que tem contado com o brilho de Messi para seguir avançando meio aos trancos e barrancos.

O melhor jogo do Brasil foi contra a Colômbia. A seleção dominou a partida no primeiro tempo e fez um jogo equilibrado na etapa final. Foi melhor, mas longe do ideal. Com apresentações inferiores às do Brasil, ainda que tenha uma campanha melhor, a Argentina tem como melhor jogo a exibir a vitória por 3 a 2 sobre a Nigéria. Um bom jogo no primeiro tempo e razoável na etapa final.

É pouco. Muito pouco para duas camisas tão pesadas. Será que nas semifinais Brasil e Argentina vão finalmente aparecer nesta Copa com um futebol menos burocrático? Ou o duelo Montecchio x Capuleto será numa insossa disputa de terceiro lugar? Saberemos a partir das 19h de quarta-feira.

sábado, 5 de julho de 2014

Loteria? Que loteria?

Van Gaal deu um golpe de mestre/Reprodução
Lá atrás, quando eu fiz a seleção da primeira fase da Copa, esqueci de colocar o técnico. Depois fiquei pensando qual seria o treinador do Mundial. Exemplos não faltam. José Pekerman, da Colômbia, Jorge Sampaoli, do Chile, Didier Deschamps, da França. Ou mesmo Jorge Luis Pinto, da Costa Rica. Até que eu me dei conta que o time que eu  mais gostei taticamente foi a Holanda de Louis Van Gaal.

É muito raro ver o que a Holanda fez nesta Copa. A seleção já jogou no 5-3-2, no 4-4-2, no 3-5-2, no 4-3-3, no 4-3-1-2, e terminou a partida contra a Costa Rica jogando no velhíssimo esquema 4-2-4 usado naqueles tempos em que se amarrava cachorro com linguiça. Fez jogo cadenciado, atuando no contra-ataque, jogando na defesa, no ataque pressionando o adversário, enfim, a Holanda se adapta ao adversário e segue vencendo.

A Holanda de Van Gaal é uma aula de tática nesta Copa do Mundo. E exibe uma variação constante que só é possível quando você tem uma comissão técnica que entende muito de futebol e consegue encontrar os jogadores certos para as posições e funções certas da equipe. E Van Gaal tem como auxiliares dois ex-jogadores vencedores, o ex-zagueiro Danny Blind e o ex-atacante Patrick Kluivert. E também quando estes jogadores compram a ideia desta comissão técnica, se entregando em uma partida mesmo sabendo que não é certo que você será titular no próximo jogo.

Ou que vá jogar na sua posição de origem. Lembremos que Daley Blind, o filho de Danny, já jogou de zagueiro, volante e lateral-esquerdo nesta Copa. E Dirk Kuyt já foi atacante, sua posição de origem, lateral-esquerdo e meia.

No início da Copa, eu disse que a Holanda dependia de seu trio de ataque para ter sucesso neste Mundial. Se os trintões Robben, Van Persie e Sneijder não brilhassem, a seleção não iria longe. Van Persie começou bem, mas agora está mal, Sneijder cresceu nos últimos dois jogos e Robben é um dos craques do Mundial. Mas além deles, Van Gaal tem sido decisivo.

Tudo parece meticulosamente trabalhado pelo técnico. Foi com suas substituições que a Holanda derrotou o Chile por 2 a 0 e o México por 2 a 1 no final do jogo de oitavas de final. E neste sábado, Van Gaal chegou as raias do SADISMO ao tirar o goleiro titular Cillessen no fim do segundo tempo da prorrogação para colocar em campo o reserva Tim Krul para participar das cobranças de pênalti.

Logo isso criou uma celeuma. O que o futebol tem de legal, tem na mesma proporção de conservador. E alguns comentários foram de que o goleiro titular fora desprestigiado. Ora, esportes como basquete, futebol americano e vôlei têm especialistas, jogadores que são excelentes em um fundamento e ajudam os seus times a ganhar partidas. Por que o futebol teria que ser diferente? Por que o futebol tem que ser conservador e mimado para goleiros titulares ficarem melindrados com substituições neste momento da partida?

Neste sábado, Van Gaal acabou com a expressão que diz que pênalti é loteria. Tanto a decisão de colocar Krul, quanto a de escalar os seus melhores jogadores nas primeiras cobranças de pênalti foram não apenas um golpe técnico, mas psicológico diante da valente Costa Rica. Van Gaal queria ganhar o jogo logo desde o tempo normal, quando bombardeou a defesa adversária e parou na excelente atuação do goleiro Keylor Navas. Como não conseguiu, ele procurou ganhar o jogo o mais rápido possível na disputa de pênaltis. Conseguiu.

Após a partida, Van Gaal revelou que a decisão de colocar Krul caso houvesse uma disputa de pênaltis estava decidida desde sempre. Só não foi revelada para não abalar a preparação de Cillessen. Com fama de pegador de pênalti e cinco centímetros mais alto que o titular (1,93m contra 1,88m), Krul só pegara duas das últimas 20 penalidades atuando no futebol inglês. Mas ele foi escolhido pelo treinador para uma missão. Teve tempo para se preparar para uma eventual disputa de pênaltis, para estudar os batedores da Costa Rica. Tanto é que acertou o canto em todas as cobranças e pegou dois pênaltis.

- Cada jogador tem suas habilidades específicas. Todos nós achamos que Krul era melhor goleiro para uma decisão (por pênaltis). Vocês devem ter percebido que ele mergulhava sempre para o lado certo. Temos grande orgulho que isso funcionou para a gente – analisou o treinador após a partida.

É claro que Cillessen ficou irritado com a substituição. Ninguém gosta de sair de campo. Mas ele foi o primeiro a correr em direção a Krul para comemorar a classificação para a segunda semifinal consecutiva da Holanda. E pediu desculpas a todos depois.

Van Gaal tem o time não mão e os jogadores gostam dele. Tem uma seleção que joga com diferentes esquemas, os varia mesmo durante as partidas e tem sido bem sucedida na Copa com toda essa deliciosa INSANIDADE. O treinador resolveu reforçar o conceito de que técnico ganha jogo. E também graças a ele a Holanda está na semifinal.