sábado, 31 de outubro de 2015

Ponte dos espiões, o novo do Spielberg

Rylance e Hanks, o melhor do filme
Senhoras e senhores, vamos começar aqui o bingo do Steven Spielberg. 

- Criança chorando em momento emocionante. 
- Criança naquele momento de aprendizado com o papai. 
- Situações emocionantes pontuadas por aquele sobe som maroto com a trilha sonora épica. 
- O herói americano comum que faz o que é certo, independentemente das consequências. 
- Exaltação dos valores americanos. 
- Lições de coragem, amor e compaixão para a vida. 

BINGO!

Tem tudo isso em "Ponte dos espiões", novo filme do diretor americano. No trabalho, Spielberg deixa um pouco de lado o período entre guerras para falar de uma situação TENSA no auge da Guerra Fria: a troca de um espião soviético por outro americano em plena friaca da Berlim Oriental e num momento em que estão construindo o Muro de Berlim. 

Eram tempos difíceis aqueles. Mas quando escolhe uma conceituada firma de advocacia para defender o espião russo num julgamento que deveria ao menos parecer justo, o governo não sabia que estava lidando com um advogado casca grossa. 

Este cidadão se chama James B. Donovan (Tom Hanks naquele modus operandi "queria tanto ganhar mais um Oscar"). Donovan é um advogado de seguros que tem uma vida tipicamente burguesa, uma mulher loira e linda, dois filhos maravilhosos, uma casa azul confortável com um jardim na frente... enfim, a vida que todo adulto americano médio desejaria nos anos 60. Mas quando é chamado ao trabalho ele vai para o pau "duela a quem duela". 

É assim que ele aceita ir até às últimas consequências para defender o espião Rudolf Abel (vivido com muita categoria e um minimalismo certeiro por Mark Rylance). O russo não se preocupa com nada. A partir do momento em que foi pego espionando os americanos, ele parece saber que a cadeira elétrica é o seu destino. E não se preocupa. Afinal, ficar desesperado não ajuda mesmo. 

Mas Donovan o defende com garra, vai até a Suprema Corte pelo espião mesmo sabendo que é um dos homens mais odiados do seu país. "Ponte dos espiões" não é apenas um filme para todos amarem mais uma história americana. É também para todos admirarem os valores do Direito (advogados curtiram). Afinal, tanto no que diz respeito ao trabalho de Donovan quanto na vida de privações e negociações enfrentada pelos dois espiões presos, o que fica é uma lição do advogado: o que realmente aconteceu não importa. É preciso provar que os fatos aconteceram. 

É uma pena que neste ponto Spielberg não dá margem para uma dupla interpretação, para deixar uma pulga atrás da orelha do espectador. Todos nós sabemos que em nenhum dos dois lados os espiões cederam. Ok, se esta é a verdade (nunca saberemos dela realmente), mas um pouco de ficção não faria mal. Até porque eu duvido que Donovan tenha passado por alguns dos acontecimentos tensos do filme.  

Mas tudo bem. Isso não faz com que o filme não seja legal. Ainda que ele fique mais interessante na parte de Berlim e nas negociações pela troca dos espiões. "Ponte dos espiões" é uma boa diversão e vai ganhar da corneta uma nota 6,5.

sábado, 24 de outubro de 2015

Um filmaço chamado Sicário

Del Toro em "Sicário"
Benício del Toro parece o homem perfeito para o tipo de filme do gênero "Os Estados Unidos contra o narcotráfico". Ele devia ter feito uma participação em "Narcos". Se em "Traffic" (2000), de Steven Soderbergh, ele fazia Javier Rodriguez, um policial mexicano que combatia o tráfico na fronteira com os EUA e vivia em constante crise de valores, em "Sicário - Terra de Ninguém", Del Toro interpreta um tipo ainda mais ambíguo, sem lado e com interesses próprios que, por vezes, entram em acordo com os interesses americanos. 

Del Toro é uma espécie de assassino de aluguel com um passado doloroso que segue s lei maquiavélica de que os fins justificam os meios. Numa das melhores atuações da carreira do ator, seu personagem Alejandro, age com uma única motivação e se junta aos americanos numa cruzada para atingir em cheio o cartel mexicano de tráfico de drogas. 

Estamos em Ciudad Juarez e na fronteira do México com os Estados Unidos. Uma terra sem lei em que não se pode confiar nem na policial federal mexicana. O cartel é violentíssimo e descontrolado. Quem não o obedece é assassinado, mutilado e tem o corpo desfigurado exposto em praça pública. Corpos são deixados para apodrecer dentro das paredes de casas e a violência é BRUTAL. 

É neste cenário de guerra que um agente da CIA, Matt Graver (Josh Brolin), comanda uma ação para tentar aleijar o narcotráfico, destruindo o chefão de Juarez. Para isso, ele recruta a policial Kate Macer (Emily Blunt em belíssima atuação). 

Kate é uma agente do FBI cansada de enxugar gelo no Arizona. Por isso, ela resolve fazer parte da força-tarefa de Graver para tentar fazer algo realmente relevante para diminuir o violento comércio de drogas que chega aos EUA. O problema é que ela segue demais as regras, o que é um defeito para os tempos de guerra que aquele grupo vive, e logo perceberá que os limites foram especialmente alargados naquela missão. Tortura, assassinatos, tudo está liberado em nome da missão. Lidar com os dilemas éticos, enquanto convive com os próprios traumas e frustrações é o grande desafio da policial. 

Sicário é um retrato violento, duro e cru do narcotráfico mexicano e da falta de escrúpulos americana para combatê-lo custe o que custar. 

Essa linguagem crua e direta não é nada diferente do que o diretor Dennis Villeneuve fez um "Incêndios" (2010), drama que contava a história de dois irmãos que acabaram de perder a mãe e decidem ir em busca do passado dela, o que os leva até a Palestina. Neste filme, havia a impactante cena do ônibus queimado. Aqui, há uma série de imagens de profundo impacto visual, drama é crueldade, caso da cena do jantar. 

Villeneuve gosta de usar uma linguagem quase documental nos seus filmes. Em "Sicário" quase sempre parece que você está acompanhando uma real ação da polícia. Tudo com a crueldade que o cartel mexicano impõe. É um filmaço. 

Direção, roteiro, trabalho dos atores. Muitas coisas funcionam perfeitamente em "Sicário". Nem deu para fazer piada. É um grande filme sobre um tema sério. Assim, a Corneta se resume a dar ao filme uma nota 9.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Barulhinho bom

O Muse no HSBC Arena/Marcelo Alves
Teignmouth é uma cidadezinha de pouco mais de 15 mil habitantes (tipo um Moça Bonita lotado) que não tem nada e cuja temperatura no verão não ultrapassa os 20 graus. Diante deste cenário complicado, o que o jovem Matthew Bellamy podia fazer a não ser estudar guitarra? E piano? E muito. Foi o que ele começou a fazer aos 6 anos, quando a sua família se mudou de Cambridge para a cidade que fica em Devon. 

Só pode ter sido assim que ele se aperfeiçoou e virou um guitarrista abusadinho que usa a técnica do two hands logo na segunda música de um show para mostrar que estudar é tudo e dá retorno nesta vida. 

Foi em Teignmouth que Bellamy conheceu o baixista Christopher Wolstenholme e o baterista Dominic Howard. Pintou um clima e eles formaram o Muse. Décadas depois, a banda aterrissou no Brasil para mais um show no Rio após a explosiva apresentação no Rock in Rio de dois anos atrás. 

Além do two hands, Bellamy não economiza nas distorções, trabalha ali naquelas casas da guitarra onde o som sai o mais agudo possível e pedala como um ciclista (não vamos falar de política, é um tema delicado e eu quero manter meus 17 leitores). 

Para não ficar atrás do baixinho descrito pelo Wikipédia como um "tenor de ampla gama vocal" (quanta moral), Wolstenhome exibe uma coleção de baixos invocados com luzinhas vermelhas, brancas e verdes. É, amigos, não é apenas na Leader Magazine que já é Natal. Já Howard faz o que todo baterista deve fazer. Conduz a cozinha com competência e discrição. 

O show do Muse foi curtinho. Ficou ali perto de 1h30m. Econômico, barulhento e, pelo visto, emocionante para os seus fãs. Tinha gente cantando notas infinitas em "Starlight" (I just wanted to hoooooooold/you innnnnnnn my aaaaaaaaarms) e fazendo falsetinho em "Supermassive Black Hole" (cante com voz de Anderson Silva: "Oh baby don't you know I suffer?/Oh baby can you hear me moan?"). Tinha marmanjo chorando, tinha garota se esperneando, tinha gente dançando, e uma galera filmando. É quase um pecado que o show tenha durado tão pouco tempo. 

Dá para dividir o show do Muse em duas partes. A primeira teve um início vigorosos com "Psycho" e "Reapers", músicas do bom disco novo, "Drones", que serviu para um remelexo geral, uma empolgação, etc. Mas foi só em "Plug in baby", terceira música e do segundo álbum da banda, "Origin of Symmetry" (2001), que a plateia entrou em catarse. A partir daí só melhorou ou manteve o nível. 

A segunda parte poderia começar com a 12ª canção, "Madness". Aqui iniciou o grande karaokê do Muse e a Barra da Tijuca ganhou seus ares de Feira de São Cristóvão. Mas ninguém tentou cantar "Evidências". Como parecia que a banda queria ir embora cedo, foi emendando um sucesso atrás do outro e deixando a galera cantar. Foi nesta parte que veio "Supermassive Black Hole", "Time is Running out", "Starlight", "Uprising" e um bis curtinho com "Mercy", também do disco novo, e "Knights of Cydonia". 

No fim, tudo acabou em chuva de papel picado, como virou praxe nos shows no Hell de Janeiro e o povão gritando: Olê, Olê, Olê, Olê, MIUSÊ, MIUSÊ. 

Foi bom, voltem sempre. Mas eu não volto mais para a Barra esse ano (acho). 

Cotação da corneta: 7,5

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Viagens de barco, campos modestos, Panthiraikos e o lado B do futebol grego

O modesto time do Panthiraikos em sua reapresentação em agosto/Divulgação
No auge do verão europeu, enquanto muitos aproveitavam as incríveis praias e aguardavam com expectativa o tradicional e belo pôr do sol de Santorini, um time da famosa ilha grega dava o pontapé inicial na sua pré-temporada. Sob o olhar atento de sete torcedores, quatro deles senhores que conheciam os jogadores pelo nome e, por vezes, gritavam para eles da modesta arquibancada do estádio em Fira, o Panthiraikos voltava ao trabalho após uma temporada que podia ser definida como frustrante.
Derrotado na prorrogação da semifinal do Campeonato das Ilhas Cíclades, a equipe, uma das principais de Santorini, perdeu a chance de jogar a final e, consequentemente de conseguir uma vaga na terceira divisão de futebol da Grécia. Naquele fim de tarde ensolarado e de muito calor, o pequeno clube grego, renovava as esperanças de voltar a jogar em uma das principais divisões do futebol profissional da Grécia com uma cerimônia religiosa.
Dentro do campo, um padre da igreja ortodoxa, a principal religião do país, abençoava um a um os jogadores, a comissão técnica e os dirigentes da equipe. Esse tipo de cerimônia é uma tradição na Grécia. É neste momento que os jogadores e todos no clube pedem a proteção divina para que consigam fazer uma boa temporada e não sofram lesões graves. Para o Panthiraikos, também seria interessante pedir um pouco de sorte para não sofrer com gols nos minutos finais da prorrogação. 
O time é abençoado por um padre em sua reapresentação/Marcelo Alves
Nas décadas de 80 e 90, o clube de Santorini, fundado em 1970 do século passado, disputou as principais divisões do futebol grego. Mas hoje vive uma realidade bem mais modesta. Joga o Campeonato das Ilhas Cíclades, liga amadora que poderia ser considerada uma espécie de quarta divisão grega e reúne clubes de conhecidas ilhas gregas como Santorini, Mikonos e Naxos, destinos de milhares de turistas que desconhecem a dura realidade do futebol local. 
No caso do Panthiraikos, por exemplo, o clube sobrevive com um orçamento modesto. Seu elenco é composto por 30 jogadores, sendo 10 deles da base. A grande maioria não vive do futebol e trabalha em Santorini como garçom ou no comércio local.
- Alguns jogadores nasceram aqui em Santorini e vivem na ilha. Mas eles têm outros trabalhos, não são profissionais. Nesta temporada, contratamos alguns jogadores (profissionais) e espero que eles nos ajudem a evoluir e melhorar (o jogo) dos nossos jovens talentos no campeonato - explica Babis Kambourakis.
ARQUIBANCADAS CHEIAS
Babis é o que se pode chamar de um assessor de imprensa informal do clube. Filho do presidente do Panthiraikos, ele cuida da atualização do site (www.panthiraikos.gr, infelizmente somente em grego) e das redes sociais, como a página do time no Facebook.
Ele conta que, do orçamento do time, 30% vem de empresários de Santorini que patrocinam a equipe. Os donos e o corpo diretor do clube também contribuem para a sobrevivência do Panthiraikos. Mas outra parte substancial, que chega perto de 25%, acreditem, vem da bilheteria. O clube garante que o estádio com capacidade para pouco mais de 600 pessoas está sempre lotado quando o time joga em casa. Fruto de uma extrema simpatia do povo de Santorini pelo time que tem a equipe como segundo clube do coração.
- Até porque muitos dos que vêm ver o time já jogaram uma temporada ou alguns jogos pela equipe - conta ele.
Como o ingresso para ver uma partida da equipe custa cinco euros (R$ 21), o clube garante a cada vez que joga em casa, e em caso de 100% de ocupação, um montante de 3.000 euros (R$ 12.850). 

O modesto estádio do Panthiraikos na ilha de Santorino/Marcelo Alves
DESAFIOS CLIMÁTICOS
Mas o time tem sempre que fazer contas para não fechar os meses e a temporada no vermelho. Isso porque o Panthiraikos e outros clubes das ilhas gregas sofrem com problemas que times do continente não têm: o alto custo das hospedagens nas ilhas gregas quando viaja para jogar fora de casa e das passagens de barco, único meio de transporte usado para as equipes se deslocarem nos jogos fora de casa.
E os custos podem aumentar ainda mais em caso de problemas climáticos. Principalmente no inverno, são frequentes os cancelamentos de viagens de barco por causa dos fortes ventos no Mar Mediterrâneo. Assim, durante o Campeonato e a Copa das Ilhas Cíclades, o outro torneio que o Panthiraikos disputa, há muitos jogos adiados. E, por vezes, os times que já fizeram sua partida não conseguem voltar para casa imediatamente, ocasionando mais despesas com hospedagem e alimentação das equipes.
- Muitas vezes saímos do barco direto para o jogo. E, em algumas situações, depois da partida só conseguimos retornar dois dias depois - conta Babis, lembrando que os ventos são um empecilho para os deslocamentos de barco nas ilhas gregas.

O time em seu primeiro treinamento na pré-temporada/Marcelo Alves
Além da questão climática, não há viagens de barco diárias para todos os destinos nas ilhas Cíclades, como já constatou qualquer turista que tentou visitar a região. Portanto, o planejamento é uma tabela amiga são fundamentais na hora de equacionar os custos. O clube também conta com uma pequena ajuda das empresas que comandam o transporte marítimo na região. Um desconto nas passagens que varia de 5% a 10%.
- Não é muito grande, mas ajuda - diz Babis.
Enquanto a primeira divisão grega já começou, o campeonato das ilhas Cíclades, só teve o seu início no domingo passado. A liga estava programada para começar entre o fim de setembro e o início de outubro, mas foi adiada por causa das eleições gregas após a renúncia de Alexis Tsipras no fim de agosto. Logo na estreia, o Panthiraikos fez o clássico de Santorini contra o Thiella Kamari, fora de casa, e empatou por 1 a 1.
EFEITOS DA CRISE
A crise financeira que a Grécia sofre também atingiu duramente os pequenos clubes do país. Antes mesmo de o governo Tsipras aprovou um duro pacote que, inclusive afetará as ilhas gregas, para obter um novo socorro financeiro do banco central europeu, o torneio sofreu uma redução de tamanho para cortar custos. O objetivo era diminuir o número de viagens e, consequentemente, gastos com hospedagem. Assim, o Campeonato das Ilhas Cíclades passou a ter duas divisões com 12 clubes é regra de acesso e descenso internas.
E para manterem viva a paixão pelo futebol, até rivais se ajudam. A grande rivalidade de Santorini é entre o Panthiraikos, nome que significa algo como "O clube de toda Santorini", e o Thiella Kamari, que significa "o vento de Kamari", região de Santorini conhecida por sua praia com areia escura e águas calmas e cristalinas. Mas a disputa entre os dois não impediu que o Panthiraikos disputasse toda a temporada passada no estádio do Thiella enquanto o seu próprio estádio passava por reformas.
O estádio do Panthiraikos em Santorini/Marcelo Alves
Agora o estádio de grama artificial - por causa do clima e o forte calor todos os campos das ilhas gregas são de grama sintética - está pronto para receber os jogos do Panthiraikos e muitos torcedores, como aconteceu na vitória por 2 a 1 no amistoso contra o Thriamvos Haidariou, pequeno clube de Atenas, durante a pré-temporada.
Tanto o Panthiraikos quanto o Thiella vão lutar pelo sonho de jogar a terceira divisão grega na próxima temporada. Babis diz que o time vem muito forte para a disputa e esse ano tem boas chances de ser campeão.
- Nós contratamos alguns jogadores experientes, que já jogaram a Série C na temporada passada ano passado e acho que eles vão nos dar o algo a mais necessário para subirmos de divisão.
É o que espera o torcedor de Santorini que, enquanto admira o espetáculo do pôr do sol na região de Fira, aguarda o novo alvorecer do Panthiraikos rumo às divisões profissionais do futebol grego. 
(Post originalmente publicado no blog Planeta que Rola)

domingo, 4 de outubro de 2015

Uma cilada em Marte

Matt Damon se meteu numa gelada
Vocês achavam que a corneta tinha desaparecido né? Nada disso. Eu apenas fiz uma longa viagem e voltei rapidamente pegando atalho num wormhole para desvendar os mistérios de Matt Damon em Marte. 

Imagine você ser condenado a viver quatro anos sozinho num lugar inóspito ouvindo ABBA e Glória Estefan? Realmente é para deixar qualquer um pirado. Mas o astronauta Mark Watney (Matt Damon) manteve a sanidade e só por isso ele já poderia ser considerado um herói da humanidade. 

Watney é o botânico que se meteu numa enrascada de participar de uma missão da Nasa em Marte. Na teoria é tudo lindo. Você vai explorar um lugar incrível e desconhecido, será um desbravador do planeta vermelho (ou meio laranja), contribuirá com a ciência, fará experiências. Mas você nunca pensa na variável: e se acontecer alguma cagada? Que tipo de cagada, você diria? Ah, uma tempestade inesperada por exemplo. 

É claro que ela vai aconteceu. Do contrário, "Perdido em Marte", o novo e muito bonito (esteticamente e qualitativamente) filme de Ridley Scott não duraria mais do que cinco minutos. No problem, no fun, amigos. 

Watney estava numa boa numa missão com seus cinco colegas astronautas (entre eles Jessica Chastain. Pausa para admiração gratuita. Que atriz! Que mulher!) quando uma tempestade pega todo mundo de surpresa. Nisso o botânico é atingido por uma antena de comunicação, desaparece na imensidão e os colegas pensam que ele está morto. 

A galera vai embora e Watney desperta sozinho e tendo que se virar para sobreviver. Lavar, passar, cozinhar, limpar a espaçonave. Tudo é por conta dele porque em Marte não tem diarista não. Bom, mas isso acaba sendo uma terapia para o nosso herói botânico, afinal, ele não tem muito o que fazer em Marte, uma vez que não tem TV a cabo para ele ver a NFL ou a Liga dos Campeões, e muito menos internet. 

O problema é que Watney não tem suprimentos suficientes para viver quatro anos até a próxima missão da Nasa até Marte. O que o astronauta então decide fazer? Plantar batatas! E usando o próprio cocô como adubo. Não tentem isso em casa crianças. 

"Perdido em Marte" é um filme de sobrevivência. Aquele típico do "one man against the nature". Um dos expoentes deste gênero é "Náufrago" (2000), aquele filme em que o Tom Hanks fica numa ilha deserta interagindo com uma bola de vôlei, aquela educação física que a gente faz na escola. 

O filme de Ridley Scott não é tão ousado quando o de Robert Zemeckis, que coloca o personagem principal sozinho em mais da metade das cenas. Em "Perdido em Marte", os momentos de sobrevivência de Damon são intercalados com o que o povo na Terra está fazendo para salvá-lo. 

Mas é compreensível essa diferença. Afinal, quando você está numa ilha deserta, a sua identificação com o personagem para resolver os problemas é imediata. Ele precisa fazer fogo? Junta dois gravetos há pedra e material inflamável. Está com sede? Sobe num coqueiro. No caso de Marte, cada solução é acompanhada de cálculos científicos e equações complexas (um jornalista jamais sobreviveria no planeta vermelho). E tudo precisa ser explicado para o entendimento de quem vê o filme. 

O que é legal no roteiro de Drew Goddard baseado no livro de Andy Weir é que estas explicações não são acompanhadas de uma ciência pesada como em "Interestelar" (2014). Tudo é com leveza e até uns chistes. É dado na medida certa. Sem exageros, sem aquela física na veia. Só o necessário que não prejudique muito a fluidez do filme e nem o faça perder o ritmo. 

Na ausência de uma bola de vôlei, a grande companheira de Watney é a câmera. Através dela ele reporta e documenta tudo o que faz, conta piadinhas e reclama da trilha sonora da comandante Lewis (Jessica Chastain), uma fã de disco music. Ninguém é perfeito, gente. Mas pelo menos toca David Bowie (óbvio que esse filme tinha que ter "Starman").

Scott fez o filme com a consultoria da Nasa. Segundo ele, que disse que já sabia da existência de água em Marte dois meses antes do anúncio oficial, pois virou best dos caras, só duas coisasno filme não tiveram base científica: a tempestade que causa todos os problemas da história e a gravidade. Mas em nome da narrativa, os cientistas da Nasa não implicaram. 

Mas tem outra coisa difícil de acreditar. China e Estados Unidos trabalhando juntos e transferindo tecnologia de ponta entre si em nome do bem maior de salvar vidas? Duro de engolir hein. Assim como é difícil acreditar num pool de empresas no planeta para investir no espaço. 

Mas isto são filigranas. O que importa é que o filme tem muitas qualidades, o roteiro é bem amarrado e inspirado, a trilha sonora é simpática, os atores estão bem e o Matt Damon segura bem o desafio de interpretar sozinho durante boa parte do filme. Parabéns, Scott, você se redimiu depois daquelas bombas como "Prometheus" (2012) e "Êxodo: deuses e reis" (2014). Por isso, a corneta dará uma nota 8 para "Perdido em Marte".