quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vale o ingresso?

Fui ver “O Turista” e sai do cinema aparentemente sem ter muito que dizer. Óbvio que comprei o ingresso para ver os lábios carnudos e outras coisas carnudas da Angelina Jolie e para ver o sempre excelente ator Johnny Depp, o que seria para mim uma espécie de reserva artisticamente moral do filme. Claro que valia a pena ainda por ser um filme de Florian Henckel von Donnersmarck. Não ligou o nome a pessoa? Eu explico. O alemão com nome de duque de Augsburg é o diretor de “A vida dos outros” (2006), o trabalho que lhe deu um Oscar de filme estrangeiro.

Com tantas credenciais, “O Turista” tinha tudo para ser na pior das hipóteses um filme-pipoca pelo menos divertido. Mas, sei lá, sai do cinema com aquela cara de bunda de quem comprou um produto mais pela grife do que por sua real funcionalidade.

Em primeiro lugar Depp não está inspirado. Faz o filme como se estivesse aproveitando férias em Veneza. Mas não chega a ser aquele estilo “estou me divertindo e ganhando um dinheiro honesto” de “Piratas no Caribe”, por exemplo. É quase preguiçoso. Definitivamente o professor de matemática Frank Tupelo que é confundido com Alexander Pierce, um homem que rouba 744 milhões de libras de um gângster inglês que só anda com capangas russos (sim, eu também não entendi nada), não tem nem de perto a graça de um Jack Sparrow.

Então Depp está ali tirando férias em Veneza, ganhando uma grana e ainda tem a sorte grande de dar um beijo na boca da Angelina Jolie. Isso, claro, já é ganhar na Mega-Sena da virada. Quantos (as) tiveram essa chance? Melhor que isso só se o cara fosse o Brad Pitt. Ou seja, casado com ela.

E assim chegamos ao segundo ponto do vértice. Angelina está ali fazendo o que dela se espera, que é viver o papel eterno de Angelina Jolie, mulher linda, maravilhosa, quase perfeita, sexy, provocadora e que gosta (muito) de sexo. Nada diferente do que ela fez em “Sr. e Sra. Smith” (2005), “O Procurado” (2008) e “Salt” (2010). Sendo que só o primeiro é realmente muito bom. Nos últimos tempos ela só fugiu um pouco desse papel em “O preço da coragem” (2007) e “A Troca” (2008). Bom resultado no primeiro, difícil de engolir no segundo. E vamos esquecer aquele filme constrangedor chamado “A lenda de Beowulf” (2007).

Em “O Turista”, Angeline é Elise Clifton-Ward, mulher de Pierce, que está em busca de um meio de reencontrar o seu grande amor, mas vai acabar tendo uma quedinha pelo personagem de Depp quando estiver a procura de alguém que seja parecido com Pierce para tentar enganar a Scotland Yard, mais precisamente os inspetores John Acheson (Paul Bettany) e Jones (Timothy Dalton), que estão no encalço de Pierce. Quando vocês verem o filme vão entender porque ela faz tudo isso.

Do trio, portanto, Angelina é a única que não decepciona porque faz o que dela se espera. É quando chegamos a Von Donnersmarck. Nada contra suas belas tomadas de Veneza e seu estilo de dirigir, mas o alemão assina também o roteiro junto com Christopher McQuarrie e Julian Fellowes e aí é que a casa cai quando o comparamos primeiro com o seu filme mais famoso (e eu nem devia estar fazendo isso. É uma afronta do tipo Claudia Leite no Rock in Rio) e em segundo lugar com outro filmes do gênero bandidos-fazendo-fugas-improváveis-e-quase-românticas.

Não vou muito longe. Perto do recente filme de Russel Crowe, “72 horas”, que é no mesmo estilo, as saídas do roteiro do trio de “O Turista” são bem fraquinhas. Tem um momento em que ele tenta surpreender, mas acaba confundindo e não dá uma conclusão satisfatória no que Angelina ou Depp representam verdadeiramente ou não. Fica aquela coisa amorfa, confusa e sem muita criatividade. E não vou nem citar “O Plano Perfeito” (2006), de Spike Lee, o melhor filme de bandidos que se dão bem dos últimos tempos.

Assim “O Turista” me deixou com uma sensação de quem comprou produto pirata na fronteira com o Paraguai. Pode ser divertido? Pode. O filme é leve e tem umas tiradas engraçadinhas. Mas diante da inflação do cinema (aumentou R$ 2 na virada para 2011!), talvez eu deva escolher melhor da próxima vez.
Claro que eu não farei isso se Angelina Jolie estiver nos créditos.

No final das contas, descobri que eu tinha muito a dizer sobre “O Turista”. E o filme só serviu também para fazer surgir um desejo de conhecer Veneza.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Um filme nada Biutiful

Tudo o que Woody Allen fez de positivo por Barcelona em “Vicky Cristina Barcelona” (2008), Alejandro González Iñarritu tratou de destruir em “Biutiful”. Se com o diretor americano, vemos uma cidade solar, palco de amores, casais apaixonados, uma vida hedonista e belíssimos cenários, com o mexicano acompanhamos uma espécie de lado B de Barcelona, algo nada bonito ou simpático.

É a miséria humana. Com Iñarritu, a bela praia de Barceloneta só serve de cova para despejar imigrantes chineses ilegais que morrem em um depósito num fundo de quintal da cidade. A Ramblas, famosa rua da cidade, é um antro de senegaleses vendendo produtos baratos e drogas, muitas drogas. Já a igreja da Sagrada Família é uma obra faraônica encravada no meio de uma quase favela de uma cidade que expõe a olho nu as duras desigualdades e preconceitos que a população que ali vive sofre. É o horror e a miséria. Uma Barcelona como você nunca viu quando foi lá como turista. “Biutiful” é sofrimento. Não existe felicidade num único fotograma das duas horas e meia de película.

Curiosamente, o protagonista da bela Barcelona de Woody Allen é o mesmo da terrível Barcelona de Iñarritu. Javier Bardem é Uxbal, um marginal qualquer, um cafetão sociológico que ganha dinheiro explorando imigrantes ilegais em Barcelona sob a pecha de que os está ajudando a conseguir emprego e a trabalhar na Europa, a terra das oportunidades que não são encontradas na China e na África.

Enquanto tenta ser um bom pai para os seus dois filhos pequenos, Uxbal tem que lidar com sua mulher, Marambra (Maricel Alvarez), que vive dando para o seu irmão, Tito (Eduardo Fernández), e sofre de transtorno bipolar, e descobre que tem apenas dois meses de vida por causa de um câncer de próstata em estágio muito avançado. Pode piorar? Pode. Uxbal também ganha um dinheiro extra fazendo bicos explorando os seus dons sensitivos. Ele consegue entrar em contato com os mortos para buscar uma palavra de conforto para os parentes que ainda estão sofrendo a dor da perda de entes queridos.

Iñarritu não economiza no sofrimento de todos. Ele quase tem prazer em mostrar o quanto a vida é, para ser bem direto, uma merda. Perto de “Biutiful”, “Amores Brutos” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006) são filmes quase positivos. Isso porque aqui ele chega no limite da dor a ponto de uma mulher que sentava no meu lado no cinema exclamar: “Meu Deus, por que esse homem não morre logo!”.

“Biutiful” é o primeiro filme de Iñarritu sem o parceiro e roteirista Guillermo Arriaga. Depois da briga de egos entre os dois, o próprio Iñarritu resolveu assinar o roteiro junto com Armando Bo e Nicolás Giacobone. A diferença mais visível do seu trabalho atual em relação aos anteriores é o abandono da estrutura narrativa de três histórias que num determinado momento se encontram.

Agora tudo é centrado em Bardem. Ele é o elo de ligação que irá flutuar sobre os três momentos do filme: A sua história com a mulher problemática e bipolar, o drama dos senegaleses que vendem drogas na cidade, e a vida dos imigrantes chineses na fábrica de bolsas falsificadas, cujo dono vive um caso homossexual com o sócio, mas mantém as aparências com uma família supostamente feliz, apesar da desconfiança da esposa de que aquela Coca é Fanta.

Digamos que Iñarritu tenha invertido a lógica de suas narrativas para dar uma variada num momento em que muitos resolveram imitá-lo. Até o Clint Eastwood como você pode ler no post abaixo.

O resultado é satisfatório. “Biutiful” não é o melhor filme do diretor (continuo preferindo “21 Gramas”), mas é intenso, pesado e uma porrada na alma. Você sai do cinema meio grogue e se sentindo mal pelo estado de degradação humana a que Iñarritu te expõe. Definitivamente, esperança e felicidade não são palavras encontradas no dicionário do diretor. Só dá para ficar bem é com a ótima atuação de Bardem, o ator que viveu os prazeres, as dores e os desafios dos extremos destas Barcelonas de Woody Allen a Alejandro González Iñarritu.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Após a morte

Hoje com 80 anos, Clint Eastwood tem feito da morte uma reflexão e uma companheira constante em seus filmes nos últimos sete anos. Se em “Menina de Ouro” (2004), ela usa a história de uma jovem boxeadora vivida por Hilary Swank para debater a questão da eutanásia, em “Gran Torino” (2008), é o próprio Clint quem vive um ex-militar aposentado que tem que conviver com a tristeza da solidão após a viuvez e se reinventar numa cidade que agora lhe é hostil por estar tomada de imigrantes que ele combateu e matou em guerras que os americanos volta e meia se envolvem.

“Além da Vida” é mais uma vez um Clint Eastwood que se defronta com a morte, mas que tenta buscar um sentido que vá além do fim. O diretor quer algo maior do que o mero desfecho de um pedaço de carne jogado num pedaço de madeira e este dentro de uma cova a sete palmos.

Utilizando uma técnica de narrativa de histórias que se entrecruzam num determinado momento que ficou bastante manjada depois de uma seqüência de filmes de Alejandro Gonzalez Iñarritu, Eastwood monta um filme delicado sobre um tema igualmente sensível que lida com fé e no que você acredita ou não que possa acontecer quando a sua hora chega.

Um dos pontos desse vértice é Marie LeLay (Cécile de France, num excelente trabalho). Jornalista famosa e competente, ela está passando férias na Tailândia com o namorado Didier (Thierry Neuvic) no momento em que um tsunami atinge aquele paraíso devastando tudo e causando centenas de milhares de mortes. Ali, Marie terá uma experiência de quase morte que a marcará profundamente e mudará para sempre a sua existência.

Corta para São Francisco, onde um ótimo Matt Damon é George Lonegan, vidente que tem poderes de ter contato com os mortos e envia mensagens para aqueles que estão no mundo carnal. Lonegan, porém, não quer mais viver essa vida, pois “uma vida dedicada aos mortos nunca poderá ser uma vida”.

Suas tentativas de se afastar do seu destino, do dom que ganhou para ajudar aqueles que sofrem com a perda de entes queridos, serão sempre frustradas ao mesmo tempo em que Lonegan não extinguirá a solidão que o deixa num vazio a cada noite em que come sozinho na apertada cozinha do seu apertado apartamento.

Enquanto isso, em Londres, Marcus e Jason (os irmãos Frankie e George McLaren) vivem dois irmãos gêmeos muito unidos que são filhos de uma mãe drogada e alcoólica. O problema é que quando Jason, o mais falante e extrovertido e uma espécie de líder da dupla acaba falecendo ao ser atropelado por uma van, a vida de Marcus também fica sem rumo, só lhe restando a saudade e uma desesperadora necessidade de ouvir pelo menos uma última palavra do irmão, o que o levará a incontáveis charlatães. Pelo menos até ele cruzar com Lonegan.

É uma grande coincidência que em meio a tantos filmes espíritas de sucesso no Brasil, Clint Eastwood e o roteirista Peter Morgan – de “Frost/Nixon (2008), “A Rainha” (2006) e “O último rei da Escócia” (2006) – tenham realizado um trabalho com uma temática tão presente entre os seguidores dessa religião. Conduzindo a sua câmera com extrema delicadeza e quase que abrindo mão da trilha sonora, Eastwood parece tatear sobre o tema ao mesmo tempo em que busca respostas para o que há nesse além da vida.

É como se tentasse especular sobre o que vem depois da escuridão, se é que há uma escuridão, uma vez que tantas histórias de experiências de quase morte relatam luzes brilhantes e sentimentos de paz e tranqüilidade.

Ao mesmo tempo, “Além da vida” é um exercício de como lidar com a solidão e uma perda de rumo diante de algo inevitável que é a morte. E aí, o diretor não fala apenas da perda da vida em si, mas também do vazio profissional causado pelo fácil descarte e substituição no emprego, pela sensação de abandono e solidão quando você se vê sozinho num mundo que não conta mais com a proteção de quem estava ali próximo de você. Ou mesmo o vazio de alguém que busca a simplicidade de uma vida normal e não consegue ser compreendido nem por quem é da própria família e supostamente deveria querer o seu próprio bem. É um pouco se reinventar diante de uma suposta escuridão ou ausência de saídas.

“Além da vida” certamente não é o melhor filme de Clint Eastwood, mas é um dos mais interessantes e de um refinamento que é próprio do diretor que nas últimas décadas tem se dedicado a lapidar diamantes para expô-los nas salas de cinema para deleite geral. E nessa trajetória de 35 trabalhos atrás das câmeras até aqui, Eastwood já se mostra há algum tempo um diretor maduro que sempre tem o que dizer e que merece sempre ser ouvido.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Godard

Jean-Luc Godard é daqueles cineastas que ou você ama ou você odeia. Sua obra parece não caber o meio termo e a análise pontual. E enquanto os seus fãs o defendem com ardor, seus detratores usam a mesma paixão para expor suas ideias, embora nem sempre na ágora pública, pois lamentavelmente parece ser um pecado na sociedade não gostar de Godard. Mal comparando, falar mal de Godard – ou de Ingmar Bergman ou François Truffaut – é como cometer um pecado venal entre os fãs de cinema. É quase como falar mal de Chico Buarque no Brasil.

Como em “Memórias da Alcova” impera a democracia participativa e o debate livre de ideias, há espaço para falar o que quiser de quem bem entender e estamos entendidos. Todavia, eu faço parte dos que amam Godard.

No ano em que completou 80 anos, o cineasta francês rompeu um silêncio de quatro anos para fazer uma confirmação de suas ideias através de mais um filme sim de difícil compreensão e obviamente sem roteiro, o que parece ser uma marca de Godard. Nem sei como é que aparece nos créditos dos sites o nome dele como roteirista.

Constituído por três partes diferentes, “Film Socialisme” é um Godard em grande forma abusando do que a cinematografia tradicional considera “sujeira” (ruídos, sons, luz estourando, imagens desfocadas) para criar uma obra sim de difícil compreensão imediata, mas que por incrível que pareça tem uma conexão – tênue, mas existente. A conclusão fica para quem vê e para o debate. Godard nunca foi de expor o caminho para um desfecho, de ceder à facilidade de um “the end”, deixando que o espectador construa como bem entender essa estrada.

“Das Coisas como” abre o filme do cineasta francês mostrando um cruzeiro pelo Mar Mediterrâneo numa verdadeira babel de línguas e cores associada a colagens de conversas em que o cineasta usa os fragmentos de textos para refletir, a partir dessas múltiplas conversas em múltiplas linguagens, sobre a guerra e uma suposta decadência da sociedade europeia. “Nossa Europa” mostra um casal de irmãos convocando os pais a comparecerem a uma espécie de tribunal de sua infância em que são discutidos liberdade, igualdade e fraternidade, os velhos temas da Revolução Francesa.

Já “Nossas Humanidades” resgata lugares cruciais ou não para a construção e a formação da sociedade que conhecemos e através deles (Egito, Palestina, Odessa, Grécia, Nápoles e Barcelona) Godard reflete sobre a evolução da sociedade, história, conhecimento, liberdade e a expressão do nacionalismo de diferentes formas.

Uma linha tênue liga os três momentos com o cruzeiro pelo Mediterrâneo (onde vemos uma participação especial da cantora Patti Smith) servindo de base para Godard expor conceitos como “o dinheiro foi inventado para que os homens não precisem se olhar nos olhos” ou “Se a lei está errada, a justiça passará por cima dela”. Afinal, questões discutidas no segundo momento ou passagens do terceiro são igualmente temas recorrentes daquele primeiro momento.

No quebra-cabeças de Godard, este cruzeiro é o ponto-chave para compreender “Film Socialisme”. A partir dele, o cineasta expõe sua crítica ácida e nos conduz nessa jornada só possível pelas mãos do cineasta que só é daqueles gênios sem meios termos porque também não tem meias palavras.